SENSAÇÃO TÉRMICA PARA FORTALEZA-CE
Carlos Alberto Repelli (1); Rubenaldo Alves; Everaldo Barreiros de Souza; Vinicius Nóbrega
Ubarana; José Maria Brabo Alves
(1) Lamont-Doherty Earth Observatory of the Columbia University.
Route 9W, Palisades, NY 10964 (USA)
Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hidricos.
Av. Bezerra de Menezes, 1900. Fortaleza-CE, Brasil.
RESUMO
Este artigo apresenta uma metodologia simples e de fácil aplicação, visando a construção de um índice
a partir de dados de temperatura e umidade relativa do ar. Esse índice, também conhecido como
temperatura aparente, ou “índice de conforto”, pretende expressar níveis de conforto (ou desconforto)
climático sentido pelo corpo humano. A temperatura aparente é estimada empiricamente através de
uma aproximação polinomial, em função da temperatura e umidade relativa do ar (Steadman, 1979). A
metodologia é aplicada para a cidade de Fortaleza-Ce. Os resultados mostraram que durante os meses
chuvosos, quando a umidade relativa é bem maior que no período seco, a temperatura aparente
apresenta valores bem elevados, indicando níveis de sensação de desconforto, repercutindo nas
atividades humanas.
ABSTRACT
This work shows a simple technique to calculate an index to express the thermic sensation, based on
tempeature and humidity. This index is known as “comfort index” and express the aparent temperature
felt by the human body. The aparent temperature is empiricaly estimated based on air temperature and
humidity. The methodology is applied to Fortaleza-Ce and the results shown that during the months of
the rainy season when the relative humidity is high the aparent temperature present very high values
with a consequent uncortable sensation which reflects on many human activities.
1. INTRODUÇÃO
A temperatura é um parâmetro climático que caracteriza as condições ambientais estabelecendo,
para os seres vivos, um nível de conforto. A sensação de conforto pode ser quantificado através de um
índice relacionado com o conceito da temperatura do ar e da umidade relativa, aqui denominado
temperatura aparente ou “índice de conforto”. Este índice combina os impactos da temperatura e da
umidade relativa do ar às atividades humanas (Kalkstein, 1996), sendo um parâmetro muito útil na
programação de eventos de aquecimento extremo.A evaporação do suor da pele no ser humano é o
mecanismo natural que o corpo possui para regular a própria temperatura. Entretanto, quando o ar está
muito úmido o processo é diminuído ou dificultado. Como resultado, em dias quentes e úmidos as
pessoas têm sensações térmicas mais desagradáveis e, assim, surge sinais de fadiga no corpo.
Dependendo do tipo de atividade física do indivíduo, este fato pode ser não somente desconfortável
mas, também, perigoso.
O “índice de conforto” é estimado através de estudos de Steadman (1979) que verificou respostas
fisiológicas humanas a várias situações meteorológicas distintas. Kalkstein (1982), estimou um índice
de “stress” climático que leva em consideração a convivência do ser humano com o clima de um
determinado local, calculado pela avaliação de como a temperatura aparente para um dia particular
diverge da temperatura aparente média, baseada em 40 anos de dados, para aproximadamente 100
postos nos Estados Unidos. Kunkel et al. (1996) estudaram, utilizando-se o conceito de temperatura
aparente, uma intensa onda de calor ocorrida no leste dos Estados Unidos, durante julho de 1995, que
causou centenas de fatalidades.
Outro trabalho semelhante é o de Kalkstein et al. (1996) que se utilizaram dos conceitos de
temperatura aparente e índice de “stress” climático para construir um sistema de alerta para pessoas
residentes em cidades com clima potencialmente adverso. Através de técnicas estatísticas, o sistema
agrupa situações meteorológicas distintas, utilizando-se seis parâmetros meteorológicos (temperaturas
do ar e do ponto de orvalho, cobertura de nuvens, pressão à superfície, velocidade e direção do vento),
correlacionadas com índices de mortalidade. São emitidos, então, boletins de alerta de acordo com a
possibilidade de ocorrência de determinadas situações em 24 ou 48 horas. Na região tropical do globo
(regiões entre 30N e 30S) é onde têm-se a incidência de maior quantidade de energia solar líquida
durante o ano. As temperaturas nas faixas tropicais são, climatologicamente, maiores do que em
regiões de latitudes mais altas. Nessas regiões, não se definem as quatro estações no ano com a
variação nos valores sazonais de temperatura, pois a variação deste parâmetro é insignificante em
comparação às latitudes mais altas; esse fato ocorre devido a quantidade de energia disponível para
aquecer a Terra ser mais ou menos a mesma nesta parte do globo.
