III Simpósio sobre Recursos Naturais e Sócio-econômicos do Pantanal Os Desafios do Novo Milênio 1 De 27 a 30 de Novembro de 2000 - Corumbá-MS ALGUMAS INTERAÇÕES BIÓTICAS DE UMA POPULAÇÃO DE Bactris glaucescens Drude (ARECACEAE/PALMAE) EM UMA MATA INUNDÁVEL DO PANTANAL DE BARÃO DE MELGAÇO, MATO GROSSO, BRASIL ANA ROSA FERREIRA1, MIRAMY MACEDO2 e CAROLINA JOANA DA SILVA3 RESUMO: As formações de “tucunzais” (B. glaucescens) ocorrem em algumas regiões do Pantanal Mato-Grossense, dentre elas em Barão de Melgaço, MT. Este estudo visa a identificar as possíveis interações bióticas entre essa espécie e a fauna local em um hectare à margem esquerda do córrego Jacorutubinha, entre as coordenadas 16º28’080” S e 056º07’088” W, nos ciclos hidrológicos de cheia, vazante e seca, no período de abril de 1998 á novembro de 1999. Dividiu-se a área em quatro parcelas de 25 m X 100 m com o auxílio de uma trena de 50 m. Tais parcelas foram demarcadas com estacas de madeira de 50 cm. Em cada parcela fez-se a coleta de frutos maduros e fezes da fauna encontrada nessa área, ambos foram preparados e acondicionados em sacos de papel devidamente etiquetados para identificação. Coletou-se também conteúdo estomacal dos peixes pacu (Piaractus mesopotamicus) e ximburé (Schizodon borelli), fixados com álcool etílico 70º e colocados em vidros apropriados, também etiquetados. Observou-se, quinzenalmente a ação direta dos animais alimentando-se dos indivíduos frutificados, assim como em hábito de refúgio e forma de nidificação. Registrou-se nas quatro parcelas que os indivíduos de B. glaucescens apresentaram-se agrupados em forma de ilhas (touceiras) num total de 24. Nos frutos coletados nas três estações, identificaramse marcas de dentes de macaco bugio (Alouatta caraya) e de sáurios (Iguana iguana); nas fezes de capivara (Hydrochaeris hydrochaeris) e catetos (Tayassu pecari) encontraram-se sementes e partes de frutos dessa espécie. Observou-se, também, que capivaras, macacos e saúrios alimentavam-se diretamente dos frutos dessa palmeira. Entretanto, na cheia, registraram-se fragmentos de frutos e sementes inteiras no 1 Mestre em Ecologia e Conservação da Biodiversidade/IB/UFMT. Professora credenciada ao Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Conservação da Biodiversidade/IB/UFMT. 3 Professora credenciada ao Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Conservação da Biodiversidade/IB/UFMT. 2 2 conteúdo estomacal dos peixes em estudo. Ressalta-se que, nos períodos de seca e vazante, essas ilhas servem com o abrigo para I. iguana e, ocasionalmente, para sucuri (Eunectes nocteus). A nidificação nesses agrupamentos ocorre na cheia, principalmente para o jacaré (Caiman crocodilus yacare) e, na seca, os sáurios. Diante desses fenômenos, acredita-se que nesta área do Pantanal B. glaucescens vem a ser uma possível espécie-chave. (Programa SHIFT/CNPq/IBAMA /BMDF – Projeto Ecologia do Gran Pantanal – UFMT/ MPI). Palavras-chaves: Interações bióticas, população, Pantanal Barão de Melgaço. 3 BIOTIC INTERACTIONS OF A POPULATION OF Bactris glaucescens DRUDE (ARECACEAE/PALMAE) IN A FLOODED FOREST OF BARÃO DE MELGAÇO PANTANAL, MATO GROSSO, BRASIL ABSTRACT: The “tucunzais” formations (B. glaucescens) occurs in some Mato Grosso Pantanal regions in which Barão de Melgaço is included. This study aims to identify the possible biotic interactions between this species and the local fauna. The study was realized in a one (1) hectare plot on the left bank of the Jacorutubinha brook, 16º28’080” S and 056º07’088” W, during the hydrologic phases of flood, receding and low waters, from April 