ELABORAÇÃO CONCEITUAL DO ADOLESCENTE NA DISCIPLINA DE
HISTÓRIA EM UMA ESCOLA ORGANIZADA POR CICLOS DE FORMAÇÃO
Inês Maria Vicentini*
Resumo
A pesquisa tem como objetivo responder as seguintes questões principais:
como ocorre a elaboração conceitual do adolescente na disciplina de história em
uma escola por ciclos de formação e como são selecionados os conceitos a serem
trabalhados com os adolescentes pelo grupo de professores. A perspectiva
teórico-histórica-cultural baseada nos autores Vygotsky e Lúria defende que a
aprendizagem ocorre primeiro nas práticas sociais para uma posterior
internalização dos conhecimentos. Estes autores argumentam que é longo o
processo de desenvolvimento conceitual e é apenas na adolescência que é
possível pensar por meio de conceitos, isto é, realizando os processos de análise
e de generalização que lhe são próprios.
O trabalho analisa como os conceitos são selecionados pelos professores
da escola a partir de investigação na comunidade sobre as visões de mundo dos
moradores e alunos. O conceito selecionado nesse processo foi o de produção
capitalista.
O desenvolvimento da rede de conceitos que emergiram a partir do
conceito de produção capitalista foram analisados em dois momentos: no primeiro,
por meio das interlocuções entre colegas mediada pela pesquisadora-professora
e, no segundo, por meio dos registros individuais de cada aluno sobre suas
hipóteses a respeito do problema levantado pela professora, qual seja, as causas
das desigualdades sociais no Brasil. A análise busca evidenciar em que medida
são usados os conceitos escolares entrelaçados com os conceitos cotidianos.
Palavras-chave: ciclos de formação, conceitos, investigação na comunidade
e produção capitalista.
ABSTRACT
This research has the purpose of answering the following key questions:
how teenagers develop concepts as regards History in a school using the
educational cycles system, and how the concepts to be worked on with the
teenagers are chosen by the teachers. The theoretical, historical and cultural
perspective based on authors Vygotsky and Luria advocates that learning first
takes place in social practices for a subsequent internalization of knowledge.
These authors argue that the process of concept formation is long, and only in
adolescence it’s possible to think by means of concepts, that is, operating the
processes of analysis and generalization that are peculiar to these.
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This paper analyzes how concepts are chosen by the teachers based on an
investigation into the community about its inhabitants and students’ views.
The development of the set of concepts that arose from the capitalist
production concept was analyzed in two steps: firstly, by means of interlocutions
between classmates mediated by the teacher-researcher; secondly, by means of
individual records from each student approaching their assumptions about the
problem raised by the teacher, namely, the causes of social inequality in Brazil.
The analysis attempts at elucidating to what extent scientific concepts are used in
close association with ordinary concepts.
Key-words: educational cycles, concepts, investigation into the community
and capitalist production.
* Esse artigo é uma síntese de alguns capítulos da dissertação de
mestrado Elaboração conceitual do adolescente na disciplina de história em uma
escola organizada por ciclos de formação defendida no Departamento de
Educação da PUC-RS, em 2003, sob a orientação da Professora Doutora Délcia
Enricone.
INTRODUÇÃO
Esta pesquisa analisa o desenvolvimento conceitual do adolescente, na
disciplina de história, em uma escola municipal de Porto Alegre organizada por
ciclos de formação. A perspectiva teórica abordada é a histórico cultural tendo
como marco de referência os trabalhos de
Vygotsky e Lúria. Com relação à
disciplina de história, as bases teóricas são os trabalhos
dos historiadores
marxistas Thompson, Emília Viotti da Costa, entre outros, e algumas influências
de autores da escola dos Annales, Lê Goff e Braudel .
As Escolas Municipais de Porto Alegre estão estruturadas por Ciclos de
Formação. São três ciclos e cada ciclo compreende três anos de acordo com a
faixa etária. No primeiro Ciclo as crianças têm de 6 a 8 anos; no segundo Ciclo, de
9 a 11 anos e no terceiro, de 12 a 14 anos. Teoricamente não há reprovação.
2
A escola pesquisada organiza o currículo por meio de pesquisa realizada
no local em que está inserida a escola e com os próprios alunos no cotidiano
escolar. Esse processo chama-se de Complexo Temático.
