YOUR BODY IS A BATTLEGROUND: O FEMINIST ART MOVEMENT
NORTE-AMERICANO ANALISADO ATRAVÉS DA PRODUÇÃO
ARTÍSTICA DE JUDY CHICAGO E BARBARA KRUGER
Milena Costa de Souza1
Resumo: Este artigo pretende compreender os processos e as estratégias de inserção de novos
sujeitos e novos corpos no circuito artístico da década de 1970 a partir do Feminist Art Movement
em diálogo com as obras das artistas Barbara Kruger e Judy Chicago. O artigo analisa a partir de
entrevistas e escritos das artistas os diálogos que surgiram entre as teorias e movimentos feministas
e o mundo das artes visuais estadunidense. Tendo como ponto de partida uma análise sob a
perspectiva dos estudos culturais, as teorias feministas e pós-coloniais procuro compreender as
rupturas realizadas pelas obras de Chicago e Kruger em relação aos cânones modernista e formalista
representados pelo Expressionismo Abstrato e o Minimalismo.
Palavras-chave: Teoria feminista. Feminist art movement. Arte visuais. Judy Chicago. Barbara
Kruger.
As imagens da arte, em sua pretensa universalidade, revelam a utilização de estereótipos e
clichês em relação à representação dos corpos. Ao se analisar a produção modernista europeia (final
do século XIX e início do século XX) é possível perceber a existência de uma relação hierarquizada
entre o artista, a/o modelo e o público. Nesta relação, corpos não normativos – das mulheres,
africanos/as, asiáticos/as, latinos/as, entre outros – são reproduzidos e observados por olhares
masculinos, brancos e europeus. Esta relação manteve-se obscurecida durante décadas pela
autoridade da tradição artística e seu verniz civilizatório. Durante os anos 1950, após a II Guerra
Mundial e a transferência do centro artístico para o continente Americano – de Paris para Nova
Iorque, uma tradição modernista se fez notar nos Estados Unidos por meio das obras do
Expressionismo Abstrato, reconhecido como o primeiro estilo estadunidense a se internacionalizar.
No contexto dos Estados Unidos e a busca desta nação em incentivar a produção artística
local, a tradição modernista ganhou espaço ao mesmo tempo em que foi contestada por novos
fazeres na arte. A crítica ao Expressionismo Abstrato foi exercida de diferentes maneiras, fosse por
seus limites técnicos/estéticos como também por representar um modo de fazer arte que excluía as
experiências de diversos sujeitos e grupos sociais. Sendo assim, nas décadas de 60 e 70 os Estados
Unidos abrigaram as vanguardas pós-modernas em arte, como a Pop Art, Land Art, Optical Art,
Minimalismo, entre outras. Neste mesmo período, no contexto da consolidação do movimento
feminista, a discursividade sobre os Outros corpos foi rompida por meio da visibilização de
trabalhos feitos por mulheres sobre mulheres. As mulheres artistas estavam divididas em diferentes
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Doutoranda em Sociologia (UFPR), Mestre em Sociologia (UFPR), Especialista em História da Arte do século XX
(EMBAP) e Graduada em Artes Plásticas (EMBAP).
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tendências artísticas e nem todas eram engajadas nas lutas políticas, mas aquelas que buscavam
evidenciar as relações de poder neste campo de conhecimento formaram um grupo que na
atualidade é conhecido como Feminist art movement.
O Feminist art movement dos anos 70 não era um grupo organizado, no sentido de possuir
lideranças definidas, nem mesmo um estilo artístico. Esta nomenclatura vem sendo utilizada com o
objetivo de englobar os debates difundidos no mundo da arte por meio da relação entre produção
artística, movimento e teorias feministas. Dessa maneira, muitas mulheres não se consideravam
pertencentes a um grupo em comum, mas ao mesmo tempo compartilhavam de interesses teóricos e
artísticos.
