livre opinião
Uma história de sucesso
“Mente é como pára-quedas,
só funciona quando está aberta”.
Louis Pauwels
T
odos procuram a ‘chave do sucesso’, mas poucos se dispõem a construir a sua própria chave, e muito menos a procurar a porta certa para
essa chave. Muitos livros têm sido escritos e
muitas teses acadêmicas têm sido defendidas sobre o
assunto. Todos esses trabalhos têm sido vendidos como
a verdadeira chave do sucesso, muito embora muitas
delas possuam combinações de segredos diferentes!
Talvez, da mesma forma que cada chave abre uma
porta, não exista uma chave única para o sucesso. O
sucesso tem a ver com seres humanos, e seres humanos
são sistemas não-lineares e, portanto, o sucesso não
possui uma fórmula, mas deve ser construído a partir
das pessoas envolvidas no processo. No entanto, a meu
ver, uma coisa é certa: se essas pessoas não acreditarem
no que estão fazendo, nenhuma chave será capaz de
abrir uma porta que conduza ao sucesso.
Este depoimento tem a ver com pessoas que acreditaram em um sonho, e por isso ele se tornou uma realidade. Ele tem a ver com algo mais que uma realidade,
mas uma realidade de sucesso. Essa foi a nossa chave!
A parceria da Solectron com o LESC - Laboratório
de Engenharia de Sistemas de Computação, da Universidade Federal do Ceará (UFC) -, foi motivada por
uma oportunidade, mas começou por um desafio. A
oportunidade surgiu da necessidade da escolha de investimento em P&D, através da lei 10.176, que implica
no investimento no Norte, Nordeste e Centro-Oeste.
Vários outros institutos participaram da seleção, mas o
desafio de se fazer Hardware que agregasse P&D levou
a empresa a realizar a parceria com a UFC.
Acredito que o elemento catalisador e decisivo para
o estabelecimento da parceria decorreu de um processo
de empatia, aliado a uma percepção pelas duas partes, que estávamos diante de parceiros comprometidos,
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não com o sucesso pessoal, mas o sucesso do conjunto.
Embora eu já tivesse trabalhado com várias outras empresas, em projeto de P&D, nesse caso a disposição da
empresa era de se estabelecer laços mais perenes.
O desafio não residiu apenas em se fazer Hardware,
por si só um desafio de monta, pois requer investimentos
mais significativos que no caso de Software, mas também em se construir, na UFC, um laboratório com estrutura física e instrumental adequada para realizar P&D
em arquiteturas computacionais avançadas, o alvo dos
projetos. Essa estrutura foi criada, e denominada LESC.
No entanto, como afirmamos anteriormente, são as
pessoas que fazem a diferença, e um desafio maior foi
se constituir uma equipe uníssona com o comprometimento de todos que estabeleceram o convênio que deu
origem à parceria. Embora o conhecimento técnico
fosse um requisito importante, selecionamos pessoas
que estivessem dispostas a ‘fazer as coisas acontecerem’
e não esperar que alguém as trouxesse prontas.
No Brasil, ainda existem pessoas que não acreditam
que não se pode fazer Ciência e Tecnologia de forma
séria e de alta qualidade. Creio que isso se deva, em
muitas situações, a essas pessoas estarem mais focadas
em problemas do que em soluções. Desde o início acreditei que o LESC deveria ser, antes de tudo, uma solução para os problemas que a empresa nos trouxesse, e
não um problema para as soluções que ela já detinha.
A equipe técnica do LESC é formada, quase em sua
totalidade, por ex-alunos meus que sabia estarem em
ressonância com essas idéias. Os resultados dos projetos demonstraram que estávamos certos.
Para se ter uma idéia da força do que a vontade de
‘se fazer acontecer’ pode realizar, o LESC foi concretizado (incluindo sua estrutura física de cerca de 290 m2)
em cerca de 90 dias! Mais noventa dias após a conclusão e surge o primeiro protótipo do primeiro projeto
da parceria: o PC-Multiusuário. Esse projeto foi significativo, pois mostra o comprometimento da parceria
com o social, na medida em que essa arquitetura foi
concebida dentro do contexto de inclusão digital.
