O mito da democracia de gênero em uma sociedade dualista – Helena Soares Meu avô – um homem que tinha apenas ensino médio completo, de Conceição do Mato Dentro, Minas Gerais, estudava em colégio de padres – cresceu em um meio conservador. Casou-se cedo e trabalhou em todos os empregos imagináveis por necessidade, aposentou-se como feirante, e pôde, depois de muita luta, ter criado perfeitamente bem suas três filhas. Sempre fora rigoroso, e, durante toda sua vida, procurou deixar-lhes uma única mensagem: queria que fossem, acima de tudo, autossuficientes. Não queria que dependessem dos maridos. Meu avô frisava continuamente que o único bem que elas teriam para sempre seria sua educação. As três se formaram e são boas profissionais, e, assim como muitas mulheres de sua época, são autossuficientes. Entretanto, seria a comunidade feminina independente dos homens? Honestamente, não é o que eu vejo como mulher. O que vemos é “Aula de como pegar mulher”, mulheres de biquíni fazendo propagandas de produtos não relacionados a estas, ideais de beleza irreais forçados pela mídia, estupro sendo transformado em piada... Essa é apenas nossa dose diária de sexismo. Estes são exemplos magnificados do que é, infelizmente, corriqueiro nas vidas de muitas mulheres. Mulheres de todo o mundo sofrem os mais diversos tipos de violência; são objetificadas, assediadas por meio de, em casos mais brandos, comentários de conotação sexual, ouvem observações preconceituosas, sentem medo de andar sozinhas na rua à noite, e ainda são coagidas a se adequarem aos padrões de beleza repercutidos pela mídia. Em decorrência da gradual conquista dos direitos das mulheres, no entanto, se tornou comum nas mais diversas culturas o pensamento de que homens e mulheres são iguais e tratados como tal. Esse julgamento, todavia, se prova equivocado por conta das dificuldades que todas as mulheres experienciam ao longo de suas vidas, estando elas conscientes ou não de que não são tratadas como semelhantes aos homens. Vivemos em uma sociedade em que tudo é sexualizado e em que se insiste em apontar diferenças entre os gêneros. Desde a Antiguidade, as mulheres têm um papel definido, geralmente relacionado à vida doméstica. Logo, por ser algo milenar em diversas culturas, mudar como a sociedade vê o sexo feminino e seus supostos deveres é uma tarefa difícil. Sempre se exalta o movimento sufragista, a conquista do mercado de trabalho e, claro, o governo de nossa Presidenta. A presença de mulheres na política é um argumento frequente para afirmar que existe democracia de gênero, mesmo que estas ocupem apenas 9% da bancada da Câmara Federal. A razão pela qual, mesmo em processo de conquista dos direitos femininos, a violência e o preconceito contra a mulher ainda não foram erradicados é o fato de que o sofrimento do sexo feminino foi banalizado. A cada pequena conquista do movimento feminista (que caminha a passos lentos), tal conquista é exaltada, criando na sociedade um consenso equivocado de que a luta pelos direitos femininos acabou, e que de fato existe plena igualdade de gênero. Assim, deixa-se de lado a preocupação quanto às mulheres como minoria. Não problematizando o machismo implícito em nossa cultura, silenciamos milhares de mulheres em condições desfavoráveis. Todas as mulheres – independentemente de condições financeiras, classe social, idade, região onde vivem e outros fatores – estão sujeitas aos mais diversos tipos de opressão. Tememos ser violentadas, assediadas, estupradas. Todas nós estamos sujeitas a ganhar salários menores que os dos homens, a sermos incentivadas a não seguir carreiras em áreas dominadas pelo sexo masculino, além de termos chances menores de sermos líderes de nações. Portanto, se ser mulher às vezes dá medo, como podemos afirmar que a igualdade de gênero está, de fato, presente na nossa sociedade? Segundo diversos estudos, incluindo os da Universidade de Harvard e do Rochester Institute of Technology, as mulheres estão mais sujeitas à depressão do que homens, e um dos principais fatores que contribuem para esta susceptibilidade é a perpetuação social dos papéis de gênero. Espera-se que todas sejam belas esposas heterossexuais magras e simpáticas, que apresentem seus dois filhos às visitas enquanto servem um chá e se contentam em receber 30% a menos do que seus maridos, em um trabalho que, em muitos casos, nunca foi de fato o que sonharam. O machismo implícito, implantado na cabeça de cada brasileiro, afeta ambos os gêneros de maneiras negativas – tanto interna quanto externamente. Os homens inferiorizam as mulheres mesmo sem perceberem, e ainda associam o gênero feminino à fraqueza e à vulnerabilidade, usando palavras no diminuitivo e/ou feminino para, por exemplo, ofender outros homens. Já as mulheres, são criadas como frágeis, e com a ideia de que precisam de um “homem da casa”. Além disso, o machismo também cria ódio entre as mulheres. Muitas vezes, ele é provocado pela “disputa” por homens, atividade sexual e pelo fato de muitas divergirem dos padrões de papéis de gênero. Na Idade Média, justificava-se a segregação de deficientes pelo argumento de que era uma punição divina pelos pecados cometidos pelos pais, o que explica o fato de nosso ambiente e nossa sociedade não estarem devidamente preparados para acolher pessoas com deficiências. Da mesma forma, a escravidão de negros no Brasil e a exploração dos recursos e da própria população da África explicam o racismo presente na sociedade atual, e, portanto, as tradições culturais – envolvendo mutilação genital, o matrimônio infantil, o controle excessivo das vestimentas e o infanticídio feminino –, as pseudociências do Sexismo Científico e tantas outras linhas de pensamento que já inferiorizaram o gênero feminino, são o motivo pelo qual a cultura de banalização das mulheres ainda está presente. Por isso, a luta pelo empoderamento feminino continua: precisamos educar as futuras gerações sobre a igualdade de gênero, visando criar um futuro melhor para ambos os gêneros. Precisamos de mais mulheres na política, na ciência, e em outras áreas tão estigmatizadas. Somente com a compreensão e a ajuda de ambos os sexos, avançaremos para uma sociedade igualitária.