Escrever, ler e ver: produzindo um documentário com uma turma de EJA. Juliana Sanches Thomaz Raphaela Novaes Este artigo aborda a produção de um documentário como instrumento para construção do pensamento crítico e desenvolvimento da leitura, escrita e raciocínio matemático. O trabalho, iniciado em setembro de 2009 e concluído em dezembro do mesmo ano foi realizado com uma turma de EJA, com alunos entre 54 e 83 anos, que fazem parte do PROALFA, Programa de Alfabetização, Documentação e Informação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Através da produção do documentário, muitos alunos que antes não tinham espaço de expressão, principalmente por não terem acesso à língua portuguesa formal, tiveram a oportunidade de se colocar como sujeito diante da sociedade em que vivem. 1 – Conhecendo o PROALFA e sua metodologia de ensino O Programa foi idealizado, pela professora Anna Helena Moussatché que preocupada com o fracasso escolar viu surgir dentro da UERJ à oportunidade de criar um programa de extensão onde seriam discutidas as temáticas relativas à leitura e a escrita. Desta forma, através de um ato executivo, em 1995 foi criado o PROALFA, que tem como objetivos principais resgatar a auto-estima dos adultos em processo de alfabetização, oferecer um ensino de qualidade em alfabetização, valorizar o conhecimento trazido pelos alunos, estimular o uso da escrita/ textos diversos e capacitar os bolsistas para reger as classes, inclusive as de terceira idade. Hoje em dia o programa está organizado da seguinte forma: Quatro classes de EJA, com diferentes níveis de leitura e escrita. As aulas são realizadas três dias na semana, de 14:00 às 17:00 horas; ministradas por um ou dois professores regentes e oficinas de matemática, leitura e produção de textos. Os estagiários são selecionados entre os alunos de graduação dos cursos de matemática, pedagogia e letras; e ao entrarem no programa recebem uma capacitação, na qual conhecem a metodologia. Durante o período de desenvolvimento do projeto, os bolsistas tem um acompanhamento pedagógico, além de uma formação teórica voltada para a metodologia do proalfa. Sendo muito importante, pois complementa a formação desses futuros profissionais da educação. 2-A turma Unati I A turma é formada por 15 alunos, que tem idade entre 54 e 83 anos. Todos já são alfabetizados e procuraram o programa com o objetivo de aperfeiçoar suas habilidades de leitura e escrita. Muitos passaram pela escola, porém não foi proporcionada a todos a oportunidade de atuar como sujeitos leitores e escritores do mundo, tendo apenas adquirido o código lingüístico e nem sempre sendo colocado em prática, através de uma consciência de letramento. O perfil da turma é bem dinâmico, sendo a maioria dos alunos extremamente comunicativos e envolvidos pelas propostas do programa. São participativos e críticos no que diz respeito aos assuntos do grupo como um todo. Baseado nesse perfil foi desenvolvida a idéia de dinamizar as propostas e ampliar o senso críticos desses alunos para sociedade. Por isso, a escolha ousada de propor aos alunos a produção de um documentário como suporte de aprendizagem. 3 – Como e por que trabalhar com projetos Dentro da metodologia do PROALFA optou-se por trabalhar com projetos, mas o que são projetos? E como trabalhar com projetos? O trabalho com projeto se apresenta de forma mais elaborada, tendo em vista que na sua construção já se objetiva um produto final. Sendo assim, todo trabalho é desenvolvido em torno da conclusão desse produto. O produto final é escolhido a partir de um tema, que pode ser anual ou semestral. É importante destacar que os temas são escolhidos levando-se em consideração a sua relevância para o aluno, se tornando assim interessante para o educador e o educando. 4 – O projeto e a turma O tema anual utilizado por todo o PROALFA em 2009 era Saberes populares e saberes científicos: a formação e a transformação do homem e do meio ambiente e a partir desse tema, tinha-se o módulo do segundo semestre que era A relação do homem com o meio ambiente: problemas e possíveis soluções. Através desses módulos, sempre muito abrangentes, cada turma decide o que gostaria de trabalhar, no caso da UNATI I optou-se por abordar o Lixo Biodegradável, surgindo assim um tema da turma, escolhido pelos alunos Lixo biodegradável: problemas e soluções. 