Artigos Originais REVISTA PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO | 2009 | 02 7 ... 13 Radioterapia no tratamento da Acromegalia: uma casuística nacional Radiotherapy in the treatment of acromegaly: a national registry Sequeira Duarte4, Isabel Paiva1, Olinda Marques2, Luis Barreiros3, Luisa Cortez5, AP Marques6, Luis Sobrinho7, Fátima Borges8 e Grupo de Estudo dos Tumores da Hipófise S. Endocrinologia dos Hospitais: 1 U Coimbra 2 S. Marcos 3 Sta Maria 4 Egas Moniz 5 Curry Cabral 6 Pedro Hispano 7 IPO – Lisboa 8 GS.António Correspondência: J Sequeira Duarte › Serviço de Endocrinologia do Hospital de Egas Moniz › R. Junqueira, 126 › 1349-050 LISBOA › [email protected] RESUMO Introdução: Numa revisão recente, considerava-se haver ainda um papel para a radioterapia (RT) no tratamento da acromegalia. Aproximadamente 10-20% de todos os doentes com acromegalia poderão requerer RT para o controle hormonal ou do efeito de massa do tumor Objectivos: Avaliar a eficácia e a segurança da RT nos doentes com acromegalia em Portugal Material e Métodos: Estudo multicêntrico, retrospectivo com revisão dos resultados da RT nos doentes com acromegalia, tratados nos hospitais aderentes. Os dados foram analisados com o SPSS® e os resultados apresentados pela mediana e desvio padrão. Resultados: Recebemos 126 resultados de RTs dos 8 Centros participantes, com mediana de idade de 40,6 +/- 14 anos sendo 72% do sexo feminino. Quanto às dimensões 115 doentes apresentavam macro-adenomas, 4 micro-adenomas e 7 tamanho não especificado. A ImunoHisto-Química foi positiva para hormona de crescimento (GH) em 31 dos casos, em 23 para GH e prolactina (PRL), 20 plurihormonais e 74 casos não foram especificados. A cirurgia foi a primeira terapêutica em 100 dos doentes. Foi realizada por via transfenoidal em 75 dos casos. Em 4,8% a terapêutica médica foi a primeira opção e 6,5 % fizeram RT, antes da década de 1980 como 1ª terapêutica. O tipo de RT foi quase sempre convencional fraccionada. Foi necessário repetir a cirurgia em 31 doentes. Nestes apenas 4 foi por craneotomia. Na última observação 44 doentes estavam em remissão, 46 tinham persistência da doença e 36 tinham a doença controlada sob terapêutica médica. Os efeitos secundários da RT foram escassos e muitas vezes temporários como astenia, cefaleias e náuseas durante a RT e alopécia local que quase sempre resolveu passados alguns meses. Foram registados alguns efeitos permanentes: 5 AVCs em 4 dos doentes, em 2 alterações da memória. Os deficits cognitivos verificaram-se em 3 e 2 doentes apresentaram quadros psicóticos. Conclusões: Esta recolha de dados por ser incompleta tem limitada capacidade para explorar correlações. Sofre das dificuldades dos trabalhos retrospectivos mas não identifica elevada morbimortalidade da RT nos doentes com acromegalia em Portugal. PALAVRAS-CHAVE Radioterapia; Tratamento da acromegalia; Estudo multicêntrico; Retrospectivo; Portugal. © 2009 – SOCIEDADE PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO 7 Artigos Originais REVISTA PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO | 2009 | 02 SUMMARY Introduction: In a recent review it was considered that there is still a role for radiotherapy (RT) in the treatment of acromegaly. Approximately 10-20% of all patients with acromegaly may require RT for the control or the hormonal effect or the tumour mass. Objectives: To evaluate the efficacy and safety of RT in patients with acromegaly in the Portuguese registry of pituitary tumours. Material and Methods: A multicenter, retrospective review with the results of RT in patients with acromegaly, treated in participating hospitals. Data were analyzed with SPSS ®, and the results presented by the median and standard deviation. Results: We collect 126 cases of the 8 participating centres. Patients were aged 40.6 + / - 14 years and 72% were female. There were 115 patients with macro-adenomas, 4 micro-adenomas and 7 unspecified size. There was positive staining for growth hormone (GH) in 31 cases, 23 for GH and prolactin (PRL), 20 multi-hormonal and 74 cases were not specified. The surgery was the first therapy in 100 patients. Was performed by transfenoidal route in 75 cases. The medical therapy was the first option in 4.8% of patients and 6.5% had RT as a 1st treatment, before the 1980. The type of conventional RT was usually conventional fractioned. It was necessary to repeat the surgery on 31 patients. Only four per craniotomy. At last observation 44 patients were in remission, 46 had persistent disease and 36 had the disease controlled under medical therapy. Side effects of RT were scarce and often temporary: asthenia, headache and digestive symptoms during the RT and local alopecia that usually resolved after a few months. Some permanent effects were recorded: 5 of CVD in 4 patients, in 2 changes of memory. The cognitive deficits were found in 3 and 2 patients had psychotic disturbances Currently 10% of patients died, 61% are in action and 19% were lost for the follow-up. Conclusions: This data collection is still incomplete and so has limited ability to explore correlations. It has the limitations of all the retrospective analysis but does not identify high morbidity or mortality of RT in patients with acromegaly in Portugal. INTRODUÇÃO Os adenomas da hipófise correspondem a aproximadamente 15% dos tumores intracraneanos. As modalidades de tratamento incluem microcirurgia, terapêutica medicamentosa e radioterapia pois nenhuma é completamente satisfatória para todos os casos1. A microcirurgia é o tratamento primário realizado nos doentes com adenomas não-funcionantes e na maioria dos adenomas funcionantes 2,3. Nestes a excepção são os prolactinomas, cujo tratamento primário é baseado no uso de agonistas dopaminérgicos. Vários centros têm publicado trabalhos em populações diversas associando a correcção da hipersecreção de GH com a sobrevivência dos doentes com acromegalia4,5,6,7. Por 8 isso nas últimas décadas têm sido propostos como critérios de cura da doença, agora ditos de segurança, valores cada vez mais baixos de GH, levando com maior frequência à utilização de terapêuticas complementares à microcirurgia8,9. A radioterapia era até 2004 uma terapêutica de 3ª linha nas árvores de decisão10,11. Em 2004 a Associação Americana de Endocrinologistas Clínicos colocou a RT num 4º nível a seguir aos dos antagonistas da GH 12. No entanto numa revisão recente considerava-se haver ainda um papel para a radioterapia (RT) no tratamento da acromegalia13. Aproximadamente 10-20% de todos os doentes com acromegalia poderão requerer RT para o controle hormonal ou do efeito de massa do tumor. Na análise da casuística © 2009 – SOCIEDADE PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO Artigos Originais REVISTA PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO | 2009 | 02 nacional de adenomas da hipófise efectuada em 2004, foram identificados 593 doentes com acromegalia em seguimento14. OBJECTIVOS Neste estudo pretendemos avaliar a eficácia e a segurança da RT nos doentes com acromegalia em Portugal. MATERIAL E MÉTODOS Estudo multicêntrico, retrospectivo com revisão dos resultados da RT nos doentes com acromegalia, nos últimos 30 anos, tratados nos hospitais aderentes do Grupo de estudo dos tumores da hipófise. Seguimos os critérios de segurança de 2004 para considerar os doentes em remissão (GH < 2,5 μg/l, ou nadir da GH na PTGO < 1 μg/l e IGF- normal para a idade e sexo e sem lesão residual na ressonância). Os dados recolhidos segundo um formulário padronizado, elaborado para o efeito, foram analisados com o SPSS® e apresentados pela mediana e desvio padrão. RESULTADOS Recebemos 126 resultados de RTs dos 8 Centros participantes, com mediana de idade de 40,6 +/- 14 anos sendo 72% do sexo feminino. Quanto às dimensões 115 doentes apresentavam macro-adenomas, 4 microadenomas e 7 tamanho não especificado. A Imuno-Histo-Química foi positiva para hormona de crescimento (GH) em 31 dos casos, em 23 para GH e prolactina (PRL), 20 plurihormonais e 74 casos não foram especificados. A cirurgia foi a primeira terapêutica em 100 dos doentes. Foi realizada por via transfenoidal em 75 dos casos. Em 4,8% a terapêutica médica foi a primeira opção e 6,5 % fizeram RT, antes da década de 1980 como 1ª terapêutica. O tipo de RT foi quase sempre convencional fraccionada. Foi necessário © 2009 – SOCIEDADE PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO repetir a cirurgia em 31 doentes. Nestes apenas 4 foi por craneotomia. A mediana de seguimento foi de 13 anos (1 a 37 anos). Para controlo da hipersecreção de GH 48 doentes fizeram agonistas da dopamina, 70 análogos da somatostatina e 7 o novo antagonista dos receptores da GH, pegvisomant. Estas terapêuticas foram usadas sobretudo nos primeiros anos após a RT e puderam ser descontinuadas progressivamente à medida que os efeitos da RT se tornaram mais efectivos sobre a secreção hormonal. A RT foi usada em muitos casos por isso mais com a indicação do controlo do volume do que da hipersecreção hormonal. O tipo de RT foi o convencional, fraccionada de 22 a 33 sessões com 44 a 54 Gy no total, em 108 doentes. Em 9 doentes foi utilizada a radiocirurgia e em 2 a gama-Knife. Nos restantes 8 não foi especificado o tipo de RT. Controlo da secreção após a RT (Centro 4). GH GH <2,5 ng/ml nº Aos 10 anos após RT 10/20 Aos 20 anos após RT 4/9 Depois dos 20 anos 2/3 IGF1 Normal para sexo e idade Aos 10 anos após RT 3/10 Aos 20 anos após RT 3/5 Depois dos 20 anos 1/2 Controlo da secreção após a RT (Centro 4). GH GH ng/ml Pré RT 14,45 (9,5 a 38,4) Aos 10 anos após RT 6,3 (0,06 a 7,2) Aos 20 anos após RT 2,5 (1,0 a 3,4) Depois dos 20 anos 2,7 (0,9 a 2,6) % 50 44 66 % 30 60 50 IGF1 685 (583 a 810 443 (190 a 479) 143 (56 a 269) 283 (49 a 405) Quanto aos resultados da terapêutica, na última observação, 34% dos doentes encontram-se em remissão, em 30% apresentavam persistência de doença e 30% tinham a doença controlada sob terapêutica médica adicional. Os efeitos secundários foram escassos e muitas vezes temporários como astenia, cefaleias e náuseas durante a RT, e alopécia nos locais de aplicação da RT que quase sempre resolveu passados alguns meses. Em 1,6% dos doentes foram registadas alterações da memória, deficits cognitivos em 1,6% e AVC também 1,6%. 9 Artigos Originais REVISTA PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO | 2009 | 02 GRÁFICO 1: Resultados da Terapêutica segundo as dimensões do adenoma. Remissão D.Controlada Sob Terap D.Não Controlada 45 40 35 30 25 n 20 15 10 5 0 DISCUSSÃO n/Especif Micro Macro Dimensões A perda da função hipofisária restante é uma consequência esperada da RT. Nesta série o número de doentes com deficiência parciais da adeno-hipófise antes da RT era 27 e mais 32 desenvolveram deficiências das diferentes hormonas após a RT. Dos 24 doentes que apresentavam pan-hipopituitarismo na última observação, 10 já tinham uma deficiência parcial antes da RT. Efeitos sobre a função hipofisária. Total Pan-Hipo pré RT Pan-Hipo pos RT HipoPit pré RT HipoPit pos RT D. Insipida pré RT D. Insipida pos RT 126 nº 10 24 27 32 2 4 Actualmente já faleceram 14 doentes, 6 tiveram alta, perderam-se 17 e os restantes 89 estão em seguimento. 10 A correcção do excesso de GH e de IGF1 está associada em diversas séries a uma sobrevida semelhante à da população em geral, enquanto que os doentes que mantêm níveis elevados destas hormonas apresentam mortalidade acrescida, que nalgumas séries pode diminuir a sobrevida em cerca de 10 anos3,8. A prevalência de adenomas com ImunoHisto-Química positiva para GH e PRL, 19/53 casos, é superior à esperada15, mas em 71 doentes não foi especificada esta informação, porque os doentes não foram operados, ou porque não havia este dado disponível. Esta recolha de dados é ainda incompleta. Sofre das dificuldades dos trabalhos retrospectivos mas não identifica morbimortalidade relevante da RT, nos doentes com acromegalia em Portugal. Estamos em consonância com os últimos trabalhos de revisão publicados sobre este tema (Reino Unido, Coreia, Canadá, EUA 7,16,17,18. O registo inglês 7 referente a 1.840 doentes com acromegalia, dos quais 884 receberam irradiação convencional, está mais próximo do âmbito do presente estudo. Nele o nível médio da GH declinou de 13,5 para 5,3 ng / ml nos 2 anos após a irradiação, para 2,0 ng / ml por 10 anos, e para 1,1 ng / ml aos 20 anos. Vinte e dois por cento dos pacientes obtiveram um nível inferior a 2,5 ng / ml aos 2 anos, 60% aos 10 anos, e 77% aos 20 anos. O intervalo para alcançar este valor de GH dependia do nível prévio da GH. O IGF-I. baixou em paralelo com a GH com 63% dos doentes alcançando um nível normal aos 10 © 2009 – SOCIEDADE PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO Artigos Originais REVISTA PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO | 2009 | 02 anos. A proporção de doentes com novas deficiências hormonais hipofisárias aos 10 anos após a irradiação foi 18% para a LH / FSH, 15% para a ACTH, e 27% para a TSH. Não foram observados outros efeitos colaterais. A série coreana16 após uma média de seguimento de 36,7 meses, o volume tumoral aumentou apenas em 4 doentes (3,2%). A taxa de sobrevivência global de livre progressão da doença foi de 99% em 2 anos e 97% em 4 anos. Não foi observada nenhuma diferença entre o grupo que fez RT fraccionada e o que fez RT estereotáxica no crescimento tumoral. Com base nos resultados hormonais nos doentes que tinham adenomas secretores, em geral, a taxa de remissão completa foi de 26,2% em 2 anos e 76,3% em 4 anos. A mediana do tempo de remissão completa foi de 26 meses no grupo da RT estereotáxica e 63 meses no grupo da RT fraccionada (P = .0068). O hipopituitarismo desenvolveu-se como uma complicação tardia em 11,5% dos doentes com uma mediana de 84 meses. Numa série de um hospital canadiano tratados de 2000 a 200517, com uma mediana de seguimento de 24 meses (6-60 meses), o controlo local foi de 100%. Um doente teve resposta clínica completa. O tratamento foi bem tolerado em todos os doentes agudamente. Não foi observada neuropatia óptica induzida pela RT nem qualquer disfunção endócrina nos 13 doentes tratados. A série da Cleveland Clinic 18, com uma mediana de seguimento de 42,5 meses, o tratamento mostrou ser bem tolerado, com o status do adenoma permaneceu estável em 90% dos doentes. controle radiográfico foi de 89%, e entre os doentes com tumores secretores, 100% tiveram uma resposta bioquímica favorável. Apenas um doente necessitou cirurgia para a progressão do tumor, dando uma sobrevida livre de progressão clínica de 97% dos casos. O único doente que recebeu mais de 46 Gy teve uma neuropatia óptica 8 meses após a radiação. Um menor volume tumoral correlacionou-se significativamente com melhorias subjecti- © 2009 – SOCIEDADE PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO vas nas queixas neurológicas (p = 0,03) e um maior volume tumoral correlacionou-se significativamente com a deterioração dos sintomas visuais (p = 0,05). Nova suplementação hormonal foi necessária para 40% dos doentes. Os doentes mais jovens foram significativamente mais susceptíveis de necessitar de suplementação hormonal (p = 