1. Construção do Complexo Temático
O primeiro passo é a realização da pesquisa na comunidade. Os
professores elaboraram questões utilizadas como pistas para a entrevista com os
moradores, diferente de um questionário, com perguntas e respostas. Do ponto de
vista metodológico, pode-se classificar como uma entrevista semi-estruturada,
cuja preocupação é deixar o entrevistado a vontade para que possa falar sobre
sua história, seus desejos, seus problemas em nível pessoal e coletivo.
Das
entrevistas
foram
selecionadas
as
falas
consideradas
mais
significativas. Por falas significativas entendem-se aquelas que poderiam suscitar
reflexões mais aprofundadas a fim de problematizá-las apresentando outras
possibilidades, outras maneiras de percepção e compreensão da realidade via
conhecimento escolar.
Essas falas sintetizam várias outras, e considerou-se
importante registrá-las nessa pesquisa para a compreensão dos conceitos e da
primeira fala escolhida pelos professores, como orientadora do trabalho
pedagógico.
Crenças: “Se a mãe não vai para rezar, o casal se separa e os filhos
começam a roubar, se drogar e fazer coisas ruins.”; “Eu era católica, meu filho
parou de estudar a Bíblia com as testemunhas de Jeová porque o mundo ia
acabar. Não precisa mais nada se for honesto”.
Trabalho: “Se as pessoas querem trabalhar, tem o que fazer”; “Eu não
tenho estudo e hoje preciso de estudo para conseguir emprego”; “Agora a senhora
me pegou professora. Não sei nada que possa ajudar essa comunidade a
trabalhar”.
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Meio Ambiente: “Aqui o pessoal não é unido para fazer uma cooperativa;
cada um quer fazer por si, o resto que se dane”; “Se tu tem, tem; se não tem, se
vira”; “A gente que é pobre tem que ser unido, se não nunca vai ser nada”
Alguns moradores percebem a importância da união para “a gente que é
pobre”, outros observam que há muito individualismo, “se tu tem, tem; se não tem
se vira”, e alguns dão importância para a religião como forma de ajuda na solução
de seus problemas.
2. A elaboração do conceito de produção capitalista
2.1. A elaboração conceitual na interlocução: a atividade intermental
Foi trabalhado com o conceito de produção capitalista escolhido a partir
da fala de um dos moradores: “Se tu tem, tem. Se não se vira” e dos princípios
Ser e Ter discutidos entre os professores. Ampliar o leque de explicações dos
alunos a respeito das desigualdades sociais. Possibilitar a reflexão para além da
questão individual de falta de vontade, capacidade ou sorte, e poder perceber o
sistema e suas implicações na vida dos familiares.
O conceito de sistema capitalista não foi trabalhado só a partir de
definições diretas, mas a partir de problematizações e enunciações de situações
práticas do cotidiano. Assim, levou-se em conta a história do aluno e suas
produções de sentidos. Esse conceito coordenou uma rede de outros conceitos
que foram desenvolvidos por meio das atividades propostas. Retomaram-se as
explicações dadas pelos alunos sobre as causas dos problemas sociais a partir
das músicas trazidas por eles.
A discussão partiu das seguintes frases dos alunos: (a) “Os patrões
substituem pessoas por máquinas”; (b) “tinha que ter mais emprego, mas os
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patrões não querem dar serviço”; (c) “não tem 10 grau completo”; (d) “nos políticos
corruptos e pessoas sem vontade de trabalhar”. A elaboração conceitual será
analisada na dinâmica das interlocuções, na aceitação ou na rejeição das vozes
que se fazem presentes, no confronto ou no aprofundamento das afirmações
feitas e nas condições de consolidação dessas vozes. Parte dessa discussão é
transcrita abaixo para posterior análise, sendo enumeradas as falas para
identificá-las na interpretação:
(1) Professora.: Os patrões substituem pessoas por máquinas. Por que?
(2) Rafael: Eles não pagam o salário.
(3) Professora: O custo da produção é menor, gasta menos com o trabalhador.
(4) Núbia: Quer gastar menos e ele quer ter mais lucro.
(5) Rafael: Ele quer pagar menos e produzir mais.
(6) Professora: Além de ter um lucro maior, pagar menos para o trabalhador; o que
acontece com os concorrentes dele se ele colocar máquinas no lugar das
pessoas?
(7) Cristian: Vão embora.
(8) Professora.: Como assim, vão embora?
(9) Cristian: São despedidos.