5 – Organização do documentário Conforme já foi dito, o trabalho realizado nas classes do PROALFA é dividido entre professores regentes e oficinas de produção de texto, leitura e matemática. É imprescindível que esses trabalhos se complementem dando corpo e sentido ao projeto. No caso da produção do documentário, a interação entre as oficinas foi de extrema importância para o desenvolvimento do trabalho. Escrever um documentário não é uma tarefa fácil, ainda mais se partimos do princípio que não estamos lidando com cineastas, mas sim professores ainda em formação e idosos que buscam aperfeiçoar seus conhecimentos. Desta forma, enquanto professores primeiramente foi necessário um estudo acerca do gênero para que assim pudéssemos entender quais seriam as necessidades de conteúdo para a realização do produto. Dessa forma, foi vista a necessidade de um roteiro, assumido e produzido pela Oficina de Produção de Texto com a professora Raphaela Novaes de Moraes, concomitantemente a professora regente Juliana Sanches Thomaz construía com os alunos o conhecimento acerca do lixo biodegradável e os colocava em contato com textos científicos que abordavam o assunto. 6 – Construção do roteiro Inicialmente a professora de oficina de produção de texto colocou os alunos em contato com documentários para que eles se familiarizassem com o gênero. Os documentários escolhidos foram: Ilha das Flores e Lixo: Você se dá ao luxo de produzir? O primeiro documentário, apesar de tratar do tema almejado pelos alunos ( meio ambiente), possuía em sua produção um alto grau de dificuldade ( muitos efeitos, poucas imagens e mais filmagens, etc.) exigindo recursos que não possuíamos em sua produção. Tal fato foi percebido pelos alunos e os deixou um tanto quanto desestimulados, pois se julgaram incapazes de elaborarem seu próprio documentário. Por essa razão, a professora decidiu levar para os alunos o documentário : “Lixo – Você se dá ao luxo de produzir?” , encontrado pela professora no site www.youtube.com e que apesar de não possuir complexidade em sua produção, cumpre perfeitamente a função de um documentário. O vídeo foi assistido pelos alunos em sala, comentado e os alunos foram reconhecendo cada parte daquele texto ( introdução, desenvolvimento, conclusão), fazendo a reflexão de cada um separadamente. Esta tarefa foi decisiva para a compreensão da estrutura do gênero o qual seria trabalhado, a partir desse momento, deu-se inicio a construção do roteiro que iria guiar o documentário. Para que o aluno escreva sobre um tema ou sob forma de um determinado gênero, é necessário que ele conheça e tenha lido exaustivamente textos que discorram sobre o assunto e/ou do gênero a que se objetiva o conhecimento. Por isso, após conhecer a estrutura de um documentário, a etapa seguinte realizada na oficina de produção de textos foi a leitura de diversos roteiros ( cenas, filmes, novelas, peças, etc.) e a compreensão da estrutura desse gênero e da sua importância na construção de um documentário. Após isso, os alunos começaram coletivamente a escrever o roteiro do que se tornaria o documentário deles. Ao final de cada semana havia uma parte do roteiro escrita, essa parte guiaria as atividades da professora regente e as gravações . Toda essa etapa foi muito importante, não só para a elaboração do documentário, mas para que os alunos percebessem a necessidade de planejar suas atividades ( papel desempenhado pelo roteiro) e da necessidade de adaptação caso algo não ocorra exatamente como planejado. É importante ressaltar que somente o trabalho em equipe com a regência e as demais oficinas pode dar um sentido a todo o projeto, pois sem documentário não há sentido em ter um roteiro e sem um roteiro não há um documentário. 