0,03). Tratando-se de uma casuística onde predominam os macroadenomas, podemos considerar um bom resultado, face às outras séries publicadas. Os valores de GH e IGF1 vão declinando em paralelo ao longo dos anos. Todavia porque só pudemos dispor de doseamentos de GH e IGF1 seriados ao longo dos anos de 1 centro devemos entender estes resultados com as naturais reservas. Vários autores têm tentado analisar a efectividade das novas metodologias de RT face à RT fraccionada convencional19,20,22.A publicação dos resultados das diferentes técnicas tratamento é quase sempre afectada por viés selecção. A RT convencional em doses fraccionadas de 45 a 50 Gy em 25 a 30 fracções, doses que estão abaixo da tolerância de radiação convencional estruturas normais circundantes da hipófise, incluindo o quiasma óptico, permitem o tratamento de adenomas da hipófise de todos os tamanhos, incluindo grandes tumores com extensão supra-selar ou frequentemente em estreita proximidade com as vias ópticas. O efeito nocivo das grandes doses de radiação nas estruturas normais obriga a que os doentes tratados com RT estereotáxica tenham pequenos tumores longe do quiasma óptico. Portanto, os resultados publicados foram obtidos em doentes que apresentam pequenos adenomas geralmente após a cirurgia radical. Numa série de um hospital inglês tratados de 1995 a 200319, com uma mediana de seguimento de 32 meses (intervalo de 4108) a taxa de sobrevida livre de progressão a 1, 3 e 5 foi de 99%, 98% e 98%, e a sobrevida global de 98%. Em três doentes houve progressão da doença requerendo cirurgia 5 meses, 1 ano e 9 anos após a RT estereotá- 11 Artigos Originais REVISTA PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO | 2009 | 02 xica. Nos adenomas secretores, os níveis hormonais diminuíram progressivamente, tornando-se normais em mais de um terço dos doentes com adenomas secretores de GH e PRL. O valor de 50% do nível basal de GH foi atingido em pouco menos de 2 anos. O tratamento foi bem tolerado com escassas complicações agudas. O hipopituitarismo foi o efeito secundário a longo prazo mais comum; 22% dos doentes apresentaram agravamento da função hipofisária. Um doente desenvolveu quadrantopsia unilateral sem progressão tumoral. Encontrámos 34% dos doentes em remissão e 30% têm a doença controlada sob terapêutica médica adicional. As terapêuticas farmacológicas foram usadas sobretudo nos primeiros anos após a RT e puderam ser descontinuadas progressivamente à medida que os efeitos da RT se tornaram mais efectivos sobre a secreção hormonal. A RT foi usada em muitos casos por isso mais com a indicação do controlo do volume do que da hipersecreção hormonal. 12 AGRADECIMENTOS A todos quantos colaboraram em cada um dos centros na revisão dos processos clínicos. © 2009 – SOCIEDADE PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO Artigos Originais REVISTA PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO | 2009 | 02 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Melmed S, Jackson I, Kleinberg D, Klibanski A 1998 Current treatment guidelines for acromegaly. J Clin Endocrinol Metab 83:2646–2652. 2. Bates A. Does treatment of acromegaly affect life expectancy ? Metabolism 1995; 44(1): 1-5. 3. Swearingen B. Long-Term Mortality after Transsphenoidal Surgery and Adjunctive Therapy for Acromegaly. J Clin Endocinol Met 1998; 83: 3419. 4. Abosch A, Tyrrell JB, Lamborn KR, Hannegan LT, Applebury CB, Wilson CB 1998 Transsphenoidal microsurgery for growth hormonesecreting pituitary adenomas: initial outcome and long-term results. J Clin Endocrinol Metab 83:3411–3418. 5. J. Ayuk, R. N. Clayton, G. Holder, M. C. Sheppard, P. M. Stewart and A. S. Bates. Growth Hormone and Pituitary Radiotherapy, But Not Serum Insulin-Like Growth Factor-I Concentrations, Predict Excess Mortality in Patients with Acromegaly. J. JCEM 2004; 89: 1612-7. 6. Rajasoorya C, Holdaway IM, Wrightson P, Scott DJ, Ibbertson HK 1994 Determinants of clinical outcome and survival in acromegaly. Clin Endocrinol (Oxf). 41:95–102. 7. Jenkins PJ, Bates P, Carson MN, Stewart PM, Wass JA, on behalf of the UK National Acromegaly Register Study Group. Conventional pituitary irradiation is effective in lowering serum growth hormone and insulin-like growth factor-I in patients with acromegaly.J Clin Enocrinol Metab 2006; 91:1239-45. 8. Holdaway IM, Rajasoorya CR, Gamble GD, Stewart AW. Long-term treatment outcome in acromegaly. Growth Horm IGF Res. 2003 Aug;13(4):185-92. 9. Chanson P, Salenave S. Acromegaly. Orphanet J Rare Dis. 2008 Jun 25;3:17. 10. Clemmons DR, Chihara K, Freda PU, Ho KK, Klibanski A, Melmed S, Shalet SM, Strasburger CJ, Trainer PJ, Thorner MO. Optimizing control of acromegaly: integrating a growth hormone receptor antagonist into the treatment algorithm. J Clin Endocrinol Metab. 2003 Oct; 88(10):4759-67. 11. AACE Acromegaly Guidelines, Endocr Pract. 2004;10 No. 3. 12. Colao A, Pivonello R, Cappabianca P, Vitale G, Lombardi G. The treatment algorithm of acro- © 2009 – SOCIEDADE PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. megaly. J Endocrinol Invest. 2003;26(8 Suppl):39-45. Monson JP: Is There Still a Role for Radiotherapy in Acromegaly? Neuroendocrinology 2006;83:269-273. Isabel Paiva, Cristina Ribeiro, Leonor Gomes, Davide Carvalho, Sequeira Duarte, Eduardo Barreiros, Luís Barreiros, Fátima Borges, Luísa Cortez, Ana * Santos, Luís Sobrinho, Olinda Marques, Ana P Marques, Maritza Sa Zulmira, Jorge. Abstracts of The Endocrine Society’s 88th Annual Meeting – Endo 2006. Acromegaly – Portuguese epidemiology data. Asa SL, Kovacs KT, Melmed S. Functional anatomy of the hypothalamic pituitary axis. In: Melmed S, editor. The Pituitary. 2. Malden, Mas, USA: Blackwell Science Inc; 2002. pp. 3–44. Kong DS, Lee JI, Lim do H, Kim KW, Shin HJ, Nam DH, Park K, Kim JH. The efficacy of fractionated radiotherapy and stereotactic radiosurgery for pituitary adenomas: long-term results of 125 consecutive patients treated in a single institution. Cancer. 2007 Aug 15;110(4): 854-60. McClelland S 3rd, Higgins PD, Gerbi BJ, Orner JB, Hall WA. Fractionated stereotactic radiotherapy for pituitary adenomas following microsurgical resection: safety and efficacy.Technol Cancer Res Treat. 2007 Jun;6(3):177-80. Mackley HB, Reddy CA, Lee SY, Harnisch GA, Mayberg MR, Hamrahian AH, Suh JH. Intensitymodulated radiotherapy for pituitary adenomas: the preliminary report of the Cleveland Clinic experience.Int J Radiat Oncol Biol Phys. 2007 Jan 1;67(1):232-9. Epub 2006 Nov 2. Devisetty K, Chen LF, Chmura SJ. Evolving use of radiotherapy and radiosurgery in the treatment of pituitary adenomas.Expert Rev Anticancer Ther. 2006 Sep;6 Suppl 9:S93-8. Review. Selch MT, Gorgulho A, Lee SP, Mattozo C, Solberg TD, Agazaryan N, DesallesAA. Stereotactic radiotherapy for the treatment of pituitary adenomas.Minim Invasive Neurosurg. 2006 Jun;49(3):150-5. Prasad D. Clinical results of conformal radiotherapy and radiosurgery for pituitary adenoma.Neurosurg Clin N Am. 2006 Apr;17(2): 129-41, vi. Minniti G, Traish D, Ashley S, Gonsalves A, Brada M. Fractionated stereotactic conformal radiotherapy for secreting and nonsecreting pituitary adenomas.Clin Endocrinol (Oxf). 2006 May;64(5):542-8. 13 Artigos Originais Artigos Originais REVISTA PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO | 2009 | 02 15 ... 26 Tumores Neuroendócrinos do Tubo Digestivo: Casuística do IPO do Porto Digestive Neuroendocrine Tumors: experience from IPO-Porto Ana P. Santos1, M. Portocarrero2, R. Martins1, J. Couto1, A. P. Barbosa1, C. Sanches3, I. Azevedo4, T. Amaro5, L. Bastos6, M. J. Sousa7, R. Silva8, I. Torres1 1 2 3 4 5 6 7 8 Serviço de Endocrinologia, Clínica de Tumores Endócrinos, Instituto Português de Oncologia, E.P.E., Porto Centro de Estudos de Tumores Endócrinos (CETE), Porto Oncologia Cirúrgica, Clínica de Tumores Endócrinos, Instituto Português de Oncologia, E.P.E., Porto Oncologia Médica, Clínica de Tumores Endócrinos, Instituto Português de Oncologia, E.P.E., Porto Anatomia Patológica, Clínica de Tumores Endócrinos, Instituto Português de Oncologia, E.P.E., Porto Medicina Nuclear, Clínica de Tumores Endócrinos, Instituto Português de Oncologia, E.P.E., Porto Radiologia de Intevenção, Clínica de Tumores Endócrinos, Instituto Português de Oncologia, E.P.E., Porto Gastroenterologia, Clínica de Tumores Endócrinos, Instituto Português de Oncologia, E.P.E., Porto Correspondência: Ana Paula Santos › IPO-Porto › Rua António Bernardino Almeida, 4200-072 PORTO › [email protected] Aceitação: Artigo recebido em 04/12/2009, revisto em 24/12/2009 e aceite para publicação em 27/12/2009. RESUMO Introdução: Os tumores neuroendócrinos digestivos são um grupo heterogéneo de tumores com características secretoras que resultam da transformação neoplásica das células neuroendócrinas dispersas pelo tubo digestivo. Embora sejam tumores raros (0,5% das neoplasias malignas), representam 62-67% dos tumores neuroendócrinos (TNE). O aumento exponencial da sua incidência nas últimas duas décadas, bem como o desenvolvimento de técnicas mais apuradas para o seu diagnóstico e tratamento, levaram a um interesse crescente da comunidade científica por estes tumores. Métodos: Os autores avaliaram retrospectivamente os dados de 135 TNE-GEP (gastroenteropancreaticos), admitidos na nossa Instituição entre 1986 e 2008. Resultados: A idade média era de 58,0±15,4 anos, registando-se um ligeiro predomínio do sexo masculino (51,9%). Em 53,1% o tumor primitivo estava localizado no tracto gastrointestinal e em 33,8% no pâncreas. Não foi possível localizar o primário em 13,1% dos doentes. A maioria (61,1%) eram tumores não funcionantes. Cerca de 1/3 dos casos correspondiam a tumores funcionantes. Em 49 doentes foi doseada a Cromogranina A (11,0-25620,0; N<134ng/mL). Na altura do diagnóstico, 53,6% apresentavam metastização loco-regional e 60,0% metástases à distância (100% no fígado; 13,3% no osso e 12,0% em outros locais). O cintilograma com análogos da somatostatina (Octreoscan®) foi positivo em 72,9% (n=86); o cintilograma com 131I-MIBG foi positivo em 33,3% (n=42). O PET-FDG mostrou fixação em 9/10 casos. Foram operados 86 doentes, embora em 56 casos a cirurgia fosse apenas citoredutora. Nos tumores em que foi possível a classificação da OMS (n=89), 45,8% eram carcinomas neuroendócrinos bem diferenciados (grau 2); 38,6% tumores bem diferenciados (grau 1) e 15,7% carcinomas pouco diferenciados (grau 3). Em relação à terapêutica biológica, 46 doentes fizeram análogos da somatostatina e 12 interferon. Os casos mais avançados foram ainda submetidos a embolização e quimioembolização hepática, radiofrequência e quimioterapia. A sobrevida gobal aos 5 anos foi de 50,7%, dependendo sobretudo da classificação OMS (p=0,01). Os tumores funcionantes e os tumores endócrinos pancreáticos apresentaram sobrevidas inferiores aos não produtores e aos do tubo gastrointestinal, embora as diferenças não tivessem atingido significado estatístico. © 2009 – SOCIEDADE PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO 15 Artigos Originais REVISTA PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO | 2009 | 02 Conclusão: Por ser uma instituição oncológica, são referenciados ao IPO do Porto, casos de TNE mais graves, o que condiciona a taxa de sobrevida, apesar de se ter registado uma melhoria global dos cuidados prestados a estes doentes nos últimos 10 anos. É necessário, no entanto, melhorar os nossos procedimentos diagnósticos e terapêuticos de acordo com as normas internacionais para reduzir a mortalidade, sobretudo nos carcinomas bem diferenciados, aqueles em que a evolução da doença é mais insidiosa. PALAVRAS-CHAVE Tumores neuroendócrinos; Digestivos; Casuística. ABSTRACT Background: Gastroenteropancreatic neuroendocrine tumours (GEP-NET) are a heterogeneous group of neoplasms with secretory characteristics, originating from neoplastic transformation of neuroendocrine cells widely distributed through digestive tract. Although they are rare (accounting for 0.5% of all cancers), GEP-NET represent 62-67% of neuroendocrine tumours (NET). Both increasing incidence and more accurate diagnostic procedures led to an increasing attention from scientific community. Method: We retrospectively reviewed data of 135 GEP-NET patients who were admitted to our institution between 1986 and 2008. Results: The mean age of presentation was 58.1±15.4 years, with a slight male predominance (51.9%). Primitive tumour was located in gut in 51.8% of cases, and in pancreas in 35.6%. Primary tumour has not been localized in 13.16% of patients. Most of these tumours (61.1%) were non-functioning. Chromogranin A was determined in 49 patients (11.0-25620.0; N<134ng/mL). At the time of diagnosis, 53.6% had locally advanced disease and 60.0%, distant metastases (100% in liver, 13.3% in bone and 12% in other places). Somatostatin receptor scintigraphy showed fixation in 72.9% of patients (n=86). I-MIBG was positive in 33.3% of 131 cases (n=42) and PET-FDG in 9/10 patients. Although 86 patients were submitted to surgery, non curative debulking was the purpose in 65.2% of them. According to the WHO classification of NET, 45.8% of tumors were well differentiated endocrine carcinomas (grade 2), 38.6% were well differentiated endocrine tumors (grade 1) and 15.7% were poorly differentiated endocrine carcinomas (grade 3). Biotherapy with somatostatin analogues were used in 46 patients and interferon in 12. Advanced metastized cases were submitted to liver embolization, chemoembolization or radiofrequency and also chemotherapy. Overall 5y-survival was 50.7%, depending essentially on WHO classification (p=0.01). Factors such as hypersecretion and primitive localized to pancreas had lower survival, but without statistic significance. Conclusion: Although an improvement in the care of these patients was observed over the last 10 years, as an oncologic institution we receive the most severe cases. It is still necessary to improve our diagnostic and therapeutic skills, according to international guidelines in order to reduce mortality that is still high, especially in the case of grade 2 carcinomas, those with the slowest evolution. KEYWORDS Neuroendocrine tumors; Digestive; Gastroenteropancreatic. 