As mulheres consideradas como pertencentes ao Feminist art movement não eram apenas
artistas visuais, mas também historiadoras, museólogas, críticas de arte e professoras. Algumas das
envolvidas nesta luta foram: Judy Chicago (artista e professora), Miriam Schapiro (artista e
professora), Martha Rosler (crítica e curadora), Arlene Raven (historiadora da arte) e Barbara
Kruger (artista). Um importante dilema para as artistas que miravam as teorias feministas era se
deveriam seguir adotando os paradigmas modernistas, ou deveriam estabelecer um sistema de
investigação alternativo. De acordo com Francis Frascina (1998, p.103), escolher a segunda opção
“[...] significava enfrentar o poder esmagador da tradição e suas instituições”. Diversas/os artistas
optaram por este caminho e passaram a questionar a autoridade de instituições que, por meio de
suas seleções, eram capazes de conferir valor cultural e socioeconômico aos objetos artísticos. Esses
questionamentos vieram por meio de denúncias em relação às políticas e interesses institucionais,
ao mercado da arte, mas principalmente por meio da escolha de novos suportes artísticos e a
transgressão dos discursos sobre obra de arte por meio de discussões poéticas circunscritas até então
aos espaços do privado, como as questões de corpo, sexualidade, desejo, discurso midiático e
domesticidade.
Em 1971, a pesquisadora feminista Linda Nochlin (1931) sintetizou os anseio daquela época
no artigo: Why there have not been no great female artists?2. Nochlin argumentou que o conceito de
genialidade esteve reservado aos artistas homens e que as relações sociais e institucionais não
permitiam que as mulheres adquirissem as características encaradas como de excelência
profissional. Nochlin revisou momentos da história da arte, como o Neoclassicismo, quando as
obras de nus femininos ganhavam os principais prêmios da Academia de arte francesa. Tendo em
vista que as mulheres eram proibidas de frequentar as aulas de modelo nu, não existiam caminhos
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“Por que não houve grandes artistas mulheres?”. A questão foi colocada por Nochlin em forma de artigo, o qual, na
atualidade é considerado leitura fundamental para os estudos da sociologia e da história da arte.
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formais para atingirem os padrões de qualidade artística determinados naquele período. Dessa
maneira, Nochlin desconstruiu aquilo que chamamos de tradição artística ao revelar seu caráter
seletivo sexista.
Rupturas de paradigmas, como proposto por Nochlin, clamavam por novas formas de se
pensar as relações sociais da arte no âmbito acadêmico. Uma dessas propostas surgiu, também na
década de 1970, com a artista visual Judy Chicago (1939), a qual fundou em Fresno – Califórnia, o
primeiro programa feminista em uma faculdade de artes visuais dos Estados Unidos. É importante
destacar que a produção artística realizada por mulheres não foi uma novidade dos anos 70 – as
mulheres estão ligadas às artes visuais desde a sua concepção ocidental de campo de conhecimento,
ainda que não devidamente visibilizadas. A inovação estava na problematização dessa produção por
meio da construção de um discurso crítico baseado nas teorias feministas. Ou seja, mulheres sempre
produziram arte, mas as suas produções artísticas não alcançavam o grande público e elas não eram
reconhecidas como artistas profissionais.
É neste contexto que este artigo pretende pensar as obras de duas integrantes do Feminist Art
Movement: Judy Chicago (1939) e Barbara Kruger (1945). Ambas construíram suas poéticas
artísticas em articulação com as teorias feministas e em meio a uma estrutura curatorial e
museológica que, mesmo a passos curtos, se repensava. Proponho, em um primeiro momento,
analisarmos dois movimentos artísticos estadunidenses que antecederam a circulação de uma
produção feminina e feminista: o Expressionismo Abstrato e o Minimalismo, para que possamos
compreender não apenas os modelos contra os quais a produção das artistas mulheres da década de
1970 se contrapunha, mas também em quais valores estético-culturais essas mulheres foram
educadas. Em um segundo momento irei explorar as trajetórias de Chicago e Krueger por meio do
processo de realização e inserção de alguns dos seus principais trabalhos no mundo das artes. Por
meio do reconhecimento e mapeamento das estratégias das artistas pretendo evidenciar suas
articulações com o movimento feminista estadunidense assim como as reflexões propostas em
relação ao conceito de corpo para que possamos compreender as propostas de ruptura de Chicago e
Kruger em relação aos cânones artísticos.
Ao afirmar a importância de uma fala sobre si mesmas, construída por meio de suas
experiências e suas percepções de mundo, Judy Chicago e Barbara Kruger negam as construções
externas sobre elas e sobre a arte. Dessa forma elas se excluem dos cânones modernistas e buscam
um espaço alternativo de reflexão, espaço este pós-colonial (Cf. HALL, 2006) e feminista (Cf.
