CYAN MAGENTA AMARELO PRETO STANDARD SAÚDE, CIÊNCIA & VIDA -74 A26 Saúde, Ciência & Vida JORNAL DO BRASIL DOMINGO, 2 DE JULHO DE 2006 LINGUAGEM I O futuro é atrás. O passado, à frente CONEXÃO I Avaya cria estrutura gigante com data para acabar Uma forma peculiar de mapear o tempo Juliana Anselmo da Rocha Como o ser humano define o que é o passado e o futuro? Um estudo americano mostrou que a idéia de tempo é influenciada pela cultura. Ao falar do passado, os aymara, ameríndios nativos da região andina, apontam para frente. Quando se referem ao futuro, fazem gestos para trás. Essa localização do tempo no espaço é o inverso da registrada no resto do Ocidente. A descoberta, publicada na Cognitive Science, foi feita por Eve Sweetser, professora de lingüística da Universidade Berkeley, e por Rafael Núñez, diretor do Embodied Cognition Laboratory da Universidade da Califórnia. A equivalência de um momento no tempo a um lugar no espaço está relacionada à anatomia do corpo humano e a sua forma de locomoção. Núñez explica que a metáfora espacial para a cronologia aparece quando associamos o movimento para a frente e para dentro do campo visual à passagem do tempo. – Ao sentir sede e avistar um rio a 100 metros dentro de uma floresta, por exemplo, caminho na direção da água – diz o pesquisador. – Quando alcanço o rio estou num momento posterior no tempo. Por isso posiciono o passado atrás e o futuro a minha frente. Embora os aymara se movam da mesma maneira, o significado que atribuem ao movimento é determinado em relação ao que pode ou não ser visto. Como o futuro é desconhecido, eles o posicionam atrás de si e o passado, que pode ser visitado com a memória, é colo- Os pirahã, isolados na Amazônia, não usam números, mas quantidades aproximadas cado à frente. – Não existe uma forma única de criar o conceito de tempo – comenta Núñez. – Os estudos da língüística e da ciência cognitiva não podem ignorar os gestos realizados durante a fala. Para a pesquisa, os cientistas coletaram 20 horas de conversas com 30 aymara que moram no Norte do Chile. A maioria dos analisados era bilíngue. O grau de fluência nas línguas variava e alguns falavam uma mistura do espanhol e do diale- to nativo chamado castelhano andino. No material, os pesquisadores identificaram tanto as palavras como os gestos corporais empregados no relato de fatos passados e futuros. Para Núñez, os ayamara são o primeiro povo descoberto com um mapeamento de tempo peculiar, mas não o único. Outros grupos da América Latina podem usar a variação. Os pirahã, indígenas isolados próximos ao rio Madeira, na Amazônia, constróem outra abstração de forma peculiar. Peter Gordon, da Universidade Columbia, nos Estados Unidos, trabalhou com a tribo nos anos 90. Em sua língua materna, os pirahã não têm palavras que designem números. Seu sistema de contagem é baseado em quantidades aproximadas. – O ambiente social dos pirahã não exige que distinguam o número exato de sementes num punhado delas – diz Gordon. De acordo com o pesquisador, as crianças são capazes de aprender um sistema numérico preciso. Os adultos não têm a mesma facilidade. REUTERS A mídia recebe estatísticas detalhadas de cada partida Rede de comunicação da Copa movimenta 9 terabytes em dados RAFAEL NÚÑEZ/UC, SAN DIEGO Os aymara, tribo andina, idealizam o futuro para trás, por não o conhecerem Idéia de progresso não faz sentido para os aymara I A forma como um povo faz o mapeamento do tempo implica na criação e valorização de uma série de outras abstrações. Rafael Núñez, da Universidade da Califórnia, toma como exemplo o conceito de progresso. – Em português, e mesmo na palavra inglesa correspondente, temos o prefixo “pro-”, que marca o movimento para frente – explica Núñez. Para os aymara, que posicionam o futuro atrás de si, o con- ceito de progresso como o avanço rumo aos objetivos planejados não faz sentido. Os ameríndios da região andina dão mais importância à genealogia de suas famílias. – À sua frente, eles vêem os antepassados – diz Núñez. Mesmo os aymara que falam também o espanhol não perdem o campo conceitual original. Trafegam entre as metáforas espaciais para a cronologia de acordo com a língua que uti- lizam. – Quando falavam comigo em espanhol, gesticulavam indicando o futuro à frente e o passado atrás – conta Núñez. – Mas, quando se comunicavam em aymara com outro integrante do grupo ou com o tradutor, localizavam o futuro às costas e o passado à frente. Ter duas metáforas para o mesmo conceito não é um problema. Núñez exemplifica com a idéia de afetividade. – A intimidade com alguém pode ser expressada em frases como “somos próximos” ou “temos um relacionamento caloroso” – diz Núñez. (J.A.R.) A audiência acumulada da Copa do Mundo já ultrapassa um bilhão de telespectadores. O número impressiona, mas é pequeno se comparado ao volume de tráfego na rede de comunicação que cerca o torneio. Desde o início da competição foram transmitidos 9,8 terabytes (TB) de dados e voz pela rede montada pela Avaya, a pedido da Federação Internacional de Futebol (Fifa). O número equivale ao envio de mais de 100 milhões de livros pela internet na velocidade de uma banda larga comum. – Esperávamos esse tráfego. A rede suporta mais de 15 TB – diz o paulista Maurício Burgo, engenheiro que trabalha no quartel-general da Fifa para a Copa, instalado em Berlim. A média de dados e voz transmitidos por dia chega aos 250 mil gigabytes (GB). A rede conecta os 12 estádios da competição, o centro de comando da Fifa e as salas de imprensa. Por ela são enviadas as estatísticas