Absinto – uma história cultural, de Phil Baker (Editora Nova Alexandria) Capítulo 6 – Da Antiguidade à hora verde Como tantas coisas que terminam mal, a história do absinto começa bem. No mundo antigo, a planta do absinto - artemísia absinthium, apelidada genericamente de artemísia era amplamente conhecida como uma erva medicinal das mais valiosas. O Papiro Ebers, um papiro egípcio de 1600 a.C., recomenda a artemísia como estimulante e tônico, além de antisséptico, vermífugo, e como remédio para febre e dores menstruais. Pitágoras afirmava que folhas de artemísia maceradas em vinho facilitariam o parto, e Hipócrates as indicava para dores menstruais, anemia e reumatismo. Galeno as recomendava para desmaios e fraqueza, enquanto o naturalista romano Plínio acreditava que fizessem bem para o estômago, a bílis e a digestão em geral. Capítulo 11 – O que o absinto faz? Deixando de lado o ritual, por que o alvoroço todo? O que o absinto faz, e como? No coração da lenda do absinto, além da decadência, da boêmia e da desgraça, há a convicção de que provoca uma intoxicação de qualidade diferente. O absinto já foi definido, com graus diferentes de imprecisão, como droga, narcótico, ou até mesmo alucinógeno. Em doses moderadas, era associado à inspiração, "uma visão diferente e sensações incomparáveis", e a uma forma especialmente "lúcida" de intoxicação, uma "euforia sem embriaguez". Usuários modernos de absinto (frequentemente caseiro) nos Estados Unidos parecem confirmá-lo. "Fora a sensação óbvia do álcool, dá uma nuvem de euforia própria, que nada tem a ver com a névoa confusa, entorpecente de outros 'narcóticos'. Você não fica olhando as paredes; olha além delas"; "a sensação é de euforia... não como acontece com o álcool ou com a maconha. Você experimenta uma lucidez que nenhum dos dois te dá". Ou, ainda mais entusiástico: "O absinto te leva para um foco mais claro e conciso da mente consciente, deixando ao mesmo tempo aberta o que poderíamos chamar porta dos fundos para o inconsciente, para que pensamentos e ideias possam entrar; depois do primeiro trago, depois do ritual da preparação... o mundo todo é poesia". Esses três fãs do absinto - todos eles mulheres, curiosamente - têm, sem dúvida, um estilo mais elegante que o da Clinicai Toxicology Review (revista de toxicologia publicada pelo Massachusetts Poison Control System), mas é fácil reconhecer os denominadores comuns: Os usuários relatam o "duplo deslumbramento" da intoxicação por absinto: o embriagamento causado pelo etanol e ao mesmo tempo um efeito bastante distinto (euforia, sensação de bem-estar, alucinações visuais suaves), que pode ser atribuído especificamente à artemísia. O consumo de absinto provoca um estado de espírito alegre e uma capacidade de percepção aguçada, e ambos os estados justificam sua atração e a dependência psicológica de seus notáveis eleitos entre usuários crônicos. A INTOXICAÇÃO É UM FATO, mas ainda se discute até que ponto pode ser atribuída simplesmente ao álcool. Um usuário, em Praga, afirmou a um jornalista que despejar "pequenas bolas de açúcar flamejando" em seu absinto ampliava a "potência alucinatória" da bebida, por causa da elevação de temperatura - relato realmente surpreendente, já que a marca em questão não contém praticamente nada de artemísia. Relatos anedóticos dos poderes do Hills ("provoca sonhos incrivelmente vívidos e invariavelmente obscenos", por exemplo) são interessantes justamente porque, de fato, o absinto da marca não contém nada além de álcool, substância subestimada, afinal. A embriaguez por absinto poderia comportar um efeito placebo ou, mais exatamente, uma experiência ambivalente comparável à intoxicação provocada pela maconha, que os psicofarmacólogos consideram uma "experiência aprendida", dependendo das expectativas culturais. O delicioso relato da embriaguez de absinto de Tom Hodgkinson insere-se nessa perspectiva e esclarece bastante as razões da popularidade do Hill's na Grá-Bretanha. As bochechas brilham, diz Hodgkinson, e uma "embriaguez relaxada e risonha se apodera de nós". Além disso: O outro efeito - não menos importante, talvez - é que, depois de tomá-lo, você pode se imaginar como um depravado poeta boémio da França do século XIX trocando gracejos com Baudelaire antes de compor alguns poemas, para depois surrar sua amante, rindo loucamente, e se jogar na cama de latão gritando: "Quero morrer!" O rei da vodca – a saga da família Smirnov e a construção de um império, de Linda Himelstein (Editora