FELSKI, 1996). O reconhecimento das artistas de suas inserções nestes espaços promove um
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exemplo de relação reflexiva com a modernidade tardia (GIDDENS, 2002), tendo em vista que
ambas as artistas demonstram relacionar o conhecimento teórico adquirido com a prática artística,
ao mesmo tempo em que contribuíram para a construção do mundo da arte.
Expressionismo Abstrato e Minimalismo: a autonomia da nova arte norte-americana era
masculinista?
No contexto do empoderamento de Nova Iorque como metrópole das artes durante as
décadas de 1950 e 1960 emergiram os primeiros movimentos artísticos “tipicamente norteamericanos”, dentre os quais irei destacar o Expressionismo Abstrato e o Minimalismo. A
construção dessas tendências artísticas em solo estadunidense significou não apenas
rupturas/continuações de paradigmas artísticos, mas também a criação/consolidação de museus,
galerias, crítica especializada, colecionadores e um sistema de educação em arte voltado para esses
novos referenciais.
No campo da crítica é necessário destacar a presença de Clement Greenberg (1909-1994), o
qual foi o primeiro grande crítico norte-americano e o responsável pela consolidação do
Expressionismo Abstrato. Este estilo é caracterizado por pinturas em tela, trabalhos de grande
escala, nos quais é acentuada a gestualidade. Para legitimar esta produção, Greenberg destacava o
caráter autônomo do fazer artístico e elegia para seu poderoso grupo sujeitos que, segundo seu
julgamento, melhor resolviam as questões formais de uma obra. Para Greenberg, o Expressionismo
Abstrato era um desdobramento da arte modernista, a continuidade linear das pesquisas realizadas
pelos europeus. A arte autônoma proclamada por Greenberg possuía ambições universais, a busca
pelos elementos fundantes dos processos artísticos e consequentemente, uma maneira de se fazer
arte que supostamente descartava as experiências subjetivas em detrimento das relações formais.
Dessa maneira, a obra de arte configurava-se como elemento independente e sua qualidade,
avaliada por características estéticas que não levavam em conta o contexto sócio-histórico da sua
produção.
Aparentemente, o Expressionismo Abstrato era um estilo artístico “democrático”, o qual não
se baseava em experiências específicas relacionadas a gênero e/ou etnia. Entretanto, é curioso
notarmos a presença exclusiva de artistas homens/brancos no grupo dos protegidos por Greenberg,
tais como Jackson Pollock, Willem de Kooning, Barnett Newman e Clyfford Still. Seriam apenas os
homens capazes de atingir os padrões de qualidade estabelecidos por Greenberg, ou essa
“coincidência” revelaria uma seletividade sexista como apontou Linda Nochlin?
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Os artistas que integravam o grupo dos Expressionistas Abstratos no início da década de
1950 estavam na faixa dos 40 anos de idade, ou seja, haviam realizado sua formação educacional na
década de 1920, quando a educação superior ainda era restrita para as mulheres. Dessa maneira,
poucas mulheres da geração dos Expressionistas Abstratos tiveram a oportunidade de obter uma
educação formal em arte, qualidade esta enaltecida pela crítica da década de 1950. Somado a este
fator podemos observar que os valores de autonomia artística e sujeito criador desconectado da
sociedade por meio da sua independência, eram características tipicamente modernistas. A teórica
feminista Griselda Pollock afirma em seu artigo Modernity and the space of femininity (2003) que
as experiências artísticas modernistas não foram universais, tendo em vista que as mulheres
estiveram – e ainda estão – marcadas pela diferença, a qual se reflete nos espaços de circulação nas
metrópoles e consequentemente nas experiências que constituem a formação artística. Sendo assim,
os valores de independência e autonomia exaltados pela tradição artística modernista são valores de
um sujeito homem, branco e de classe média.
Se o Expressionismo Abstrato não possuía espaço para a expressão de identidades
particulares por meio da exaltação da universalidade das soluções estéticas formais, o Minimalismo
seguiria, alguns anos mais tarde, o caminho já trilhado da unidade, mas dessa vez reforçado pelo
poder do peso e concisão da matéria bruta.
