ELABORAÇÃO CONCEITUAL DO ADOLESCENTE NA DISCIPLINA DE HISTÓRIA EM UMA ESCOLA ORGANIZADA POR CICLOS DE FORMAÇÃO Inês Maria Vicentini* Resumo A pesquisa tem como objetivo responder as seguintes questões principais: como ocorre a elaboração conceitual do adolescente na disciplina de história em uma escola por ciclos de formação e como são selecionados os conceitos a serem trabalhados com os adolescentes pelo grupo de professores. A perspectiva teórico-histórica-cultural baseada nos autores Vygotsky e Lúria defende que a aprendizagem ocorre primeiro nas práticas sociais para uma posterior internalização dos conhecimentos. Estes autores argumentam que é longo o processo de desenvolvimento conceitual e é apenas na adolescência que é possível pensar por meio de conceitos, isto é, realizando os processos de análise e de generalização que lhe são próprios. O trabalho analisa como os conceitos são selecionados pelos professores da escola a partir de investigação na comunidade sobre as visões de mundo dos moradores e alunos. O conceito selecionado nesse processo foi o de produção capitalista. O desenvolvimento da rede de conceitos que emergiram a partir do conceito de produção capitalista foram analisados em dois momentos: no primeiro, por meio das interlocuções entre colegas mediada pela pesquisadora-professora e, no segundo, por meio dos registros individuais de cada aluno sobre suas hipóteses a respeito do problema levantado pela professora, qual seja, as causas das desigualdades sociais no Brasil. A análise busca evidenciar em que medida são usados os conceitos escolares entrelaçados com os conceitos cotidianos. Palavras-chave: ciclos de formação, conceitos, investigação na comunidade e produção capitalista. ABSTRACT This research has the purpose of answering the following key questions: how teenagers develop concepts as regards History in a school using the educational cycles system, and how the concepts to be worked on with the teenagers are chosen by the teachers. The theoretical, historical and cultural perspective based on authors Vygotsky and Luria advocates that learning first takes place in social practices for a subsequent internalization of knowledge. These authors argue that the process of concept formation is long, and only in adolescence it’s possible to think by means of concepts, that is, operating the processes of analysis and generalization that are peculiar to these. 1 This paper analyzes how concepts are chosen by the teachers based on an investigation into the community about its inhabitants and students’ views. The development of the set of concepts that arose from the capitalist production concept was analyzed in two steps: firstly, by means of interlocutions between classmates mediated by the teacher-researcher; secondly, by means of individual records from each student approaching their assumptions about the problem raised by the teacher, namely, the causes of social inequality in Brazil. The analysis attempts at elucidating to what extent scientific concepts are used in close association with ordinary concepts. Key-words: educational cycles, concepts, investigation into the community and capitalist production. * Esse artigo é uma síntese de alguns capítulos da dissertação de mestrado Elaboração conceitual do adolescente na disciplina de história em uma escola organizada por ciclos de formação defendida no Departamento de Educação da PUC-RS, em 2003, sob a orientação da Professora Doutora Délcia Enricone. INTRODUÇÃO Esta pesquisa analisa o desenvolvimento conceitual do adolescente, na disciplina de história, em uma escola municipal de Porto Alegre organizada por ciclos de formação. A perspectiva teórica abordada é a histórico cultural tendo como marco de referência os trabalhos de Vygotsky e Lúria. Com relação à disciplina de história, as bases teóricas são os trabalhos dos historiadores marxistas Thompson, Emília Viotti da Costa, entre outros, e algumas influências de autores da escola dos Annales, Lê Goff e Braudel . As Escolas Municipais de Porto Alegre estão estruturadas por Ciclos de Formação. São três ciclos e cada ciclo compreende três anos de acordo com a faixa etária. No primeiro Ciclo as crianças têm de 6 a 8 anos; no segundo Ciclo, de 9 a 11 anos e no terceiro, de 12 a 14 anos. Teoricamente não há reprovação. 