(10) Professora.: O que é concorrente dele? Vamos pegar o exemplo da fábrica de
salgadinhos Elma Chips. Quem é um concorrente da Elma Chips, por exemplo?
(11) Núbia: Coca-Cola
(12) Professora.: coca-cola é refrigerante, Elma Chips é salgadinho.
(13) Núbia: Tá mais, é um concorrente. Fandangos
(14) Professora.: Fandangos podiam ser, mas é da mesma marca Elma Chips.
Vocês trouxeram outras marcas de salgadinho.
(15) Edson: Então mostra, mas é de baixa qualidade.
(16) Cristian: tem salgadinhos que é só R$ 0,50, o salgadão.
(17) Professora.: Por que tem salgadinho que o preço é menor?
(18) Cristian: porque não tem marca.
(19) Núbia: porque são fabricados aqui no Brasil.
5
(20) Professora: o que tem marca tem que mandar royalts, dinheiro para onde?
(21) Aluno: para os Estados Unidos.
(22) Professora: Então porque ele é mais caro, será que é porque tem mais
qualidade do que o daqui?
(23) Diana: porque ele foi produzido nos Estados Unidos, tudo que é produzido lá
tem mais qualidade.
(24) Núbia: Eu prefiro pagar R$ 1,20 e comer o salgadinho Elma Chips, do que
pagar R$ 0,50 e comer qualquer salgadinho.
(25) Cristian: duvido, poderia comer bem mais.
(26) Edson: sobra mais dinheiro, demora mais para comer porque tem mais.
(27) Professora: isso que a Diana falou, a fabrica está no Brasil, mas a origem da
indústria é de lá , precisa mandar dinheiro para lá.
(28) Núbia: e a qualidade vem de lá.
(29) Professora: eles têm uma orientação de como produzir.
(30) Professora.: se for um salgadinho nacional tem uma qualidade inferior do que
se a fábrica originou-se nos Estados Unidos? É uma questão de qualidade,
sentem no gosto ou é numa questão de propaganda?
(31) Cristian: o salgadão de R$ 0,50 parece um isopor, nem tem gosto.
(32) Edson: o de R$ 0,50 tem um gosto de ranço.
(33) Professora: concordam com a Diana e o Edson, tem qualidade inferior porque
é nacional?
(34) Núbia: não porque é nacional, mas porque não são bem produzidos ... tem
um que parece só misturado com farinha.
(35) Professora: voltando a questão dos concorrentes. Como exemplo a Elma
Chips, ela é uma das maiores indústrias de salgadinho do mundo. Como ela veio a
conseguir isto?
(36) Edson: o salgadinho era muito bom e vendeu muito.
(37) Núbia: engolindo as outras empresas.
(38) Professora: pra ela ser muito boa, tem que desenvolver o que?
(39) Edson: ter qualidade.
(40) Núbia: engolindo as outras empresas.
6
(41) Professora: como engolir as outras empresas?
(42) Cristian: produzindo mais e com mais qualidade.
(43) Professora. Como produzir mais?
(44) Edson, Cristian, Núbia: com mais trabalhador, usando máquinas.
(45) Professora: o que acontece para ela engolir as outras, como fica o preço do
salgadinho?
(46) Núbia: ela deixa o preço mais baixo, quando começa a dar ibope ela vai
aumentando o preço.
(47) Cristian: começa a sair mais, começa a aumentar o preço.
(48) Professora: quando o preço está mais baixo, onde as pessoas vão comprar?
(49) Núbia: as pessoas vão comprar onde o preço está mais baixo.
(50) Professora: O que acontece com as outras empresas?
(51) Diana: vão caindo.
Para responder a primeira pergunta, Núbia (4) referiu-se ao conceito
genérico de lucro. A palavra desempenhou a função de generalização quando
articulou os elementos ditos (2,3) em um conceito. A professora referiu-se ao
conceito de concorrente (6) que mediou parte da discussão. Cristian (7,9) não
entendeu que se tratava da concorrência entre os capitalistas e respondeu que
seriam despedidos pensando nos trabalhadores.
A primeira resposta dada com relação ao preço menor de alguns
salgadinhos foi de Cristian (18). Percebe-se que usa sua experiência cotidiana
para afirmar que são os produtos que não tem marca. Os produtos com marcas
famosas são caros, considerados de melhor qualidade e dão mais status, sendo
consumidos principalmente pelos adolescentes. As marcas passam despercebidas
quando não são famosas.