O Minimalismo foi um movimento artístico que surgiu em meados da década de 1960
caracterizado pela produção de objetos e instalações artísticas em dimensões monumentais que
utilizavam materiais e equipamentos industriais: chapas de aço, tijolos, equipamentos de solda e
ferramentas comumente utilizadas em oficinas. O objetivo era realizar obras que não possuíssem os
traços da mão do artista, ou seja, o processo de construção manual era substituído pela lógica
industrial e o atelier transformado em um espaço desligado da presença humana. O Minimalismo
aliava à concepção formal da obra artística um processo de construção que previa o treinamento do
artista em áreas como a carpintaria, funilaria, entre outras. Neste sentido não é de se admirar que o
grupo dos minimalistas tenha sido composto quase que em sua totalidade por homens, dentre eles
Dan Flavin, Don Judd, Carl Andre e Richard Serra.
De acordo com a historiadora da arte Anna Chave (2003), os adjetivos utilizados para
descrever uma obra de arte coincidem, frequentemente, com a descrição de uma figura autoritária,
forte, poderosa e masculina. De acordo com a pesquisadora, algumas maneiras de descrever as
obras artísticas modernistas seriam com os seguintes adjetivos: forte, heroico, rigoroso, autoritário,
entre outros. Preocupados em sintetizar a produção artística à essência de sua presença, os artistas
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minimalistas buscavam retirar as qualidades humanas por meio da negação do fazer artesanal, mas
ao mesmo tempo reforçavam os valores de uma essência universal da obra de arte por meio da
unidade:
The Minimalist’s valorization of power can readily be seen as a reinscribing of the True
Discourses, the power discourses, found in art history as in the society at large. Received
art-historical wisdom about what makes works of art ‘powerful’ is a quality of unity, with
effects of dissonance or difference successfully effaced or overmastered such that an
object’s or image’s composite parts are maneuvered into a singular, coherent totality. Unity
is associated with identity and successful work of art is understood to require a whole
identity no less than an integrated person does (CHAVE, 2003, p.272)3.
Como é possível perceber, as artistas que estavam produzindo no final da década de 1960
realizaram suas formações artísticas tendo como referencial o Expressionismo Abstrato e a pretensa
universalidade do masculino, ao mesmo tempo em que construíam as suas carreiras em paralelo à
produção “poderosa” minimalista. Para muitas mulheres, o único caminho possível de ser trilhado
era o da contestação da autoridade do universal para que pudessem viver, aceitar e expressar a
diferença.
Judy Chicago e The Dinner Party
Judy Chicago teve uma educação tradicional em arte, mas desde seus tempos como
estudante percebeu o caráter sexista do ambiente acadêmico. A percepção de Chicago em relação ao
viés sexista da produção artística ficou evidente quando, ao apresentar trabalhos em que
representavam os órgãos sexuais feminino e masculino (de forma “explícita” demais para as
convenções artísticas formalista e modernista), não obteve diálogo com seus professores, todos
homens. Por meio das suas experiências pessoais e em um processo de construção de subjetividade,
Judy recriou a si mesma. Chicago não era o seu sobrenome original, mas surgiu da luta pela
emancipação pessoal, a qual era pauta de diversos movimentos sociais norte-americanos dos anos
60. A escolha deste nome estava em diálogo com o movimento dos Panteras Negras, bem como a
busca feminista pela emancipação de uma identidade atrelada à sociedade patriarcal e
consequentemente aos homens – fosse pela relação de casamento ou de herança. Sendo assim, por
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A valorização Minimalista do poder pode ser percebida como a inscrição dos Discursos Verdadeiros, os discursos de
poder, encontrados na história da arte assim como na sociedade em geral. A sabedoria histórico-artística recebida sobre
o que faz as obras de arte "poderosas" afirma que esta é uma questão de qualidade da unidade, com efeitos de
dissonância ou diferença apagados ou suplantados a tal ponto que o sucesso de um objeto está na possibilidade das suas
partes serem compostas e manobrados em uma totalidade coerente e singular. Unidade está associada com a identidade
e o trabalho artístico deve possuir uma identidade integrada, assim como a de uma pessoa bem composta. (Tradução
livre)
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meio dos diálogos com os movimentos de contracultura, Judy Chicago recriou a si mesma, a sua
arte e abriu as portas para uma nova geração de artistas.