1998 to November 1999. The study area was divided in four parcels (25 m x 100 m) marked with 50 cm high wood posts. Within each parcel the mature fruits and local fauna feces were collected and conditioned in identified papers bags. The stomach content of the pacu (Piaractus mesopotamicus) and ximburé (Schizodon borelli) fishes were also collected, fixed in ethyl alcohol 70º and stored in identified glass vessels. The direct action of animals feeding on fructifying individuals was observed every 15 days as well as the refuge habit and nesting form. In the parcels the B. glaucescens individuals are grouped in 24 islands (touceiras). In the fruits collected during the 3 hydrologic phases tooth marks of “bugio” (Alouatta caraya) and saurians (Iguana iguana) were observed. Seeds and fruits remains from the study spevie were encountered in the feces of capybara (Hydrochaeris hydrochaeris) and catetos (Tayassu pecari). As well there was direct observation of capybara, monkeys and saurian feeding on the fruit of this palm tree. As well, during the flood, fruit fragments and entire seeds were found in the stomach content of the studied fishes. It is important to note that during receding and low waters the palm islands served as shelters for I. iguana and occasionally for sucuri (Eunectes nocteus). During the low waters nesting of jacaré (Caiman crocodilus yacare) and saurian was also observed. In this region of the Pantanal it is thougth that B. glaucescens is a possible key specie. Key-words: Biotic Interactions, Population, Barão de Melgaço Pantanal. 4 INTRODUÇÃO O Pantanal Mato-Grossense é um dos maiores sistemas de áreas alagáveis contínuos da América do Sul, formado pela coalescência dos cursos d’água da Bacia do Alto Rio Paraguai. Dentre essas áreas, destacam-se as matas alagáveis, objeto de estudo de pesquisadores, como Haridasan (1998) que confere a sua ocorrência nas mais diversas condições climáticas, topográficas e edáficas, em diferentes regiões do globo terrestre. Rezende (1998) afirma que essas formações destacam-se pela sua riqueza, diversidade genética e pelo seu papel na proteção dos recursos hídricos, edáficos, fauna silvestre e aquática. Essa formação que ocorre na depressão pantaneira, na visão de Pott (1994), é caracterizada na Bacia do Rio Paraguai como formação ribeirinha quando margeia os rios que ocupam acumulações fluviais quaternárias. Entretanto, Veloso (1947), Prance e Schaller (1982), Paula (1986), Allem e Valls (1987), Dubs (1994), Pott e Pott (1994), Matsunaga e Monteiro (1995), Schessl (1995), Sallis et al. (1999), entre outros, denominaram essas formações na região do Pantanal como floresta estacional aluvial, floresta sazonalmente inundável ou simplesmente matas ciliares, independentes do tamanho dos cursos d’água que as margeiam. As matas inundáveis no Pantanal Mato-Grossense abrigam diversos grupos vegetais descritos por Nascimento e José (1986), Nascimento e Cunha (1989), Pott e Pott (1994), Oliveira (1996), Silva e Abdon (1998), e outros pesquisadores que registram estudos dessas formações, entre elas as monodominantes, como os cambarazais (Vochysia divergens Phol.), pombeiros (Combretum laxum Jacq. e C.lanceolatum Pohl.), saranzais (Baillonia amabilis Bock.), pimenteiras (Licania parviflora Huber.), canjiqueiras (Byrsonima orbignyana A. Juss.), carandazais (Copernicia alba Morong) e paratudais (Tabebuia aurea Manso). Todavia, nessas matas ocorrem as palmeiras que, segundo Uhl e Dransfield (1987), são freqüentes e importantes elementos nos diversos tipos de paisagem tropical e subtropical. Em Mato Grosso, essa família