Na região norte do Nordeste Brasileiro (NEB), por exemplo, ocorrem apenas duas estações
durante o ano: uma estação chuvosa, entre janeiro a maio aproximadamente, e uma estação seca no
restante do ano. Percebe-se que a precipitação e não a temperatura determina estações características
no ano, nessa região. Por estes motivos é interessante o desenvolvimento de um trabalho para estudar a
variação da temperatura aparente, verificando-se a possibilidade de ocorrência de valores extremos, de
acordo com a variação da umidade relativa, teoricamente mais elevada durante a estação chuvosa e
sempre com os valores elevados de temperatura do ar.
Este trabalho teve como objetivo avaliar as flutuações diárias e sazonal na temperatura aparente
levando-se em consideração os valores de temperatura e umidade relativa do ar para o município de
Fortaleza-CE (38,5W 3,75S) e quantificar estas flutuações de modo a operacionalizar, no
Departamento de Meteorologia da FUNCEME, uma sistemática para se definir faixas de
periculosidade para as atividades do ser humano, de acordo com a Tabela 1, proposta por Kalkstein et
al. (1996).
Por estar localizada em uma região tropical e próxima ao oceano, a cidade de Fortaleza possui
um clima tropical úmido com temperaturas do ar elevadas durante todo o ano, com pouca variação
sazonal. Os valores máximos estão próximos de 37C e os valores médios em torno de 30C. Certos
dias, temperaturas máximas elevadas durante o período chuvoso da região, são extremamente
desconfortáveis para as atividades humanas em Fortaleza e, constantemente, usuários das informações
da FUNCEME questionam a causa deste fenômeno. A imprensa periodicamente noticia que a
população da cidade reclama deste clima desconfortável, particularmente no início do verão
(dezembro), quando se tem uma sensação de que temperatura do ar aumentou muito; é bem provável
que a razão dessa ocorrência seja devido a diminuição da velocidade do vento nessa época do ano.
Atualmente estes aumentos de temperatura aparente não foram quantificados cientificamente de
maneira satisfatória.
2. DADOS E METODOLOGIA
Foram utilizados dados de temperatura do ar e umidade relativa das 15:00 horas local, obtidos na
estação meteorológica da FUNCEME. Por não estarem disponíveis os valores de umidade relativa no
mesmo instante que ocorre a temperatura máxima utilizou-se, como uma primeira aproximação, o
valor de umidade das 15:00 h (local) no cálculo da temperatura máxima aparente. Foram utilizados
dados diários relativos ao período de janeiro a dezembro de 1996 e, para avaliação sazonal, foi
calculada a climatologia dos parâmetros observados, em pelo menos trinta anos de observação.
Para se estimar os valores de temperatura aparente utilizou-se a metodologia proposta por
Steadman (1979), que derivou um índice de conforto a partir de uma equação polinomial empírica de
2a. ordem. A temperatura (máxima) aparente ou índice de conforto é função da temperatura (máxima)
do ar e da umidade relativa, de acordo com a expressão:
Ta = -42.379 + 2.04901523 * (T) + 10.14333127 * (UR) -0.22475541 * (T) * (UR) - 6.83783 * (10-3) *
(T2) -5.481717 * (10-2) * (UR2) + 1.22874 * (10-3) * (T2*UR) + 8.5282 * (10-4) * (T*UR2) - 1.99 * (106
) * (T2*UR2)
onde:
Ta, valores estimados da temperatura aparente, em C; T - valores de temperatura máxima observada
em C; UR - valores percentuais de umidade relativa. Portanto, a equação é referente ao índice de
conforto estimado para o horário da tarde, durante o verão.