16 © 2009 – SOCIEDADE PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO Artigos Originais REVISTA PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO | 2009 | 02 INTRODUÇÃO Os tumores neuroendócrinos digestivos (TNED) são um grupo heterogéneo de tumores com características secretoras que resultam da transformação neoplásica das células neuroendócrinas dispersas pelo tubo digestivo. Embora sejam tumores raros (0,5% das neoplasias malignas), representam 6267% dos tumores neuroendócrinos (TNE)1. No entanto, a sua prevalência na população em geral (estimada actualmente em 2,5-5 casos/100 000 hab/ano)2,3 encontra-se frequentemente subestimada, uma vez que as estatísticas das autópsias demonstram uma prevalência muito superior à detectada nos estudos com doentes vivos4. O despertar da comunidade científica para estes tumores surgiu a partir de meados da década de 80, essencialmente com a introdução da terapêutica com análogos da somatostatina para inibição da hipersecreção hormonal. O esforço efectuado na classificação da doença, bem como a utilização de técnicas mais apuradas de diagnóstico e terapêutica, parecem ser responsáveis pelo aumento de incidência de 1,09 para 5,25 / 100 000 habitantes nos EUA nas duas últimas décadas5. Com efeito, enquanto a incidência dos tumores malignos não endócrinos nesse período parece ter estabilizado ou mesmo ter tendência a diminuir, no caso dos tumores neuroendócrinos, tem aumentado exponencialmente5. Existe alguma controvérsia ainda, quanto ao facto de esse aumento da incidência ser real, e se relacionar com a obesidade e factores relacionados com o tipo de alimentação adoptado pelos países mais industrializados. Outros factores de risco parecem ser a idade jovem, o sexo feminino e a diabetes tipo2 nos carcinoides gástricos6. A complexidade dos TNE deriva não só de poderem ter origem nas diversas áreas do tubo digestivo onde existem células neuroendócrinas, como serem frequentemente capazes de produzir hormonas e/ou péptidos responsáveis por um quadro clínico que varia de acordo com a secreção dominante7. © 2009 – SOCIEDADE PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO A constituição de equipas multidisciplinares para a sua abordagem diagnóstica e terapêutica contribuiu significativamente para a existência de casuísticas com capacidade de produzir resultados com significado estatístico, e permitiu que a European Neuroendocrine Tumor Society (ENETS), constituída em 2004, publicasse em 2006 e 2008, normas para o seguimento destes tumores. O Serviço de Endocrinologia do IPO do Porto (IPOP) manifestou desde 1995 grande interesse por esta patologia, tendo criado em 1999 uma Consulta Multidisciplinar de Tumores Endócrinos, numa tentativa de centralizar e uniformizar a sua abordagem (entre outros tumores endócrinos). Em 2006 foi constituída a Clínica de Tumores Endócrinos para a qual foram destacados profissionais de várias áreas com interesse pelos tumores endócrinos. Os autores apresentam a casuística dos TNE do tubo digestivo admitidos no IPO do Porto no período de 1986-2008. DOENTES E MÉTODOS Foram analisados retrospectivamente os processos relativos aos doentes com diagnóstico de TNED, obtidos através dos registos da Consulta Externa de Endocrinologia, da Consulta de Grupo Multidisciplinar de Tumores Endócrinos e da Anatomia Patológica, no período compreendido entre 1986 e 2008 (23 anos). Depois de excluídos os casos em que o diagnóstico não foi confirmado ou cujos processos apresentavam informação insuficiente, a casuística do IPOP incluiu 135 doentes dos quais foram colhidos dados relativos à idade, sexo, data de admissão, presença de hipersecreção hormonal, localização do tumor primário (TP), metastização loco-regional (LR) e/ou à distância (MTD), marcadores tumorais (MT), cintilograma com análogos da somatostatina (cintilograma com análogos SS) e/ou 131I- MIBG, terapêutica cirúrgica, classificação da OMS, terapêutica médica (bioterapia e/ou QT) e sobrevida. 17 Artigos Originais REVISTA PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO | 2009 | 02 O doseamento de 5-HIAA foi efectuado por HPLC (Reagente 5) e a Cromogranina A (CgA) por RIA (Eurodiagnóstica)*. Em 66% dos tumores, a maioria dos quais corresponde a casos diagnosticados a partir de 2000, foi possível utilizar a classificação da OMS na orientação terapêutica8: o grau 1 correspondendo a TNE bem diferenciados (TEBD), ki67<2%; o grau 2 a carcinoma neuroendócrino bem diferenciado (CEBD); ki67 ≥2<20% e o grau 3 a carcinoma neuroendócrino pouco diferenciado (CEPD); ki67≥20%. A % ki67 foi determinada por imunohistoquímica (DakoCytomation, Denmark). O tratamento estatístico foi realizado com a versão 16.0 do SPSS. Os testes utilizados incluíram o teste de Mann-Whitney e Kruskal-Wallis (comparação de variáveis categóricas e contínuas) e a sobrevida foi calculada pelo método de Kaplan-Meier (teste de Breslow e Log Rank para comparação entre variáveis). RESULTADOS A Fig. 1 regista a evolução do número de doentes com TNE-GEP observados no IPO do Porto ao longo de 23 anos: FIG. 1: Evolução do número de doentes admitidos no IPOP A idade média era de 58,0±15,4 anos, registando-se um ligeiro predomínio do sexo masculino (51,9%). Em 53,1% o TP estava localizado no tracto gastro-intestinal (TEGI, tumor endócrino gastro-intestinal) e em 33,8% no pâncreas (TEP, tumor endócrino pancreático). Não foi possível localizar o primário em 13,1% dos doentes (Fig. 2). Dos TEGI, a maioria eram carcinóides do intesti- FIG. 2: Localização do tumor do tumor primário (n=135) no delgado (ID) e do estômago, correspondendo respectivamente a 26 e 22 casos. Ao contrário das séries relativas a hospitais gerais onde são efectuadas apendicectomias de urgência, registamos apenas 3 casos de carcinóides do apêndice. No que respeita ao tubo digestivo baixo, a maioria dos tumores localizava-se no recto (10 casos), o dobro dos casos detectados no cólon (5 casos). Dos carcinóides gástricos, 10 eram do tipo 3 e 9 casos do tipo 1, não tendo sido identificados doentes com o tipo 2, geralmente hereditário, associado ao Síndrome de ZollingerEllison (SZE) e enquadrado na Neoplasia Endócrina Múltipla tipo 1 (NEM1). Foi possível obter dados relativos à secreção hormonal em 113 doentes. Cerca de 40% dos tumores eram funcionantes, na sua maioria carcinóides produtores de serotonina (33), seguidos dos gastrinomas (3). Registamos apenas dois casos de insulinomas (malignos). Em relação aos tumores funcionantes mais raros, encontramos 2 glucagonomas, 2 VIPomas, 2 somatostatinomas (diagnóstico clínico baseado na tríade do somatostatinoma: esteatorreia, litíase biliar e diabetes mellitus) e um carcinoma neuroendócrino do pâncreas produtor de ACTH (Fig.3). A maioria dos tumores com primário desconhecido era funcionante, produtor de serotonina (9 doentes), correspondendo provavelmente a carcinóides do ID. Nos 53 doentes aos quais foi doseada, a CgA variou entre 11-25,620 ng/mL (nr <134). O 5-HIAA médio era de 67,8±38,8 mg/24h (nr = 2,0-9,0), tendo sido pedido a 84 doentes. Na altura do diagnóstico, 53,6% apresentavam metastização LR e 60,0% MTD; * Endoclab, Porto 18 © 2009 – SOCIEDADE PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO Artigos Originais REVISTA PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO | 2009 | 02 FIG. 3: Hipersecreção Hormonal (n=113) FIG. 4: Metastização (n=113) sendo 100% localizadas no fígado, 13,3% no osso e 12,0% em outros locais como o pulmão, órbita e supra-renal (Fig.4). O cintilograma com análogos da SS foi realizado em 86 doentes, tendo mostrado fixação em 72,9%. O cintilograma com 131 I-MIBG foi realizado em 42 doentes, sendo positivo em 33,3%. O PET-FDG foi positivo em 90% dos 10 doentes a quem foi pedido, 4 dos quais com CEPD e cintilograma com análogos SS negativo. A cirurgia foi curativa em apenas 17,4% dos 86 doentes operados, uma vez que nos restantes 56 casos só foi possível uma cirurgia cito-redutora que incluiu 6 casos submetidos a metastasectomia hepática. Nos 89 tumores (66,0%) em que foi realizada IHQ (Fig.5), 45,8% foram classificados como CEBD; 38,6% eram TEBD e 15,7% CEPD. De acordo com o algoritmo terapêutico estabelecido pela ENETS em função da classificação histológica da OMS, foram submetidos a terapêutica biológica 45 doentes com CEBD, 36 dos quais fizeram análogos da somatostatina, 2 interferon e 10 terapêutica combinada com ambos os fármacos. Foi realizada terapia ablativa das metástases hepáticas a 23 doentes, que incluiu embolização da artéria hepática (n=17), quimioembolização (n=4) e radiofrequência (n=2). Foram submetidos a QT, 23 doentes com CEPD ou com CEBD em progressão, a maioria tratados com cisplatino e etopósideo (n=12). Em Janeiro de 2009, 50,4% dos doentes estavam vivos, 42,0% tinham falecido e 7,6% tinham sido perdidos para follow-up. A sobrevida global aos 5 anos foi de 50,7%. Embora sem significado estatístico, a sobrevida mais baixa ocorreu nos carcinomas com primário desconhecido, tendo sido inferior nos TEP quando comparada com os TEGI (TEGI 56,1% vs TEP 43,0% vs. desconhecido 37,4%; p=0,45). A presença de hipersecreção hormonal relacionou-se com uma sobrevida mais baixa, também estatisticamente não significativa (funcionante 46,8%, não funcionante 49,8%; p=0,5). No entanto, registamos diferenças significativas (p=0,01) no tempo de sobrevida aos 5 anos em função da classificação da OMS dos tumores (82,8% grau 1 vs. 71,1% grau 2; nenhum caso com grau 3 atingiu 5 anos de sobrevida). FIG. 6: Análise de sobrevida FIG. 5: Classificação OMS (n=89) © 2009 – SOCIEDADE PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO 19 Artigos Originais REVISTA PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO | 2009 | 02 DISCUSSÃO Embora a casuística dos TNE apresentada inclua casos diagnosticados desde 1986, só com a constituição no IPO do Porto de uma equipa multidisciplinar dedicada à patologia, foi possível uma tentativa de uniformização diagnóstica e terapêutica. Foi este “embrião” (pioneiro em Portugal) e que posteriormente deu origem à Clínica de Tumores Endócrinos, a primeira a pedir sistematicamente o doseamento de CgA e o cintilograma com análogos da SS no diagnóstico e seguimento destes tumores, a utilizar a classificação da OMS8 para delinear a estratégia terapêutica em função do grau de proliferação (com a introdução progressiva da IHQ com determinação da % ki67, a partir de 2004) e a realizar por sistema terapêuticas ablativas das metástases hepáticas nos doentes com carcinomas bem diferenciados. Em 2006 e 2008 foram publicadas normas internacionais para o seguimento destes tumores (ENETS, 2006-2008)9,10, que têm sido progressivamente implementadas no IPO do Porto, o que contribuiu decisivamente para uma uniformização da abordagem diagnóstica e terapêutica da patologia. Como é dado observar na Fig.1, o aumento exponencial do nº de doentes admitidos desde 1986 traduz bem o prestígio que esta instituição tem vindo a adquirir ao diferenciar-se nesta área. A idade média na altura do diagnóstico (58,0±15,4 anos) é ligeiramente inferior (64±15,0 anos) àquela observada no maior estudo epidemiológico até agora publicado e que se baseia na estatística obtida do programa SEER 17 (Surveillance, Epidemiology and End Results, 2000-2004) nos EUA5. Em relação ao sexo, a proporção entre indivíduos do sexo masculino e feminino sobrepõe-se, com um ligeiro predomínio do sexo masculino (1,1). No entanto, o referido estudo inclui os TNE do pulmão e timo (mais frequentes nos homens), sendo que a nossa casuística se refere apenas aos TNED. Por outro lado, o facto de não existir urgência 20 aberta ao exterior no IPO do Porto, contribui para o reduzido número de carcinóides do apêndice, diagnosticados na sequência de uma apendicite aguda, que são mais frequentes nas mulheres entre a 4ª e a 5ª década de vida11. Ainda em relação à localização do tumor primitivo verificamos que na nossa casuística, são mais frequentes os carcinóides intestinais (26 casos com origem no ID, 10 no recto e 5 no cólon), tal como descrito na literatura1. Em segundo lugar situam-se os carcinóides gástricos (22 doentes), cuja incidência tem vindo a aumentar, sobretudo o tipo 1, detectada ocasionalmente no decurso de uma EDA realizada para estudo de anemia ou queixas gástricas inespecíficas. Embora o assunto ainda esteja envolvido numa grande controvérsia, alguns estudos apontam a utilização generalizada de inibidores da bomba de protões (IBPs) como um contributo importante para o aumento a incidência destes tumores, uma vez que, ao inibir a secreção de HCl, aumentam a secreção de gastrina, com estimulação trófica das células neuroendócrinas do corpo e fundo gástrico12. A maioria (60%) dos casos da nossa instituição com TNED não era funcionante, o que está de acordo com a literatura13. Salvaguarda-se no entanto, que alguns tumores hiperfuncionantes possam estar sub-diagnosticados uma vez que, sobretudo antes de 2000, não era feita uma avaliação sistemática da secreção hormonal. Muitas vezes o diagnóstico é histológico, efectuado após a cirurgia, não sendo possível a avaliação hormonal pré-operatória. Apesar disso e, sobretudo depois de a especialidade de Endocrinologia ter sido envolvida no seguimento desta patologia, foi possível diagnosticar 33 carcinóides, 4 gastrinomas (3 do pâncreas e 1 do duodeno) e 6 tumores pancreáticos funcionantes raros (TPFR), dos quais 2 somatostatinomas e 1 VIPoma foram classificados retrospectivamente com base na apresentação clínica da doença (tríade do somatostatinoma e síndrome Werner-Morrisson, respectivamente). Nos © 2009 – SOCIEDADE PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO Artigos Originais REVISTA PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO | 2009 | 02 restantes casos, 2 insulinomas, 2 glucagonomas, 1 VIPoma e 1 ACTH-oma, a suspeita clínica foi confirmada analiticamente. A dificuldade em confirmar por estudo genético, a presença de mutações no gene MEN1 não permitiu encontrar carcinoide gástricos tipo 2 e gastrinomas de origem hereditária. No entanto, a história familiar destes doentes era negativa e não havia evidência sugestiva de outros TE (nomeadamente hiperparatiroidismo), muito embora a idade de diagnóstico antes dos 30 anos em 2 casos, tenha levantado a suspeita de se tratar de uma neoplasia endócrina múltipla. A maioria dos TNE cujo primitivo não foi identificado (60%) era funcionante, com elevação do 5HIAA, e correspondia provavelmente a carcinóides derivados do intestino médio que não tinham sido localizados. É de salientar que a utilização recente da ecoendoscopia e da videoendoscopia por cápsula tem permitido a localização mais frequente do tumor primário nestes casos. O doseamento de CgA para diagnóstico e monitorização da resposta terapêutica14 começou a ser pedido em 2001, inicialmente de um modo irregular e, a partir de 2004, de um modo sistemático. O doseamento de 5HIAA na urina de 24h é pedido a todos os doentes com TNE, sobretudo do ID e nas metástases de primário desconhecido. Os resultados da nossa casuística no que concerne à presença de metástases na altura do diagnóstico, coincide com as estatísticas internacionais15. Apresentavam MTD 60% dos casos, 100% dos quais localizadas no fígado, sendo na maioria dos casos a forma de apresentação inicial da doença. Foi diagnosticada metastização extra-hepática em 18% dos doentes, sobretudo no osso (11 casos), mas também no pulmão, suprarenais e órbita. Em 53,6% dos casos foram encontradas metástases nos gânglios linfáticos regionais, quer nos exames de estadiamento pré-operatório, quer durante o acto cirúrgico. A frequência de gânglios metastizados é superior à descrita para os TEP15. Com a utilização dos análogos da soma- © 2009 – SOCIEDADE PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO tostatina para controlo dos sintomas e para inibição da hipersecreção hormonal desde meados da década de 80 do século passado, a sobrevida dos TNED aumentou significativamente de 18 para 67%16, estando indicada nos carcinomas neuroendócrinos sintomáticos e secretores, quando fixam os análogos da SS. Além disso, o estudo PROMID publicado em 2009, veio contribuir para a confirmação