Zahar) Prólogo: Adeus (...) NA RÚSSIA, A VODCA FAZIA PARTE DO DIA A DIA tanto quanto a comida e o frio do inverno. Acredita-se que, por volta do ano 1500, monges destilavam a bebida em monastérios, retiros isolados no alto de montanhas onde experimentos químicos e descobertas científicas eram realizados rotineiramente. Excedentes de grãos tornavam a produção relativamente fácil - e barata. Os monges usavam alambiques primitivos, produzindo uma bebida de tom azul-esverdeado, causado por traços de sulfato de cobre dos tanques de fermentação, e odor pútrido.4 Naquele tempo, não se consumia vodca simplesmente por prazer; era um produto medicinal. Podia agir como poderoso desinfetante de ferimentos ou como morno bálsamo reconfortante para massagear o peito e as costas. É claro que sua utilização rapidamente se transformou, e a vodca se tornou a bebida preferida dos russos quando os métodos de destilação melhoraram e os aditivos medicinais foram substituídos por aromas doces e temperos saborosos. Quase do dia para a noite, a vodca, cujo nome vem de voda, que significa "água" em russo, tornou-se ponto focal em vários rituais. Uma prática conhecida como "molhar a negociação" a usava para unir membros de comunidades a fim de erguer uma igreja, fazer a colheita ou construir uma ponte. Um trabalho bem-feito significava vodca à vontade para todos. Beber vodca também era o passatempo preferido de Pedro o Grande, que instituiu o "gole punitivo" durante seu reinado, entre 1682 e 1725. Quem chegasse atrasado a uma reunião era supostamente forçado a pagar uma multa ou a tomar uma grande caneca de vodca. Com o passar dos anos, a bebida passou a ser usada como pagamento no lugar de dinheiro, como suborno, ou ainda para encorajar os soldados na frente de batalha. A chamada "bebida da vida" era dada até mesmo a mulheres em trabalho de parto e a recém-nascidos, quando outros remédios não conseguiam acalmálos. (...) 20. De repente, o caos PIOTR PlETRÓVICH SMIRNOV MORREU INESPERADAMENTE em 25 de abril de 1910 "após uma doença curta mas grave". Tinha apenas 42 anos de idade. Seu falecimento não foi um evento nacional como o do pai, mas foi digno de nota e, em alguns aspectos muito concretos, teve consequências até maiores. A morte do jovem Piotr foi como a queda da primeira peça de um dominó, o primeiro de uma série de eventos que dilacerou o coração da família Smirnov e deixou a empresa mutilada. Ninguém estava preparado para o vazio que ele deixou. Tudo aconteceu muito rápido. Piotr havia sido um líder nos negócios e na comunidade, um homem bastante conhecido, respeitado e benquisto. Ele possuía e praticava a combinação vitoriosa do pai: uma mente rápida e uma capacidade incomum para parecer convencional enquanto silenciosamente desbravava novos caminhos. Milhares de pessoas compareceram ao funeral e ao sepultamento. Coroas de flores coloridas se empilhavam sobre o caixão enquanto inúmeras pessoas enlutadas expressavam condolências à viúva, Eugenya, e aos cinco filhos. Foram publicados obituários nos principais jornais. A maioria enfatizava seu trabalho de caridade e seu tino comercial, louvando o filho de Smirnov por sua criatividade e perspicácia. Colegas da indústria de bebidas ficaram particularmente tristes com a morte de Piotr, sentindo que haviam perdido um dos seus mais determinados e eficazes defensores. (...) Epílogo (...) A VODCA TEM AINDA HOJE lugar central na sociedade russa. Vladimir Putin considerou ressuscitar o monopólio da vodca em 2005, não tanto para diminuir o consumo, mas para combater a natureza destrutiva da produção ilegal de baixa qualidade. Recentes estimativas oficiais sugerem que entre um e dois terços da vodca vendida na Rússia pode vir de produtores ilegais. Em uma época em que a densidade populacional do país está em declínio e a expectativa de vida também está decaindo, constatar o preço econômico e humano cobrado pelo álcool aos cidadãos russos é ainda mais desalentador. Cerca de 33 mil russos morreram em 2006 por intoxicação alcoólica, de acordo com os dados oficiais mais recentes, e muitos mais sucumbiram a doenças relacionadas ao consumo de bebida. Ainda assim, a proposta de Putin de um novo monopólio para substituir os elevados impostos fracassou em 2007, assegurando que a busca por uma solução duradoura para esse problema de mais de um século irá continuar. Como era durante o tempo dos czares, a atual paisagem econômica, política e social da Rússia não pôde escapar à grande sombra da vodca. (...)