Cantar é a mais elevada atividade piedosa Texto extraído do livro “Reflexões sobre a identidade espiritual dos santos nomes”, de C. Swami As atividades piedosas são chamadas de sukrti e são de três tipos: karma-unmukhi – quando as atividades piedosas são executadas por uma pessoa que conscientemente tem interesses egoístas, tais como a adoração aos semideuses em troca de lucro material, votos fruitivos, jejuns com propósitos mundanos etc.; jñanaunmukhi – quando as atividades piedosas se derivam do cultivo de conhecimento espiritual – sem que o executor se interesse pela realização pessoal de Deus e sem que ele tenha interesse genuíno em desenvolver uma relação de serviço amoroso ao Senhor e, finalmente, bhakti-unmukhi – quando as atividades piedosas resultam da prática de serviço devocional, mesmo no estágio em que o executor não desenvolveu ainda o seu amor espontâneo por Sri Krishna. Como resultado de karmonmukhi o executor poderá gozar dos doces frutos das suas atividades piedosas na forma de bom nascimento, poder, riqueza etc. Como resultado de jñanonmukhi o executor poderá se fixar no caminho espiritual até alcançar moksha, a liberação do mundo material, quando irá se fundir no brahmajyoti impessoal. Entretanto, um executor de bhakti-unmukhi quer possua apreciação e fé no serviço devocional puro, ou quer realize serviço devocional puro sem o devido conhecimento espiritual (ajñatasukrti) – em ambos os casos – tal executor está praticando o mais elevado tipo de sukrti, o que o levará a encontrar-se com um devoto puro e plenamente consciente de Krishna. Então, através da associação com tal devoto de Krishna, sua fé se tornará cada vez mais firme e ele desenvolverá um gosto cada vez maior pelo cantar dos santos nomes. Portanto, bhakti-unmukhi é a atividade piedosa mais elevada, pois, além do praticante se fixar no caminho sublime do serviço devocional (o que é considerado uma posição além da liberação), ele se tornará de fato compassivo para com todos os seres vivos e também atuará como um verdadeiro benquerente Deles. O Senhor é o controlador supremo e um oceano de magnanimidade. Portanto, independente da posição dos seres vivos (quer estejam liberados ou condicionados), Ele está sempre pronto para servi-los. Na realidade, não importa se eles escolheram o caminho do trabalho fruitivo e interesseiro (karma) ou o caminho do cultivo de conhecimento filosófico empírico (jñana). Além disso, sempre pensando no bem-estar Deles, o Senhor também oferece um caminho devocional secundário. Ou seja, mesmo o trabalhador frutivo conhecido como karmi que seguir o sistema social conhecido como varnashrama-dharma com o tempo irá também se purificar completamente, caso se associe com pessoas santas. Ele então poderá satisfazer os seus desejos materiais e ao mesmo tempo aprenderá das pessoas santas a executarem seus deveres para a satisfação do Supremo Senhor Hari. Nesta posição, suas atividades limparão seu coração e, como resultado, o desejo de continuar executando trabalho fruitivo desaparecerá naturalmente. Na realidade, no lugar de tal desejo material será semeada em seu coração a semente de sraddha, a fé pura. Esta semente de sraddha irá se manifestar como afeição pelo serviço ao Senhor (rati) e, finalmente, como devoção amorosa aos Seus pés de lótus (bhakti). De forma semelhante, mesmo o jñani ocupado em conhecimento filosófico especulativo poderá obter, de acordo com a força de suas atividades piedosas, a associação com os devotos puros do Senhor, atraindo assim a compaixão dessas pessoas santas. Então, pela graça dos devotos puros, ele será auxiliado também a desenvolver fé firme no processo de serviço devocional puro. Portanto, a associação com um devoto puro poderá elevar o jñani à condição de bhakta, devoto do Senhor. O Senhor sabe perfeitamente bem o que é benéfico para todos e, mesmo de maneira indireta, está sempre inspirando os seres vivos a desenvolverem aversão pelo desfrute sensorial e pela liberação. Na realidade, no lugar disto, Ele está sempre proporcionando atração pelo serviço devocional por guiar os seres vivos para que realizem seus desejos materiais e, de forma sutil, desvia os anseios do ser vivo rumo a uma senda devocional secundária. Dessa forma, Ele acaba fortalecendo a fé e o amor dentro de seus corações. A bondade do Senhor em oferecer sempre uma chance aos seres vivos é um reflexo da Sua misericórdia imotivada. Na realidade, sem Sua intervenção amorosa, o ser vivo nunca poderia se tornar purificado. Na era de Satya, sábios que seguiam o processo de meditação eram purificados diretamente pelo Senhor