Em 1970 Judy liderou a implementação do primeiro programa feminista em uma faculdade
de artes visuais dos Estados Unidos, em Fresno - Califórnia. Naquele momento a artista passou a
militar por um sistema de ensino capaz de incluir as mulheres não apenas como alunas, mas
também como pensadoras críticas e artistas reconhecidas pela história da arte. Paralelo à militância
acadêmica, Judy Chicago buscava a aceitação da sua própria obra, busca esta verbalizada em duas
autobiografias: Through the flower – my struggle as a woman artist (1975) e Beyond the flower: the
autobiography of a feminist artist (1996). Em ambos os livros Chicago descreveu os processos e
estratégias de sua inserção no mundo da arte, evidenciou a importância do seu encontro com as
teorias feministas, bem como a construção de sua subjetividade por meio desta relação.
Quando na universidade, Judy Chicago afirma ter sido um aluna aplicada e exemplar. Dessa
maneira, após a graduação, acreditou que o passo seguinte fosse a construção de uma carreira
profissional por meio da exposição de suas obras em museus e galerias. Entretanto, Judy encontrou
um caminho marcado pela rejeição de críticos, curadores e colegas artistas, os quais consideravam
suas obras demasiadas explícitas e femininas. Ao mesmo tempo, a artista afirma que o
reconhecimento da produção artística de uma mulher como sendo tão boa quanto a de um homem
era tão impensado que gerava repulsa imediata. Este não reconhecimento fez com que Chicago
optasse por minimizar as relações dos seus trabalhos com a autoria feminina. Ela afirma: “I learned
that if I wanted my work to be taken seriously, the work should not reveal its having been made by a
woman4” (CHICAGO, 2006, p. 36). Ou seja, para que a sua produção fosse aceita como arte,
deveria seguir o formalismo e neutralidade propostas por movimentos com o Expressionismo
Abstrato e o Minimalismo.
A busca pela minimização das características femininas em seu trabalho foi realizada em
meio a profundos conflitos e não resistiu por muito tempo. Chicago afirma que o início dos seus
questionamentos sobre o gênero do/a artista surgiram em sua trajetória, ainda na década de 1960,
quando percebeu a diferença com que era tratada em relação aos homens. Entretanto, naquele
período Judy possuía poucas referências teóricas para lidar com a questão, já que a crítica feminista
ainda se estruturava e poucos eram os espaços dedicados a articular estes pensamentos. Ao longo
dos anos Chicago percebeu que não conseguiria distanciar as questões femininas de suas obras e
decidiu assumir a diferença como parte integrante de sua poética artística.
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Aprendi que se eu quisesse que o meu trabalho fosse levado à sério, ele não deveria revelar ter sido feito por uma
mulher. (Tradução livre)
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Foi no processo de construção de uma subjetividade artística feminista que, em 1974 Judy
Chicago iniciou a produção da instalação multimídia The dinner party, a qual consiste em uma
grande mesa de jantar triangular com lugares dispostos para 39 mulheres míticas e historicamente
importantes. Cada um dos lugares conta com uma toalha bordada com dizeres, nomes e frases; um
prato de porcelana em forma de vagina e uma taça de vinho. A obra, concluída após seis anos de
trabalho, contou com a colaboração de centenas de voluntários/as de diversas partes dos Estados
Unidos e do mundo.
Após finalizar o trabalho com recursos financeiros próprios e algumas doações, Chicago foi
em busca de museus que pudessem exibir e abrigar em definitivo a instalação. As dificuldades em
expor uma obra que exibia formas vaginais, foram maiores do que a artista esperava. Na década de
90 The dinner Party foi tema de discussões no Congresso norte-americano sobre suas características
supostamente pornográficas e ultrajantes. Mesmo em meio às controvérsias, o trabalho passou por
16 instituições artísticas em 6 países. Entretanto, apenas em 2007 a obra foi aceita em definitivo por
uma instituição. The dinner party foi adquirida pelo Brooklyn Museum, em Nova Iorque, em seu
recém criado Elizabeth A. Sackler Center for Feminist Art.
The dinner party não escapou nem mesmo das críticas de algumas teóricas feministas, as
quais interpretaram a obra como uma essencialização do feminino e portanto contra as propostas
dos movimentos feministas. Ainda assim, acredito que a instalação de Judy Chicago rompeu as
barreiras da universalidade modernista e formalista não apenas por conta da sua temática, mas
também por suas características técnicas, pois o fazer artesanal feminino foi enfatizado pela pintura
em cerâmica e pelo bordado, técnicas estas desconsideradas como arte por estarem ligadas ao
espaço dos afazeres domésticos. Somado ao tempo levado para que The dinner party encontrasse
literalmente seu espaço, acredito que esta seja uma obra símbolo das dificuldades e estratégias de
inserção de diversas mulheres e suas produções no mundo das artes.