Em aula passada, leu-se um texto do livro didático sobre concorrência
capitalista e capitalismo monopolista, discutindo-se as dúvidas. Mas, como diz
Vygotsky, é preciso vários encontros com a palavra para que seu significado seja
elaborado. Como é mais difícil definir o conceito, porque é necessário fazer a
7
abstração e a generalização, a professora fez o questionamento a partir de um
exemplo prático, lembrando de um dos rótulos de embalagens que os alunos
trouxeram (10).
Núbia (11) respondeu que um concorrente da Elma Chips é a Coca-Cola.
A professora (12) interviu, dizendo que Coca-cola não é salgadinho, é refrigerante.
No entanto, em outra aula foi informado que Elma Chips faz parte de um grupo de
cinco empresas multinacionais, incluindo a Pepsi-Cola. Portanto, se a aluna
lembrou dessa informação está correto afirmar que a Coca-cola é um concorrente
forte desse grupo.
Diana (23) ainda não tinha incorporado a informação de que a origem do
capital é estrangeira, mas a fábrica está no Brasil, no caso do exemplo citado
acima e das outras empresas multinacionais. Não levou em conta, na interlocução,
o fato de as multinacionais enviarem royalties para o estrangeiro (20). A
professora tentou vincular o preço maior do produto de marca estrangeira em
relação ao nacional devido ao envio de royalties, mas os alunos não responderam
a essa hipótese.
As conclusões dos alunos são que a qualidade dos salgadinhos
produzidos pela empresa com origem do capital no exterior é melhor do que a
nacional (15, 23, 28). Seus argumentos são convincentes, no caso do exemplo
citado da Elma Chips, embora a professora tentasse questioná-los (22,30,33).
Talvez pudesse ser explorado o fato de que, na competição, essa empresa
conseguiu crescer investindo em tecnologia e marketing, em aumento de
produção e distribuição de seu produto por praticamente todos os lugares do
mundo, desenvolvendo a idéia da Núbia que é melhor porque produz bem (34) e
dos outros alunos (42, 47, 49, 51), no mesmo sentido.
8
Os alunos mostram um sentimento de inferioridade com a expressão de
que tudo que é nacional é inferior ao estrangeiro (19,23). Depois de alguns
questionamentos (22,30,33), Núbia (37) reconsiderou sua posição.
Núbia respondeu sobre a guerra de preços entre os concorrentes (46, 49)
e Cristian repetiu que as empresas começam a aumentar novamente seus preços
quando estão vendendo bastante (47). Diana não usou a palavra falência, mas a
palavra caindo (51). Faltou retomar a informação de que entre as grandes
empresas não ocorrem guerra de preços porque fazem acordos, os cartéis, a fim
de não se destruírem.
O conceito de concorrência e as informações já introduzidas com os
alunos não foram espontaneamente usados nessa discussão. A partir de uma
série de perguntas feitas, Núbia (55) explicou que concorrência é quando uma
empresa vai engolindo as outras, lembrando-se de um desenho do livro didático
onde mostra vários peixes, o maior comendo o menor, sucessivamente, ao tratar
sobre essa temática. Essa imagem ficou nas palavras da aluna.
2.2 Buscando pistas da elaboração interna do conceito: a atividade
intramental
Após ouvirem a fita gravada da discussão realizada sobre suas frases a
respeito
das
causas
das
desigualdades
sociais,
os
alunos
elaboraram
individualmente o registro de suas opiniões.
Ao propor que os alunos escrevessem um texto sobre as causas das
desigualdades sociais, pode-se perceber se o conhecimento escolar está sendo
aplicado, se o aluno está conseguindo fazer o movimento descendente de que fala
Vygotsky, isto é, utilizar os conceitos escolares para auxiliar na compreensão da
realidade, na visão de mundo.
9
Assim, direcionou-se o olhar, a observação e a análise para os modos de
dizer de cada aluno, buscando perceber como foi sendo elaborado o diálogo com
as palavras alheias.
Esse foi o critério para o agrupamento dos textos. A análise do material foi
revelando três modos de relação com os conceitos e informações estudados: os
que não incorporaram em seu texto o conhecimento escolar trabalhado, embora,
algumas vezes, os alunos referiram-se aos questionamentos dos colegas (1); os
que mostraram a forma como pensam, mas com algumas marcas dos conceitos
introduzidos em aula (2) e os que mostraram mais as idéias trabalhadas em aula,
não prescindindo de seus traços pessoais (3).