e, através de profunda concentração alcançavam a perfeição espiritual, quando recebiam o tesouro do serviço devocional. Na era de Treta, o mesmo sucesso espiritual coroava aqueles que executavam impecavelmente sacrifícios opulentos para satisfazer o Senhor. Na era de Dvapara, o Senhor concedia devoção pura àqueles que aderiam perfeitamente à senda da adoração à Deidade. Com o advento da Era de Kali, o Senhor Se compadece da terrível condição das entidades vivas que, estando afastadas da meditação, dos sacrifícios védicos e da adoração às Deidades, perderam todo tipo de esperança de liberação. Nesta era, todos têm uma curta duração de vida, estão sempre perturbadas por diferentes classes de doenças, pois nascem com um físico e psique fracos. Assim, há grandes desvantagens desde o ponto de partida. Na realidade, nem o estabelecimento do varnashrama-dharma, nem o cultivo da filosofia sankhya, nem as práticas de yoga mística e nem a especulação filosófica pode proporcionar a força necessária para redimir os seres vivos desta era. Os caminhos de jñana e karma se tornaram ainda mais perigosos. Com a força inauspiciosa desta era, mesmo a associação de pessoas santas com o propósito de participar de discussões espirituais ou a execução de trabalhos sem desejos pessoais de resultados se tornaram impuras e carentes de força espiritual. Pessoas genuinamente santas são raramente vistas, quando não foram substituídas por tipos de pseudo-espiritualistas com interesses comerciais. As atividades religiosas não são mais realizadas para purificar a consciência, mas para mero desfrute dos resultados. Portanto, estas sendas secundárias não são mais verdadeiramente benéficas. Mesmo o processo de adoração à Deidade que dava o mais elevado sucesso espiritual em Dvaparayuga se tornou difícil devido a mentalidade impura das pessoas desta era. Na era de Kali, é bastante raro encontrar seres vivos verdadeiramente interessados em alcançar o destino final da vida espiritual. Além disso, eles acabam se confrontando com uma variedade de obstáculos que são praticamente intransponíveis. Receber a misericórdia do Senhor é a meta da vida humana, mas nem karma e nem jñana são suficientes para que o ser vivo atinja tal meta. Portanto, o cantar os santos nomes é o processo mais eficiente porque, pela misericórdia do Senhor, cantar os santos nomes é tanto o processo quanto o objetivo. Dessa maneira, os seres vivos podem obter a liberação com muito mais facilidade. Mesmo assim, na maioria dos casos, as pessoas são tão caídas e enredadas na vida material que nunca se dedicam a cantar seriamente os santos nomes. O santo nome do Senhor Krishna é como uma pedra-detoque eterna e transcendental que satisfaz todos os desejos. Para os materialistas, esta pedra-de-toque outorga religiosidade material, grande fortuna, prazer sensorial e até a liberação. Entretanto, para os verdadeiros devotos que estão rendidos aos pés de lótus do Senhor, esta pedra-de-toque oferece-lhes o amor puro por Krishna, a meta suprema da vida. O Senhor Krishna e Seu santo nome são absolutamente idênticos, uma única Verdade Absoluta. Portanto, o cantar é a forma de espiritualidade mais dinâmica e tudo está incluído Nele. Tanto o Senhor Krishna em pessoa, quanto o Seu nome, são supremamente independentes, cheios de misericórdia, sem começo ou fim. Situados em plena bondade pura, os santos nomes descem a este mundo na forma de letras como a encarnação mais completa e a mais elevada personificação da doçura (rasa). Qualquer objeto é conhecido através de quatro aspectos característicos: o nome, a forma, as qualidades e as atividades. De forma semelhante, o Senhor Krishna, o objeto Supremo, pode também ser conhecido em termos de Seus ilimitados e eternos nomes (nama), formas (rupa), qualidades (guna) e passatempos (lila). Pode-se analisar que a ausência destes quatro aspectos em qualquer coisa faria com que seu status como objeto fosse negado. Por exemplo, o Brahman impessoal é sem forma. Portanto, o Brahman não é um objeto em si e, embora seja uma das características do Senhor Supremo, não é completo em si mesmo. Mas o Senhor Krishna é o objeto absoluto não-dual que Se manifesta perfeitamente através destes quatro aspectos. Estes aspectos são plenamente potentes e são capazes de expressar o Senhor Krishna em Sua totalidade. A existência espiritual destes quatro aspectos do Senhor é eterna e transcendental e eles são sustentados pela sandhini-shakti, a potência da existência eterna do Senhor. Assim como o Senhor Krishna atrai todos os seres vivos, de forma semelhante, os santos nomes (que não são