Riscos Associados à Bateria de Íon Lítio no
Ambiente Aeronáutico
Sérgio George Silva Fell – Engenheiro de Desenvolvimento de Produto
EMBRAER S.A.
Palavras Chave: Bateria, Risco, Segurança.
BIOGRAFIA
Sérgio George Silva Fell, graduado em Engenharia Elétrica,
pela Universidade Federal de Pernambuco, modalidade
Eletrônica, Mestrado Profissionalizante em Engenharia
Mecânica Aeronáutica pelo ITA e completou o curso de
Especialização
em
Segurança
da
Aviação
e
Aeronavegabilidade Continuada pela Embraer. Atualmente
trabalha na Embraer na gerência de Segurança de Voo,
grupo de monitoramento do produto.
ABREVIATURAS E ACRÔNIMOS
AC – Advisory Circular
AD – Airworthiness Directive
ANA – All Nipon Airlines
ANAC – Agência Nacional de Aviação Civil
APU – Auxiliary Power Unit
CAA – Civil Aviation Authority
CFR – Code of Federal Regulations
EASA – European Aviation Safety Agency
ETOPS – Extended Twin Operation
FAA – Federal Aviation Administration
FAR – Federal Airworthiness Regulations
FDR – Flight Data Recorder
HAZMAT – Hazardous Materials
ICAO – International Civil Aviation Organization
ITA – Instituto Tecnológico da Aeronáutica
JAL – Japan Airlines
JTSB – Japan Transport Safety Board
Li-ion – Íon de Lítio
NiCd – Níquel Cádmio
NTSB – National Transportation Safety Board
OACI – Organização da Aviação Civil Internacional
PED – Portable Electronic Devices
RAT – Ram Air Turbine
SAFO – Safety Alerts for Operators
RESUMO
Após dois incidentes envolvendo a bateria de íon lítio
instalada no Boeing 787 Dreamliner, B787, um com
princípio de incêndio em solo em Boston e outro resultando
num pouso de emergência no Japão, a indústria aeronáutica
acompanha atentamente a investigação conduzida pelo
NTSB, National Transportation Safety Board, do incidente
de Boston. Isto se deve ao crescente uso deste tipo de bateria e
à tendência de evolução da tecnologia níquel cádmio para íon
lítio em prover potência elétrica a determinados sistemas das
aeronaves. Essas baterias são vantajosas por terem maior
capacidade de armazenamento de energia por unidade peso,
baixa manutenção e alta durabilidade.
Por possuir eletrólito orgânico, baterias de íon lítio são
inflamáveis
e
susceptíveis
a
auto-ignição.
Seu
superaquecimento possui o potencial de criar um efeito
conhecido como thermal runaway, uma reação em cadeia na
qual o calor acelera a taxa das reações químicas, resultando em
um aquecimento adicional, e assim por diante, liberando a
energia armazenada. Uma vez que uma das células da bateria é
induzida a este efeito, a mesma gera calor suficiente para fazer
com que as outras células adjacentes sejam afetadas.
Este artigo tem como objetivo mostrar as vantagens do uso
destas baterias na indústria aeronáutica, apontar os critérios
utilizados em sua certificação, mostrar os gatilhos dos
mecanismos de falha e como alguns podem ser gerenciáveis,
além de apontar os que precisam ter as proteções melhoradas.
Posteriormente, serão abordados os dois incidentes da baterias
de íon lítio no B787 e uma análise destes incidentes mostrando
a solução adotada pela fabricante focando principalmente na
estabilidade térmica destas baterias.
INTRODUÇÃO
Desde a descoberta de relíquias arqueológicas perto de Bagdá,
antiga Mesopotâmia, composta por um jarro de barro, uma
barra de ferro saliente e um tubo cilíndrico feito de folha de
cobre, leva-se a imaginar que a tecnologia da bateria, entre
suas várias formas, tenha existido por aproximadamente 2000
anos.
Foi o inventor Benjamin Franklin, em 1748, que cunhou termo
“bateria” para descrever uma variedade de placas de vidro
carregadas e demonstrou como a eletricidade poderia ser
armazenada. Como muitas tecnologias, as baterias atuais são
resultados de experimentos constantes, melhoria do
conhecimento e avanços incrementais da tecnologia ao longo
dos séculos.
A bateria é composta por uma ou mais células, cada uma
contendo um eletrodo positivo ou cátodo, um eletrodo negativo
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ou ânodo, um separador e um eletrólito. Elas podem ser não
recarregáveis ou recarregáveis.