2 A escola pesquisada organiza o currículo por meio de pesquisa realizada no local em que está inserida a escola e com os próprios alunos no cotidiano escolar. Esse processo chama-se de Complexo Temático. 1. Construção do Complexo Temático O primeiro passo é a realização da pesquisa na comunidade. Os professores elaboraram questões utilizadas como pistas para a entrevista com os moradores, diferente de um questionário, com perguntas e respostas. Do ponto de vista metodológico, pode-se classificar como uma entrevista semi-estruturada, cuja preocupação é deixar o entrevistado a vontade para que possa falar sobre sua história, seus desejos, seus problemas em nível pessoal e coletivo. Das entrevistas foram selecionadas as falas consideradas mais significativas. Por falas significativas entendem-se aquelas que poderiam suscitar reflexões mais aprofundadas a fim de problematizá-las apresentando outras possibilidades, outras maneiras de percepção e compreensão da realidade via conhecimento escolar. Essas falas sintetizam várias outras, e considerou-se importante registrá-las nessa pesquisa para a compreensão dos conceitos e da primeira fala escolhida pelos professores, como orientadora do trabalho pedagógico. Crenças: “Se a mãe não vai para rezar, o casal se separa e os filhos começam a roubar, se drogar e fazer coisas ruins.”; “Eu era católica, meu filho parou de estudar a Bíblia com as testemunhas de Jeová porque o mundo ia acabar. Não precisa mais nada se for honesto”. Trabalho: “Se as pessoas querem trabalhar, tem o que fazer”; “Eu não tenho estudo e hoje preciso de estudo para conseguir emprego”; “Agora a senhora me pegou professora. Não sei nada que possa ajudar essa comunidade a trabalhar”. 3 Meio Ambiente: “Aqui o pessoal não é unido para fazer uma cooperativa; cada um quer fazer por si, o resto que se dane”; “Se tu tem, tem; se não tem, se vira”; “A gente que é pobre tem que ser unido, se não nunca vai ser nada” Alguns moradores percebem a importância da união para “a gente que é pobre”, outros observam que há muito individualismo, “se tu tem, tem; se não tem se vira”, e alguns dão importância para a religião como forma de ajuda na solução de seus problemas. 2. A elaboração do conceito de produção capitalista 2.1. A elaboração conceitual na interlocução: a atividade intermental Foi trabalhado com o conceito de produção capitalista escolhido a partir da fala de um dos moradores: “Se tu tem, tem. Se não se vira” e dos princípios Ser e Ter discutidos entre os professores. Ampliar o leque de explicações dos alunos a respeito das desigualdades sociais. Possibilitar a reflexão para além da questão individual de falta de vontade, capacidade ou sorte, e poder perceber o sistema e suas implicações na vida dos familiares. O conceito de sistema capitalista não foi trabalhado só a partir de definições diretas, mas a partir de problematizações e enunciações de situações práticas do cotidiano. Assim, levou-se em conta a história do aluno e suas produções de sentidos. Esse conceito coordenou uma rede de outros conceitos que foram desenvolvidos por meio das atividades propostas. Retomaram-se as explicações dadas pelos alunos sobre as causas dos problemas sociais a partir das músicas trazidas por eles. A discussão partiu das seguintes frases dos alunos: (a) “Os patrões substituem pessoas por máquinas”; (b) “tinha que ter mais emprego, mas os 4 patrões não querem dar serviço”; (c) “não tem 10 grau completo”; (d) “nos políticos corruptos e pessoas sem vontade de trabalhar”. A elaboração conceitual será analisada na dinâmica das interlocuções, na aceitação ou na rejeição das vozes que se fazem presentes, no confronto ou no aprofundamento das afirmações feitas e nas condições de consolidação dessas vozes. Parte dessa discussão é transcrita abaixo para posterior análise, sendo enumeradas as falas para identificá-las na interpretação: (1) Professora.: Os patrões substituem pessoas por máquinas. Por que? (2) Rafael: Eles não pagam o salário. (3) Professora: O custo da produção é menor, gasta menos com o trabalhador. (4) Núbia: Quer gastar menos e ele quer ter mais lucro. (5) Rafael: Ele quer pagar menos e produzir mais. (6) Professora: Além de ter um lucro maior, pagar menos para o trabalhador; o que acontece com os concorrentes dele se ele colocar máquinas no lugar das pessoas? (7) Cristian: Vão embora. (8) Professora.: Como assim, vão embora? (9) Cristian: São despedidos. (10) Professora.: O que é concorrente dele? Vamos pegar o exemplo da fábrica de salgadinhos Elma Chips. Quem é um concorrente da Elma Chips, por exemplo? (11) Núbia: Coca-Cola (12) Professora.: coca-cola é refrigerante, Elma Chips é salgadinho. (13) Núbia: Tá mais, é um concorrente. Fandangos (14) Professora.: Fandangos podiam ser, mas é da mesma marca Elma Chips. Vocês trouxeram outras marcas de salgadinho. (15) Edson: Então mostra, mas é de baixa qualidade. (16) Cristian: tem salgadinhos que é só R$ 0,50, o salgadão. (17) Professora.: Por que tem salgadinho que o preço é menor? (18) Cristian: porque não tem marca. (19) Núbia: porque são fabricados aqui no Brasil. 5 (20) Professora: o que tem marca tem que mandar royalts, dinheiro para onde? (21) Aluno: para os Estados Unidos. (22) Professora: Então porque ele é mais caro, será que é porque tem mais qualidade do que o daqui? (23) Diana: porque ele foi produzido nos Estados Unidos, tudo que é produzido lá tem mais qualidade. (24) Núbia: Eu prefiro pagar R$ 1,20 e comer o salgadinho Elma Chips, do que pagar R$ 0,50 e comer qualquer salgadinho. (25) Cristian: duvido, poderia comer bem mais. (26) Edson: sobra mais dinheiro, demora mais para comer porque tem mais. (27) Professora: isso que a Diana falou, a fabrica está no Brasil, mas a origem da indústria é de lá , precisa mandar dinheiro para lá. (28) Núbia: e a qualidade vem de lá. (29) Professora: eles têm uma orientação de como produzir. (30) Professora.: se for um salgadinho nacional tem uma qualidade inferior do que se a fábrica originou-se nos Estados Unidos? É uma questão de qualidade, sentem no gosto ou é numa questão de propaganda? (31) Cristian: o salgadão de R$ 0,50 parece um isopor, nem tem gosto. (32) Edson: o de R$ 0,50 tem um gosto de ranço. (33) Professora: concordam com a Diana e o Edson, tem qualidade inferior porque é nacional? (34) Núbia: não porque é nacional, mas porque não são bem produzidos ... tem um que parece só misturado com farinha. (35) Professora: voltando a questão dos concorrentes. Como exemplo a Elma Chips, ela é uma das maiores indústrias de salgadinho do mundo. Como ela veio a conseguir isto? (36) Edson: o salgadinho era muito bom e vendeu muito. (37) Núbia: engolindo as outras empresas. (38) Professora: pra ela ser muito boa, tem que desenvolver o que? (39) Edson: ter qualidade. (40) Núbia: engolindo as outras empresas. 6 (41) Professora: como engolir as outras empresas? (42) Cristian: produzindo mais e com mais qualidade. (43) Professora. Como produzir mais? (44) Edson, Cristian, Núbia: com mais trabalhador, usando máquinas. (45) Professora: o que acontece para ela engolir as outras, como fica o preço do salgadinho? (46) Núbia: ela deixa o preço mais baixo, quando começa a dar ibope ela vai aumentando o preço. (47) Cristian: começa a sair mais, começa a aumentar o preço. (48) Professora: quando o preço está mais baixo, onde as pessoas vão comprar? (49) Núbia: as pessoas vão comprar onde o preço está mais baixo. (50) Professora: O que acontece com as outras empresas? (51) Diana: vão caindo. Para responder a primeira pergunta, Núbia (4) referiu-se ao conceito genérico de lucro. A palavra desempenhou a função de generalização quando articulou os elementos ditos (2,3) em um conceito. A professora referiu-se ao conceito de concorrente (6) que mediou parte da discussão. Cristian (7,9) não entendeu que se tratava da concorrência entre os capitalistas e respondeu que seriam despedidos pensando nos trabalhadores. A primeira resposta dada com relação ao preço menor de alguns salgadinhos foi de Cristian (18). Percebe-se que usa sua experiência cotidiana para afirmar que são os produtos que não tem marca. Os produtos com marcas famosas são caros, considerados de melhor qualidade e dão mais status, sendo consumidos principalmente pelos adolescentes. As marcas passam despercebidas quando não são famosas. Em aula passada, leu-se um texto do livro didático sobre concorrência capitalista e capitalismo monopolista, discutindo-se as dúvidas. Mas, como diz Vygotsky, é preciso vários encontros com a palavra para que seu significado seja elaborado. Como é mais difícil definir o conceito, porque é necessário fazer a 7 abstração e a generalização, a