7 – Pratica da regência. Como já foi dito anteriormente a regência trabalhou lado a lado com as oficinas, mas especificamente com a oficina de produção de texto, que ficou responsável pela construção do roteiro. Ele foi produzido na semana “um”, guiando as aulas da semana “dois”. Planejando assim o conteúdo necessário para que o aluno colocasse em prática aquele roteiro A regência também produziu com os alunos as falas do narrador do documentário. Tal construção foi feita através de textos coletivos. Seguindo o roteiro, os alunos juntamente com as professoras (regente e de oficina de produção de texto) iam à feiras de rua capturar as imagens. Todas as imagens eram anteriormente escolhidas pela turma em sala de aula. Ao chegarem à feira eles já sabiam exatamente o que procuravam, assim se tornava mais fácil e rápido capturar as imagens necessárias. Essas idas a feiras aconteciam no horário anterior ao horário das aulas, sendo assim, no mesmo dia que os alunos capturavam as imagens, produziam a fala do narrador referente. Nas aulas da regência também existia a grande preocupação em deixar os alunos em contato com textos que tratavam do assunto, sustentabilidade, meio ambiente, lixo, reciclagem entre outros assuntos. Concomitantemente era trabalhada a leitura e escrita, de diversas formas, com atividades dinâmicas que ao mesmo tempo que integrava os alunos, os deixava em contato com o assunto, além de promover o desenvolvimento do olhar crítico diante da sociedade. As aulas não aconteceram somente nas salas de aula, os alunos visitaram a Usina de Tratamento de Lixo do Caju, vendo assim de perto o impacto que o lixo pode provocar e aprendendo diversas formas de tratar o lixo que produzem em casa. Essa visita serviu também como campo de capturarão de novas imagens para o documentário. É muito importante lembrar que todo o conteúdo do documentário é de produção dos próprios alunos, dês da escolha de cada imagem, até a cor e tamanho das letras. Mas ao fim do período, já com todas as filmagens e fotos capturadas os alunos com a orientação da professora regente começaram a edição do vídeo, Acontecia na sala do Proalfa, onde juntos sentados no computador, foram escolhidas as imagens de forma coletiva e seguindo a fala do narrador. Assim aos poucos já era possível visualizar como ficaria o vídeo pronto, o que dava ânimo e orgulho aos alunos produtores. 8- Edição do vídeo Na sala do próprio proalfa os alunos eram reunidos no horário das aulas. O objetivo era fazer a edição do vídeo. Eles eram reunidos envolta do computador e a professora regente os orientava oferecendo todo o recurso de mídia que dispunha. Tudo que acontecia estava pré estabelecido nos roteiro dos alunos, que assistiam a essas aulas com o roteiro em mãos e sabiam exatamente o trabalho que precisavam realizar naquele dia. Os encontros na sala de mídia eram todas as quintas-feiras, pois na terça eles iam à feira de rua, capturavam as imagens, no mesmo dia produziam a fala do narrador; na quartafeira faziam a revisão dessa fala e na quinta produziam o vídeo referente a produção da semana. Tudo isso acontecia durante as aulas da regência com parceria da oficina de produção de texto. Por se uma turma com personalidade forte, desenvolver todo um trabalho em equipe foi um grande desafio. A cada escolha de imagem era necessária uma votação e muitas vezes até mesmo para a escolha da cor de fundo era necessário um grande jogo de cintura. Sendo algo muito bom para os alunos, que desenvolveram o senso de equipe e se tornaram ainda mais unidos. Caracterizando assim o trabalho feito por todos, integralmente. 9- Conclusão - Um trabalho em equipe. É essencial lembrar que todo o trabalho desenvolvido foi em equipe, no sentido que todos os professores se envolveram de forma integral na produção do documentário. E não só os professoras. Durante as reuniões que aconteciam nas segundas-feiras, as orientadoras Marlene Dias Pereira Pinto e Josiane de Sousa Soarez davam todo o aval teórico para que o trabalho fosse cada vez mais profissional. Assim, as professoras bolsistas se sentiam mais seguras. A oficina de matemática, com os professores Rodrigo e Grasiele ficou responsável pela construção de um gráfico sobre a evolução da leptospirose. Assim, trabalharam conteúdos matemáticos oferecendo aos alunos base necessária para construção de gráficos, além de textos explicativos e científicos pesquisados pela própria turma sobre essa doença. Na oficina de leitura, a professora Elisandra trabalhou com a turma o tema geral meio ambiente. Dando aos alunos um aparato geral do assunto. O trabalho da oficina de produção de texto com a Professora Raphaela Novaes foi importantíssimo, e desenvolveu nos alunos a consciência da necessidade de um roteiro para a produção de um vídeo. O que ajudou muito o trabalho da regência com a professora Juliana Sanches. Essa integração entre os professores foi muito válida, fazendo com que os alunos visualizassem o desenvolvimento do projeto e principalmente a construção do produto final.