A Tabela 1 resume os valores estimados de temperatura aparente variando-se os valores de
umidade e temperatura. As faixas de cinzas representam o perigo potencial para o ser humano, segundo
categorias de índice de conforto de acordo com classificação da Kalkstein et al. (1996). Como
exemplo, tem-se a linha com valor de 32C de temperatura do ar. Até o valor de 40% de umidade, os
valores de temperatura aparente estão na faixa de “precaução. De 40% a 70%, com o mesmo valor de
temperatura do ar (32C), a faixa é denominada “extrema precaução”. De 70% a 90% a faixa é
denominada “perigo”. Acima de 90% e à temperatura de 32C, as atividades humanas estão dentro de
uma faixa de “extremo perigo”, pois a temperatura aparente é elevada, com valores alcançando 49C.
Segundo “The USA TODAY Weather Book” de Jack Williams pode-se montar a Tabela 2 que
relaciona os valores de temperatura aparente com males físicos nos seres humanos.
Tabela 1 - Valores estimados da temperatura aparente
54
52 50 48 46 44 42 40 38 36 343230282624
42
42
41
40
39
38
37
36
35
33
32
30
28
27
25
23
0
47
46
44
43
41
39
38
36
35
33
32
30
28
27
25
23
5
53
50
48
45
43
41
39
37
35
33
31
30
28
27
25
24
10
59
55
52
49
46
43
40
38
36
34
32
30
28
27
25
24
15
65
61
57
53
49
46
42
39
37
34
32
30
28
27
25
24
20
62
57
53
48
45
41
38
35
33
30
28
27
26
25
25
62
57
52
47
43
39
36
33
31
29
27
26
25
30
61
55
50
46
41
38
34
31
29
27
26
25
35
60
54
48
43
39
35
32
30
28
26
25
40
64
57
51
46
41
37
33
30
28
26
25
45
62
55
49
43
38
34
31
28
27
25
50
59
52
46
40
36
32
29
27
25
55
63
55
48
42
37
33
29
27
25
60
59
51
44
39
34
30
27
25
65
63
54
47
40
35
31
27
25
70
58
49
42
36
31
27
25
75
61
52
44
38
32
28
24
80
65
55
47
39
33
28
24
85
58
49
41
34
28
24
90
62
51
42
35
28
23
95
66
54
44
36
28
23
100
Umidade Relativa (%)
Precaução
Extrema precaução
Perigo
Perigo Extremo
Embora na cidade de Fortaleza-Ceará não se encontre valores elevados que alcance a temperatura
aparente na faixa de perigo, a metodologia e o tema tem despertado os pesquisadores a encontrarem
outras relações entre parâmetros climáticos e incidência alta de doenças em certas épocas do ano (veja
Tabela 2).
Tabela 2 - Indicativos de precaução em função da temperatura aparente
Categoria
Extremo perigo
Perigo
Extrema precaução
Precaução
Temperatura Aparente
Acima de 54 oC
Entre 40 oC e 54 oC
Entre 34 oC e 40 oC
Entre 26 oC e 34 oC
Perigos
Exaustão
Câibra, possível exaustão
3. RESULTADOS
Embora os resultados aqui apresentados ainda sejam preliminares, observou-se alguns sinais
indicadores de situações de desconforto em alguns meses do ano. O clima em Fortaleza não apresenta
variações significativas dentro das estações que envolve os períodos chuvoso e não-chuvoso. No
entanto, dentro dessas estações, bem como nas transições, se encontram situações que precisam ser
vistas com atenção especial. Do ponto de vista macro, pode-se discernir na Figura 1, que existem duas
faixas de meses mostrando situações particulares: no período de Março a Maio, período das chuvas, e
no período de Julho a Setembro, o período de temperaturas mais baixas. As variações são muito
pequenas se comparadas com situações em regiões de latitudes médias e altas, mas a população local
sente e reclama dessa situação, solicitando explicações sobre as mudanças. As duas épocas do ano em
que a população sente uma sensação de ligeiro desconforto, compreende, de forma marcante, nos
meses de transição entre o início e o término da estação chuvosa (veja Figura 1).
