XXVII Congresso Interamericano de Engenharia Sanitária e Ambiental
III-027 - QUALIDADE DAS ÁGUAS EM UMA ANTIGA ÁREA DE
RECEBIMENTO DE RESÍDUOS SÓLIDOS URBANOS DE
PASSO FUNDO - RS
Ivo André Homrich Schneider(1)
Professor do Curso de Engenharia Civil da Universidade de Passo Fundo (UPF). Mestre e
Doutor em Metalurgia Extrativa pelo Programa de Pós-Graduação em Engenharia de
Minas, Metalúrgica e dos Materiais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Roberto Naime
Professor do Departamento de Engenharia Civil da Pontifícia Universidade Católica do RS
(PUC-RS) e da Universidade de Passo Fundo (UPF). Mestre em Geociências pela
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Doutorando em Geologia Ambiental pela
Universidade Federal do Paraná.
Fernanda Cauduro
Aluna do Curso de Engenheira Civil da Universidade de Passo Fundo (UPF).
Endereço(1): Universidade de Passo Fundo - Faculdade de Engenharia e Arquitetura - Campus - Bairro São José Passo Fundo - RS - CEP: 99001-970 - Brasil - Tel: (54) 316-8424 - Fax: (54) 311-2789 e-mail: [email protected]
RESUMO
A decomposição dos resíduos sólidos urbanos gera um líquido conhecido como chorume, o qual contém
elevada concentração de matéria orgânica e outros poluentes que podem contaminar as águas superficiais e
do lençol freático. O município de Passo Fundo empregou a área denominada “Invernadinha” como local
para disposição dos resíduos sólidos, sendo desativado no ano de 1995. Portanto, o objetivo deste trabalho foi
caracterizar a qualidade das águas na área de influência do aterro. Os estudos mostraram que a água de um
córrego próximo não está contaminada, porém a água do lençol freático apresenta altos valores de íons
dissolvidos, sólidos, carga orgânica e microrganismos. Ensaios geotécnicos indicaram que o
comprometimento ambiental no local foi minimizado pela baixa permeabilidade do solo.
PALAVRAS-CHAVE: Lixo, Resíduos Sólidos, Chorume, Água.
INTRODUÇÃO
O lixo, quando disposto inadequadamente, sem qualquer tratamento, pode poluir o solo e a água, alterando as
características físicas, química e biológicas, constituindo-se em um problema de ordem estética e uma ameaça
a saúde pública.
A percolação de águas pluviais nos depósitos de lixo promove a lixiviação de diversos produtos inorgânicos e
orgânicos decorrentes da decomposição do lixo (“chorume”). Este líquido apresenta cheiro, alta acidez,
elevada carga orgânica, vários microrganismos, metais pesados, entre outros compostos. Os corpos d´água
que recebem o chorume apresentam uma mudança de coloração, depressão do nível de oxigênio e uma
contagem excessiva de germes patogênicos. Essa poluição promove impactos graves no meio aquático, com a
quebra do ciclo vital das espécies (IPT/SEMPRE, 1995; TORRES et al, 1997).
A caracterização geomorfológica e geotécnica, bem como a avaliação da qualidade dos recursos hídricos
próximos a áreas de recebimentos de resíduos sólidos, tem sido uma prática cada vez mais empregada na
avaliação do impacto ambiental e no estudo de propostas de remediação (JUCÁ et al, 1996; JUCÁ et al,
1998).
A área em estudo no presente trabalho serviu, da década de 70 até o ano de 1995, como local de disposição de
resíduos sólidos urbanos do Município de Passo Fundo, RS, na forma de aterro controlado, quando foi
substituída pelo atual aterro sanitário. Atualmente o local encontra-se desativado, recebendo, eventualmente,
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resíduos de podas e jardins. Próximo há uma nascente que dá origem a um córrego que deságua na margem
direita do Rio Passo Fundo. Não se sabe até que ponto o lixo contribui para a poluição das águas superficiais
e do lençol freático. Verifica-se, ainda, que algumas famílias residem próximo a área e dependem dos
recursos hídricos locais para o consumo próprio.
Para a realização do presente trabalho, partiu-se da hipótese de que as águas pluviais, ao percolar através do
aterro, poderiam estar contaminando o referido córrego e as águas do lençol freático. Desta forma, o objetivo
deste trabalho foi caracterizar a qualidade das águas sob a influência do antigo depósito de lixo de Passo
Fundo. De forma mais específica, foram investigadas a extensão e profundidade do aterro bem como avaliouse a qualidade da água em uma fonte próxima, do córrego situado a jusante do aterro e da água do lençol
freático. Adicionalmente, foram efetuados estudos para averiguar a permeabilidade do solo local.
MATERIAIS E MÉTODOS
O monitoramento da área tem sido realizada desde janeiro de 1999, porém as análises de água apresentadas
foram efetuadas em amostras coletadas em agosto de 2000. A Figura 1 apresenta um croqui com os pontos
de coleta: vertente (P1), córrego (P2 e P3) e dois poços de observação com 1,0 m de profundidade (S1 e S2).