professora fez o questionamento a partir de um exemplo prático, lembrando de um dos rótulos de embalagens que os alunos trouxeram (10). Núbia (11) respondeu que um concorrente da Elma Chips é a Coca-Cola. A professora (12) interviu, dizendo que Coca-cola não é salgadinho, é refrigerante. No entanto, em outra aula foi informado que Elma Chips faz parte de um grupo de cinco empresas multinacionais, incluindo a Pepsi-Cola. Portanto, se a aluna lembrou dessa informação está correto afirmar que a Coca-cola é um concorrente forte desse grupo. Diana (23) ainda não tinha incorporado a informação de que a origem do capital é estrangeira, mas a fábrica está no Brasil, no caso do exemplo citado acima e das outras empresas multinacionais. Não levou em conta, na interlocução, o fato de as multinacionais enviarem royalties para o estrangeiro (20). A professora tentou vincular o preço maior do produto de marca estrangeira em relação ao nacional devido ao envio de royalties, mas os alunos não responderam a essa hipótese. As conclusões dos alunos são que a qualidade dos salgadinhos produzidos pela empresa com origem do capital no exterior é melhor do que a nacional (15, 23, 28). Seus argumentos são convincentes, no caso do exemplo citado da Elma Chips, embora a professora tentasse questioná-los (22,30,33). Talvez pudesse ser explorado o fato de que, na competição, essa empresa conseguiu crescer investindo em tecnologia e marketing, em aumento de produção e distribuição de seu produto por praticamente todos os lugares do mundo, desenvolvendo a idéia da Núbia que é melhor porque produz bem (34) e dos outros alunos (42, 47, 49, 51), no mesmo sentido. 8 Os alunos mostram um sentimento de inferioridade com a expressão de que tudo que é nacional é inferior ao estrangeiro (19,23). Depois de alguns questionamentos (22,30,33), Núbia (37) reconsiderou sua posição. Núbia respondeu sobre a guerra de preços entre os concorrentes (46, 49) e Cristian repetiu que as empresas começam a aumentar novamente seus preços quando estão vendendo bastante (47). Diana não usou a palavra falência, mas a palavra caindo (51). Faltou retomar a informação de que entre as grandes empresas não ocorrem guerra de preços porque fazem acordos, os cartéis, a fim de não se destruírem. O conceito de concorrência e as informações já introduzidas com os alunos não foram espontaneamente usados nessa discussão. A partir de uma série de perguntas feitas, Núbia (55) explicou que concorrência é quando uma empresa vai engolindo as outras, lembrando-se de um desenho do livro didático onde mostra vários peixes, o maior comendo o menor, sucessivamente, ao tratar sobre essa temática. Essa imagem ficou nas palavras da aluna. 2.2 Buscando pistas da elaboração interna do conceito: a atividade intramental Após ouvirem a fita gravada da discussão realizada sobre suas frases a respeito das causas das desigualdades sociais, os alunos elaboraram individualmente o registro de suas opiniões. Ao propor que os alunos escrevessem um texto sobre as causas das desigualdades sociais, pode-se perceber se o conhecimento escolar está sendo aplicado, se o aluno está conseguindo fazer o movimento descendente de que fala Vygotsky, isto é, utilizar os conceitos escolares para auxiliar na compreensão da realidade, na visão de mundo. 9 Assim, direcionou-se o olhar, a observação e a análise para os modos de dizer de cada aluno, buscando perceber como foi sendo elaborado o diálogo com as palavras alheias. Esse foi o critério para o agrupamento dos textos. A análise do material foi revelando três modos de relação com os conceitos e informações estudados: os que não incorporaram em seu texto o conhecimento escolar trabalhado, embora, algumas vezes, os alunos referiram-se aos questionamentos dos colegas (1); os que mostraram a forma como pensam, mas com algumas marcas dos conceitos introduzidos em aula (2) e os que mostraram mais as idéias trabalhadas em aula, não prescindindo de seus traços pessoais (3). 