UMA HISTÓRIA QUE CONTINUA
Fr.Giacomo Bini,ofm.
29 de novembro de 2008.
Durante os 800 anos a história foi marcada por uma inumerável multidão de homens e
mulheres que foram inspirados em S. Francisco de Assis; que quiseram viver o evangelho e
realizá-lo em seu tempo com generosidade e entusiasmo. Hoje, a nossa geração tem a grande
responsabilidade de ritualizar este carisma para assim transmiti-lo às gerações futuras.
E um carisma, se quer de algum modo “historicizar-se” como proposta evangélica viva,
eloquente e significativa para cada homem de cada tempo e cultura, tem sempre necessidade
de ser reinterpretado, reinventado para revelar as potencialidades intrínsecas agrupadas em
sua inspiração evangélica.
A cada momento histórico particular se pede, de uma parte, a capacidade de reapropriar-se da
instituição carismática inicial, para vivê-lo nas situações concretas, fiéis a Deus e ao homem; de
outra parte, a adaptação e a criatividade das novas mediações mais dialógicas, em vista de
relações autênticas.
A verdadeira história de um carisma é contemporaneamente “memória vivente” do Evangelho,
do modo de viver de Jesus Cristo no meio de nós; transparência eloquente e significativa do
Reino, projeção escatológica que nutre a esperança de cada geração. Sempre se é chamado a
evidenciar e exprimir, com paixão evangélica, o “possível inédito” do qual é carregado o
carisma. É a missão irrenunciável de cada espiritualidade.
Isto que freia ou paralisa um determinado carisma é o prevalecer do elemento estrutural
externo em detrimento da instituição evangélica primitiva. Em tal caso, o carisma demasiado
“institucionalizado” não exprime mais a sua dinâmica criativa, limitando-se a uma agradável
identidade estrutural, a uma repetição estrutural externa de moldura vazia, de uma
espiritualidade sem vida. O carisma é colhido em sua dimensão externa, estática, rígida e
repetitiva; se confunde a rotina com a memória viva, a perseverança nas estruturas com a
verdadeira fidelidade ao carisma, a uma sã tradição chamada periodicamente a “revificar-se”.
Na história, ordinariamente, um Instituto morre quando se agarra só à estaticidade
“arqueológica” das formas, deixando tocar, sobretudo, pela lógica da conservação em
detrimento da conversão, da criatividade. E assim, muitas vezes a história se torna solene
apologia e celebração triunfalista de um passado a recontar. Tudo isso pode satisfazer, mas
também nos fazer cochilar! De fato uma “política conservadora”, fundada sobre motivações
históricas e motivações de vago sabor romântico é sempre destrutiva: não oferece
projetualidade, dinamismo, entusiasmo.
Talvez hoje, mais que nunca, seja necessário coragem para aventurar-se em uma identidade
mais interiorizada, mais autêntica, uma identidade “em caminho”, itinerante, próxima do
homem de nosso tempo; uma identidade que sabe colher o essencial evangélico, mas que
sabe também encontrar formas novas, adaptadas ao mundo que muda.
Sabendo que o franciscano é um homem radicalmente desapropriado (RB 6) e que não tem
nada a perder, somos chamados a testemunhar concretamente esta liberdade evangélica. Só
assim o carisma poderá continuar a exprimir a sua riqueza tanto esperada pelo homem
contemporâneo.
Viver o evangelho segundo a espiritualidade de S. Francisco significa hoje reapropriar-se da
intuição corajosa de Francisco ocorrida no século XIII; revivê-lo com entusiasmo no quotidiano
da nossa existência; re-atualizá-lo no contexto histórico do nosso tempo, intuindo as
inspirações ou as lacunas do homem nosso contemporâneo. Ousar e arriscar também quando
tudo não está claro.
Após o Concílio, enviados pela Igreja a retornar às fontes da nossa vida carismática, definimos
muito bem as notas características da nossa espiritualidade. Estudamo-las no seu “encarnarse” criativo através dos séculos; não nos faltou o estudo do passado, a “memória” de quanto
fizeram nossos irmãos com corajosa criatividade através dos séculos. Hoje mesmo, nós
usufruímos da riqueza espiritual e exemplar dos irmãos que nos precederam.
Talvez o que nos faltou (e nos falta) foi a coragem de viver com coerência o presente! E ainda
menos, somos projetados ao futuro! Embora a Igreja nos tenha recordado com força: “vós não
tendes só uma gloriosa história a recordar, mas uma grande história a construir” (VC 110).
Uma das crises mais graves que ameaça hoje a vida religiosa é aquela de permanecer fora da
história por que não consegue projetar pontos de diálogo construtivo com os irmãos e irmãs
do nosso tempo, intuindo suas exigências profundas.
Um exemplo típico de um retrato evidente é o valor da relação fraterna. Sabemos muito bem
que a Fraternidade é um valor constitucional (não opcional) do nosso carisma. A Igreja e a
Ordem nos disseram até nos cansar... O fato de vivermos uma relação verdadeira, honesta,
fraterna é um desafio absoluto e uma verdadeira palavra profética. Vivemos em um mundo
“dilacerado pelas fragmentações e pelas divisões”... e muitas vezes, ao invés de nos
empenharmos em construir este diálogo, como primeira forma de evangelização no nosso
mundo globalizado, temos dificuldade até de nos relacionar entre nós. Não faltam
fraternidades nas quais os membros vivem entre eles como “separados em casa”,
consumidores de fraternidade, mais que construtores de fraternidade.
Impregnados de um espírito mundano que invadiu as nossas casas, não sabemos mais estar
juntos gratuitamente; não sabemos mais rezar juntos, nem mesmo uma hora por dia; não
sabemos mais criar espaços de diálogo, por que não temos tempo e não queremos perder
tempo. Corremos o risco também de fundar a nossa vida não sobre o Evangelho, a Regra e as
Constituições Gerais, mas sobre valores da eficiência individualista e autorreferencial do
mundo secularizado. Como ser coerentes com aquilo que professamos?
São Francisco nos repete ainda: “eu já fiz a minha parte; que Cristo vos ensine a vossa” (LM
14,3).
Tradução: Fr. Oton Júnior, ofm
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