Prof. Dr. Helano de Sousas Castro
Vencedor de vários prêmios (incluindo o prêmio
Telemar de Inclusão Digital), o PC-Multiusuário permite que vários usuários utilizem simultaneamente, e
de forma independente, um único computador, cada
um com seu teclado, mouse, equipamento multimídia
e ambiente Linux.
Assim, como em qualquer outro relacionamento de
sucesso, o elemento norteador não foi o “pensar igual”,
mas o “pensar junto”. É certo que a Indústria e a Universidade possuem suas particularidades que são oriundas até mesmo dos seus propósitos e missões. Disso
decorre que cada um possui suas próprias velocidades
e métricas de desempenho que fazem parte da cultura
de cada um. Portanto, foi necessário que cada parceiro
entendesse e respeitasse essas diferenças, e procurasse
se adaptar às situações que assim o exigissem, como
forma de garantir o sucesso dos projetos.
A partir daí, focou-se na parceria e não nas possíveis
vantagens individuais. Essa postura contribuiu para o
sucesso de muitos outros
projetos, dos quais gostaríamos de destacar o desenvolvimento de uma arquitetura
computacional voltada para
aplicações embedded para a
AMD Coorporation. Tratase de uma placa eletrônica
de seis camadas e alta densidade, equipada com um
processador Geode. O projeto mereceu menção e elogios por parte da AMD, destacando seu funcionamento
já no primeiro protótipo.
Muitos outros projetos realizados (testes Run-in, testes e diagnósticos, dentre outros) ajudaram a aperfeiçoar
o processo fabril da linha de montagem da empresa, em
Jaguariúna-SP. Isso é outra característica das habilidades
do LESC: não apenas projetos de concepção de arquiteturas computacionais foram realizados, mas também
projetos que auxiliaram no controle de qualidade, motivo pelo qual nos afanamos de dizer que trabalhamos ‘da
prancheta à etiqueta’. Atualmente, as equipes das duas
instituições trabalham no desenvolvimento de uma arquitetura computacional embedded para a INTEL.
O LESC detém não apenas o conhecimento e a técnica em projetos de arquiteturas computacionais avançadas, como também em projeto de placas eletrônicas de
alta densidade, análise de integridade de sinais, confiabilidade e EMC. O grupo espera em breve contribuir em
P&D, envolvendo projetos na área de Microeletrônica.
Se eu tivesse que sintetizar, em uma frase, os elementos que fizeram de nossa parceria um sucesso, eu incluiria: comprometimento, respeito e profissionalismo.
Assim dito, isso pode parecer simples. No entanto, esses
ingredientes dependem sobremaneira das pessoas envolvidas; do foco na parceria, e não nos parceiros.
Em nossa parceria, isso tem se materializado na forma de trabalho das equipes; em muitas situações, o grau
de envolvimento e sintonia tem permitido os grupos
trabalharem como um único corpo. Isso é ainda mais
significativo quando se trata de uma parceria entre uma
universidade e uma indústria.
O nosso país carece muito de exemplos de projetos
que têm dado certo. Temos
ainda uma tendência para
enaltecer os problemas e as
dificuldades (não que elas
não existam). No entanto,
acredito que, como o caso
aqui relatado, outros também existam.
O principal objetivo de
meu relato é mostrar para
a universidade, indústria e
governo, que esse modelo
dá certo. É preciso confiar
no trabalho. A universidade e a indústria brasileira possuem o talento. A Lei de
Informática tem fornecido a oportunidade.
Por todos esses motivos, acredito que a busca pela
chave do sucesso é inócua, porque o sucesso não se acha.
O sucesso se constrói, e essa tem sido a história de sucesso Solectron-LESC/UFC.
Prof. Dr. Helano de Sousas Castro - Professor Associado do Departamento de Engenharia de Teleinformática da Universidade
Federal do Ceará; Professor do Programa de Pós-Graduação do
DETI/UFC; Ph.D em Engenharia de Sistemas de Computação,
Sussex University, Inglaterra; M.Sc em Engenharia Elétrica,
PUC/RJ; Graduado em Engenharia Elétrica, UFC.
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