III SIMPÓSIO SOBRE A BIODIVERSIDADE DA MATA ATLÂNTICA. 2014 133 Composição e Diversidade Temporal de Anfíbios Anuros em uma Área de Maciço Urbano no Sudeste do Brasil M. M. Mageski1,*, D. Medeiros2, L. C. Costa1, P. R. Jesus1, S. M. C. Rocha3, L. Zortea3 & T. Silva-Soares4. 1 Universidade Vila Velha, Laboratório de Herpetologia. Faculdade Católica Salesiana do Espírito Santo. 3 Faculdades Integradas Espírito-Santenses. 4 Universidade do Federal do Rio de Janeiro, Museu Nacional, Departamento de Vertebrados, Laboratório de Herpetologia. *Email para correspondência: [email protected] 2 Introdução A Mata Atlântica está sob forte pressão de destruição e fragmentação ao longo das últimas décadas (Gasconet al., 2000; Olmos &Galetti, 2004). Mesmo reduzida a 7% de sua área original, abriga uma elevada riqueza de anfíbios, com aproximadamente 540 espécies descritas, sendo a maioria endêmica (Haddad et al., 2013). Os anuros ocupam diversos microambientes, como folhiço de mata, alagados e estratos verticais para forrageamento e reprodução (Haddad et al., 2013), normalmente relacionados à disponibilidade de água e umidade. A alteração desses ambientes pode resultar em declínios populacionais a taxas aceleradas (Toledo et al., 2010) e até a extinções locais. Os maciços urbanos de Mata Atlântica estão expostos a uma série de impactos, podendo favorecer, principalmente pela degradação e fragmentação de habitat, a colonização e permanência de espécies generalistas em detrimento das especialistas (Moraes et al., 2007; Koppet al., 2010), além de poder facilitar a ocupação e estabelecimento de espécies exóticas, sendo essa uma das maiores ameaças para anfíbios (Colombo et al., 2008). O presente estudo tem o objetivo de analisar a composição e diversidade temporal, de uma área de Mata Atlântica localizada em meio urbano no estado do Espírito Santo. Material e Métodos Os Trabalhos de campo foram realizados no Parque Estadual da Fonte Grande (PEFG), situado no município de Vitória, estado do Espírito Santo, sudeste do Brasil. Quatro ambientes distintos foram amostrados sistematicamente: I) Afloramento rochoso (Ar): Sem conexão com corpos d’água, há predomínio de Cactaceae e Bromeliaceae rupícolas, 134 MAGESKI ET AL: ANUROS DE ÁREA URBANA . especificamente do gênero Alcantareia. II) Área Antropizada (Aa): Sem conexão com corpos d´água, onde se encontra a sede do PEFG entre outras edificações; com predomínio de vegetação arbustiva e Bromeliaceae ornamentais. III) Corpo d’água permanente (Cp): Apresenta, em média, 40 cm de profundidade, distribuído sobre uma área plana; predomínio de vegetação herbácea distribuída pelo interior e borda do corpo d’água, apresenta também moitas de vegetação arbustiva. IV) Interior de mata (Im): Conectado o corpo d’água temporário, apresenta folhiço composto por uma camada única; predomínio de vegetação arbustiva e arbórea. Foram realizadas mais de 125 horas de amostragem noturna e mais de 80 horas de amostragem diurna, divididas entre estações seca e chuvosa. Informações sobre o ambiente e habitat dos indivíduos foram coletadas, assim como dados referentes à riqueza e abundância das espécies, além de precipitação, umidade e temperaturas máximas e mínimas do ar, provenientes do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET). Para estimar a riqueza total de espécies na área de estudo foi calculada uma curva de rarefação, e os dados de riqueza e abundância foram analisados utilizando os índices de Shannon-Wiener (H’), Dominância (D) e índice de Pielou (J) para expressar a equitabilidade. A influência das variáveis ambientais sobre a riqueza e abundância de anfíbios foi verificada através de uma análise de regressão linear simples. Resultados e Discussão Foram registradas 19 