do efeito anti-proliferativo dos análogos da SS (neste caso do octreotídeo LAR), demonstrando uma estabilização da doença em 67% doentes com CEBD não funcionantes do intestino médio tratados com 30 mg i.m. cada 4 semanas comparativamente com 37% dos doentes tratados com placebo17. A utilização sistemática no IPO do Porto, desde 2000, do cintilograma com análogos da SS com o objectivo de localizar o tumor primitivo, estadiar a doença e avaliar a capacidade de resposta à terapêutica com análogos da somatostatina, veio permitir não só diagnosticar alguns tumores ocultos (raramente), como seleccionar os candidatos à referida terapêutica. O cintilograma com análogos da SS, foi positivo em 72,9% dos doentes aos quais foi efectuado (n=86), o que permitiu iniciar terapêutica em 41 casos (60,5%) de CNBD funcionantes ou em CNPD com sintomas de hipersecreção hormonal18. Uma vez que está descrito que alguns TNED possuem receptores para o 131I-MIBG19, foi pedida cintigrafia com este radiofármaco a 42 doentes, concomitantemente com o cintilograma com análogos da SS ou nos casos em que este foi negativo, numa tentativa de avaliar a possibilidade de terapêutica com 131 I-MIBG, uma arma terapêutica eficaz e de custo relativamente pouco elevado, quando comparado com outros tratamentos. No entanto, apesar de este ter sido positivo em 33,3% foram propostos para tratamento, poucos doentes. Embora ainda não possamos ainda dispor de PET com marcadores específicos para os TNE, tal como o 5-hidroxitriptofano (5-HT-PET/CT), o (68)Ga-DOTATOC-PET/CT e o 18-Fluor-DOPA-PET/CT20,21 recorremos ao PET-FDG (disponível na nossa 21 Artigos Originais REVISTA PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO | 2009 | 02 Instituição desde 2004) nos CEPD com o intuito de estadiar a doença, sobretudo se não apresentavam fixação no cintilograma com análogos da somatostatina, uma vez que são as neoplasias com alto índice proliferativo que apresentam maior avidez para a fluoro-desoxiglucose. Na nossa casuística, o PET-FDG foi pedido em 10 doentes, tendo sido positivo em 90%. Nos 4 casos com de CEPD e cintilograma com análogos da SS negativo, o PET-FDG foi positivo em todos os doentes. Uma vez que mais de metade dos casos apresentava MTD na altura do diagnóstico, as cirurgias foram curativas em muito poucos casos. Na realidade, a maioria das cirurgias realizadas foi cito-redutora (82,6%). Antes de 1995, estes carcinomas eram tratados como os adenocarcinomas, isto é, a presença de metástases constitua contra-indicação cirúrgica, avançando-se para terapêutica sistémica, que incluía invariavelmente QT. Quando estes tumores passaram a ser avaliados e tratados por uma equipa vocacionada para os tumores endócrinos passou a fazer-se cirurgia cito-redutora (incluindo metastasectomias hepáticas) e a utilizar outro tipo de terapêuticas, nomeadamente bioterapia e terapêutica ablativa das metástases hepáticas (sobretudo embolização da artéria hepática e, mais recentemente radiofrequência). Pensamos no entanto, que as cirurgias poderão vir a ser ainda mais radicais, sobretudo nos casos de CEBD, aqueles que têm uma evolução mais lenta e para os quais estão indicadas várias modalidades terapêuticas, uma vez que a diminuição da massa tumoral inicial permite uma maior eficácia da terapêutica médica e se relaciona directamente com a sobrevida livre de doença22,23. Aos doentes com TEBD incompletamente ressecados ou CEBD, funcionantes, positivos no cintilograma análogos da SS foi instituída terapêutica com análogos da somatostatina no sentido de controlar os sintomas e inibir a secreção tumoral. Mais recentemente, e sobretudo após a publicação dos 22 resultados do estudo PROMID17 temos proposto esta terapêutica em casos seleccionados de CEBD não funcionantes, sobretudo com origem no intestino médio, positivos no cintilograma análogos da SS. A partir do final da década de 90, adoptamos as indicações internacionais que preconizavam a associação o Interferon-α (INF-α) com os análogos da SS (10 casos)24. Estudos posteriores levantaram dúvidas acerca dos benefícios da associação. Em 2003, um trabalho publicado por Faiss25, não conseguiu demonstrar um aumento da sobrevida dos doentes que fizeram terapêutica combinada com lanreótido e INF-α, em relação aos que foram submetidos a análogos da somatostatina em monoterapia, com menor qualidade de vida, devido aos efeitos laterais do INF-α. Por esse motivo deixamos de prescrever a associação. Mais recentemente, Fazio26, numa revisão sobre este assunto, conclui que a associação não parece trazer benefícios, excepto se houver progressão da doença em monoterapia. Abandonamos também a quimioembolização da artéria hepática (n= 4) em favor da embolização simples (n=17), uma vez que vários estudos demonstraram que os benefícios não compensavam o risco de efeitos adversos no primeiro caso27,28. A nossa experiência com radiofrequência para tratamento ablativo das metástases hepáticas é ainda reduzida (apenas 2 casos na altura em que foi efectuada esta revisão). Na maior série publicada sobre tratamento de metástases hepáticas de TNED com RF por via laparoscópica29,30 os autores concluíram que se tratava de um método eficaz no alívio dos sintomas e no controlo local da doença, nos casos de doença metastática agressiva, sem outras alternativas terapêuticas. Outras técnicas ablativas como a crioablação, termocoagulação com laser ou a injecção de etanol, nunca foram por nós adoptadas, uma vez que a literatura considera os seus resultados duvidosos e os efeitos laterais importantes27. Em relação aos 23 doentes submetidos a © 2009 – SOCIEDADE PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO Artigos Originais REVISTA PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO | 2009 | 02 QT sistémica, alguns foram propostos antes de ser efectuada por sistema a classificação da OMS, apenas porque se encontravam metastizados. Mais recentemente, a QT é proposta na nossa Clínica com indicações mais precisas e de acordo com as normas internacionais31: a combinação cisplatino/etoposídeo nos CEPD ou nos CEBD bem diferenciados em que se verifica progressão da doença, com desdiferenciação do tumor e a combinação de 5-fluoruracilo (5-FU) com estreptozotocina (STZ) nos TEP em que se verifica progressão da doença, apesar das terapêuticas mais conservadoras. A sobrevida média global aos 5 anos foi de 50,7%, inferior à sobrevida média de 67,2% referida na literatura32. Este resultado, não é decerto alheio ao facto de sermos uma Instituição Oncológica que recebe, portanto casos mais graves (é raro, como foi referido, serem admitidos doentes com carcinóides do apêndice ou insulinomas, com excepção de raros casos, mais agressivos). Quando analisamos a sobrevida em função da localização do tumor, os TEP apresentam uma sobrevida inferior aos TEGI (43% vs. 56,1% aos 5 anos), o que está de acordo com a literatura internacional, que atribui pior prognóstico aos TEP15,33,34, embora no nosso caso, a diferença não seja significativa (p=0,45). Já nos carcinomas cujo primitivo não foi encontrado, a sobrevida aos 5 anos é inequivocamente mais baixa (37,4%), reflectindo provavelmente uma certa heterogeneidade nas opções terapêuticas. Apesar de os estudos não serem consensuais, os tumores funcionantes parecem apresentar sobrevidas mais longas, uma vez que a detecção da síndrome de hipersecreção hormonal permite o tratamento em fases mais precoces da doença15,33. Na nossa casuística, embora as diferenças encontradas não apresentem significado estatístico, os tumores funcionantes sobrevivem menos tempo que os não funcionantes (sobrevida 5 anos 46,8 vs 49,8%; p=0,50), o que poderá ser explicado também pelo facto de, mesmo os TEP com hipersecreção hormonal se © 2009 – SOCIEDADE PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO terem apresentado em fases muito tardias, já com metástases à distância, como foi o caso dos insulinomas, da maioria dos gastrinomas e do carcinoma produtor de ACTH. No que respeita à sobrevida em função da classificação da OMS35, os nossos achados não oferecem dúvidas: enquanto os tumores classificados como grau 1 apresentam uma sobrevida aos 5 anos de 82,8%; apenas 71,1% com CEBD (grau2 da OMS) estão vivos ao fim desse tempo. Mais importante ainda, é o facto de sobreviverem durante cerca de sete anos e a partir dessa altura a doença progredir rapidamente para a morte (Fig.6). Os nossos doentes com CNPD (grau 3 da OMS) comportam-se como adenocarcinomas, tal como descrito na literatura, com sobrevidas inferiores a cinco anos. CONCLUSÃO A criação no Instituto Português de Oncologia do Porto, da Consulta de Grupo Multidisciplinar de Tumores Endócrinos em 1999, e posteriormente, da Clínica de Tumores Endócrinos em 2006, surgiu da necessidade de uma abordagem abrangente de todos os tumores endócrinos seguidos pela instituição e que se encontravam dispersos por várias unidades, nomeadamente os TNE-GEP, que eram seguidos pela unidade de patologia digestiva, para onde não estava destacado nenhum endocrinologista. No que respeita a este tipo particular de tumores endócrinos, as medidas institucionais tomadas foram da maior importância para uma abordagem sistemática e multidisciplinar do diagnóstico e da terapêutica, com claros benefícios para o doente, o que se vem traduzindo por um número crescente de casos referenciados, reflectindo o prestígio desta Clínica na comunidade médica, sobretudo do Norte do país. No entanto, apesar dos progressos obtidos e da evolução positiva observada, a sobrevida média dos doentes é ainda baixa, pelo que é necessário continuar a envidar esforços no sentido 23 Artigos Originais REVISTA PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO | 2009 | 02 de uma abordagem diagnóstica e terapêutica segundo o estado da arte das normas internacionais. Só deste modo será possível, não só prolongar a vida, mas também garantir uma razoável qualidade de vida, uma vez que estes tumores, mais do que quaisquer outros, pelas suas características intrínsecas, apresentam uma evolução muito insidiosa que se associa a um bom estado geral, permitindo a utilização de um manancial terapêutico único, com o objectivo de permitir prolongar a vida com poucos danos para o doente, sobretudo quando se trata de casos com CEBD, aqueles em que este investimento se revela mais gratificante. 24 BIBLIOGRAFIA 1. Modlin IM, Champaneria MC, Chan AK, Kidd M. A three-decade analysis of 3,911 small intestinal neuroendocrine tumors: the rapid pace of no progress. Am J Gastroenterol 2007;102(7):1464-73. 2. Modlin IM, Oberg K, Chung DC, Jensen RT, de Herder WW, Thakker RV, Caplin M, Delle Fave G, Kaltsas GA, Krenning EP, Moss SF, Nilsson O, Rindi G, Salazar R, Ruszniewski P, Sundin A. Lancet Oncol. 2008;9(1):61-72. 3. Hauso O, Gustafsson BI, Kidd M, Waldum HL, Drozdov I, Chan AK, Modlin IM. Neuroendocrine tumor epidemiology: contrasting Norway and North America. Cancer. 2008; 113(10):2655-64. 4. Berge T, Linell T. Carcinoid tumors. Frequency in a defined population during a 12-year period. Actha Pathol Microbiol Scand (A) 1976;84:322-330. 5. Yao, J. C., M. Hassan, et al. One hundred years after "carcinoid": epidemiology of and prognostic factors for neuroendocrine tumors in 35,825 cases in the United States. J Clin Oncol 2008; 26(18): 3063-3072. 6. Hassan MM, Phan A, Li D, Dagohoy CG, Leary C, Yao JC. Risk factors associated with neuroendocrine tumors: A U.S.-based case-control study. Int J Cancer 2008; 123(4):867-873. 7. Kaltsas GA, Besser GM, Grossman AB. The diagnosis and medical management of advanced neuroendocrine tumors. Endocrine Reviews 2004; 25(3):458-511. 8. Solcia E, Kloppel G, Sobin LH. World Health Organization International Histological Classification of Endocrine Tumours. Histological Typing of Endocrine Tumours 2nd. Edn. 2000 9. ENETS Consensus Guidelines for the Management of Patients with Digestive Neuroendocrine Tumors. Part 1- Stomach, Duodenum and Pancreas. Neuroendocrinology 2006; 84(3): 152-216. 10. ENETS Consensus Guidelines for the Management of Patients with Digestive Neuroendocrine Tumors. Part 2 – Midgut and Hindgut tumors. Neuroendocrinology 2008; 87(1):1-63.152-216. 11. Plöckinger U, Couvelard A, Falconi M, Sundin A, Salazar R, Christ E, de Herder WW, Gross D, Knapp WH, Knigge UP, Kulke MH, Pape UF; © 2009 – SOCIEDADE PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO Artigos Originais REVISTA PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO | 2009 | 02 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. Frascati Consensus Conference Participants. Consensus guidelines for the management of patients with digestive neuroendocrine tumours: well-differentiated tumour/carcinoma of the appendix and goblet cell carcinoma.Neuroendocrinology.2008; 87(1):20-30. Hodgson N, Koniaris LG, Livingstone DF. Gastric Carcinoids: A temporal increase with proton pump introduction. Surg endosc 2005; 19:1610-1612. Vinik AI, perry RR: Neoplasms of the Gastroenteropancreatic Endocrine System. Chap 103. In: Cancer Medicine, 4th Ed. Vol.1. Holland JF, et al. Baltimore. Williams& Wilkins:1605-1641, 1997. Campana D, Nori F, Piscitelli L, Morselli-Labate AM, Pezzilli R, Corinaldesi R, Tomassetti P. Chromogranin A: is it a useful marker of neuroendocrine tumors? J Clin Oncol 2007; 25(15):1967-1973. Panzuto F, Nasoni S, Falconi M, Corleto VD, Capurso G, Cassetta S, Di Fonzo M, Tornatore V, Milione M, Angeletti S, Cattaruzza MS, Ziparo V, Bordi C, Pederzoli P, Delle Fave G. Prognostic factors and survival in endocrine tumor patients: Comparison between gastrointestinal and pancreatic localization. EndocrineRelated Cancer 2005; 12:1083. Anthony LB, Martin W, Delbeke D, Sandler M. Somatostatin receptor imaging: predictive and prognostic considerations. Digestion. 1996;57 (Suppl 1):50-3. Rinke A, Müller HH, Schade-Brittinger C, Klose KJ, Barth P, Wied M, Mayer C, Aminossadati B, Pape UF, Bläker M, Harder J, Arnold C, Gress T, Arnold R; PROMID Study Group. Placebo-controlled, double-blind, prospective, randomized study on the effect of octreotide LAR in the control of tumor growth in patients with metastatic neuroendocrine midgut tumors: a report from the PROMID Study Group. J Clin Oncol 2009; 27(28): 4635-6. Santos Ana P, Bacelar MC, Barrondo J, Canelhas A, Teixeira Gomes J, Salcedo I. Octreotide as supportive treatment in adult nesidioblastosis and metastatic multysecretory pancreatic tumor. Serono Symposia Publications from Raven Press. Recent advances on hypoglycemia 1992; 89:215-18. Ezziddin S, Logvinski T, Yong-Hing C, Ahmadzadehfar H, Fischer HP, Palmedo H, Bucerius J, Reinhardt MJ, Biersack HJ. Factors © 2009 – SOCIEDADE PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO 20. 21. 22. 23. 24. 25. 26. 27. 28. predicting tracer uptake in somatostatin receptor and MIBG scintigraphy of metastatic gastroenteropancreatic neuroendocrine tumors. J Nucl Med 2006; 47(2):223-33. Rufini V, Calcagni ML, Baum RP. Imaging of neuroendocrine tumors. Semin Nucl Med 2006; 36(3): 228-47. Goldsmith SJ. Update on nuclear medicine imaging of neuroendocrine tumors. Future Oncol 2009; 5(1):75-84. Schurr PG, Strate T, Rese K, Kaifi JT, Reichelt U, Petri S, Kleinhans H, Yekebas EF, Izbicki JR. Aggressive surgery improves long-term survival in neuroendocrine pancreatic tumors: an institutional experience. Ann Surg 2007; 245(2): 273-81. Pape UF, Böhmig M, Berndt U, Tiling N, Wiedenmann B, Plöckinger U. Survival and clinical outcome of patients with neuroendocrine tumors of the gastroenteropancreatic tract in a german referral center. Ann N Y Acad Sci 2004; 1014:222-33. Oberg K. Interferon in the management of neuroendocrine GEP-tumors: a review. Digestion. 