AN.destaque VOLTAR A AN Idosa buscou ajuda em i porque queria tentar rev sequelas de derrames. dela, Joel levou à fre ideia do pro Milagre frustrado Presa a uma cadeira de rodas, Alexandra Martins, de 87 anos, buscou cura em um culto religioso em Joinville. Sofreu uma queda e hoje a igreja lhe deve R$ 17 mil de indenização CAMILLE CARDOSO [email protected] Até hoje, na tabuleta de uma sala comercial de portas de vidro fumê, abaixo do título “Igreja Deus de Abraão” e acima dos horários dos cultos, lê-se “igreja dos milagres”. Além do endereço no bairro Morro do Meio, zona Oeste de Joinville, o nome da igreja mudou nos últimos meses. Antes, era Igreja Jesus do Abraão. Na época em que a igreja evangélica ainda tinha este nome, Alexandra Padilha Martins, 87 anos, mesmo católica, tentou buscar um milagre durante um culto em uma noite de 2010. Queria voltar a andar, após dois anos presa a uma cadeira de rodas por causa de quatro derrames consecutivos. Deu tão errado que a idosa teve de ser internada no Hospital Municipal São José por 14 dias, com a bacia e o fêmur di- reito fraturados. Em um processo judicial que levou menos de um ano para se definir, a igreja acabou condenada, primeiro pelo Juizado Especial Cível de Joinville, depois pela Quinta Turma de Recursos da comarca, a pagar cerca de R$ 17,4 mil de indenização a Alexandra. A decisão de manter a sentença foi publicada no “Diário da Justiça Eletrônico” em 10 de junho. Não cabem mais recursos. Segundo a versão aceita pela Justiça, o pastor e fundador da igreja, Luiz Fernando da Silva Siqueira, teria instruído Alexandra, durante o culto na noite de 21 de maio de 2010, a se levantar da cadeira e andar em direção a uma cruz, na esperança de ficar curada. Alexandra diz que caiu após poucos passos. Ela fica de pé com dificuldade, apoiada na perna esquerda. “Dei dois passos com a perna boa e cai”, conta. A igreja errou, decidiu a Jus- tiça, ao impedir que Alexandra recebesse atendimento médico. Ela estava há cerca de quatro meses frequentando os cultos desacompanhada. O próprio pastor dava carona a ela até a sala onde a igreja funcionava no ano passado, a poucas quadras da casa da idosa. Quando caiu, Alexandra não tinha um familiar para ajudá-la. Conforme o relatório de atendimentos do Samu no dia, ninguém na igreja chamou socorristas para levá-la a um hospital. Alexandra conta que ficou no chão, aos prantos, por longos minutos. A primeira providência do pastor, na fala dos familiares da idosa, foi colocá-la no carro – um Fiesta branco – e levá-la de volta até em casa. Segundo três filhos de Alexandra que acompanharam a história, ela recusou-se a sair do carro por causa das dores. Enquanto isso, diz a família, o pastor negociava. “Ele chegou a pedir dinheiro para levá-la ao hospital”, afirma Claudionor Martins, 43, que mora com a mãe. Foi ele quem usou um dispositivo, distribuído a idosos pela Prefeitura, para acionar o Samu. Para a reportagem de “A Notícia”, a advogada Eva Terezinha Mann, que representa o pastor, disse que “nada temos a comentar a respeito, eu e meu cliente.” Alexandra sempre foi forte. Criou dez filhos cortando madeira no interior do Paraná ao lado do marido. Mas a experiência a abalou até em relação à fé. “Não sinto mais vontade de entrar em igreja nenhuma.” Ela conta que, desde que processou a igreja, não viu mais o pastor. Nem a vizinha, também idosa, com quem passava as tardes tomando chimarrão, e foi quem sugeriu a ela frequentar a igreja. O pastor, contou a amiga, dizia que faz milagres. Entre eles, o de fazer pessoas andarem. Ele disse que poderia me curar. Me apontava um rapaz na rua que, ele dizia, tinha voltado a andar. Alexandra Martins, 87 anos, que processou igreja após cair durante culto e não receber atendimento médico. Não se trata de decisão inédita da Justiça, pois há várias jurisprudências a respeito de casos semelhantes. Eva Mann, advogada que representa o pastor e a igreja condenados. 