inovação UNIVERSIDADE EMPREENDEDORA O mais importante na vida não é o conhecimento, mas o uso que dele se faz. Do Talmude O setor de serviços, sobretudo o segmento de educação, tem crescido nas maiores economias do mundo, chegando a representar aproximadamente 65% da economia brasileira, o que emprega uma parcela importante da força de trabalho disponível no mercado. Portanto, o setor educacional é de fundamental importância para o crescimento econômico e social do País nos próximos anos, e as instituições de ensino não podem desconsiderar a necessidade de um trabalho cada vez mais integrado com o setor produtivo, mercado e governo. Revista Linha Direta ©Andres Rodriguez/PhotoXpress Para Henry Etzkowitz, esse é o conceito da tríplice hélice, segundo o qual a universidade tem o papel fundamental de construir conhecimento e pesquisa que correspondam aos interesses reais da sociedade global, como também o de transferir o conhecimento construído para a solução de problemas cada vez mais complexos. Tais interfaces de colaboração resultam no empreendedorismo acadêmico, e a busca por técnicas, ferra- Maria Carmen* mentas, metodologias, modelos que contribuam para transformar instituições de ensino em organizações empreendedoras, com benefícios de crescimento e diferenciais competitivos, é intensificada com a inovação do segmento. Nesse ritmo frenético, observa-se uma tendência mundial: as instituições, baseadas em conhecimento, passam a construir seus parâmetros de formação orientados pelas novas dinâmicas do conhecimento, como demonstrado no relatório elaborado em 2012 pela Associação Helmholtz, a maior organização de pesquisa da Alemanha. Nos pressupostos de uma nova dinâmica, a Associação rompe com as linhas clássicas de conhecimento, haja vista sua nova estrutura na atualidade. Assim, as instituições aceitam o desafio de solucionar questões essenciais para a sociedade, ciência e indústria. Um trabalho de excelência vem sendo desenvolvido também no Brasil, através do pioneirismo e de ações inovativas de algumas instituições que compreendem a necessidade de repensar não apenas a estrutura de funcionamento das instituições como também as práticas para aprimoramento da educação superior brasileira na construção de um modelo de universidade contemporânea ao mundo em transformação. Um dos pressupostos que auxilia na cooperação universitária é a interdisciplinaridade, pois as demandas globais possuem natureza complexa, que não encontram respostas na organização curricular com disciplinas compartimentalizadas, em que os conteúdos não dialogam entre si. Essa é, obviamente, uma das bandeiras levantadas pelo centro de pesquisa alemão. Para responder aos desafios globais, existe um perfil de formação necessário, que obviamente não se dá com o modelo clássico que temos visto por aí. O resultado das práticas universitárias na atualidade e da disposição do conhecimento geram interações inconsistentes do aluno com o mercado através de diplomas que não conseguem refletir densidades didático-pedagógicas. Na universidade empreendedora, busca-se uma formação mais global, e diversas pesquisas apontam para a diferença de perfil dos egressos que passam por esse modelo de formação. Nesse caso, o como vem antes do que, ou seja, a forma como elencamos conhe- cimentos e competências para a formação universitária é mais importante do que a forma como operacionalizamos a metodologia e as práticas universitárias. Esta é a verdadeira face da inovação das instituições baseadas em conhecimento, segundo a Associação Helmholtz, que vem influenciando a mudança de muitas universidades no mundo e no Brasil. Para Artur Tavares Vilas Boas, pesquisador na área de empreendedorismo e vice-presidente do Núcleo de Empreendedorismo da Universidade de São Paulo (NEU-USP), “atualmente, as empresas que se destacam no mercado estão, em geral, estruturadas na inovação. Temos como exemplo maior a queridinha do The Fortune – a Google Inc. Estruturada em uma política cuja máxima é a liberdade para inovar (a política just-try-it exemplifica bem a abertura aos testes de novidades), a companhia dirigida pelo CEO Eric Schmidt produz lucros invejáveis devido ao seu grande potencial em desenvolver novidades para o mercado.” Uma das ações inovativas apontada por Etzkowitz é o papel da universidade como organizadora regional de inovação. Na universidade empreendedora há espaço para a formação empreendedora Revista Linha Direta em nível individual, através da estimulação dos alunos e práticas específicas, que almejam desenvolver a competência empreendedora, ou mindset, que se refere aos “padrões mentais internos, ou quadros de referência – a partir dos quais os indivíduos veem o tema e sua importância.” Mas há também o empreendedorismo coletivo, proposto por ações coletivas e interdisciplinares, pois a universidade possui a capacidade de gerar uma direção estratégica, focada tanto na formulação dos objetivos acadêmicos quanto na transferência do conhecimento produzido dentro da universidade. Parcerias internacionais ou nacionais, cooperação bilateral ou multilateral, cooperação com clusters empresariais, operacionalização de programas estratégicos de curto ou longo prazo são políticas que irão depender do objetivo de cada instituição. Nesse sentido, existe uma grande dívida social do setor privado que deve ser encarada como oportunidade para elas se tornarem instituições empreendedoras, e não como fardo de produção de um conhecimento desconectado da realidade. Portanto, cabe às IES ousadas, criativas e flexíveis o suficiente para se tornarem empreendedoras correr atrás do tempo perdido. Ponto para as que entenderam o momento e saíram na frente! *Diretora da Proinnovare e mestre em Gestão da Inovação www.proinnovare.com.br O crescimento da Universidade de Stanford é um exemplo clássico de cooperação universitária. FrederickTerman, conhecido também como “o pai do Vale do Silício”, posiciona a universidade convergindo conhecimento acadêmico com conhecimento tecnológico na região – uma prática de cooperação que pressupõe uma metodologia interdisciplinar. Tal posicionamento fez com que Stanford assumisse o papel de empreendedora coletiva, pois o conhecimento gerado era repositório para soluções de problemas regionais. Tais arranjos vêm se replicando em universidades de todo o mundo, fazendo com que a universidade cumpra seu papel nesse tripé. Revista Linha Direta ©Ewa Walicka/PhotoXpress As universidades e instituições de ensino superior no Brasil, de natureza privada, responsáveis por mais de 70% da formação em nível superior, possuem méritos. É preciso considerar de mais alta relevância o ensino ofertado, mas as atividades acadêmicas desenvolvidas no contexto regional, objetivando o desenvolvimento da ciência, do setor produtivo e da sociedade, é a expressão de um princípio fundamental.