2000; 62 (Suppl 1):92-7. Faiss S, Pape UF, Böhmig M, Dörffel Y, Mansmann U, Golder W, Riecken EO, Wiedenmann B; International Lanreotide and Interferon Alfa Study Group. Prospective, randomized, multicenter trial on the antiproliferative effect of lanreotide, interferon alfa, and their combination for therapy of metastatic neuroendocrine gastroenteropancreatic tumors-the International Lanreotide and Interferon Alfa Study Group. J Clin Oncol 2003; 21(14):2689-96. Fazio N, de Braud F, Delle Fave G, Oberg K. Interferon-alpha and somatostatin analog in patients with gastroenteropancreatic neuroendocrine carcinoma: single agent or combination? Ann Oncol 2007; 18(1):13-9. Steward MJ, Warbey VS, Malhotra A, Caplin ME, Buscombe JR, Yu D. Neuroendocrine tumors: role of interventional radiology in therapy. Radiographics. 2008; 28(4):1131-45. Gupta S, Johnson MM, Murthy R, Ahrar K, Wallace MJ, Madoff DC, McRae SE, Hicks ME, Rao S, Vauthey JN, Ajani JA, Yao JC. Hepatic arterial embolization and chemoembolization for the treatment of patients with metastatic neuroendocrine tumors: variables affecting response rates and survival. Cancer 2005; 104(8):1590-602. 25 Artigos Originais REVISTA PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO | 2009 | 02 29. Elvin A, Skogseid B, Hellman P. Radiofrequency ablation of neuroendocrine liver metastases. Abdom Imaging 2005; 30(4):427-34. 30. Mazzaglia PJ, Berber E, Milas M, Siperstein AE. Laparoscopic radiofrequency ablation of neuroendocrine liver metastases: a 10-year experience evaluating predictors of survival. Surgery 2007; 142(1): 10-9. 31. Vilar E, Salazar R, Pérez-García J, Cortes J, Oberg K, Tabernero J. Chemotherapy and role of the proliferation marker Ki-67 in digestive neuroendocrine tumors. Endocr Relat Cancer. 2007; 14(2): 221-32. 32. Modlin IM, Lye KD, Kidd M. A 5-year decade analysis of 13,715 carcinoid tumors. Cancer 2003; 97:934-59. 33. Halfdanarson TR, Rubin J, Farnell MB, Grant CS, Petersen GM. Pancreatic endocrine neoplasms: epidemiology and prognosis of pancreatic endocrine tumors. Endocr Relat Cancer. 2008;15(2): 409-27. 34. Pape UF, Berndt U, Müller-Nordhorn J, Böhmig M, Roll S, Koch M, Willich SN, Wiedenmann B. Prognostic factors of long-term outcome in gastroenteropancreatic neuroendocrine tumours. Endoc Rel Cancer 2008; 15(4):1083-1087. 35. Ekeblad S, Skogseid B, Dunder K, Oberg K, Eriksson B. Prognostic factors and survival in 324 patients with pancreatic endocrine tumor treated at a single institution.Clin Cancer Res 2008; 14(23):7798-7803. 26 © 2009 – SOCIEDADE PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO Artigos Originais REVISTA PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO | 2009 | 02 27 ... 37 Hábitos Alimentares numa Pequena Comunidade Rural da Ilha de Santiago de Cabo Verde Dietary Habits in a Small Rural Community of Santiago Cape Verde Island Carlos Ferreira Couto1, Ana Paula Santos2 Centro de Estudos Africanos - Universidade do Porto (CEAUP), Doutorado em Estudos Africanos (ISCTE, Lisboa) Assistente Graduada de Endocrinologia, Mestre em Oncologia (ICBAS/IPO, Porto/Universidade Thomas Jefferson, EUA) 1 2 Correspondência: Carlos Ferreira Couto › Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto-FLUP › Via Panorâmica s/n, 4150-564 Porto › [email protected] Aceitação: Artigo recebido em 29/11/2009, revisto em 05/12/2009 e aceite para publicação em 06/01/2010. RESUMO Objectivo: A população rural de Santiago de Cabo Verde enfrenta alguns problemas nutricionais relativamente ao conteúdo energético, vitaminas e minerais da dieta. A quantidade de proteínas ingeridas é adequada sendo, no entanto, maioritariamente de origem vegetal. A proposta dos autores consiste em relacionar o padrão de ingestão alimentar santiaguense com a lógica das subsistências rurais e da adaptabilidade das populações aos estímulos externos (efeitos globalizantes). Método: Partindo de um inquérito simples de uma pequena comunidade de pastores e horticultores na zona semi-árida de Santiago de Cabo Verde foi aplicado o questionário às mulheres dos chefes de família e às mulheres chefes de família (solteiras), que incidiu, entre outros, sobre os itens relativos ao número de refeições diárias, frequência de ingestão alimentos dos diferentes grupos e destino dos animais de criação. A análise dos dados salientou a importância do género e actividade principal do chefe de família. Resultados: O predomínio de hidratos de carbono e leguminosas na dieta confirma-se na população estudada, assim como uma baixa ingestão de proteínas de origem animal, fruta e vegetais. Os animais de criação são consumidos apenas ocasionalmente, em acontecimentos festivos, sendo reservados para venda para situações de crise. O arroz e o óleo vegetal importados vêm sendo cada vez mais utilizados na preparação das refeições, em detrimento do milho, mandioca e banha de porco, constituintes da alimentação tradicional. Conclusão: Existe uma relação entre os hábitos alimentares e a lógica das subsistências rurais que podem contrariar ou incentivar o sentido da mudança desses hábitos. Esse sentido é configurado pelo poder de adaptabilidade do sistema rural à transformação dos seus próprios elementos (auto-organizadores) e à influência de factores externos como os mecanismos da ajuda alimentar monetarizada. PALAVRAS-CHAVE Adaptabilidade; Subsistências rurais; Hábitos alimentares. ABSTRACT Objective: Rural population of Santiago of Cape Verde is facing some nutritional problems. Protein intake is adequate but essentially vegetal. The authors’ approach correlate the social and economic status of the head of the family with the food intake pattern of 28 families of two rural villages © 2009 – SOCIEDADE PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO 27 Artigos Originais REVISTA PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO | 2009 | 02 of Santiago, and their ability to adapt themselves to external stimuli. Design: We started with a simple survey to a small community of shepherds and farmers living in the semi-drought area of Santiago of Cape Verde. Target population included the head of the families’ wives and the single women head of families. Items like number of daily meals, intake of food from the different groups of aliments and usage of food of animal origin were covered. Data analysis highlighted the importance of gender and the main activity of the head of the family. Results: We confirmed the predominance of carbohydrates and leguminous in the dietary habits. A low intake of animal proteins, fruits and vegetables is also pointed out. Food of animal origin is only consumed in festivities or sold in periods of economic crisis as a means of survival. Imported rice and vegetal oil are being increasingly used instead of maize and pork fat that previously characterised the traditional dietary habits. Conclusion: There is a relationship between the nutritional habits and the strategy of rural subsistence. The latter can either stimulate or oppose the trends of the change in habits. These are configured in the adaptation ability of the rural system to the change of its own elements (self organised) and to the influence of globalising effects such as the mechanisms of the monetary food aid. KEYWORDS Adaptability; Rural subsistence; Dietary habits. INTRODUÇÃO O regime alimentar da população caboverdiana é em geral, pobre e pouco diversificado. No final da década de 80, um estudo efectuado por Rocha1 mostra que embora a distribuição calórica total da dieta tradicional seja muito próxima da preconizada internacionalmente, é deficiente em termos de alguns micro nutrientes como o ferro, a vitamina A e o iodo. Na distribuição calórica da dieta desta população, os cereais forneciam 58,8% da energia e as leguminosas secas 11,6%. As proteínas constituíam 11,7% do conteúdo energético, sendo na sua maioria proteínas de origem vegetal (8,8%) ao passo que as proteínas de origem animal eram consumidas em pequena quantidade (2,9%). A cachupa, o prato tradicional cabo-verdiano, é um guisado composto à base de milho e feijão ao qual, segundo as possibilidades económicas do agregado familiar, e as condições climatéricas da época, se juntam legumes, peixe ou carne. A cachupa rica, rara na mesa deste povo, é um prato culinário muito completo, uma vez que respeita as percentagens reco- 28 mendadas pela OMS2 em relação aos diferentes grupos alimentares (55-75% de hidratos de carbono, 10-15% de proteínas, sendo 6-9% de origem vegetal, e 15-30% de gorduras). O milho, o alimento base da alimentação tradicional dos cabo-verdianos, é o único cereal produzido internamente, atendendo às características climatéricas e do solo3. Apesar de fornecer energia, é pobre em proteínas, em vitaminas e cálcio. Instintivamente, os cabo-verdianos compensam essa deficiência combinando o milho com feijão, mais rico nesses nutrientes e a seguir ao milho, a principal cultura de sequeiro3. Outros produtos que fazem parte da agricultura tradicional são a batata-doce, a mandioca (culturas de sequeiro), a cana-deaçúcar e a banana (culturas de regadio). A alimentação baseada em hidratos de carbono é uma opção condicionada pelos fracos recursos alimentares e baseia-se intuitivamente nas necessidades energéticas de um povo com uma actividade física intensa3. Já em 1957, Teixeira de Sousa4 se referia ao baixo consumo de carne, principalmente àquela que deriva da morte dos animais © 2009 – SOCIEDADE PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO Artigos Originais REVISTA PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO | 2009 | 02 domésticos, resultando numa extrema pobreza do Factor das Proteínas Animais (Animal Protein Factor). Embora a actividade silvopastoril constitua um potencial económico forte, é limitada por constrangimentos relacionados com as situações de seca, a falta de recursos humanos e dificuldades institucionais. O consumo de carne pelas unidades familiares é reduzido, pelo que a criação de animais, sobretudo dos bovinos, funciona como um reservatório de moeda que é utilizada em casos de crise económica, estando o consumo reservado praticamente aos dias de festa5. Embora a deficiência de proteínas de origem animal seja compensada até certo ponto pela elevada ingestão de proteínas vegetais, o mesmo não se pode dizer em relação à carência de ferro. Este mineral é fornecido essencialmente pela carne e, apesar de o feijão ser relativamente rico neste micronutriente, não consegue colmatar as necessidades diárias, levando a situações de anemia crónica, que embora possa permanecer mascarada pela adaptação do organismo aos baixos níveis de hemoglobina e pelo difícil acesso aos cuidados primários de saúde, geralmente se declara durante a gravidez. Apesar de o peixe constituir um dos principais recursos económicos do país que tem uma zona económica exclusiva de 800 000 m2, na altura da aplicação do inquérito (em 2002) a sua produção era baixa, correspondendo a 2% do PIB no período de 2001-20033. No entanto, o seu consumo era relativamente elevado em relação à carne (26,2 kg/hab em 2000), sendo a principal fonte de proteínas animais na alimentação da população cabo-verdiana3. A fruticultura, sobretudo o cultivo de banana, manga, papaia e, em menor grau os citrinos e o abacate, fornece cerca de 8 600 toneladas/ano. Apesar disso, a ingestão de fruta, outra fonte de micronutrientes é baixa, sendo produzida essencialmente com fins comerciais. A agravar o problema da deficiência de micronutrientes, acrescenta-se ainda a escassez de ingestão de legumes3,4. © 2009 – SOCIEDADE PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO A gordura utilizada na preparação culinária tradicional de Cabo Verde é a banha de porco, das melhores gorduras para cozinhar, já que se mantém estável aquando do sobreaquecimento, não se degradando em substâncias irritantes e tóxicas, como acontece, por exemplo, com os óleos vegetais polinsaturados6. Contudo, o reduzido abate dos animais, associado à ajuda alimentar monetarizada, tem vindo a contribuir para a substituição da banha pelos óleos alimentares (cujo acesso é facilitado pelo salário das frentes de trabalho) na confecção das refeições7. MÉTODO Em Santiago de Cabo Verde, a cerca de 15 km da capital, visitamos em 2002, duas pequenas comunidades rurais contíguas, Tinca e Dobe, constituídas por 28 famílias de horticultores e criadores de gado. Foi por nós elaborado um inquérito alimentar qualitativo simples, com o objectivo de caracterizar os hábitos alimentares do agregado familiar em termos do número de refeições diárias, frequência de ingestão de componentes dos diversos grupos alimentares e modo de preparação culinária. O preenchimento do inquérito foi efectuado também pelos autores, através de uma entrevista individualizada às mulheres do chefe de família e às mulheres chefes de família nas suas casas, de modo a não haver interferência nas respostas umas das outras. A escolha do elemento feminino baseou-se no facto de serem quase exclusivamente as mulheres a confeccionar as refeições. Uma vez que a matrifocalidade (isto é, agregados chefiados por mulheres e onde o homem está ausente) é muito frequente neste país, quer devido à emigração como ao elevado número de mães solteiras, muitas vezes a mulher inquirida coincidia com o chefe de família7. O agregado familiar foi considerado como um todo, uma vez que naquelas populações as refeições ainda são na maio- 29 Artigos Originais REVISTA PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO | 2009 | 02 ria dos casos efectuadas em família. Foram definidos pelos autores seis grupos, segundo a actividade económica principal do chefe de família, baseados na constatação no “terreno” da grande diversidade das suas actividades, que se constituem como gestores de recursos mínimos5,7: funcionários-assalariados (I), horticultores-criadores de gado (II), funcionários-horticultores (III), trabalhadores rurais-frentes de trabalho (IV), domésticas-rabidantes (V) e pensionistas (VI). Os dados do inquérito foram relacionados com a actividade principal do chefe de família. RESULTADOS / REFLEXÃO 1. CARACTERÍSTICAS GERAIS DA POPULAÇÃO ESTUDADA A idade média das inquiridas era de 43 anos, com idades compreendidas entre 23 e 81 anos. O número de filhos médio era de 4,6 (0-13). Em 21,4% dos casos os agregados eram constituídos por mulheres chefes de família. A grande maioria dessas mulheres vivia em união de facto (75%). Eram casadas ou viúvas 10,7% e uma inquirida estava divorciada (3,6%). A actividade das mulheres chefes de família distribuía-se do seguinte modo: 53,6% eram domésticas, 14,3% assalariadas das FAIMO (Frente de Alta Intensidade de Mão-de-obra), 14,3% horticultoras/rabidantes*, 10,7% exclusivamente rabidantes e 7,1% funcionárias assalariadas. No Quadro I podemos observar a distribuição da actividade principal do chefe de família (APCF), independentemente do seu sexo. Como podemos verificar, as actividades mais representativas dos chefes de família eram as que envolviam trabalho por conta de outrem e, por isso, o assalariamento é a forma mais evidente de rendimento familiar. QUADRO I: Definição dos grupos segundo a APCF GRUPO ACTIVIDADE PRINCIPAL I Funcionários / Assalariados II Horticultores / Criadores de Gado III Funcionário / Horticultor IV Trabalhadores Rurais / FAIMO V Doméstica / Rabidante VI Pensionista n 7 4 2 8 5 2 % 25,0 14,3 7,1 28,6 17,9 7,1 2. NÚMERO DE REFEIÇÕES DIÁRIAS A grande maioria das famílias (71,4%) fazia apenas 3 refeições por dia. Embora o inquérito efectuado fosse qualitativo e não tivesse como objectivo uma caracterização exaustiva de cada uma das refeições, foi possível apercebermo-nos durante a entrevista da pouca diversidade dos alimentos ingeridos. O pequeno-almoço era constituído pelo “café da manhã”, bolachas e cachupa refogada da véspera nas famílias com mais rendimentos. O leite (maioritariamente em pó) estava reservado quase exclusivamente ao pequeno-almoço das crianças. O almoço baseava-se na ingestão de arroz “pintado” (com feijão) e, nalgumas famílias chefiadas por mulheres, pensionistas e trabalhadores assalariados, o jantar não era mais do que uma repetição do almoço. Nos agregados de maiores possibilidades, ao jantar era servida a cachupa mais ou menos enriquecida. De qualquer modo, apercebemo-nos que mesmo quando a cachupa levava carne, peixe ou legumes, as porções destes alimentos eram diminutas. No entanto, quando estratificámos o nº refeições em função da actividade do chefe de família (Quadro II), verificamos que eram os grupos com actividades económicas que permitiam maior acesso à moeda (Funcionário / Assalariado e Horticultor / Criador), que se alimentavam maior número de vezes por dia (mais de três), sendo os únicos grupos que faziam quatro refeições diárias. * Rabidantes: vendedeiras de peixe e fruta porta-a-porta e no mercado da cidade da Praia. 