Barbara Kruger e o corpo como campo de batalha
A trajetória artística de Barbara Krueger (1945) possui contornos distintos aos de Judy
Chicago. Ainda que a diferença de idade entre ambas não seja muito grande, apenas 6 anos, elas
constituem gerações diferentes no que tange suas inserções no mundo da arte e a estrutura artística
contra a qual buscaram inserir suas produções. Barbara Krueger construiu sua carreira no contexto
de um caminho de rupturas já trilhado pelas artistas mais velhas envolvidas na militância feminista.
Sendo assim, ao pensarmos que ambas as artistas compartilhavam um discurso de ruptura durante a
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década de 70, devemos ter em mente o fato de Chicago ter militado e contribuído na construção de
uma estrutura para receber as obras feitas por mulheres na década de 60 e Kruger ter encontrado um
campo feminista formado contra o qual foi possível pensar a sua própria produção.
Barbara Kruger iniciou sua carreira profissional como design na Condé Nast Publications,
editora de diversas revistas direcionadas ao público feminino como a Mademoseille, Vogue, Vanity
Fair, entre outras. A partir dessa experiência é que Krueger desenvolveu seus trabalhos artísticos
mais conhecidos nos quais utiliza fotografias em preto e branco (as quais são em muitos casos
apropriações), sobre as quais são escritas com letras garrafais (fontes Futura Bold Oblique ou
Helvetica Ultra condensed) nas cores branca e vermelha, frases que frequentemente incluem
pronomes como you, your, I, e they5. As frases criadas por Kruger falam sobre os corpos femininos
em sociedade e os pronomes que emprega explicitam a tensão do corpo feminino em relação aos
valores masculinistas, como por exemplo, “Your body is a battleground”6. Dessa maneira, a artista
articula técnicas da comunicação de massa e publicidade em banners, outdoors, luminosos,
instalações, entre outros meios, para explorar os conceitos de gênero e identidade.
A inserção do trabalho de Kruger no mundo das artes ocorreu em um contexto no qual as
mulheres conquistavam novos espaços, como o já mencionado programa de arte visuais em Fresno,
e a inclusão da crítica artística feita por mulheres. Barbara Kruger relata diversas especificidades do
início da sua carreira artística ligadas ao fato de ser mulher e do ambiente masculinista no qual
vivia. Quando estava estudando artes na Parsons School of Design em Nova Iorque eram poucas as
referências de artistas mulheres. A fotógrafa pioneira Diane Arbus (1923-1971), conhecida pelos
retratos em preto e branco de pessoas marginalizadas socialmente por conta de suas aparências
estéticas (anões, transexuais, nudistas, entre outros/as) foi grande influência na sua produção
artística tanto pelo seu trabalho fotográfico, quanto pelo fato de ter sido uma das referências
femininas de Kruger “So Diane was one of the first female role models I ever had that didn’t wash
the floor six times a day. I liked her as a teacher”7 (BOLLEN, p.2, 2013).
A presença de uma segunda mulher no mundo das artes foi crucial para legitimar Barbara
Kruger como uma artista emergente. Em 1973, sob a curadoria de Marcia Tucker 8 (1940-2006),
5
“você”, “seu”, “eu” e “eles”.
Seu corpo é um campo de batalha.
7
Então Diane foi a primeiro modelo feminino que eu tive que não lavava o chão seis vezes ao dia. Eu gostava dela
como professora. (Tradução livre)
8
Marcia Tucker foi uma das primeiras mulheres a exercer o cargo de curadora em grandes exposições artísticas
internacionais, dentre as quais destaca-se o período em que esteve no Whitney Museum entre os anos de 1969 e 1977.
Tucker foi a fundadora do New Museum, também na cidade de Nova Iorque, o qual é dedicado a expor produções
contemporâneas e arte experimental.
6
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objetos escultóricos criados por Krueger foram incluídos na Whitney Biennal e durante a década de
1980 a artista participou de exposições coletivas e individuais ao redor do mundo. A qualidade
gráfica de suas obras mais recentes e conhecidas permitiu com que seus trabalhos circulassem não
apenas nos circuitos das artes, mas fossem reinseridos no circuito em que os mesmos foram
inspirados, as capas de revista e editoriais de moda. Sendo assim, podemos encontrar as obras de
Kruger em revistas como a New York (jornal The New York Times), Esquire e W.