das partidas, as atualizações do site da Fifa, as informações para a mídia e para os voluntários nas cidades-sede. A rede também serve ao gerenciamento logístico das 32 seleções participantes. – Até agora, a rede não apresenta problemas e tem a margem de confiabilidade de 99,9% exigida pela Fifa – conta Burgo. A estabilidade e a segurança da rede foram as maiores exigências da Fifa. – A mesma regra se aplica às seleções e a nossa equipe técnica: uma boa preparação é determinante para o sucesso – comenta Andrea Rinnerberger, que chefia o Programa Copa do Mundo Avaya, sobre os meses de testes antes do início da operação da rede. Cerca de 296 mil ligações passaram pela rede convergente, o que representa a média de 632 mil minutos de conversas. Para a transmissão de dados, mais de 567 mil acessos já foram realizados. Entre as aplicações disponíveis estão o modular messaging e a extensão de celular. A primeira reúne em uma única interface todas as plataformas de comunicação – e-mail, fax, celular e outras. O usuário pode programar a aplicação conforme as suas necessidades e solicitar ao sistema, por exemplo, o envio de um torpedo acusando o recebimento de um e-mail marcado como urgente. A extensão de celular faz tocar em simultâneo o ramal no escritório e o telefone móvel, garantindo a localização rápida dos funcionários da Fifa. A maior estrutura de comunicação já montada funcionará apenas para a Copa do Mundo. Ao acabar a competição, a rede será desativada. (J.A.R) CRIANÇAS Brinquedos pesados para manter a forma I NOVA YORK. Colocar pesos nos brinquedos das crianças pode ajudá-las a melhorar a forma física, sugere um estudo americano. De acordo com John Ozmun, um dos autores da pesquisa da Indiana State University, a “alternativa não é uma resposta à obesidade infantil, mas pode ser uma peça capaz de contribuir de maneira positiva para a resolução do quebra-cabeças” Inúmeras pesquisas apontaram os benefícios da atividade física na manutenção da saúde da criança. Os exercícios mantêm a forma, fortalecem o sistema cardiovascular e o esqueleto, melhoram a pressão sangüínea e os níveis de colesterol “bom”, HDL. Estudos também mostraram que a prática de atividades físicas diminui conforme a criança cresce. O estudo coordenado por Ozmun analisou cinco meni- Quanto mais velhas, menos exercícios físicos as crianças praticam nos e cinco meninas com média de idade de 7,5 anos. Brinquedos de papel cartão, que pesavam menos de 10 gramas, ou blocos com peso médio de 1,5 quilos foram distribuídos aleatoriamente entre as crianças. Depois de 10 minutos carregando os blocos pesados, as crianças experimentaram um aumento significativo dos batimentos cardíacos, da absorção de oxigênio e do gasto de energia. “Carregar objetos mais pesados, seja durante as brincadeiras ou com instrução, traz oportunidades para aumentar a intensidade da carga de uma forma benigna e leva a melhorias no condicionamento físico das crianças”, escreveram os pesquisadores. Segundo Ozmun, os brinquedos pesados podem também ser úteis na terapia de crianças com paralisia cerebral ou síndrome de Down, que têm uma deficiência de força. Ozmun expressa preocupações com a segurança e não recomenda que os pais coloquem pesos nos brinquedos de seus filhos. – O que podem fazer é pensar no espaço onde a criança brinca e transformá-lo para que favoreça a atividade física. MEDICAMENTOS I Uso constante de drogas gera relação de confiança e esbarra no limite da dependência LEONARDO ROZARIO Remédios de estimação aliviam, mas podem viciar Claudia Bojunga A arquiteta Luciana Sodré, de 43 anos, só consegue dormir com o descongestionante Afrim ao lado da cama. Patricia Jabur, administradora, 35, não dispensa em sua necessaire o calmante Rivotril. A aposentada Maria Elizabeth Machado de Assis, 55, também não tira o analgésico Neosaldina da bolsa. Todas têm em comum uma relação estável, duradoura e de confiança com esses remédios, que se tornaram de estimação. – É comum o uso crônico de substâncias sem indicação médica. As pessoas passam a ser dependentes psicológicas deles – comenta Márcia La- Patricia Jabur mantém o Rivotril dentro da bolsa deira, clínica-geral do hospital Barra D’Or e do hospital universitário Pedro Ernesto. Luciana admite que não consegue ficar sem o descongestionante nasal: – Posso esquecer a chave ou o celular em casa, mas não o Afrim. Uso desde os 11 anos, tenho alergia a poeira. Em uma viagem para o interior do estado do Rio, Maria Elizabeth lembra que entrou em desespero porque não tinha como comprar Neosaldina. – É tanta intimidade que já criei um apelido, chamo de “Neosa”. Resolve dor-de-cabeça e até mal-estar – comen- ta. O professor de psicologia da Uni-Rio Felisberto de Almeida, explica que o indivíduo desenvolve uma relação de confiança com o remédio, que age como um placebo (composto inócuo utilizado em experiências para efeito de comparação). Patricia toma Rivotril todos os dias para dormir e quando se sente ansiosa ou tem uma taquicardia. – Sou meio neurótica. Quando vejo que faltam três comprimidos para acabar, compro logo outra cartela. Preciso saber que está ali– comenta. Márcia alerta que o uso abusivo de certos remédios pode ser nocivo: – Alguns estudos mostram que, depois de um tempo, as pessoas que usam sedativos, como o Rivotril, podem desenvolver tolerância. O perigo, explica a médica, é aumentar a ingestão diária para obter o mesmo efeito. Os analgésicos, em geral, podem causar lesões gástricas, como úlceras. E os descongestionantes nasais podem provocar arritmias cardíacas. (C.B)