30 © 2009 – SOCIEDADE PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO Artigos Originais REVISTA PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO | 2009 | 02 QUADRO II: Nº refeições diárias vs. APCF Grupo Actividade principal Nº refeições n (%) (n) ≤≤2 >2≤3 >3 I (7) Funcionários/Assalariados 4(57,1) 3(42,9) II (4) Horticultores / Criadores de Gado 3(75) 1(25) III (2) Funcionário / Horticultor 2(100) IV (8) Trabalhadores Rurais / FAIMO 1(12,5) 7(87,5) V (5) Doméstica / Rabidante 2(40) 3(60) VI (2) Pensionista 1(50) 1(50) - 3. CONSUMO DE CEREAIS Da análise da Fig. 1 pode concluir-se que nesta população, o arroz era o principal cereal presente na alimentação (a totalidade das famílias comiam arroz diariamente), seguida do feijão (ingerido diariamente por 64,3% das famílias). O milho e a mandioca eram consumidos com menos frequência; apenas 28,6% dos agregados ingeria milho diariamente e a mandioca quase nunca era utilizada (82,1% referia comer mandioca ocasional/raramente). FIG. 1: Consumo de Cereais Quando analisamos a distribuição do consumo de mandioca consoante a actividade do chefe de família, verificamos que apenas uma família (a proprietária de loja que abastecia uma das comunidades) declarou consumir diariamente mandioca, embora outro agregado do grupo I também o fizesse frequentemente. QUADRO III: Consumo de cereais vs. APCF Grupo Actividade principal Consumo Mandioca n(%) (n) Frequente Ocasional Raro I (7) Funcionários/Assalariados 2(28,6) 1(14,3) 4(57,1) II (4) Horticultores / Criadores de Gado 1(25) 3(75) III (2) Funcionário / Horticultor 1(50) 1(50) IV (8) Trabalhadores Rurais / FAIMO 1(12,5) 7(87,5) V (5) Doméstica / Rabidante 1(20) 4(80) VI (2) Pensionista 2(100) © 2009 – SOCIEDADE PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO Pelo contrário, nos grupos com menos acesso à moeda, como os trabalhadores das FAIMO, os pensionistas e as domésticas, a mandioca era ocasional ou raramente consumida (Quadro III). 4. CONSUMO DE PROTEÍNAS DE ORIGEM ANIMAL Na Fig. 2 são apresentados os resultados obtidos em relação ao consumo de proteínas de origem animal. O peixe e ovos obtidos das galinhas de criação eram a principal fonte de proteínas de origem animal das famílias das duas povoações (consumidos diariamente por 60,7% e 39,3% dos agregados, respectivamente). Embora fosse consumida ocasional ou raramente (64,2%), de todos os animais de criação, a galinha era aquele que mais frequentemente era abatido para consumo próprio (28,6% dos agregados consumiam galinha semanalmente e 3,6% diariamente). Em relação às carnes de porco, cabra e vaca, o seu consumo era de um modo geral escasso. Os animais eram abatidos apenas em dias de festa ou em ocasiões especiais, pelo que uma elevada percentagem de agregados referiu consumir rara ou ocasionalmente carne proveniente destes animais (81,2% para o porco, 86,1% para a cabra e 75% para a vaca). FIG. 2: Consumo de Proteína de Origem Animal Mais uma vez, foram os grupos IV, V e VI aqueles que menos frequentemente ingeriram carne de origem animal, sobretudo de vaca e cabra (Quadro IV). O grupo I, dos funcionários/assalariados com ordenado fixo, foi aquele que consumiu mais vezes carne de vaca, que geralmente era comprada no mercado na 31 Artigos Originais REVISTA PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO | 2009 | 02 QUADRO IV: Consumo de proteínas de origem animal vs. APCF Grupo (n) Porco n (%) Cabra n (%) Vaca n (%) Freq. Ocasional Raro Freq. Ocasional Raro Freq. Ocasional Raro I (7) 2(28,6) 2(28,6) 3(42,8) 2(28,6) 2(28,6) 3(42,8) 4(57,1) - 3(42,9) II (4) 1(25) 2(50) 1(25) 1(25) 1(25) 2(50) 1(25) 1(25) 2(50) III (2) - 1(50) 1(50) - 1(50) 1(50) 1(50) - 1(50) IV (8) - 2(25) 6(75) - - 8(100) 1(12,5) 1(12,5) 6(75) V (5) 1(25) - 4(75) - - 5(100) - - 5(100) VI (2) 1(25) 1(25) - 1(50) - 1(50) - - 2(100) cidade. Embora este grupo fosse aquele que mais frequentemente criava vacas (uma ou duas por agregado), como tinha algum poder de compra, preferia comprar a carne para consumo, uma vez que o objectivo da criação de bovinos era essencialmente o de possuir um “bem” de reserva, para vender em situações de crise. De salientar que muitas das vezes as repostas positivas em relação à ingestão de carne de porco se referiam apenas ao “toucinho” salgado vendido na loja ou no mercado, que era usado no refogado. 5. CONSUMO DE LEGUMES E FRUTAS O consumo de legumes e fruta era, de um modo geral raro. O tomate era o legume mais utilizado (74,1% dos agregados) sobretudo nos refogados, sendo muito raramente usado em cru, nomeadamente em saladas. Apesar de tudo, quer os grupos que incluíam os assalariados, quer os que eram constituídos por horticultores utilizavam FIG. 3: Consumo de Legumes e Fruta mais o repolho, uma vez que a ele tinham mais acesso, não só porque tinham mais poder de compra, mas porque possuíam horta. Dos frutos, era a banana o fruto mais consumido (por 35,7% das famílias). A manga e papaia eram consumidas mais raramente, apesar de se registar uma elevação da percentagem relativa, à medida que aumentavam as possibilidades económicas do agregado familiar. Com efeito, a papaia era usada com frequência na alimentação de metade das famílias do grupo dos funcionários/assalariados e dos funcionários/horticultores, sendo os chefes de família do Grupo I os únicos que diziam comer papaia frequentemente. QUADRO V: Consumo de Legumes e Fruta vs. APCF Grupo (n) Repolho* n (%) Manga n (%) Papaia n (%) Freq. Ocasional Raro Freq. Ocasional Raro Freq. Ocasional Raro I (7) 2(28,6) 3(42,8) 2(28,6) 2(28,6) 2(28,6) 3(42,8) 4(57,1) - 3(42,9) II (4) 1(25) 2(50) 1(25) 1(25) 1(25) 2(50) 1(25) 1(26) 2(50) III (2) 1(50) 1(50) - - 1(50) 1(50) 1(50) 0 1(50) IV (7) 1(12,5) 48(50) 2(25) - - 8(100) 1(12,5) 1(12,5) 6(75) V (5) 1(20) 1(20) 3(60) - - 5(100) - - 5(100) VI (2) - - 2(100) 1(50) - 1(50) - - 2(100) * não responde 1(12,5) 32 © 2009 – SOCIEDADE PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO Artigos Originais REVISTA PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO | 2009 | 02 Os grupos II, IV e VI, praticamente nunca comiam este tipo de fruta. Em relação ao Grupo V, que inclui as rabidantes, uma vez que vendiam fruta no mercado, tinham maior disponibilidade para o seu consumo (Quadro V). 6. GORDURA UTILIZADA NAS REFEIÇÕES A análise da Fig.4 permite verificar que estas duas populações praticamente deixaram de utilizar a banha de porco na preparação das refeições, que deu lugar ao óleo FIG. 4: Utilização de Gordura na preparação de refeições vegetal, hoje em dia a gordura de eleição em 80,8% das famílias. Apenas um dos agregados dizia continuar a utilizá-la frequentemente. A introdução do óleo vegetal reflecte a influência dos estímulos externos no consumo, uma vez que se tornou fácil a sua aquisição na loja da comunidade. A utilização da banha de porco, que envolveu o abate dos animais têm vindo a ser abandonada, já que como vimos, as estratégias de subsistência visam poupar os animais domésticos com maior valor de transacção. DISCUSSÃO Nos últimos anos, tem vindo a registarse uma melhoria da situação económica em Cabo Verde, sobretudo no período de 20002006, com um aumento significativo do rendimento per capita, que era de 1500 dólares em 2000 para um valor máximo de 6200 dólares em 2006, valores claramente © 2009 – SOCIEDADE PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO superiores à média geral africana, que nesse mesmo ano se situavam nos 2074 dólares8. Em Janeiro de 2008 o arquipélago deixou de ser considerado um país subdesenvolvido para passar a ser classificado como país de desenvolvimento médio. A melhoria dos indicadores de saúde reflecte essa evolução, como se verificou em 2004, com a esperança de vida que aumentou para 67 anos no sexo feminino e para 71 anos no sexo masculino em 2004, considerada elevada comparativamente aos 47 e 49 anos para a África em geral no mesmo ano9. Actualmente, as principais causas de mortalidade são, tal como nos países mais industrializados, as doenças do aparelho circulatório e o cancro, que tomaram o lugar das doenças infecciosas e parasitárias e nutricionais, tradicionalmente as principais causas de morte nos países subdesenvolvidos. Este sinal de “desenvolvimento” acompanha o fenómeno de globalização que se vem verificando nos continentes africano e asiático, onde se constata um aumento exponencial das doenças não comunicáveis como a obesidade e a diabetes tipo 2, e as suas consequências directas como a doença cardiovascular e o cancro10. Com efeito, os dados da OMS estimam que entre 1998 e 2025 duplique para 300 milhões o número de indivíduos no mundo com diabetes relacionada com a obesidade, e que 75% desse aumento se verifique nos países em desenvolvimento (20 milhões em África)11, o que pode vir a ter consequências catastróficas em países com fracos recursos económicos e sociais, e tradicionalmente com baixa resistência aos constrangimentos externos. A transição epidemiológica descrita inicialmente por Omran12, refere-se à mudança de padrão de uma alta prevalência de doenças infecciosas, associadas com a subnutrição, fomes periódicas e deficiências ao nível sanitário, para um padrão de alta prevalência de doenças crónicas degenerativas, sobretudo ao nível das sociedades urbanas. Este fenómeno está claramente 33 Artigos Originais REVISTA PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO | 2009 | 02 relacionado com a transição nutricional, descrita por Popkin13, relativa à adopção de padrões alimentares ricos em açúcares refinados e gordura saturadas e pobres em fibras, associados a uma diminuição acentuada da actividade física, que se traduz por um aumento exponencial da incidência de obesidade. Verificamos actualmente um paradoxo nesses países que se relaciona com um claro gradiente urbano/rural na distribuição destas doenças. Num mesmo país, as doenças infecciosas devidas à fome e à má nutrição predominam nas áreas rurais enquanto nas zonas urbanas começa a registar-se um predomínio de doenças não comunicáveis, características dos países mais desenvolvidos. No entanto, verifica-se uma tendência para o desaparecimento dessa diferença no futuro, devido à progressiva ocidentalização das zonas rurais14. O inquérito efectuado neste trabalho, apesar de ser generalista e de não efectuar uma avaliação quantitativa das variáveis estudadas, permite-nos reflectir sobre alguns aspectos da alimentação desta comunidade. Os principais pontos que sobressaem da análise dos resultados, estão relacionados, por um lado com a ausência de modificação de determinados hábitos tradicionais, apesar da introdução de novas culturas e de um maior acesso à moeda; e por outro lado, a constatação do facto de que as pequenas alterações verificadas, serem resultantes da capacidade de adaptação aos condicionalismos impostos por uma dependência de influência externa, devida aos escassos recursos naturais e às condições climatéricas específicas do país. Os alimentos importados têm vindo a ser cada vez mais utilizados na alimentação das populações de Cabo Verde, quer directamente através das trocas comerciais, quer através de um maior acesso à moeda devido ao mecanismo da ajuda alimentar monetarizada induzido pelas Frente de trabalho (FAIMO). Daquilo que nos foi dado observar, a alimentação desta população rural mantinha- 34 se monótona, pouco variada, com predomínio de hidratos de carbono e proteínas de origem vegetal, mas com baixo teor de carne, vegetais e frutos. A grande maioria das famílias fazia três ou menos refeições diárias. Embora o inquérito tenha sido efectuado no Verão de 2002, estes dados parecem manter-se actuais, uma vez que estão de acordo com o Relatório Sobre a Avaliação da Situação de Segurança Alimentar de Cabo Verde publicado em Setembro de 200715, que concluiu que um em cada dois habitantes em Cabo Verde sofre de subalimentação, e que esta atinge níveis críticos num em cada cinco casos, sobretudo nos meios rurais. Nos resultados do trabalho que apresentamos constatamos que, tal como no referido relatório, nestas duas populações, eram os agregados com chefes de família com menor acesso à moeda (nomeadamente os lares matrifocais) que apresentavam uma menor variedade e riqueza alimentar (em termos nutricionais). Os dados por nós obtidos confirmaram ainda, o predomínio de cereais na alimentação (fornecedores de energia) e a pobreza em carne, legumes, fruta da dieta. Já nos anos 50 do século passado Teixeira de Sousa referia a “fome escondida” por deficiência de micronutrientes (ferro, vitamina A e iodo), na população cabo-verdiana como um problema grave, frequentemente subvalorizado em relação à preocupação com a malnutrição calórico-proteica. Aquele autor, no seu artigo “Alimentação e Saúde nas Ilhas de Cabo Verde”, responsabiliza a “fome de proteínas animais” como causa de anemia crónica por carência de ferro no país4. Este problema nutricional deverá ser contextualizado num pano de fundo histórico-cultural de sucessivas crises alimentares que flagelaram o arquipélago. Em 1948, no decorrer da crise alimentar de 1947 (fomi da 47) o Delegado de Saúde da