A eletricidade tem sido usada nos voos motorizados desde
os tempos pioneiros da aviação. O aumento da
complexidade das aeronaves exige sistemas elétricos cada
vez mais avançados e para aplicação aeronáutica, as
baterias recarregáveis são mais vantajosas. Porém, as nãorecarregáveis são usadas em certos sistemas para
alimentação de emergência de equipamento aviônico, tais
como, os gravadores de dados de voo (FDR, Flight Data
Recorder).
As baterias são avaliadas em termos de voltagem nominal e
capacidade de amperagem-hora. O valor da voltagem é
baseado no número de células conectadas em série e a
voltagem nominal de cada célula (2V para chumbo ácido,
1,2V para NiCd - níquel cádmio e 3,6V para íon lítio). A
voltagem mais usada para aplicação em aviação comercial é
24V. A capacidade Ampère-hora (Ah) de uma bateria
completamente carregada depende da sua temperatura de
operação, taxa de descarregamento e idade. A capacidade
de Ah das baterias aeronáuticas varia de 3 até 65Ah.
As baterias são componentes essenciais para o sistema
elétrico de aeronaves, tendo a função de fornecer potência
elétrica e armazenar energia. Tipicamente as baterias são
usadas para dar partida na APU, Auxiliary Power Unit, ser
backup de fornecimento de alimentação elétrica em caso de
emergência elétrica, assegurar que não haja interrupção de
alimentação elétrica para cargas essenciais em caso de
pane, além de prover alimentação elétrica em solo para
atividades de manutenção ou checkout de pré-voo quando
não houver fonte externa /APU.
AS BATERIAS DE ÍON LÍTIO E SUAS
VANTAGENS
As baterias de íon lítio são um tipo de bateria recarregável
onde os íons de lítio se movem do ânodo para o cátodo
durante o descarregamento e oposto quando estão
carregando. Elas são muito utilizadas em equipamentos
eletrônicos portáteis como telefones celulares, tablets e
laptops. Os experimentos com baterias de lítio metálico
começaram em 1912 com G. N. Lewis, mas somente a
partir de 1970 as primeiras baterias de lítio metálico
ficaram disponíveis comercialmente.
Por causa da instabilidade inerente do lítio metálico,
especialmente durante o carregamento, o desenvolvimento
destas baterias mudou seu foco para uma bateria não
metálica de lítio usando íons de lítio. Mesmo tendo a
densidade de energia um pouco inferior à do lítio metálico,
as baterias de íon lítio demonstraram ser mais seguras
(desde que tomadas determinadas precauções na sua carga e
descarga). Com isso, a Sony Corporation começou a
comercializar estas baterias em 1991.
A maioria das aeronaves comerciais, tais como B737,
B777, B747, MD-11, A320, A330, A340 e E145 e a família
dos E-jets usam baterias de níquel cádmio (NiCd), que são
mais pesadas, tem maiores dimensões e menos potentes do
que as baterias de íon lítio. As baterias de íon lítio, por
outro lado, requerem baixa manutenção, são ausentes os
efeitos memória (não vicia), ou seja, não é preciso carregar
a bateria até o total da capacidade e descarregar até o total
mínimo e possuem a condição de recarregar mais rapidamente,
além da alta durabilidade quando comparadas com as outras
disponíveis.
A Tabela 1 evidencia um comparativo entre algumas baterias
disponíveis para aplicação aeronáuticas.
Tabela 1 – Comparativo entre baterias de aplicação
aeronáutica.
Tipo de Bateria
Chumbo ácido
Níquel Cádmio
(NiCd)
Íon Lítio (Li-ion)
Voltagem
Nominal da
Célula
[Volts]
2
Energia
Específica
[W.h/kg]
Densidade de
Energia [W.h/L]
30-40
60-75
1,2
40 -60
50 -150
3,2- 3,7
100-260
250-730
Uma vez que todos os requisitos de escolha de uma bateria
para uso em aeronaves são cumpridos e dadas as vantagens
mencionadas acima, a bateria de íon lítio se mostrou a mais
adequada para os requisitos do B787.
A Tabela 2 evidencia as características da bateria de íon lítio
(cobalto lítio) usada no B787 em comparação com a de níquel
cádmio usada no B777.
Tabela 2 – Características da bateria de Li-ion (B787)
versus NiCd (B777).