tem seus registros nos estudos de Rodrigues Barbosa (1898) com 21 espécies novas das 134 descritas até aquele momento no Brasil. Dados 5 complementares sobre sua ocorrência neste Estado encontram-se em Hoehne (1914; 1939), Pott e Pott (1994) e Dubs (1994). Dentre 130 gêneros que ocorrem nessa família destacam-se Bactris, por possuir três espécies no Pantanal: B. brongnartii, B. coccinea e B. glaucescens. A espécie de B. glaucescens foi registrada no Estado de Mato Grosso por Rodrigues Barbosa (1898), descrevendo sua ocorrência nas matas alagáveis dos rios Cuiabá e Aricá (Bacia do Alto Paraguai), e a sua ocorrência nessa Bacia é registrada por Martius (1965), conforme coletas de Weddell –1845, depositando-as no Herbário de Paris, França, sob nº 3.216. Das inúmeras observações feitas pelo coletor, registrou-se sua floração nos meses de abril e maio, sendo esta denominada região de “tucum mirim de fruta-azeda”. Recentemente essa palmeira tem sido citada como parte da paisagem pantaneira por vários autores, como: Conceição e Paula (1986), Van der Berg (1986), Allem e Valls (1987);,Guarim Neto (1991), Pott (1993), Pott e Pott (1994), Damasceno Júnior et al. (1999), Melo et al. (1999) e Souza e Guarim Neto (1999). Diante de sua distribuição monoespecífica nessa mata inundável do Pantanal de Barão de Melgaço, este estudo tem como objetivo identificar as possíveis interações bióticas entre esta espécie e a fauna local. MATERIAIS E MÉTODOS A área em estudo é uma mata pertencente ao ninhal Corutuba, inserida no Pantanal de Barão de Melgaço, município de mesmo nome, à margem esquerda do córrego Jacurutubinha, afluente do rio Cuiabá, Bacia do Alto Paraguai (BAP), entre as coordenadas 16º 28’ 080” S e 056º 07’ 088” W. Este estudo foi realizado no período de setembro de 1998 a novembro de 1999, nas fases do ciclo hidrológico de cheia, vazante e seca. Dividiu-se um hectare dessa mata em quatro parcelas de 25 m X 100 m, com o auxílio de uma trena de 50 m. Nessas parcelas, fez-se a delimitação dos agrupamentos/ilhas demarcando-as de acordo com os parâmetros de Mueller-Dombois e Ellemberg (1974) e Martins (1978,1990), utilizando-se estacas de madeira numeradas 6 com 50 cm de altura. Neste período, registrou-se também a síndrome de dispersão desses frutos (tipo, cor, inserção), assim como a ação dos possíveis agentes dispersores como ação alimentar, hábitos de refúgio e nidificação. Observaram-se para identificação as marcas deixadas nos diásporos. Coletaram-se fezes de animais dentro e fora das parcelas para análise e registro da presença de sementes conforme métodos de Macedo (1977; 1993); Macedo e Prance (1978); Paula et al. (1995) e Macedo et al. (1998). Foi coletado, também, conteúdo estomacal de dezessete peixes capturados por pescadores, para análise, fixados em álcool etílico 70º e colocados em vidros apropriados, devidamente etiquetados. RESULTADO E DISCUSSÃO Registrou-se nas quatro parcelas o agrupamento de indivíduos de B. glaucescens em forma de 24 ilhas (touceiras), com 981 indivíduos. Essas ilhas apresentam número diversificado de estipes, sendo a menor com três e, a maior, com 200. Dos 981 indivíduos registrados, 421 frutificaram nas fases do ciclo hidrológico de vazante (abril a junho), seca (julho a outubro) e cheia (novembro a março), de setembro de 1998 a novembro de 1999. A maior produção de infrutescências ocorreu na cheia com 309, seguida da vazante com 71 e, na seca, com 35. Na Tabela 1 encontram-se as formas de interação da fauna e B. gluacescens nas fases sazonais. A maior interação deu-se pela dieta alimentar de seis dos oito animais