2.2.1. Hipóteses a partir dos conceitos cotidianos Núbia escreveu: “No Brasil inteiro é que pessoas que têm dinheiro, mais posse, pensam só em si mesmas e não pensam nas outras pessoas. E também quando pensam querem explorar os que não têm estudo porque não querem saber o porque a vida não deu oportunidade de estudo. Tudo isso traz problemas sociais”. Fez sua análise a partir da vontade ou não das pessoas, de seus sentimentos, não usando os conceitos trabalhados de concorrência entre as empresas, sistema capitalista, exploração, luta de classes, mais-valia. Nessa frase, pode-se perceber um sentimento paternalista, de que alguém com mais condições, com posses, teria que ajudar os que precisam. Marx e Engels (1998), ao analisarem o socialismo utópico, criticaram sua inoperância porque as transformações dependiam da boa vontade dos indivíduos, sem relação com a análise da sociedade, com os interesses entre as diferentes 10 classes sociais e suas lutas políticas. Segundo esses autores, as mudanças não virão de cima para baixo, mas são fortalecendo os movimentos dos oprimidos, seus movimentos políticos que alcançarão mudanças estruturais. Núbia participou ativamente do debate e foi quem mais respondeu aos questionamentos da professora, a fim de orientar para a análise a partir dos conceitos trabalhados. No entanto, não levou em conta esse conhecimento em seu texto. É uma das alunas mais críticas ao fato de a professora não seguir rigidamente o conteúdo do livro de 7ª série e de trabalhar com a história do Timbaúva, loteamento onde moram os alunos. Pode ser o questionamento velado do dizer de quem tem na relação de ensino o papel institucional de ensinar que não condiz com a idéia e experiência que a aluna tem de escola. 2.2.2. Entrelaçamentos dos conceitos cotidianos com os conceitos sistematizados Neste segundo grupo percebe-se algumas marcas dos conceitos e informações trabalhados em aula, embora a ênfase seja de outras vozes. Gessilaine: “Não adianta ter os estudos completos e não conseguir emprego. As faxineiras ganham um salário bom e não precisam ter os estudos completos. Os produtos que não são produzidos no Brasil têm mais qualidade do que os que são produzidos aqui no Brasil. Empresas que vão caindo, são compradas pelas que têm mais lucros, assim eles começam a lucrar de novo. As pessoas têm que estarem conscientes quando votarem para não ficar falando dos políticos que não fazem nada pela gente.Os moradores precisam ir sempre às reuniões para mudar um pouco o 11 Timbaúva. Tinha que ter calçadas e asfalto em todo o Timbaúva”. Gessilaine identifica a dificuldade em conseguir emprego, mesmo tendo estudo. A mobilidade social por meio do estudo é difícil em uma sociedade com grande dependência externa como a nossa. O trabalho intelectual é reservado para parte da classe dominante. São poucas as brechas para quebrar com essa regra. Na disputa pelo emprego, é levado em conta onde estudou, onde mora, o sobrenome, a aparência física, como está vestido. Entre os trabalhos manuais, um setor que ainda tem emprego é o de faxineira e com um salário bom relativamente às outras profissões da maioria dos moradores do Timbaúva. Referiu-se a concorrência no capitalismo, embora não tenha usado diretamente esse conceito, no qual umas empresas compram as outras. Destacou, do debate, a necessidade de participação dos moradores nas reuniões para as mudanças. Há algumas experiências de moradores obtendo conquistas dessa forma. Nessa frase percebe-se a idéia de autonomia, de organização, de força coletiva para a obtenção de conquistas. Quando fala da necessidade do voto consciente, para não ficar falando dos políticos que não fazem nada pela gente, volta a questão do paternalismo. É importante a expressão que usa, a consciência do voto, mas fica subentendida nessa frase que não é obrigação dos políticos criarem mecanismos para melhorar as condições de vida dos moradores. 2.2.3 Os conceitos sistematizados Esses alunos usaram conceitos e informações trabalhados em diferentes textos e atividades, embora sempre com traços pessoais, permeados de suas experiências, suas vivências. Não participaram verbalmente do debate feito, que 12 deu origem à proposta desse texto, mas percebe-se que estavam atentos e elaborando suas idéias internamente: Claudete escreve: “Têm pessoas que compram pela marca, não por gostar de comer; têm pessoas que não conseguem emprego pelo baixo grau de escolaridade. Existem empresas que pagam pouco aqui no Brasil para poder ganhar mais no país de origem. As grandes empresas ganham lucros para o seu país de origem. Grandes marcas que têm de beneficiar as pessoas, prejudica a sua saúde, a