2.2.1. Hipóteses a partir dos conceitos cotidianos
Núbia escreveu:
“No Brasil inteiro é que pessoas que têm dinheiro, mais
posse, pensam só em si mesmas e não pensam nas outras
pessoas. E também quando pensam querem explorar os
que não têm estudo porque não querem saber o porque a
vida não deu oportunidade de estudo. Tudo isso traz
problemas sociais”.
Fez sua análise a partir da vontade ou não das pessoas, de seus
sentimentos, não usando os conceitos trabalhados de concorrência entre as
empresas, sistema capitalista, exploração, luta de classes, mais-valia. Nessa
frase, pode-se perceber um sentimento paternalista, de que alguém com mais
condições, com posses, teria que ajudar os que precisam.
Marx e Engels (1998), ao analisarem o socialismo utópico, criticaram sua
inoperância porque as transformações dependiam da boa vontade dos indivíduos,
sem relação com a análise da sociedade, com os interesses entre as diferentes
10
classes sociais e suas lutas políticas. Segundo esses autores, as mudanças não
virão de cima para baixo, mas são fortalecendo os movimentos dos oprimidos,
seus movimentos políticos que alcançarão mudanças estruturais.
Núbia participou ativamente do debate e foi quem mais respondeu aos
questionamentos da professora, a fim de orientar para a análise a partir dos
conceitos trabalhados. No entanto, não levou em conta esse conhecimento em
seu texto. É uma das alunas mais críticas ao fato de a professora não seguir
rigidamente o conteúdo do livro de 7ª série e de trabalhar com a história do
Timbaúva, loteamento onde moram os alunos. Pode ser o questionamento velado
do dizer de quem tem na relação de ensino o papel institucional de ensinar que
não condiz com a idéia e experiência que a aluna tem de escola.
2.2.2. Entrelaçamentos dos conceitos cotidianos com os conceitos
sistematizados
Neste segundo grupo percebe-se algumas marcas dos conceitos e
informações trabalhados em aula, embora a ênfase seja de outras vozes.
Gessilaine:
“Não adianta ter os estudos completos e não conseguir
emprego. As faxineiras ganham um salário bom e não
precisam ter os estudos completos. Os produtos que não
são produzidos no Brasil têm mais qualidade do que os que
são produzidos aqui no Brasil. Empresas que vão caindo,
são compradas pelas que têm mais lucros, assim eles
começam a lucrar de novo. As pessoas têm que estarem
conscientes quando votarem para não ficar falando dos
políticos que não fazem nada pela gente.Os moradores
precisam ir sempre às reuniões para mudar um pouco o
11
Timbaúva. Tinha que ter calçadas e asfalto em todo o
Timbaúva”.
Gessilaine identifica a dificuldade em conseguir emprego, mesmo tendo
estudo. A mobilidade social por meio do estudo é difícil em uma sociedade com
grande dependência externa como a nossa. O trabalho intelectual é reservado
para parte da classe dominante. São poucas as brechas para quebrar com essa
regra. Na disputa pelo emprego, é levado em conta onde estudou, onde mora, o
sobrenome, a aparência física, como está vestido. Entre os trabalhos manuais, um
setor que ainda tem emprego é o de faxineira e com um salário bom relativamente
às outras profissões da maioria dos moradores do Timbaúva.
Referiu-se a concorrência no capitalismo, embora não tenha usado
diretamente esse conceito, no qual umas empresas compram as outras. Destacou,
do debate, a necessidade de participação dos moradores nas reuniões para as
mudanças. Há algumas experiências de moradores obtendo conquistas dessa
forma. Nessa frase percebe-se a idéia de autonomia, de organização, de força
coletiva para a obtenção de conquistas.
Quando fala da necessidade do voto consciente, para não ficar falando
dos políticos que não fazem nada pela gente, volta a questão do paternalismo. É
importante a expressão que usa, a consciência do voto, mas fica subentendida
nessa frase que não é obrigação dos políticos criarem mecanismos para melhorar
as condições de vida dos moradores.