Os poços foram locados entre o lixo e o córrego e foram revestidos com tubulação de PVC. Realizou-se as
seguintes análises: sólidos sedimentáveis, sólidos suspensos, sólidos totais, turbidez, pH, condutividade,
DQO, nitrogênio, fósforo, cloretos, nitratos, dureza total, sódio, potássio, ferro, manganês, cobre, zinco,
cromo, coliformes fecais, coliformes totais e contagem microbiana total. Todas essas análises foram
realizadas conforme o “Standard Methods for Water and Wastewater Analysis” (APHA, 1995).
Figura 1. Croqui esquemático do aterro “Invernadinha”.
O levantamento das condições do aterro foi realizado por geofísica elétrica e sondagens SPT “Standard
Penetration Test”, acompanhadas de devido acompanhamento topográfico. A geofísica elétrica foi efetuada
por corrente contínua através do arranjo duplo dipolo-dipolo, próprio para avaliar oscilações verticais de
pequena profundidade. Buscou definir a espessura ocupada pelo depósito de lixo sobre o terreno, a obtenção
de informações adicionais sobre a profundidade do terreno natural, dados sobre a presença de nível freático
bem como indicações sobre as possibilidades de contaminação do mesmo. As interpretações foram realizadas
com base na literatura conhecida (ORELLANA, 1972; KOEFED, 1979).
Também foram executados ensaios de condutividade hidráulica “in situ” no solo, a 50 cm de profundidade
em locais próximos aos poços de observação. A equação empregada no cálculo da permeabilidade média
(Km) foi (LAMBE e WHITMAN, 1979):
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Km =
q
2,75 × (D + Hc )
onde:
q – fluxo de água;
D – diâmetro do furo em contato com o solo;
Hc – carga piezométrica.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A área, abandonada a céu aberto, recebeu uma pequena cobertura de solo por ocasião do término da
disposição de lixo doméstico, e em um período de cinco anos já se modificou substancialmente. O
assoreamento e obstrução de cursos d’água superficiais no local é pequeno. Vegetação herbácea aparece em
quase toda a área, predominantemente da família compositae e algumas espécies como Baccharis sp., Ricinus
communis e Melia azedarach, entre outras (MELO e SCHNEIDER, 2000). Há sinais de erosão, o que vem
sendo minimizado pelas plantas, que diminuem o impacto das gotas da chuva reduzindo a velocidade de
escorrimento.
Em relação aos líquidos percolados, não se verifica afloramento de chorume. A água da vertente brota de
forma perene e está parcialmente protegida por mata ciliar. O córrego formado contorna o aterro a uma
distância não superior a 30 m da área delimitada pelo aterro. A várzea formada pelo córrego está separada
do aterro por uma cerca de arame e eventualmente é utilizada para pastagem de gado. A vazão do córrego (no
ponto 3) varia de 2 a 10 L/s, dependendo a época do ano.
O perfil do aterro está apresentado na Figura 2. Este levantamento foi realizado por furos de sondagem e
geofísica elétrica conforme anteriormente descrito. O perfil indica a presença de uma camada de 15 m de
lixo na parte mais alta do aterro, diminuindo gradualmente quando se aproxima da várzea. Existe uma
camada de solo seco que separa o lixo do lençol freático. Este horizonte também diminui acompanhando a
declividade do terreno, após o ponto 10.
Figura 2. Perfil do aterro obtido por geofísica elétrica e sondagens SPT.
A Tabela 1 apresenta as características físicas, químicas e microbiológicas da água do córrego e do lençol
freático. Pode-se observar que a água da vertente é de boa qualidade e que há uma baixa contaminação das
águas superficiais. O pequeno aumento na carga orgânica, teor de sólidos e microrganismos é decorrente de
processos normais de interação da água superficial com o solo e a biota local. A água do lençol freático
apresentou-se contaminada, com alterações no valores de eletrólitos, sólidos, carga orgânica, nitrogênio e
bactérias do grupo coliforme. Essas alterações são claramente decorrentes da infiltração do chorume no
lençol freático próximo ao aterro.
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Diante da baixa contaminação das águas superficiais, fez-se dois ensaios de permeabilidade do solo “in situ”
nos poços de observação. Em ambos, mesmo com um carga piezométrica de 2 metros, a vazão de água foi
nula no ensaio, demonstrando o caráter impermeável do solo local. Este comportamento não é o esperado
nos solos formados sobre os basaltos da Formação Serra Geral, típicos de Passo Fundo (DNPM, 1984). Os
solos da região são compostos predominantemente por argila e silte, apresentando algum grau de
permeabilidade. Entretanto, a região sotaposta ao lixo é uma várzea onde o lençol freático encontra-se quase
na superfície. Aparentemente, este local está propício a uma maior acumulação de argila, conferindo uma
menor permeabilidade ao solo e favorecendo a proteção das águas superficiais, aquíferos freáticos e lençóis
subterrâneos subjacentes.