Figura 1 - Variação anual das temperaturas do ar e aparente e da umidade relativa.
No primeiro período do ano que apresenta características climáticas peculiares, compreende os
meses de Março, Abril e Maio, mais agravante no mês de abril, em média, o mês mais chuvoso do ano
em Fortaleza. Partindo da equação de Steadmam (1979), pode-se fazer inferência de duas situações:
a) Mantendo a umidade relativa constante e variando a temperatura do ar em 3.0 oC,
observamos uma variação de 7.8oC na temperatura aparente; isto mostra a que sensibilidade
térmica do corpo é muito maior que os termômetros mostram.
b) Variando a umidade relativa em 15% e mantendo a temperatura do ar constante, a variação
da temperatura aparente é de apenas 2.1oC, o que indica, embora a grosso modo, que a
umidade relativa possa ser um bom regulador da sensação térmica.
Temp. do Ar- Temp.
C
Aparente-oC
28.0
31.4
29.0
33.7
30.0
36.3
31.0
39.2
o
Tar=3 C
Tap =7.8 oC
Umidade
Relativa
75
75
75
75
Ur =0 %
T. do Ar-oC
28.0
28.0
28.0
28.0
Tar=0.0 oC
Um. Relativa
65
70
75
80
Ur =15 %
o
T. Aparente-oC
30.0
30.7
31.4
32.1
Tap =2.1 oC
39
Umidade Relativa
37
35
33
Temperatura Aparente
31
29
27
Temperatura do Ar 28 oC
85
75
65
Umidade Relativa
55
45
35
25
Temperatura Aparente
Temperatura do Ar 28 oC
Uma análise da distribuição de freqüência das temperaturas aparentes (Figura 2), a seguir,
mostra que na faixa de maior incidência compreende o intervalo de 31.5oC a 33oC, o que representa
certa de 40 a 70% da amostra. Se considerarmos uma temperatura aparente limite de 34oC, isto
significaria que aproximadamente 74% da amostra analisada estaria abaixo desse valor, enquanto 26%
seria uma parte que provocaria desconforto, o que é um valor relativamente alto. A base de dados
mostra que em Fortaleza ocorrem valores acima e abaixo de uma faixa de temperaturas consideradas
como zona de conforto, o que pode alertar os pesquisadores a fazerem correlações entre índices de
conforto e freqüência de certas doenças em crianças e adultos, em certos períodos do ano.
Figura 2 - Distribuição de freqüência das temperaturas aparentes
4. DISCUSÕES FINAIS
O uso e aplicação da equação de Steadmam (1979) aos dados da cidade de Fortaleza-Ceará, para
o cálculo da temperatura aparente, indicaram resultados interessantes. Embora não se tenha verificado
situações de extremo perigo em nenhuma época do ano, existem ocasiões em que a população se
ressente do conforto térmico. As situações indicadas pela análise de “desconforto térmico” responde às
reclamações da população nas mesmas épocas (período antes e depois da estação chuvosa).
Recomendamos que se faça correlações entre a temperatura aparente e a frequência de certas doenças
em adultos e crianças.
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Kalkstein, L.S. The weather stress index. NOAA Technical Procedures Bulletin, 324: 1-16, 1982.
Kalkstein, L.S.; Jamason, P.F.; Greene, J.S.; Libby, J.; Robinson, L. The Philadelphia hot weatherhealth wacth/warning system: Development and application, summer 1995. Bulletin of the
American Meteorological Society. pg.1519-1527, July, 1996.
Kalkstein, L.S.; Valimont, K.M. An evaliation of summer discomfort in the United States using a
relative climatological index. Bulletin of the American Meteorological Society, 67(7): 842-848,
July, 1986.
Kunkel, K.E.; Changnon, S.A.; Reinke, B.C.; Arritt, R.W. The July 1995 heat wave in the midwest: A
climate perspective and critical weather factors. Bulletin of the American Meteorological Society.
pg.1507-1517, July, 1996.
Steadman, R.G. The assessment of sultriness: part I: A temperature-humidity index based on human
physiology and clothing science. J. Appl. Meteor., 18: 861-884, 1979.
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