2.2.3 Os conceitos sistematizados
Esses alunos usaram conceitos e informações trabalhados em diferentes
textos e atividades, embora sempre com traços pessoais, permeados de suas
experiências, suas vivências. Não participaram verbalmente do debate feito, que
12
deu origem à proposta desse texto, mas percebe-se que estavam atentos e
elaborando suas idéias internamente:
Claudete escreve:
“Têm pessoas que compram pela marca, não por gostar de
comer; têm pessoas que não conseguem emprego pelo
baixo grau de escolaridade. Existem empresas que pagam
pouco aqui no Brasil para poder ganhar mais no país de
origem. As grandes empresas ganham lucros para o seu
país de origem. Grandes marcas que têm de beneficiar as
pessoas, prejudica a sua saúde, a coca-cola deixa os ossos
fracos. Têm marcas bastante conhecidas e outras nem
tanto. Então, quando as pessoas não compram tanto como a
outra
tão
conhecida,
vão
quebrando.
Quando
vão
quebrando têm mais desemprego e com desemprego
contribuem para o salário continuar baixo. Se todos nós
discutirmos mais sobre o desemprego, nós todos juntos
podemos fazer novos empregos com a participação dos
moradores”.
Claudete referiu-se a concorrência entre os capitalistas como uma das
causas do desemprego, contribuindo para manter os salários baixos. Destacou a
importância da empresa ter uma marca forte para não quebrar e o baixo salário
pago pelas multinacionais. Afirmou a importância das discussões sobre a
realidade e da participação dos moradores para a obtenção de empregos. Salienta
a importância dos debates e da participação. Usou os conceitos trabalhados em
aula.
Wagner:
13
“Os problemas sociais são causados graças às empresas
internacionais, que quando ganham o lucro mandam a maior
parte para o país de origem (em dólar) e o Brasil vai ficando
cada vez mais pobre, porque nós dependemos do dólar para
ficarmos desenvolvidos e sem exploração de nenhum outro
país mais rico. O desemprego também é causado por causa
destas empresas, mas quem trabalha numa empresa
internacional ganha o salário mais alto, só que não chega a
2% do que eles lucram”.
Wagner utilizou a palavra internacional para referir-se às multinacionais.
Afirmou que essas empresas enviam parte do lucro em dólares para seus países
de origem, empobrecendo mais os países pobres que precisam desses dólares.
Tem noção de que mesmo sendo o salário do trabalhador de uma multinacional
maior do que os demais trabalhadores representam muito pouco em relação ao
lucro dessas empresas.
3. CONCLUSÕES
O objeto dessa pesquisa foi à análise da atividade de elaboração
conceitual do adolescente na disciplina de história em uma escola organizada por
Ciclos de Formação. O que significa ensinar por meio de conceitos? Vygotsky
(1987) afirmou de que quando encontramos uma palavra pela primeira vez seu
desenvolvimento mal começou. A elaboração de um conceito ocorre durante toda
a vida porque o nível de complexidade e o grau de generalidade se ampliam de
acordo com as vivências e os contextos em que se trabalha essa palavra.
Nesta perspectiva teórica, não interessa as respostas homogeneizadas
dos alunos, respostas usando a memória de curta duração, isto é, repetindo
definições decoradas de conceitos que foram ouvidos ou lidos sem conseguir
aplicá-los em outros contextos, sem internalizar o conhecimento, sem fazer as
relações com os conceitos cotidianos. Vygotsky (1987) questionou essa forma de
14
ensinar: “Os conceitos não têm história interna. São absorvidos já prontos através
de conexões associativas formadas pela memória.” (p. 71).
O conceito de sistema capitalista coordena uma série de outros que foram
sendo estudados. Em que grau os alunos usaram os conceitos estudados em
aula? Estavam aplicando o conhecimento e as informações trabalhadas?
Caminhavam no sentido de superar a dicotomia entre conhecimento escolar e
conhecimento cotidiano, entre escola e vida?
Para alguns alunos ainda falaram mais forte outras vozes que não as do
conhecimento escolar. Pode-se dizer que é muito forte a ideologia dominante que
responsabiliza os indivíduos pelo desemprego ou salário baixo. Outros alunos
começam a relacionar os problemas sociais com a forma como está organizada a
sociedade ou com o sistema capitalista. No entanto, é um longo processo como
diz Vygotsky e é necessário continuar possibilitando encontros com esses
conceitos em diferentes contextos para que ampliem as generalizações e
internalizem os conhecimentos, alterando a estrutura de pensamento ao perceber
os limites e as pressões das estruturas.
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