ID: 44687179 12-11-2012 Tiragem: 43576 Pág: 45 País: Portugal Cores: Cor Period.: Diária Área: 20,48 x 23,10 cm² Âmbito: Informação Geral Corte: 1 de 1 A propósito de uma visita A João Carlos Espada Cartas de Varsóvia polémica gerada pela visita da senhora Merkel a Lisboa, prevista para hoje, merece uma reflexão crítica. Segundo os críticos da visita, a principal responsabilidade pela chamada política de austeridade portuguesa caberia à chanceler alemã. Mas esta suposição não é apenas pouco plausível. Ela efectivamente contribui para desviar o olhar das nossas responsabilidades. Posso compreender e até simpatizar com algumas das críticas dirigidas à chamada política de austeridade que tem vindo a ser seguida entre nós. Já aqui, aliás, critiquei, com alguma vivacidade, a política de aumento de impostos — que continuo a considerar totalmente desadequada. Mas tenho alguma dificuldade em compreender que a responsabilidade dessa política seja atribuída à chanceler alemã, para já não dizer à Alemanha ou aos alemães. Já foi dito e repetido, mas parece ser ciclicamente esquecido, que chegámos onde chegámos pelo nosso próprio caminho. Não é agradável estar sempre a repetir que os governos do engenheiro Sócrates levaram a despesa do Estado à situação de falência. Foi essa a origem do pedido de ajuda externa, que o próprio — e não a senhora Merkel, a propósito — teve de accionar. De vez em quando, é preciso recordar este facto. Também não creio que a política de aumento de impostos tenha sido exigida pela senhora Merkel. A Irlanda, também a propósito, manteve a sua taxa de IRC em 12,5% e não foi por isso que deixou de receber ajuda externa. É certo que a Irlanda teve de negociar com firmeza, mas esse é certamente um mérito que nos cabe apreciar. Terá sido a senhora Merkel que impediu o actual Governo de convidar a oposição democrática e todos os portugueses para um sério debate sobre a reforma do chamado Estado social, em vez de basicamente recorrer ao aumento de impostos? Tenho sérias dúvidas, dado que o Governo finalmente anunciou querer abrir esse debate — sem que o tenha ainda aberto de facto — e não tenho informação de que isso tenha sido feito contra a vontade da senhora Merkel. Por outras palavras, repito que chegámos onde chegámos pelo nosso próprio caminho. E seremos nós a fazer e a escolher o caminho que vamos percorrer a seguir. Atribuir as responsabilidades a “estrangeiros” é um clássico recurso autoritário e autárcico que não fica bem a uma sociedade aberta e tradicionalmente hospitaleira como a portuguesa. Tem a desvantagem acrescida de iludir os nossos problemas, atribuindo-os a terceiros. Se não quisermos iludir os nossos problemas, o estudo da experiência alemã pode, aliás, ser instrutivo. Já não falo do chamado “milagre alemão” do pós-guerra, quando Adenauer e Erhard libertaram o crescimento económico (sublinho “libertaram”, porque, na verdade, não “dirigiram” nem “criaram”) com decisivas reformas favoráveis a uma economia social de mercado e livre empresa. Mas, mais recentemente, já depois da integração da Alemanha de Leste e em boa parte para enfrentar os seus custos, ocorreu uma grande coligação entre democratas cristãos e sociais-democratas que, mais uma vez, libertou a economia civil de excessiva rigidez estatal. O resultado foi a retumbante retoma de competitividade por parte da economia alemã. Isto não significa que o chamado “modelo alemão”, se é que existe, possa ou deva ser importado para onde quer que seja. Também não significa que tenhamos de concordar com as posições da Alemanha em matérias europeias. Há um debate sério em curso na Europa, e diversas opiniões respeitáveis estão em confronto. Mas discordar da Alemanha é uma coisa. Outra bem diferente é simplesmente reclamar que os contribuintes alemães paguem as dívidas soberanas dos outros estados-membros. Por estes motivos, e outros poderiam ser enumerados, não posso concordar com protestos de rua contra a visita da chanceler alemã — embora, obviamente, esse seja um direito elementar, se for exercido pacificamente. Também por estes motivos, estarei hoje ao fim da tarde em Lisboa a promover um debate tranquilo com a Fundação alemã Konrad Adenauer. O debate, sintomaticamente, será sobre “as relações transatlânticas depois das eleições americanas”. O tema tem óbvia actualidade. Mas tem ainda a vantagem suplementar de recordar que Portugal, a Alemanha e os EUA (e, já agora, a Espanha, de onde virá a antiga ministra dos Negócios Estrangeiros, Ana Palacio) são parceiros do mundo livre. Em conjunto, e como parceiros, enfrentamos sérios desafios e partilhamos sérias responsabilidades. Os parceiros do mundo livre não têm certamente de concordar em tudo — discordar é, aliás, um distintivo do mundo livre. Mas sabemos que o que nos une é muito mais importante do que o que nos separa. Por isso conversamos, discutimos, divergimos, com orgulho de pertencermos à mesma tradição de liberdade e responsabilidade pessoal. Se não quisermos iludir os nossos problemas, o estudo da experiência alemã pode ser instrutivo Professor universitário, IEP-UCP e Colégio da Europa, Varsóvia. Escreve à segunda-feira