Característica
Voltagem
Peso Máximo
Corrente fornecida
para o Power-up da
APU
Bateria de Li-ion
usada no B787
32 V
63 lb
Bateria de NiCd usada
no B777
24 V
107 lb
150 A
16 A
REQUISITOS DE CERTIFICAÇÃO PARA
BATERIAS EM AERONAVES
Em termos gerais, a bateria de uma aeronave deve ser
dimensionada para fornecer potência elétrica suficiente para
suprir as cargas essenciais numa emergência elétrica, mais
especificamente a perda do sistema de potência primária
(geradores).
Regulamentos do FAA, Federal Aviation
Administration, impõem um tempo mínimo de 30 minutos em
caso de emergência elétrica podendo variar conforme
aplicação. O requisito de emergência para operações ETOPS,
Extended Twin Operation, imposto nas operações de aeronaves
de dois motores é de 90 minutos, embora 60 minutos sejam
permitidos com algumas restrições operacionais. O requisito
específico de emergência elétrica pode ser cumprido pelas
baterias ou outras fontes de backup de potência elétrica, tais
como, a RAT, Ram Air Turbine. Se a RAT for usada, a bateria
ainda é requerida para lidar como complemento na operação.
As baterias usadas em aeronaves devem cumprir requisitos
específicos dos regulamentos da CAA, Autoridade Civil de
Aviação. A seguir, como exemplo, serão apresentados os
requisitos que estão descritos na FAA 14 CFR, Code of
Federal Regulations, FAR, Federal Airworthiness Regulations,
parte 25:
FAR 25.611 – Provisões de acessibilidade para inspeções.
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FAR 25.863(a)-(d) – Critérios de instalação de proteção de
fogo para líquidos inflamáveis.
FAR 25.1301(a),(c) – Critérios de instalação de acordo com
as limitações específicas para cada equipamento e para
desempenhar a função pretendida.
FAR 25.1309 – Critérios de segurança do projeto para
equipamentos, sistemas e instalações.
FAR 25.1351(b) – Critérios gerais para dos sistemas
elétricos para chaveamento individual e coletivo em
conexão e desconexão.
FAR 25.1353 – Critério para baterias e sua instalação
baseados na tecnologia de níquel cádmio.
FAR 25-359-SC – FAA emitiu essa condição especial no
lugar dos requisitos FAR 25.1353(c)(1) até (c)(4) para o
projeto e instalação das baterias de íon lítio no B787.
É importante destacar que os critérios de certificação para o
sistema de bateria devem assegurar múltiplos níveis de
proteção, características de segurança de projeto,
monitoramento, sistemas de alertas para tripulação e
desligamento da fonte de carga, bem como de
procedimentos que promovam a operação segura e a sua
manutenção.
MECANISMO DE FALHA DAS BATERIAS
DE ÍON LÍTIO E A PREVENÇÃO DA
PROPAGAÇÃO
Por possuir eletrólito orgânico, as baterias de íon lítio são
inflamáveis e susceptíveis a auto-ignição, que normalmente
ocorre devido a curto circuito interno causado por danos
físicos após impactos mecânicos, defeito interno de
fabricação, aquecimento a temperaturas elevadas,
sobrecarga ou processo de carga ou descarga muito rápido.
Seu superaquecimento possui o potencial de criar um efeito
conhecido como thermal runaway, uma reação em cadeia
na qual o calor acelera a taxa das reações químicas,
resultando em um aquecimento adicional, e assim por
diante, liberando a sua energia armazenada.
A Fig. 1 mostra que a voltagem de operação e a
temperatura da célula devem ser mantidas dentro dos
limites indicados na caixa verde durante todo tempo. Uma
vez fora deste limite pode haver um dano permanente na
célula.
Obtém-se a operação segura das baterias de íon lítio através
de proteções no nível da célula. As proteções da voltagem e
corrente se conseguem através de circuitos eletrônicos
dentro da bateria e carregador, conhecidos como sistema do
gerenciamento da bateria. Já a proteção térmica se dá
através da adição de fusíveis térmicos na célula e
isolamentos térmicos entre as células para evitar sua
propagação.
Figura 1 – Limites seguros de operação da célula de íon
lítio.
O mecanismo de falha de uma célula pode ser causado por um
dos fatores descrito anteriormente nesta seção, acarretando o
aumento da temperatura interna e assim gerando calor e gás. Se
a dissipação deste calor for maior que a geração, então se
obtém um resultado dentro dos padrões de segurança. Agora se
a dissipação for menor do que a geração de calor, então o
possível resultado é o efeito thermal runaway, que leva a
liberação de gases gerando a ruptura da célula que resulta em
fogo e explosão. Quando uma das células da bateria é induzida
a este efeito, a mesma gera calor suficiente para fazer com que
as outras células adjacentes sejam afetadas.