coca-cola deixa os ossos fracos. Têm marcas bastante conhecidas e outras nem tanto. Então, quando as pessoas não compram tanto como a outra tão conhecida, vão quebrando. Quando vão quebrando têm mais desemprego e com desemprego contribuem para o salário continuar baixo. Se todos nós discutirmos mais sobre o desemprego, nós todos juntos podemos fazer novos empregos com a participação dos moradores”. Claudete referiu-se a concorrência entre os capitalistas como uma das causas do desemprego, contribuindo para manter os salários baixos. Destacou a importância da empresa ter uma marca forte para não quebrar e o baixo salário pago pelas multinacionais. Afirmou a importância das discussões sobre a realidade e da participação dos moradores para a obtenção de empregos. Salienta a importância dos debates e da participação. Usou os conceitos trabalhados em aula. Wagner: 13 “Os problemas sociais são causados graças às empresas internacionais, que quando ganham o lucro mandam a maior parte para o país de origem (em dólar) e o Brasil vai ficando cada vez mais pobre, porque nós dependemos do dólar para ficarmos desenvolvidos e sem exploração de nenhum outro país mais rico. O desemprego também é causado por causa destas empresas, mas quem trabalha numa empresa internacional ganha o salário mais alto, só que não chega a 2% do que eles lucram”. Wagner utilizou a palavra internacional para referir-se às multinacionais. Afirmou que essas empresas enviam parte do lucro em dólares para seus países de origem, empobrecendo mais os países pobres que precisam desses dólares. Tem noção de que mesmo sendo o salário do trabalhador de uma multinacional maior do que os demais trabalhadores representam muito pouco em relação ao lucro dessas empresas. 3. CONCLUSÕES O objeto dessa pesquisa foi à análise da atividade de elaboração conceitual do adolescente na disciplina de história em uma escola organizada por Ciclos de Formação. O que significa ensinar por meio de conceitos? Vygotsky (1987) afirmou de que quando encontramos uma palavra pela primeira vez seu desenvolvimento mal começou. A elaboração de um conceito ocorre durante toda a vida porque o nível de complexidade e o grau de generalidade se ampliam de acordo com as vivências e os contextos em que se trabalha essa palavra. Nesta perspectiva teórica, não interessa as respostas homogeneizadas dos alunos, respostas usando a memória de curta duração, isto é, repetindo definições decoradas de conceitos que foram ouvidos ou lidos sem conseguir aplicá-los em outros contextos, sem internalizar o conhecimento, sem fazer as relações com os conceitos cotidianos. Vygotsky (1987) questionou essa forma de 14 ensinar: “Os conceitos não têm história interna. São absorvidos já prontos através de conexões associativas formadas pela memória.” (p. 71). O conceito de sistema capitalista coordena uma série de outros que foram sendo estudados. Em que grau os alunos usaram os conceitos estudados em aula? Estavam aplicando o conhecimento e as informações trabalhadas? Caminhavam no sentido de superar a dicotomia entre conhecimento escolar e conhecimento cotidiano, entre escola e vida? Para alguns alunos ainda falaram mais forte outras vozes que não as do conhecimento escolar. Pode-se dizer que é muito forte a ideologia dominante que responsabiliza os indivíduos pelo desemprego ou salário baixo. Outros alunos começam a relacionar os problemas sociais com a forma como está organizada a sociedade ou com o sistema capitalista. No entanto, é um longo processo como diz Vygotsky e é necessário continuar possibilitando encontros com esses conceitos em diferentes contextos para que ampliem as generalizações e internalizem os conhecimentos, alterando a estrutura de pensamento ao perceber os limites e as pressões das estruturas. 15 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BÉDARIDA, François. Tempo presente e presença da História. In: FERREIRA, M. de M. e AMADO, J. (orgs) Usos e Abusos da História Oral. Rio de Janeiro: Ed. da Fundação Getúlio Vargas, 1996. BOIS, Guy. Marxismo e História Nova. In: LE GOFF, Jacques (sob a direção). A história nova. 3. ed. – São Paulo: Martins Fontes, 1995. BRAUDEL, Fernand. Escritos sobre a História. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1992. BURKE, Peter. 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