encontrados, seguida da nidificação e refúgio com dois cada. 7 TABELA 1. Possíveis agentes dispersores de B. glaucescens na mata do ninhal Corutuba do Pantanal, Barão de Melgaço, MT. Fases do ciclo hidrológico Espécies Cheia Alouatta caraya Caiman crocodilus yacare X X Alimentação X Iguana iguana Refúgio X X X X X X X X X X X Piaractus mesopotamicus X X Schizodon borelli X X Tayassu pecari Nidificação X Eunectes nocteus Hydrochaeris hydrochaeris Vazante Seca Interações fauna – B. glaucescens X X X X X A alimentação da fauna citada dá-se pelo fruto da espécie em estudo, baga subglobosa, acre, de cor violácea quando maduro, com inserção axilar, sendo nos períodos de vazante e seca pelo macaco bugio (Alouatta caraya), que pega os frutos maduros do chão com as mãos indo comê-los nas copas das árvores. Dentre as espécies citadas por Mello et al. (1999) esta também faz parte da dieta alimentar desse primata, fato este registrado por Ferreira e Macedo (2000). Essas autoras observaram I. iguana quanto à forma de alimentação, notando que se alimentava diretamente dos frutos que se encontravam maduros no solo. As capivaras (Hydrochareis hydrochareis) e catetos (Tayassu pecari), alimentam-se dos frutos dessa palmeira nas estações de vazante e seca; registrou-se a presença de sementes inteiras e fragmentos de frutos em suas fezes, que foram coletadas nessa mata, principalmente próxima às ilhas que apresentavam palmeiras frutificadas. Somente na estação da cheia, os frutos dessa espécie fazem parte da dieta alimentar de pacus (Piaractus mesopotamicus) e ximburés (Schizodon borelli), identificados nos conteúdos estomacais, onde observou-se a média de doze sementes inteiras e fragmentos de frutos em conteúdos estomacais de cinco pacus, já em doze ximburés, a média de quinze sementes e muitos fragmentos de frutos e, em oito, esta 8 forma de alimentação. Entretanto, nos estudos de Sório e Damasceno Júnior (1999) e Proença e Damasceno Júnior (1999) que é possível P. mesopotamicus dispersar essa espécie, visto que esses autores realizaram vários testes de germinação com os frutos encontrados. Outros estudos sobre B. glaucescens, compondo a dieta alimentar desse peixe, encontram-se registrados por Conceição e Paula (1986), Van Der Berg (1986), Pott (1993), Pott e Pott (1994), Guarim Neto et al. (1996). Lorenzi et al. (1996), Ferreira e Macedo (2000) . Além dessas interações nos períodos de seca e vazante, é refúgio freqüente para I. iguana que se abriga para fugir dos possíveis predadores e, ocasionalmente, para sucuri (E. nocteus). Todavia, Oliveira (1996) também registrou no Pantanal de Poconé, em populações de pombeiros (Combretum lanceolatum Pohl. e C. laxum Jacq.), em formas agrupadas nas três fases do ciclo hidrológico, esta forma de interação com vários grupos: aves, mamíferos e répteis, na forma de pousada, alimentação, corte, migração, dispersão de frutos e nidificação. Em se tratando de nidificação, no presente estudo registrou-se, na ilha 7, no período de cheia, um ninho de C. crocodilus yacare. Diante do dados analisados, fica evidente que essas populações pantaneiras apresentam peculiaridades em relação à flora-fauna, sendo que o fator o climático propicia uma dinâmica estável, como a de B. glaucescens que apresenta várias características de uma espécie-chave desse equilíbrio. 9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALLEM, A.C.; VALLS, M.J.E. Recursos forrageiros nativos do Pantanal MatoGrossense. Brasília: EMBRAPA-CENARGEN, 1987. (EMBRAPA-CENARGEN Documentos, 8). CONCEIÇÃO, C. de A.; PAULA, J.E. 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