cidade da Praia, numa carta informativa propunha uma dieta de 2500 Kcal/dia para um indivíduo adulto normal, distribuída da seguinte © 2009 – SOCIEDADE PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO Artigos Originais REVISTA PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO | 2009 | 02 forma: 50% hidratos de carbono, 1g/Kg/peso de proteínas, sendo as restantes calorias sob a forma de gorduras. Aquele Delegado de Saúde referia ainda na mesma carta, que “…num regime alimentar perfeito há que introduzir alimentos ricos em sais minerais e vitaminas como seja, leite, verduras e fruta”. No entanto acrescenta: “...as circunstâncias do momento não permitem a subordinação correcta a estes princípios, de maneira transitória há que indicar um esquema alimentar com os alimentos que mais facilmente podem ser obtidos”16. Ou seja, este povo desde longa data que não pode escolher. Pelo contrário, adapta a sua alimentação em função dos condicionalismos que lhes são impostos; no caso, os limites da penúria alimentar causada por longos períodos de seca que na segunda metade dos anos 40 causaram a morte de aproximadamente um quinto17 da população. Do inquérito efectuado nestas duas populações verificamos que, apesar da melhoria generalizada dos cuidados de saúde referidos nas estatísticas, existem muitas deficiências a colmatar no que respeita à segurança alimentar. A carne de origem animal, com excepção do peixe ou mesmo da galinha era ingerida apenas em dias especiais e, com excepção do tomate e em menor grau da banana, a ingestão de legumes e fruta continuava a ser uma raridade, especialmente nos agregados com actividades económicas menos rentáveis. Mesmo as famílias possuidoras de horta e animais domésticos não utilizavam a maioria daquilo que produziam para consumo próprio. Optavam antes pela sua venda em caso de necessidade, para obtenção de moeda. Sacrificam a qualidade alimentar em favor da sobrevivência económica7. Não admira portanto, que Cabo Verde faça parte dos países onde se verifica uma carência de micronutrientes (vitamina A, iodo e ferro) de acordo com os dados do VMNIS (Vitamin and Mineral Information System) da OMS, um programa destinado a avaliar as deficiências de cada país, com © 2009 – SOCIEDADE PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO vista à implementação de medidas que permitam minorar este problema18. Com efeito, estão em curso em Cabo Verde vários projectos que seguem esses objectivos, nomeadamente um “Protocolo de Suplementação em Ferro a Crianças e Grávidas em Cabo Verde”19 e uma Proposta de Sistema de Controlo de Qualidade e de Seguimento do Consumo de Sal Iodado20. Quando analisamos as mudanças concretizadas em relação aos hábitos alimentares tradicionais, não encontramos melhorias, em termos nutricionais, relevantes. Pelo contrário, o melhor acesso à moeda que o trabalho assalariado e por conta própria permitem, vieram introduzir hábitos, que embora de um modo ainda muito incipiente, apresentam algumas características de globalização e urbanização, com todas as consequências que no futuro estas alterações podem trazer. Seria no entanto interessante, voltar ao terreno e verificar as mudanças entretanto efectuadas. Sabemos que a alimentação das sociedades ricas ocidentais é rica em gorduras e açúcares de absorção rápida e pobre em hidratos de carbono complexos, legumes e fruta. Sabemos ainda que a introdução dos óleos vegetais importados, mais baratos, na alimentação nos países de baixo rendimento, veio aumentar o teor lipídico da dieta21. No universo das duas populações estudadas, a banha de porco foi praticamente substituída pelo óleo vegetal na preparação das refeições, produto de fácil conservação e acessível na loja da povoação a baixos preços. A banha obriga ao abate dos animais de criação, que como vimos são criados tendo como objectivo a venda, na lógica das estratégias de subsistência destas populações. Entretanto, os óleos vegetais tão em voga nos anos 60 e 70, têm vindo a ser progressivamente abandonado em termos de recomendações internacionais, a favor do azeite. Embora mais ricos em vitaminas do que a banha, quando em cru, ao contrário desta, não resistem às altas temperaturas do sobreaquecimento quando cozinhados e degradam-se, libertando substâncias tóxicas e cancerígenas6. 35 Artigos Originais REVISTA PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO | 2009 | 02 A tendência para a substituição do milho e da mandioca pelo arroz, (“365 dias”, assim designado porque é consumido todos os dias), adoptada pela totalidade dos agregados familiares, muito embora permita o acesso barato e fácil ao produto à venda na loja, não veio trazer qualquer vantagem nutricional à tradicional combinação de hidratos de carbono da cachupa. É sabido que o milho é um alimento pobre em aminoácidos essenciais, vitaminas e minerais, principalmente quando, como acontece em Cabo Verde é submetido a processos de moagem22 antes de ser cozinhado, processos que acentuam a perda de minerais e vitaminas. O arroz, embora seja equivalente ao milho em termos energéticos, quando vendido sob a forma de arroz branqueado, tal qual é comprado na loja, é também paupérrimo em minerais, vitaminas e complantix, levando a carências nutricionais graves, nomeadamente de vitamina B1 causando o chamado béribéri nas populações23. As ligeiras alterações nos hábitos alimentares observadas são também obesigénicas, de certo modo ainda compensadas pelo elevado grau de actividade física praticado por estas populações, que despendem cerca de 4 horas por dia na apanha de lenha e no transporte de água, para além das actividades agrícolas e não agrícolas. No entanto, a tendência é para a deslocação das populações rurais para as áreas urbanas, para a existência de água em reservatório ou canalizada, luz eléctrica e progressivo abandono da agricultura de subsistência com a emergência da microirrigação e introdução de novas culturas, pelo que os índices de sedentarismo vão aumentar, e por consequência, a obesidade. CONCLUSÃO maiores índices de desenvolvimento, a tendência será para que os hábitos alimentares adquiram um padrão cada vez mais globalizado e para um aumento do sedentarismo, primeiro nas áreas urbanas, e posteriormente nas áreas rurais. Daí que esta seja a altura ideal para que os governos implementem medidas que visem evitar que nesses países não se repitam os erros verificados no passado e que levaram a que actualmente em países como a China, onde o rápido aumento do produto interno bruto para o quádruplo e o aumento dos rendimentos familiares após as reformas dos anos 70 do século passado, permitiram um maior acesso a alimentos ricos em energia e um aumento do sedentarismo (televisão, automóvel, etc.), sobretudo nas zonas urbanas. Neste e noutros países como o Brasil e o México verifica-se o paradoxo irónico do ponto de vista social de coexistirem no mesmo país zonas onde continua a ser necessário combater a fome e a subnutrição e zonas em que a adopção de hábitos de vida ocidentais tem levado a um aumento da prevalência do excesso de peso e obesidade, com as consequências inerentes em termos de saúde pública. Os países que se encontram em transição de níveis de desenvolvimento são aqueles que apresentam maior risco para este fenómeno, pelo que as suas economias deverão estar atentas a este problema grave, para que o maior acesso aos alimentos seja também o acesso a alimentos mais saudáveis, e a melhoria do nível de vida dos agregados familiares seja acompanhado de uma melhor qualidade de vida e de uma urbanização mais saudável. Definitivamente, deverá ser tido em conta, não só os elementos ambientais e socioculturais que enquadram as comunidades, mas também as condições internas e externas que produzem a sua co-evolução. Embora os países da África subsariana, por serem mais pobres, sejam aqueles onde a “Transição Nutricional” se faz sentir menos, à medida que se forem registando 36 © 2009 – SOCIEDADE PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO Artigos Originais REVISTA PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO | 2009 | 02 BIBLIOGRAFIA 1. 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 Rocha Luís AC, O Estado de Nutrição das Populações de Cabo Verde, Relatório, Lisboa, 1987. World Health Organization (WHO) Commission on Health and Environment, Report of Panel on Food and Agriculture, Geneva,1992 (WHO/EHE/92.9). O sector da alimentação em Cabo-Verde. www.informarket.org. Outubro 2004. Teixeira de Sousa H., A alimentação e Saúde nas ilhas de Cabo Verde, Cabo Verde. 1957 (Ano VIII) 92:3-10. Couto Carlos F. Estratégias Familiares de Subsistências Rurais em Santiago de Cabo Verde, Instituto de Cooperação Portuguesa, Ministério dos Negócios Estrangeiros, Col. Teses, Lisboa, 2001. Peres, E. Saber Comer para Melhor Viver, Ed. Caminho, Lisboa, 1994: 93-100. Couto C Ferreira. Contribuição para o estudo sócio-antropológico da autonomia das subsistências rurais: incerteza, adaptabilidade e inovação na ilha de Santiago de Cabo Verde, Tese de Doutoramento, ISCTE, Lisboa, Julho de 2007 (mimeo). World Bank Statistics. http://web.worldbank.org/WBSITE/EXTERNAL/D ATASTATISTICS/ World Health Statistics 2006 http: //www.who.int/whosts/en/ World Health Organization. 2005 Prevention of Chronic Diseases – a vital investment. http://www.who.int/chp/chronic_diseases_report/f ull_report/pdf. World Health Organization. WHO Global InfoBase online http://www.who.int/ncd_surveillance(infobase/web/InfobaseCommon/ Omran AR. The epidemiologic transition: a theory of population change. MilbankMem Fund Q 1971; 49: 509-538. Popkin BM. The Nutrition Transition and Obesity in Developing World. J Nutr 2001; 131:871S-837S. Popkin BM. The nutrition transition in lowincome countries, an emerging crisis. Nutr Rev 1994; 52: 285-289. Relatório Sobre Avaliação da Situação de Segurança Alimentar de Cabo Verde, Setembro 2007. © 2009 – SOCIEDADE PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO 16 17 18 19 20 21 22 23 Arquivo Histórico Nacional (Cabo Verde), Administração do Concelho da Praia (ACP), informação do Delegado de Saúde, Setembro 1948. Carreira A. Cabo Verde (Aspectos Socias. Secas e fomes no século XX, Ulmeiro, 2ª ed., 1984:111. VMNIS (Vitamin and Mineral Nutrition Information System). http://www.WHO.int/vmnis/en/ Protocolo de Suplementação em Ferro a Crianças e Grávidas em Cabo Verde, DGS, 2002. Proposta de Sistema de Controlo de Qualidade e de Seguimento do Consumo de Sal Iodado, Ministério saúde, DGS, Programa Nacional Nutrição, Março 2003. Drewnowski A, Popkin BM. The Nutrition Transition: New trends in Global Diet. Nut Ver 1997; 55(2):31-43. Funk C. Studies on Pellagra. The influence of Milling of Maize on the Chemical Composition and the Nutritive Value of Maize-Meal. The Journal Physiology. 1913; 47(4-5):389-392. Salcedo J Jr, Carrasco EO, e tal. Studies on beribéri in an endemic sub-tropical área. J Nutr. 1948; 36 (5):561-577. 37 Artigos Originais REVISTA PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO | 2009 | 02 39 ... 44 Alterações da pressão arterial em adolescentes com Diabetes Mellitus tipo 1 Alterations of blood pressure in type 1 diabetic adolescents Maria João Oliveira1, Liliana Macedo2, Carla Gomes3, Paula Matos4, Helena Cardoso5, Teresa Borges6 1 2 3 4 5 6 Médica. Interna Complementar de Pediatria do Centro Hospitalar do Porto - Unidade Hospital Santo António Médica. Interna Complementar de Pediatria do Hospital Nossa Senhora de Oliveira – Guimarães Médica veterinária e Professora no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar – Departamento do Estudo das Populações Assistente Hospitalar Graduada de Pediatria e Nefrologista Pediátrica do Centro Hospitalar do Porto - Unidade Hospital Santo António Professora Dra. Assistente Hospitalar Graduada de Endocrinologia do Centro Hospitalar do Porto - Unidade Hospital Santo António. Professora do Instituto de Ciências Biomédicas de Abel Salazar. Assistente Hospitalar de Pediatria do Centro Hospitalar do Porto - Unidade Hospital Santo António Correspondência: Maria João Oliveira › Serviço de Pediatria do Hospital de Santo António › Largo Professor Abel Salazar, 4050-001 Porto › [email protected] Aceitação: Artigo recebido em 23/11/2009, revisto em 23/12/2009 e aceite para publicação em 28/12/2009. RESUMO Introdução: A hipertensão arterial (HTA) em indivíduos com Diabetes Mellitus tipo 1 (DM1) é um factor de risco para o desenvolvimento de complicações micro e macro vasculares. A monitorização ambulatória da pressão arterial (MAPA) permite a obtenção de um perfil tensional mais fidedigno, pois reflecte a resposta do indivíduo aos eventos do quotidiano, correlacionando-se melhor com as lesões de órgãos alvo e morbilidade cardiovascular, do que a avaliação isolada das tensões arteriais (TA). Objectivos: Avaliação das alterações do perfil tensional na MAPA em adolescentes com DM1 com evolução doença ≥ 2 anos, seguidos na Consulta de Endocrinologia Pediátrica Hospital Santo António. Avaliar a associação entre TA, controle metabólico, duração da doença e presença de microalbuminúria. Material e métodos: Foram avaliados: sexo, idade, tempo de evolução da doença, TA na consulta e controle metabólico. Realizado MAPA e pesquisa de microalbuminúria a todos os indivíduos. Resultados: Foram estudados 35 adolescentes (21 rapazes), idade média de 14,2 anos e duração da doença entre 2,0 e 14,4 anos. A avaliação das TA na consulta revelou HTA em 7 casos. Na MAPA, 8 casos tinham critérios diagnósticos de HTA e 7 casos apresentavam perfil nondipper. Os adolescentes com alterações na MAPA apresentaram um pior controlo metabólico e um maior tempo de evolução da doença. Dois adolescentes apresentavam microalbuminúria, já associadas a alterações na MAPA. Conclusões: A avaliação da MAPA nos adolescentes com DM1 incluídos no estudo permitiu identificar alterações em 9 casos que não apresentavam HTA nas avaliações durante a consulta. O nosso estudo sugere que a MAPA pode ser utilizada como uma ‘ferramenta’ para diagnosticar precocemente os indivíduos em risco de desenvolver complicações vasculares. PALAVRAS-CHAVE Diabetes; Monitorização Ambulatória da Pressão Arterial; perfil non-dipper. © 2009 – SOCIEDADE PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO 39 Artigos Originais REVISTA PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO | 2009 | 02 SUMMARY Introduction: Arterial hypertension (HT) is a major risk factor for micro and macrovascular complications in type 1 diabetes. Ambulatory blood pressure monitoring (ABPM) in diabetic patients permits the observation of blood pressure through day and night in a nonmedical environment. ABPM is better related to end organ damage and cardiovascular morbidity than office blood pressure (BP) readings. Objectives: To assess the alterations in blood pressure profile using ABPM in a group of adolescents with type 1 diabetes, with ≥ 2 years of disease duration, followed in the Pediatric Endocrinology consultation of the Hospital de Santo António. To investigate the association between BP, metabolic control, disease duration and microalbuminuria. Patients and methods: Included 35 adolescents (21 males). The mean age was 14,2 