espécies de anuros distribuídas em sete famílias e onze gêneros, sendo a Família Hylidae a mais representativa (Tabela 1). Isso pode estar relacionado às características morfológicas destes animais, como presença de discos adesivos, o que permite ocupar diferentes extratos verticais em comparação com as espécies que não possuem esta característica (Pombal Jr, 1997). Cerca de 74% das espécies registradas são endêmicas da Mata Atlântica (Haddad et al., 2013) e, com relação ao seu status de conservação, todas são classificadas como “pouco preocupante” pela IUCN (2013). O número de espécies encontradas no PEFG foi maior que em outros estudos realizados em áreas urbanas (Ávila & Ferreira, 2004; Gagné&Fahrig, 2007; Pillsbury& Miller, 2008) e menor se comparado a estudos semelhantes em áreas preservadas de Mata Atlântica (Prado & Pombal Jr., 2005; Silva-Soares &Scherrer, 2013). Essa menor riqueza associada a áreas urbanas normalmente está relacionada ao desenvolvimento humano, como modificações na paisagem/ambiente natural original, alterações climáticas e poluição (Bernarde, 2007; Ferreira et al., 2012). III SIMPÓSIO SOBRE A BIODIVERSIDADE DA MATA ATLÂNTICA. 2014 135 Tabela 1.Composição de espécies de anfíbios anuros e hábitat de ocupação do Parque Estadual da Fonte Grande, Espírito Santo, sudeste do Brasil.Ambiente: Aa= Área antropizada;Af= Afloramento rochoso; Cp= Corpo d’água permanente; Im= Interior de mata. Hábitat: Alg= alagado; Bro= bromélia; Rup= rupícula; Sol= solo de mata; Vab= vegetação arbórea; Var= vegetação arbustiva; Vhe= vegetação herbácea. Meses = meses do ano em que a espécie foi observada. * = Endêmico da Mata Atlântica. Família/Espécie Bufonidae Rhinellacrucifer* Craugastoridae Haddadusbinotatus * Cycloramphidae Thoropamiliaris * Hylidae Dendropsophusbranneri Dendropsophusbipunctatus * Dendropsophus Dendropsophushaddadi * Hypsiboasalbomarginatus * Hypsiboasfaber* Scinaxalter * Scinaxargyreornatus (Miranda-Ribeiro, 1926) * Scinaxcuspidatus* Scinaxgr.ruber* Trachycephalusnigromaculatus Tschudi, 1838 Leptodactylidae Leptodactyluslatrans Odontophrynidae Proceratophrysschirchi * Pipidae Pipa carvalhoi (Miranda-Ribeiro, 1937) Ambiente Hábitat Aa Sol, Rup Im Sol Aa,Im Sol, Rup Cp Aa,Cp Cp Cp Cp Aa, Cp Cp Im Vhe Vhe, Var Vhe, Var Vhe, Bro Var Var, Bro Vhe, Var Bro Cp Af Aa,Af Im Var Bro Bro Vab Cp Im Alg Sol Im Sol Cp Alg O hábitat mais utilizado foi vegetação arbustiva, seguido de solo no interior de mata, vegetação herbácea e bromeliácea (Tabela 1).O estimador de riqueza Chao2 calculou 19,92 ± 5,75 SD, e a curva de rarefação não atingiu a assíntota. De acordo com Campos e VazSilva (2010), a riqueza de espécies é positivamente relacionada à heterogeneidade ambiental. Nesse contexto, o ambiente de corpo d’água permanente ter apresentado a maior riqueza de espécies (Tabela 1) corrobora tal afirmativa, o que pode ser atribuído à presença do maior número de sítios de vocalização, abrigos e substratos de ocupação viáveis aos anfíbios (Ferreira et al., 2012). 136 MAGESKI ET AL: ANUROS DE ÁREA URBANA . A maior diversidade foi registrada na estação chuvosa, sendo reduzida em direção à estação seca (Tabela 2), conforme outros estudos semelhantes (Toledo et al., 2003; Wells, 2007; Giarettaet al., 2008). A equitabilidade foi alta em todos os meses da estação chuvosa, porém, o maior valor foi encontrado no mês de junho (Tabela 2). A dominância foi baixa na estação chuvosa e alta nos últimos meses amostrados da estação seca (Tabela 2). A riqueza e abundância de anfíbios obtiveram correlação positiva, porém, não significativa com as variáveis de precipitação, temperatura máxima do ar, temperatura mínima do ar e umidade relativa do ar. As baixas temperaturas foram registradas ao final da estação