Tabela 1. Características das águas na área de influência do Aterro “Invernadinha”, Passo Fundo –
RS. Coleta realizada em agosto de 2000.
Parâmetro
Sondagem (S1)
Córrego
Vertente (P1)
Córrego (P2)
Córrego (P3)
Sólidos
(mL/L)
sedimentáveis
ND
ND
ND
0,1
ND
2
12
136
971
Sólidos suspensos (mg/L)
69
76
82
Sólidos totais (mg/L)
0,2
6,6
8,5
83
Turbidez (NTU)
5,8
6,7
7,0
6,4
PH
16
14
20
1254
Condutividade (µS/cm)
2
8
9
71
DQO (mg/L)
ND
0,2
0,1
3,3
Nitrogênio (mg/L)
ND
ND
ND
ND
Fósforo (mg/L)
1,5
2,0
2,0
238
Cloretos (mg/L)
1,2
1,2
1,0
2,7
Nitrato (mg/L)
14,1
10,9
10,2
303,8
Dureza total (mg/L CaCO3)
0,6
1,2
1,3
55,2
Sódio (mg/L)
1,2
0,8
0,9
25,1
Potássio (mg/L)
ND
0,4
0,6
1,3
Ferro (mg/L)
ND
0,1
0,1
12,0
Manganês (mg/L)
ND
ND
ND
ND
Cobre (mg/L)
ND
ND
ND
0,1
Zinco (mg/L)
ND
ND
ND
ND
Cromo (mg/L)
ND
ND
ND
3,0x102
Coliformes fecais (NMP/mL)
ND
ND
ND
4,5x102
Coliformes totais (NMP/mL)
1,5x102
2,0x103
4,5x103
1,0x103
Contagem padrão (UFC/mL)
ND – não detectado.
Deve-se acrescentar que a baixa contaminação das águas superficiais, atualmente, pode ser devido a baixa
geração de chorume no atual estágio do aterro. A área foi desativada em 1995 e os contaminantes sujeitos as
águas pluviais provavelmente já foram lixiviados em anos anteriores.
CONCLUSÕES
As técnicas empregadas, envolvendo o monitoramento e análise química das águas, ensaios de
permeabilidade “in situ” e geofísica elétrica em conjunto, mostram-se adequadas para avaliação do impacto
ambiental causado sobre as águas por áreas de lixões que necessitam remediação.
O lixo no local foi disposto inadequadamente durante décadas, sem qualquer cuidado com o impacto que
poderia causar ao meio ambiente. O depósito poderia ter causado grave problema de contaminação nas águas
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do Rio Passo Fundo, que abastece grande parte da população local. Conforme dados aqui apresentados,
constata-se que a camada de solo entre o lixo e o córrego é impermeável, fato que impediu a percolação do
chorume e a contaminação das águas superficiais.
Este trabalho mais uma vez demonstra a importância do tratamento a ser dispensado, tanto pelo poder
público, quanto pela própria população, ao destino dos resíduos sólidos. Recomenda-se a elaboração de um
projeto para recuperação da área do lixão, isolando o lixo e impedindo a infiltração de águas pluviais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1.
APHA. Standard Methods for Water and Wastewater Analysis. American Public Health
Association,1995.
2. DNPM. Geologia do Brasil. Brasília: Ministério de Minas e Energia, Departamento Nacional da
Produção Mineral, 1984. 501p.
3. JUCÁ, J.F.T.; MARIANO, M.O.H.; BARRETO CAMPELLO, E.M. Ground and Surface Water
Contamination due to Municipal Solid Waste Landfill in Recife, Brazil. In: Proc. Environmental
Geotechnics´96, Rotterdam: Ed. Balkema, v.2, p.91-96, 1996.
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a Municipal Solid Waste Environmental Recuperation in Recife, Brazil. In: Proc. Geotechnical Site
Characterization . Rotterdam: Ed. Balkema, p.699-703, 1998.
5. IPT/SEMPRE. Lixo Municipal. Manual de Gerenciamento Integrado. São Paulo: IPT, 1995, 278 p.
6. KOEFOED, O. Resistivity Sounding Measurements in Geosounding Principles. Netherlands: Elsevier,
1979, 276 p.
7. LAMBE, W.; WHITMAN, R. Soil Mechanics. New York: Jonh Wiley & Sons, 1979, 535 p.
8. ORELLANA, E. Prospección Geoelectrica en Corriente Continua. Madrid: Ed Paraninfo, 1972, 523 p.
9. MELO, E.F.R.Q.; SCHNEIDER, I.A.H. Caracterização da Vegetação e Solo de uma Antiga Área de
Disposição de Resíduos Sólidos Urbanos. In: Proc. IV Simpósio Nacional de Recuperação de Áreas
Degradadas. Blumenau, 2000.
10. TORRES, E. P.; BARBA, L. E.; RIASCOS, J.; VIDAL, J. C. Trabalhabilidade Biológica do Chorume
Produzido em Aterro não Controlado. Engenharia Sanitária e Ambiental. v. 2, n. 2, p. 55-62, 1997.
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