years and duration of diabetes ranged between 2,0 and 14,4 years. Office BP readings revealed HT in 7 cases. In the ABPM, 8 individuals had diagnostic criteria of HT and 7 cases presented with nondipper profile. The adolescents with alterations in ABPM had a worst metabolic control and longer diabetes duration. Two individuals had microalbuminuria, already associated with alterations in ABPM. Conclusions: ABPM revealed HT and/or non-dipper profile in 9 adolescents normotensive according to office BP readings. Our study suggests that ABPM can be used as a 'tool' for early diagnosis of individuals at risk of developing vascular complications. KEYWORDS Diabetes; Ambulatory Blood Pressure Monitoring; non-dipper. INTRODUÇÃO A hipertensão arterial (HTA), observada em 2% a 30% dos indivíduos com Diabetes Mellitus tipo 1 (DM1)1, é um dos factores de risco para o desenvolvimento de complicações micro e macro vasculares1,2. O diagnóstico e tratamento precoces da HTA retardam significativamente a progressão das mesmas, nomeadamente o aparecimento da nefropatia diabética1-6. São vários os factores que influenciam o perfil tensional nos indivíduos diabéticos, nomeadamente a idade, o sexo, o peso, a duração da diabetes, a dose de insulina, o controle metabólico e a presença de microalbuminúria3,5. A identificação precoce desses factores que iniciam e aceleram o desenvolvimento de complicações vasculares e o seu controlo são fundamentais1-6. Existem vários métodos de avaliação e registo das tensões arteriais (TA). A avaliação das TA durante a consulta 40 apresenta duas limitações importantes: a elevada frequência de resultados falsospositivos, a chamada “hipertensão da bata branca” e o facto de não reflectirem a sua variabilidade circadiana1,2. Por outro lado, a monitorização ambulatória da pressão arterial (MAPA) permite a obtenção de um perfil tensional mais fiável, uma vez que reflecte a resposta do indivíduo aos eventos do quotidiano, incluindo situações de stress e o sono; correlaciona-se melhor com as lesões de órgãos alvo e a morbilidade cardiovascular do que os valores de tensão arterial (TA) avaliados isoladamente1-4. Os autores decidiram efectuar um estudo prospectivo para avaliar as alterações do perfil tensional na MAPA em adolescentes com DM1 com evolução de doença igual ou superior a dois anos, seguidos na Consulta de Endocrinologia Pediátrica do Hospital Santo António e investigar a associação de potenciais factores de risco no desenvolvimento de HTA e microalbuminúria. © 2009 – SOCIEDADE PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO Artigos Originais REVISTA PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO | 2009 | 02 MATERIAL E MÉTODOS Foram estudados os adolescentes com DM1 com evolução de doença igual ou superior a dois anos, seguidos na Consulta de Endocrinologia Pediátrica do Hospital Santo António. Os doentes eram todos considerados normotensos até à data e não estavam medicados com terapêutica antihipertensora. Foram avaliados os seguintes parâmetros: idade, sexo, tempo de evolução da diabetes, o controle metabólico e as TA na consulta. As tensões arteriais foram avaliadas em três determinações distintas, usando esfingmomanómetros oscilométricos, após 5 minutos de repouso, no braço direito apoiado ao nível do coração, utilizando uma braçadeira adequada à idade. Foi considerado HTA se valores de TA sistólica e/ou TA diastólica ≥ P95 para o sexo, idade e percentil de altura (Tabelas: 4th Report on the Diagnosis, Evaluation, and treatment of High Blood Pressure in Children and Adolescents). Para avaliação do controle metabólico foi calculada a hemoglobina glicosilada (HbA1c) média do último ano, determinada utilizando o método DCA 2000. Foi realizada pesquisa de microalbuminúria e MAPA a todos os adolescentes. Foi considerada microalbuminúria a excreção urinária de albumina entre 20 e 200 μg/min numa amostra de urina de 12 horas (nocturna) ou uma relação albumina/creatinina numa amostra de urina matinal entre 30 e 300 mg/g. Os valores positivos foram confirmados numa segunda amostra de urina. Para a MAPA foi utilizado um registador Ela Medical/Agilis ou IME/Mobil-o-Graph. O registador foi colocado pela manhã e foi dada indicação aos adolescentes para realizarem as suas actividades quotidianas habituais, registando a hora em que se deitaram e ocorrência de sintomas durante o registo. As tensões arteriais foram avaliadas automaticamente, no braço não dominante, cada 20 minutos, durante 24 horas. Os © 2009 – SOCIEDADE PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO parâmetros avaliados foram os seguintes: tensão arterial sistólica e diastólica média nas 24 horas e nos períodos diurno e nocturno e perfil tensional circadiano fisiológico (dipper) ou não fisiológico (non-dipper). O perfil tensional é classificado como do tipo dipper se os valores médios da tensão arterial sistólica e diastólica no período nocturno diminuírem 10% ou mais relativamente aos valores registados no período diurno. De referir que todas as MAPA efectuadas apresentaram uma percentagem de sucesso de medições superior a 85%. Os resultados obtidos foram tratados usando o programa estatístico SPSS 16.0. Na comparação entre grupos independentes foi utilizado o Teste t de Student para 2 amostras. A correlação entre variáveis numéricas foi calculada utilizando o coeficiente de correlação de Spearman. Os resultados foram considerados significativos quando o p < 0,05. RESULTADOS Dos adolescentes com DM1 seguidos na consulta, 47 (25 rapazes e 22 raparigas) cumpriam critérios para inclusão no estudo, isto é, evolução de doença igual ou superior a dois anos. Responderam 35 adolescentes (21 rapazes, 14 raparigas), com idade média de 14,2 ± 2,1 anos (10,3 - 17,9 anos) e duração de doença de 6,5 ± 3,3 anos (2,0 - 14,4 anos). A média da HbA1c foi de 8,6 ± 1,2% (6,7% - 11,6%). Oito dos adolescentes eram obesos e quatro tinham excesso de peso. Relativamente a complicações da diabetes já existentes, apenas um adolescente com tempo de evolução da doença de 14 anos, apresentava uma retinopatia proliferativa mínima. Como comorbilidades a referir tiroidite auto-imune concomitante em quatro adolescentes. Após a avaliação das TA na consulta foi constatada HTA em 7 adolescentes. Após a realização da MAPA em 2 não se confirmou o diagnóstico de HTA, em 3 a HTA foi confirmada, um adolescente além de critérios de HTA 41 Artigos Originais REVISTA PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO | 2009 | 02 apresentava perfil non-dipper e um adolescente apresentava apenas perfil non-dipper. Dos 28 adolescentes normotensos na consulta, 9 apresentavam alterações na MAPA: 4 com critérios de HTA e 5 com perfil non-dipper. As TA sistólica e diastólica na consulta apresentaram uma correlação estatisticamente significativa com as TA sistólica e diastólica obtidas na MAPA nas 24 horas (r=0,416, p=0,027; r=0, 528, p=0,01). Não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas em relação ao sexo e idade dos adolescentes. Quando fomos comparar o grupo de adolescentes com alterações na MAPA (Quadro 1) (critérios de HTA e/ou perfil nondipper, 14 doentes) com o grupo de adolescente sem alterações na MAPA (21 doentes), verificamos que o primeiro grupo apresentava um pior controlo metabólico (9,2±1,3 vs 8,2±1,0; p=0.028). Relativamente ao tempo de evolução da doença, este foi idêntico nos dois grupos (6,5 ± 3,6 vs 6,4± 2,9 anos). QUADRO 1: Grupo de adolescentes com alterações na MAPA vs grupo de adolescente sem alterações na MAPA. Com alterações Sem alterações p na MAPA na MAPA n 14 21 Sexo 7F : 7M 7F : 14M Idade 13,9 ± 2,1 14,6 ± 2,1 Duração doença 6,5 ± 3,6 6,4 ± 2,9 0,977 HbA1c 9,2 ± 1,3 8,2 ± 1,0 0,028 Após comparação do grupo de adolescentes com perfil non-dipper (7 casos) com o grupo de adolescentes com perfil dipper (28 casos) (Quadro 2), constatamos que o primeiro grupo apresentava um maior tempo de evolução da doença (9,4±3,1 vs 6,0±3,3 anos; p=0.049) e um pior controlo metabólico (9,7±1,5% vs 8,3±1,0%; p=0.015). QUADRO 2: Grupo de adolescentes com perfil non-dipper vs grupo de adolescentes com perfil dipper. Non-dipper Dipper p n 7 28 Sexo 4F : 3M 10F : 18M Idade 14,2 ± 2,1 14,2 ± 1,9 Duração doença 9,4 ± 3,1 6,0 ± 3,3 0,049 HbA1c 9,7 ± 1,5 8,3 ± 1,0 0,015 42 Dois adolescentes apresentavam microalbuminúria: um caso normotenso na consulta e com perfil non-dipper na MAPA; outro caso com HTA na consulta, confirmada na MAPA e com perfil non-dipper. Quando fomos comparar os dois adolescentes com microalbuminúria com os adolescentes normoalbuminúricos (33 doentes) (Quadro 3), no que se refere ao tempo de evolução da doença e níveis médios de HbA1c no último ano não encontramos diferenças com significância estatística, no entanto, realçamos que os adolescentes com microalbuminúria apresentam um valor médio de HbA1c de 9,7±0,7% vs 8,3±1,3% (p=0,37), traduzindo uma tendência para pior controlo metabólico. QUADRO 3: Adolescentes com microalbuminúria vs adolescentes normoalbuminúricos. Microalbuminúria Normoalbuminúria p n 2 33 Sexo 1F : 1M 13F : 20M Idade 15,8 ± 1,9 14,0 ± 2,0 Duração doença 7,4 ± 3,2 6,8 ± 3,2 0,72 HbA1c 9,7 ± 0,7 8,3 ± 1,3 0,37 DISCUSSÃO A MAPA permitiu identificar alterações do perfil TA em 9 (25,7%) adolescentes que não apresentavam HTA na consulta. Dos 14 adolescentes com alterações na MAPA, 7 (50%) apresentavam um perfil non-dipper. Vários estudos demonstraram que a HTA nocturna, detectada apenas pela realização da MAPA, precede o desenvolvimento da microalbuminúria em indivíduos com DM14,7-11. Pressupõe-se que uma sobrecarga da pressão arterial sistémica, inicialmente restrita à pressão arterial sistólica durante o sono, quando transmitida à circulação glomerular, possa causar alterações hemodinâmicas intra-renais, conduzindo a microalbuminúria, lesão estrutural renal ou ambas4,11. Na nossa amostra, verificou-se uma maior prevalência de perfil non-dipper do que de microalbuminúria, esta última foi apenas observada em 2 adolescentes, os © 2009 – SOCIEDADE PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO Artigos Originais REVISTA PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO | 2009 | 02 quais já apresentavam alterações na MAPA. No entanto apenas um apresentava valores tensionais elevados na consulta, o que corrobora a maior sensibilidade da MAPA na identificação de situações de risco. Os 3 casos com HTA na consulta não confirmada na MAPA julgamos tratarem-se de casos de “HTA da bata branca”. No entanto um apresentava perfil tensional non-dipper, o que significa que em situações de stress (consulta) e durante o sono apresenta valores TA mais elevados, o que pode traduzir um sinal de risco agravado de complicações vasculares13. Na DM1, um mau controle metabólico e uma maior duração da doença correlaciona-se com o desenvolvimento e progressão de complicações vasculares1-5. De facto, verificamos que os adolescentes da nossa amostra com alterações na MAPA, apresentam um pior controle metabólico, assim como os adolescentes com perfil non-dipper apresentavam maior duração da doença e pior controle metabólico, valores com significância estatística. Podem as alterações na MAPA ser um sinal precoce de nefropatia e devem os inibidores da enzima conversora da angiotensina (IECA) ser iniciados antes do desenvolvimento da hipertensão clínica e antes do aparecimento de microalbuminúria2,4? Relembramos que na nossa amostra, os dois adolescentes com microalbuminúria já apresentavam alterações na MAPA e embora não possamos provar que tenham precedido o aparecimento da microalbuminúria, existem já vários estudos que apontam nesse sentido4,7-11. A nefropatia diabética é uma causa importante de insuficiência renal6. Métodos de diagnóstico precoce desta complicação são importantes para os indivíduos com DM1. A avaliação da TA isolada na consulta não parece ser suficiente para detectar as alterações do perfil tensional destes indivíduos. A MAPA parece ser uma ferramenta muito útil para monitorizar os adolescentes com DM1, permitindo-nos identificar mais © 2009 – SOCIEDADE PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO precocemente os indivíduos em maior risco de lesões de órgãos alvo e que deverão ser objecto de uma intervenção intensiva a nível do seu controlo metabólico. São necessários estudos prospectivos e controlados sobre os benefícios do uso precoce dos IECA nestes doentes. 43 Artigos Originais REVISTA PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO | 2009 | 02 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Dost A, Klinkert C, Kapellen T, Lemmer A, Naeke A, Grabert M et al. Arterial hypertension determined by ambulatory blood pressure profiles. Diabetes Care 2008; 31: 720-5. 2. Darcan S, Goksen D, Mir S, Serdaroglu E, Buyukinan M, Coker M et al. Alterations of blood pressure in type 1 diabetic children and adolescents. Pediatr Nephrol 2006; 21: 672-6. 3. Sochett E, Poon I, Balfe W, Daneman D. Ambulatory blood pressure monitoring in insulin-dependent diabetes mellitus adolescents with and without microalbuminuria. Journal of Diabetes and its complications 1998; 12(1): 18-23. 4. Suláková T, Janda J. Ambulatory blood pressure in children with diabetes 1. Pediatr Nephrol 2008; 23: 2285-6. 5. Lurbe E, Redon J, Kesani A, Pascual JM, Tacons J, Alvarez V et al. Increase in nocturnal blood pressure and progression to microalbuminuria in type 1 diabetes. N Engl J Med 2002; 347 (11): 797-805. 6. Glastras SJ, Mohsin F, Donaghue KC. Complications of diabetes mellitus in childhood. Pediatr Clin N Am 2005; 52: 1735-53. 7. Schultz CJ, Neil HAW, Dalton RN, Dunger DB. Risk of Nephropathy can be detected before the onset of microalbuminuria during the early years after diagnosis of type 1 diabetes. Diabetes Care 2000; 23 (12): 1811-5. 8. Jankowska A, Józwa A H, Petriczko E, Lulka D, Walczak M. Lack of physiological nocturnal falls in 24-hour blood pressure monitoring as a prognostic factor for development of hypertension in children with diabetes mellitus type 1. Horm Res 2006; 65 (supll4): 65-6. 9. Cohen CN, Filho FMA, Gonçalves MF, Gomes MB. Early alterations of blood pressure in normotensive and normoalbuminuric Type 1 diabetic patients. Diabetes Research and Clinical Practice 2001; 53: 85-90. 10. Stone ML, Craig ME, Chan AK, Lee JW, Verge CF, Donaghue KC. Natural history and risk factors for microalbuminuria in adolescents with type 1 diabetes. Diabetes Care 2006; 29(6): 2072-6. 11. Pecis M, Azevedo M, Moraes R, Ferlin E, Gross J. Autonomic dysfunction and urinary albumin excretion rate are associated with an abnormal 44 blood pressure pattern in normotensive normoalbuminuric type 1 diabetic patients 2000; 23(7): 989-93. 12. National High Blood Pressure Education Program Working Group on High Blood Pressure in Children and Adolescents. The Fourth Report on the Diagnosis, Evaluation, and treatment of High Blood Pressure in Children and Adolescents. Pediatrics 2004; 114 (2): 555-76. 13. Soylu A, Yazici M, Duzenli MA, Tokac M, Ozdemir K, Gok H. Relation between abnormalites in circadian blood pressure rhythm and target organ damage in normotensives. Circ J 2009; 73(5): 899-904. © 2009 – SOCIEDADE PORTUGUESA DE ENDOCRINOLOGIA, DIABETES E METABOLISMO