chuvosa (Eterovick&Sazima, 2000), na qual a diversidade foi reduzida. Tabela 2. Diversidade temporal de anfíbios anuros no Parque Estadual da Fonte Grande, Espírito Santo, sudeste do Brasil. H’ = Índice de Shannon-Wiener; J = Equitabilidade de Pielou; D = Dominância. Amostragem Nov. Dez. Jan. Fev. Mai. Jun. Jul. Ago. Número de espécies 9 9 9 4 7 4 7 5 Número de indivíduos 30 35 85 16 54 9 82 22 H’ 1,831 1,689 1,564 1,041 1,201 1,273 0,9119 0,8387 J 0,8332 0,7685 0,712 0,7508 0,6169 0,9183 0,4686 0,5211 D 0,2089 0,2653 0,3215 0,4453 0,4664 0,3086 0,5761 0,6116 O período reprodutivo dos anfíbios é afetado pela distribuição de chuvas, principalmente porque a estação chuvosa aumenta a disponibilidade de sítios reprodutivos (Aichinger, 1987), dessa forma, influenciando na distribuição dos anfíbios no ambiente (Heyer, 1973). Alguns estudos sugerem relação entre temperatura máxima e fotoperíodo, provável fator fenológico essencial para a ativação de processos fisiológicos associados à reprodução (Hatanoet al., 2002; Both et al., 2008; Canavero&Arim, 2009). Embora não tenha havido relação significativa com as variáveis ambientais, é esperado que, por conta de fatores fisiológicos, a comunidade de anfíbios seja influenciada pelas condicionantes abióticas, principalmente para a reprodução, desova e desenvolvimento larval (Duellman&Trueb, 1994). A equitabilidade também apresentou os maiores índices na estação chuvosa e no mês de junho, e, de acordo com Ludwig & Reynolds (1988), essa variável indica o grau de III SIMPÓSIO SOBRE A BIODIVERSIDADE DA MATA ATLÂNTICA. 2014 137 distribuição dos indivíduos em seu habitat, e valores acima de 0,5 indicam uma distribuição uniforme entre as espécies, o que foi corroborado pelos resultados do presente estudo que se mostraram acima do valor de referência citado, exceto no mês de julho. A variação da dominância em relação às estações evidencia que, durante a estação seca, algumas espécies podem ter sido mais abundantes e/ou exerceram maior influencia no sistema ecológico quando comparadas às outras espécies registradas, por melhor disponibilidade de algum recurso específico ou por apresentarem sucesso competitivo durante essa estação (Ricklefs, 2010; Begonet al., 2007). Conclusão Ao contrário do que se esperava a riqueza e abundância de anfíbios encontrada no presente estudo não foi significativamente correlacionada às variáveis ambientais. Fato que pode indicar o oportunismo e elevada plasticidade ecológica de mais da metade das espécies em seu período de atividade reprodutiva. Uma vez que a curva de rarefação não atingiu a assíntota, estudos adicionais envolvendo outros métodos de amostragens podem acrescentar novos registros ao Parque Estadual da Fonte Grande, assim como novas informações ligadas à composição e diversidade anfíbios. Agradecimentos A Prefeitura Municipal de Vitória em especial Breno Platais e Camila Ramos pelo apoio ao estudo. Ao IBAMA (Processo nº 34836-4) e Prefeitura Municipal da Vitória (Processo nº 3764161/2012) pelas autorizações de pesquisa na unidade. TSS agradece ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico pelo suporte financeiro (CNPq: 140640/2011-8). Literatura Citada Aichinger, M. 1987. Annual activity patterns of anurans in a seasonal. Neotropical environment. Oecologia, n. 71, p. 583-592. Ávila, R. W. & Ferreira, V. L. 2004. Riqueza e densidade de vocalizações de anuros (Amphibia) em uma área urbana de Corumbá, Mato Grosso do Sul, Brasil. Revista Brasileira de Zoologia 21 (4): 887–892. Begon, M.; Townsend, C. R. & Harper, J. L. 2007.Ecologia de Indivíduos a Ecossistemas. 4ªed, Artmed, Porto Alegre. 410-438. 138 MAGESKI ET AL: ANUROS DE ÁREA URBANA . Bernarde, P. S. 2007. 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