14 mil NDAR igreja verter Filho ente a ocesso a nOTÍCIA Bens estão em fase de penhora fotos Diorgenes Pandini Cultos continuam em outro espaço Consultada por “A Notícia”, a advogada que representou o pastor Luiz Fernando Siqueira, Eva Terezinha Mann, disse que prefere não comentar as decisões judiciais. Assim como o pastor. “O caso em questão não se trata de decisão inédita da Justiça, pois há várias jurisprudências a respeito de casos semelhantes”, afirmou, por e-mail, no último dia 7. Os cultos da igreja, agora sob o nome de Igreja Deus de Abraão, continuaram até a quinta-feira retrasada (7/7) no bairro Morro do Meio, todos os dias da semana, com exceção das quartas. Na terça da semana passada, porém, a sala estava fechada. Deveriam ocorrer dois cultos neste dia, à tarde e à noite, segundo a tabuleta em frente à sala comercial. No dia 7, “AN” tentou con- É o número de processos sob responsabilidade dos dois juizados especiais cíveis de Joinville, responsáveis pelas ações com valor de até 40 salários mínimos. versar com o pastor na sala onde funciona a igreja, no Morro do Meio, e também na casa onde ele mora, a duas quadras dali. Mas ele não foi encontrado. Apenas o Fiesta branco estava na garagem. Antes de fundar a Igreja Jesus do Abraão no Morro do Meio, Luiz Fernando foi obreiro na Igreja Universal do Reino de Deus em Joinville. O cargo, segundo um dos pastores responsáveis pela matriz da Universal na cidade, Jean Carlos de Andrade, é voluntário e equivale ao de um ajudante de pastor. Luiz Fernando teria começado o trabalho no Rio Grande do Sul, antes de se mudar para Joinville. Conforme o pastor Jean, Luiz Fernando saiu da Universal faz cerca de dois anos, por “discordar de algumas coisas dentro da igreja”. A dificuldade de Alexandra Martins, conforme a advogada que a representa, Yolanda Robert, agora é conseguir receber o dinheiro da indenização. Segundo Yolanda, a decisão de primeira instância começou a ser cobrada independentemente da decisão do recurso. “Já decorreu o prazo para pagamento espontâneo”, afirma ela. Por causa disso, há um processo paralelo que pede a penhora dos bens da igreja e do pastor Luiz Fernando Siqueira. O prazo para pagamento esgotou-se no dia 22 de fevereiro. Segundo a advogada, o pastor não pode impedir a penhora. “O problema é encontrar os bens em nome da igreja ou do pastor para garantir o pagamento”, afirma. Segundo a Justiça, o débito a ser cobrado é de R$ 17.420, calculados em 24 de junho. Alexandra vive com a renda da pensão do marido falecido. Segundo um dos filhos dela, o aposentado Joel Rubens Martins, 53, a pensão é de um salário mínimo. “Ela trabalhou a vida inteira, mas não teve como se aposentar porque não tinha carteira assinada”, diz ele. Joel faz planos de usar o dinheiro para reformar a casa simples de madeira no Morro do Meio, onde a mãe mora desde 2004. Ele aponta o assoalho ondulado, com um degrau que leva ao quarto. “Essa madeira está gasta. Ela precisa de um piso liso, com uma rampa para a cadeira de rodas”, descreve. Esse processo tramitou muito rápido, uma exceção. Foi pedida prioridade por se tratar do pedido de uma idosa. Yolanda Robert, advogada de Alexandra. A ação levou menos de um ano para ser decidida. Há contendas de R$ 6 e outras de R$ 30. São minoria, poucas em número, mas existem. André Happke, juiz de um dos juizados especiais cíveis de Joinville, sobre o tipo de processo que tramita no órgão. sexta-FEIRA - 22/7/2011 4/5 Um terceiro juizado para desafogar A rapidez com que o processo judicial movido por Alexandra Martins teve solução – menos de um ano – é o objetivo dos juizados especiais cíveis, para onde são encaminhados, em geral, casos que pedem indenização inferior a 40 salários mínimos. Em Joinville, há dois: um no Fórum e outro na Univille, que funciona desde 2008. Eles atendem aos cidadãos conforme o endereço de moradia. Segundo o juiz André Alexandre Happke, que atua na universidade no Bom Retiro, é mito classificar de “pequenas” as causas assumidas por juizados. Ele conta que as pessoas buscam o juizado para casos complicados, como indenizações por acidentes de trânsito com morte, até para disputas cujo valor não chega a dois dígitos. “Quem gasta mais em ônibus para vir ao Fórum reclamar um direito do que o valor que vai receber? Muitas vezes alguém que foi afetado em sua dignidade”, pondera o juiz. Hoje, os dois juizados cuidam de cerca de 14 mil processos e um dos obstáculos para tudo caminhar mais rapidamente é a falta de pessoal. Conforme o juiz, um terceiro juizado deve se instalar na cidade no fim de setembro, “se tudo correr como previsto”. “Com a instalação do 3º juizado, os bairros serão redivididos, procurandose deixar próximo da casa do autor da ação o juizado competente”, explica André. EM SALA COMERCIAL Sob novo nome, igreja passou a funcionar em 2011 a poucas quadras do endereço antigo, no Morro do Meio