diferentes Dele) também são todo-atrativos. A forma singularmente bela do Senhor Krishna não é diferente Dele. E o nome e a forma de Krishna também são idênticos. Lembrar e cantar o nome de Krishna imediatamente invoca a Sua bela forma na mente para que ambos possam ali residir em plena harmonia. De forma semelhante, todas as qualidades do Senhor Krishna são de caráter ilimitado e transcendental. As expansões parciais do Senhor, tais como Brahma e Shiva, são Suas expansões qualitativas. Elas demonstram de modo parcial a natureza do Senhor Supremo. Somente o Supremo Senhor Krishna é infinito, é eterno, ilimitado e absolutamente espiritual. E somente Ele possui todas as sessenta e quatro qualidades. Mesmo Suas demais expansões, a começar por Narayana até chegar ao Senhor Ramachandra, todos são ornamentadas apenas com as primeiras sessenta de Suas divinas qualidades. No caso do Senhor Brahma, do Senhor Shiva e dos demais semideuses, eles possuem no máximo cinqüenta e cinco destas qualidades – e, ainda assim, tais qualidades são manifestadas parcialmente. Os seres vivos comuns podem possuir no máximo apenas as primeiras cinquenta qualidades do Senhor, que poderão ser visíveis apenas parcialmente. Mesmo entre todas as expansões do Senhor, somente Sri Krishna Govinda, em Sua forma original como Shyamasundara, demonstra a máxima supremacia. Somente Nele, o mestre supremo, tais qualidades excepcionais são encontradas. Se compararmos as qualidades e os passatempos do Senhor como ondas extáticas, então, quando elas se encontram e se misturam, ocorre uma nova formação transcendental que, superando a si mesmo, assume um novo e sublime formato. Na realidade, onde quer que sejam encenados, sejam nos planetas espirituais Vaikuntha, na mais elevada Goloka ou ainda na Vrindavana que está manifesta na Terra, as atividades do Senhor são sempre divinas e transcendentais e são constituídas sempre da mesma substância espiritual. Quando está em contato com a natureza material ilusória, o ser vivo condicionado experimenta um estado de consciência diametralmente oposto à consciência de Krishna. Porque está identificado com seu corpo material temporário, seu nome, sua forma, suas qualidades e atividades são todos separados e diferentes de seu verdadeiro eu espiritual. Entretanto, quando o ser vivo se purifica de toda a contaminação material, estes quatro aspectos assumem a mesma natureza espiritual e passam a ser não-diferentes Dele (espirituais). Mas, infelizmente, até que tenha se purificado e, pela graça do Senhor Krishna, tenha alcançado a liberação, o ser vivo terá de sofrer as dores da falsa identificação. Mas, sendo Supremo e transcendental, isto não ocorre em absoluto com o Senhor Krishna. Ou seja, Ele está sempre em bem-aventurança transcendental e jamais experimenta algum tipo de sofrimento. Dentre os quatro aspectos característicos do Senhor (nome, forma, qualidades e atividades), os santos nomes é o original, porque Nele está contido todo o conhecimento acerca dos três outros. Portanto, cantar os santos nomes é a atividade religiosa primordial de um Vaishnava. É através dos santos nomes que gradativamente irá florescer no coração do devoto a forma, as qualidades e os passatempos do Senhor. Ou seja, o panorama inteiro dos passatempos do Senhor Krishna está plenamente presente nos santos nomes. O santo nome é definitivamente a mais elevada Verdade Absoluta e, de fato, esta natureza material não pode possuir nada para oferecer que seja igual ou superior a ele. O santo nome é o mais precioso tesouro de misericórdia do Senhor. Este mundo material tudo é matéria morta, e somente os seres vivos e os santos nomes são os únicos objetos supramundanos que existem. O ser vivo está vivendo aqui num estado condicionado de consciência devido à permissão do Senhor. Ou seja, além dos santos nomes, ele é a única presença espiritual neste mundo. Então, o contato constante com o santo nome é a melhor maneira de devolver o status espiritual do ser vivo. Os santos nomes podem ser categorizados em dois tipos: principais e secundários. Abrigando-se nos principais nomes do Senhor, o ser vivo obtém a essência da vida espiritual. Os nomes principais do Senhor Krishna descrevem Seus passatempos transcendentais e contêm todas as excelências do Senhor. Eles são, por exemplo: Govinda, Gopala, Nanda-nandana, Radhanatha, Hari, Pranadhana, Madana-mohana, Madhava, Shyamasundara, Gopinatha, Vrajagopala etc. Quem cantar esses nomes do Senhor, que representam Seus passatempos eternos, pode alcançar a morada suprema do Senhor. Os Vedas também se dirigem ao Senhor com nomes