Quando questionada sobre o fato de realizar arte feminista, podemos perceber sua inserção
crítica no mundo da arte e seu distanciamento das tentativas de convencionar a arte produzida por
mulheres à esfera feminista:
I never say I do political art. Nor do I do feminist art. I’m a woman who’s a feminist, who
makes art. But I think what works becomes visible and what work remains absent is always
a result of historical circumstance, you know – hard work, to some degree, and social
relations (BOLLEN, p.4, 2013)9.
Kruger reconhece sua posição feminista no mundo artístico, mas não aceita que sua
produção seja “reduzida” a este rótulo. Essa posição da artista reflete um cuidado em relacionar o
feminismo à esfera da construção poética, mas sem deixar que essa característica crie um novo
gueto de produção artística de maneira a legitimar a exclusão das mulheres.
Lutas travadas e caminhos abertos, o Feminist Art Movement como ponto de partida para se
pensar a produção contemporânea
As análises das trajetórias e obras das artistas Judy Chicago e Barbara Kruger nos permitem
compreender as possíveis complementações entre os espaços de questionamentos teóricos, pessoais
e plástico, assim como os diferentes usos das teoristas feministas por artistas situadas pela crítica e
historiografia contemporâneas no Feminist Art Movement. Ainda que ambas as artistas percebam as
teorias feministas como elementos centrais de suas trajetórias artísticas, é importante notar que para
Judy Chicago o feminismo tinha uma conotação militante que permitia questionar diretamente os
espaços institucionais de produção artística. Já para Barbara Kruger as teorias feministas aparecem
como um processo de formação crítica em meio aos estereótipos e clichês midiáticos. Para ela, a
reflexão feminista evidencia os discursos velados que circulam na grande mídia.
Chicago e Kruger nos permitem compreender que as teorias podem não apenas fornecer
bases para se pensar o mundo e consequentemente a produção artística, mas também desempenham
9
Eu nunca digo que faço arte política. Nem que eu faço arte feminista. Sou uma mulher que é feminista e que faz arte.
Mas eu acho que o fato de trabalhos serem visibilizados e de trabalhos permanecem ausentes é sempre o resultado de
circunstâncias históricas, você sabe – trabalho duro por um lado e relações sociais por outro. (Tradução livre)
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papel fundamental para o reconhecimento de si. Ou seja, em um contexto de formação artística e
modelos masculinos, a inserção dos ideias feministas permitiu, na década de 1970, que muitas
mulheres reconhecessem suas diferenças como elementos do processo criativo em arte e não como
falhas técnicas que precisavam ser resolvidas. Dessa maneira Chicago e Kruger contribuíram para
que as novas gerações de artistas tenham modelos para além da normatividade da grande arte e
possam vivenciar multiplicidades de ser artista e fazer arte.
Referências
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POLLOCK, Griselda. Modernity and the spaces of femininity. In. FRASCINA, Francis; HARRIS,
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BOLLEN, Christopher. Interview magazine speaks with Barbara Kruger. Interview Magazine,
Nova Iorque, p.1-6, fev. 2013. Disponível em: <http://www.interviewmagazine.com/art/barbarakruger>. Acesso em: 7 de julho de 2013.
Your body is a battleground: the American Feminist Art Movement considered through the
artistic production of Judy Chicago and Barbara Kruger
Abstract: This article seeks to understand the processes and strategies for inclusion of new subjects
and new bodies on the art circuit of the 1970s by the Feminist Art Movement in dialogue with the
works of the artists Barbara Kruger and Judy Chicago. The article analyzes interviews and writings
from the artists that emerged the dialogues that emerged between the feminist theories and the
feminist movement with the world of American visual arts. Taking as its starting point an analysis
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from the perspective of cultural studies, feminist theories and postcolonial theories I seek to
understand the ruptures made by the works of Chicago and Kruger in relation to the
formalist/modernist canons represented by Abstract Expressionism and Minimalism.
Keywords: Feminist theory. Feminist art movement. Visual arts. Judy Chicago. Barbara Kruger.
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Seminário Internacional Fazendo Gênero 10 (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2013. ISSN 2179-510X
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your body is a battleground: o feminist art movement norte