Livro 1 Poema escrito na parede do Bar 15 1 Ó dono do bar que possuis um espelho maravilhoso. Quanto queres por teu espelho? Dou um poema por ele. Numa balada, e não em prosa, quero bem explicar meu ato. Oferecer-te o meu retrato numa moldura toda em rosa. Como quem joga um limão verde lá na torre do Belém, meti uma bala na cabeça, mas errei o alvo: Estou salvo. Deu no cravo, deu na rosa, deu num beija-flor vermelho, deu também em teu espelho, deu no peito do meu bem. Ah, erra-se, sempre, o alvo quando se vai, como eu o fiz, pela cerração espessa, apagar uma estrela infeliz. Estrela que nunca se sabe onde está oculta, se no espaço, se na curva de um caminho, se dentro de um copo de vinho, se no céu, ou a que hora, antes ou depois que anoiteça, se no fundo de algum espelho, ou em nossa cabeça. 2 Por esse espelho, quantas vezes contemplaste, horas a fio, como num horizonte frio, o semblante dos teus fregueses! Fregueses que o cristal da Boêmia retratava, multiplicados dentro das mil e uma noites dos teus mil e um cuidados. Mas o teu grande, único ensejo, foi aquele em que conseguiste surpreender, através do espelho, certo pobre homem triste. No instante mesmo em que o vilão, sem refletir — mas refletido — pretendia esconder no bolso um pedaço de pão. Pão que colocas com amor sobre cada mesa — ao centro — como uma surpresa, dentro de um vidro em formato de flor. Ó dono do bar, que possuis espelho tão maravilhoso, sei que esse espelho policial é o teu cão, teu cão de cristal. Atento ao menor gesto ou ato de quem ouse sair, de repente, levando um pedaço de pão pela porta resplandecente! 3 Perdoa-me o ato insensato. Meti uma bala na cabeça, mas errei o meu horizonte, deu no cravo, deu na rosa, deu nas garrafas, nos copos, deu nas bandejas de prata, e ainda, atravessando a sala (como dirigi-la ou contê-la?), deu no teu espelho defronte que ficou com o sinal da bala estilhaçado na fronte, em forma de estrela. Ó dono do bar que possuis espelho tão maravilhoso Livro 1 e de reflexos tão azuis, quanto queres por teu espelho? — Dou um poema por ele!