que caracterizam Sua ligação com a natureza material. Tais nomes são considerados secundários e geralmente são invocados por aqueles que buscam atividades fruitivas e conhecimento empírico. São eles: Isvara, Paramatma, Brahman, Yajñeshvara etc. Conforme as orientações védicas, o cantar de tais nomes do Senhor também proporciona piedade e pode até proporcionar a liberação. Contudo, o resultado supremo obtido pelo cantar dos nomes do Senhor – o amor puro por Deus – só será alcançado pelas grandes almas que invocam os nomes principais do Senhor. Mesmo quando cantados de maneira impura, uma única vez, ou até se forem simplesmente forem ouvidos, o som do santo nome irá penetrar no coração do ouvinte que, então, será liberado – independente de sua casta elevada ou baixa. Esse fato impressionante encontra-se nas escrituras. Além disso, quando os santos nomes são cantados no estágio de nama-bhasa (o estágio em que as impurezas estão sendo varridas do coração do praticante), após algum tempo, a suprema e mais elevada meta poderá ser obtida. Na realidade, em nama-bhasa todos os demais resultados – auspiciosos, piedosos e inclusive a liberação – poderão ser obtidos facilmente. Neste estágio de limpeza do cantar, o ser vivo é absolvido de seus pecados e, por seguir esta senda espiritual, gradativamente alcançará o mais elevado estágio do cantar, que é conhecido como suddha-nama, ou o estágio em que se canta os santos nomes sem nenhuma ofensa. É somente depois de alcançar este estágio de cantar puramente que o devoto poderá obter o verdadeiro amor por Krishna Quando nama-bhasa se completa, todos os pecados e anarthas (anseios indesejáveis presentes no coração) são dissipados, e o devoto passa a cantar puramente. Então, suddha-nama irá outorgar ao devoto o mais elevado sucesso espiritual, que é o amor por Krishna. Qualquer pessoa que deseja alcançar o mais elevado sucesso, que consiste no cantar com pureza, deverá se aproximar de um mestre espiritual genuíno e deverá servi-lo com sinceridade e cuidado, praticando, assim, atividades devocionais (bhajana-kriya). Gradativamente, conforme todos os anarthas ou anseios indesejáveis forem eliminados do coração, o verdadeiro nome de Krishna, em seu estado puro e transcendental, aparecerá no coração do devoto e dançará em sua língua de lótus. O devoto então poderá saborear os santos nomes, agora com um sabor especialmente nectáreo, em todo momento de sua vida. Tornando-se assim espiritualmente inebriado, o devoto será naturalmente impelido a dançar no êxtase do amor por Deus (já que o Senhor estará também dançando no seu coração). Então, rapidamente, qualquer conceito ilusório ou desejo material se afastará do seu coração. Na realidade, o Senhor Supremo investiu todas as Suas potências em Seus nomes transcendentais e ofereceu-os a todos os seres vivos. Então, independente de qualquer consideração material, qualquer alma sincera que tiver suficiente fé nos santos nomes é uma pessoa qualificada para cantá-lo. Quem canta o nome do Senhor Krishna está executando devidamente seus deveres prescritos. Este cantar é tão poderoso que não depende de nenhuma condição material, como tempo, local, regras, limpeza etc. Atividades piedosas, tais como dar caridades, realizar sacrifícios, banhar-se nos lugares sagrados, cantar mantras védicos etc. são todos regulados por regras rígidas. Porém, o único pré-requisito para se cantar os santos nomes é a fé. Assim, qualquer um que se refugiar nos santos nomes com fé inquebrantável terá a garantia, no devido curso do tempo, de alcançar a máxima perfeição. O ser vivo na era de Kali deve tornar-se livre do engano, afiliando-se como membro da família de devotos do Senhor Krishna, para, continuamente dedicar-se a cantar os santos nomes. Deve-se aceitar tudo o que seja favorável à realização de serviço devocional e, ao mesmo tempo, deve-se ter a capacidade de rejeitar tudo o que seja espiritualmente desfavorável. Para tal, é imprescindível que se busque a associação dos devotos e se aprenda a utilizar adequadamente a vida, ouvindo, cantando e lembrando constantemente o santo nome do Senhor. Todas as demais práticas religiosas que sejam motivadas materialmente e todas as atividades piedosas que visam algum tipo de lucro material devem ser abandonadas. Ao mesmo tempo, nunca se deve adorar qualquer outra pessoa que não seja um verdadeiro representante do Senhor. Tampouco se deve pensar que exista algum ser vivo independente do Senhor Supremo. Agindo desse modo, e servindo os devotos enquanto sempre canta os santos nomes, certamente o amor pelo Senhor Krishna será obtido.