Devido às diversas causas e parâmetros envolvidos na
anatomia da falha da célula e à dificuldade de preveni-la e
prevê-la, é essencial garantir que não haja propagação da falha
para as células adjacentes.
A Tabela abaixo mostra numa visão geral os diversos gatilhos
do thermal runaway , o que pode ocasionar estes gatilhos e
como isto pode ser evitado (gerenciado).
Tabela 3 – Quais são os gatilhos do thermal runaway e como
eles podem ser gerenciados.
Gatilho
Por que pode
ocorrer?
É gerenciável?
Sim, dispositivos de
segurança no nível da
célula
Sim, sistema de
gerenciamento de
baterias e dispositivos
de segurança no nível da
célula
Curto externo
Conexões defeituosas,
detritos externos
Sobrecarga
Conexões defeituosas,
detritos externos
Sobreaquecimento
vindo de fonte externa
Carcaça da bateria
localizada muito
próxima de fontes de
calor
Sim, dispositivos de
segurança no nível da
célula abrem a célula
em níveis de pressão
interna inadequada
Esmagamento da
célula gerando curtos
internos
Impactos físicos na
carcaça da bateria
Sim, projeto mais
robusto das carcaças
Curto interno
Defeitos de fabricação
Propagação do
thermal runaway
Célula afetada pode
elevar a temperatura
Não, o desenvolvimento
de novas tecnologias e
aprimoramento dos
processos produtivos
são necessários
Sim, em alguns casos e
o desenvolvimento de
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das células adjacentes
novas tecnologias é
necessário
Da tabela anterior, percebe-se que uma atenção especial
deve ser dada às causas envolvendo curto circuito interno e
a propagação do thermal runaway. É necessário investir no
desenvolvimento de novas tecnologias de controle térmico
para evitar que a elevação da temperatura de uma célula
sirva de gatilho para propagação em células adjacentes.
sobreaquecimento interno numa célula, a propagação deste
para as células adjacentes e, caso este evento ocorra, ainda
assim existem meios de proteção que não comprometam a
aeronavegabilidade ou causem lesões aos passageiros,
tripulação e danos a aeronave.
AS BATERIAS DE ÍON LÍTIO NO
AMBIENTE AERONÁUTICO
Os dois incidentes do B787, envolvendo a bateria de íon lítio,
estão descritos no próximo capítulo e, mais adiante, uma
análise dos riscos deste tipo de incidentes será feita e
apresentada às melhorias realizadas pelo fabricante da
aeronave para evitar uma elevação de temperatura da célula e,
caso ocorra, mitigar os efeitos thermal runaway.
Pode-se dividir em três os ambientes onde as baterias íon
lítio são encontradas nas aeronaves:
OS DOIS INCIDENTES DE FALHA DA
BATERIA DE ÍON LÍTIO NO B787
1.
2.
3.
Transportadas nos compartimentos de carga ou em
cargueiros.
Transportadas em bagagem de mão pelos
passageiros/tripulação dentro da cabine.
Instaladas permanentemente nos sistemas das
aeronaves.
Em compartimentos de carga ou em cargueiros, as baterias
íon-lítio foram suspeitas de contribuir em acidentes com
aeronaves, um ocorreu na Filadélfia em 2006 e o outro em
Dubai em 2010, conduzindo a OACI a adotar padrões de
carregamentos mais restritos e a recomendar procedimentos
adicionais para o transporte seguro destas baterias
(Dangerous Goods, HAZMAT, Hazardous Materials).
As baterias íon lítio dos PED, Portable Electronic Devices,
transportados em bagagem de mão pelos passageiros e
tripulantes dentro da cabine e seus riscos - requer o
conhecimento de procedimentos e uma tripulação treinada
para combater o incêndio. Em 2009, o FAA emitiu o SAFO
09013, Safety Alerts for Operators, recomendando o
procedimento a ser adotado para o combate ao fogo
quando se deparar com um incêndio num dispositivo
eletrônico causado pela explosão de uma bateria de íon
lítio.
Primeiramente, deve-se extinguir o incêndio utilizando
preferencialmente um extintor de Halon. Se o dispositivo
estiver conectado a uma fonte de energia, deve-se removêla tomando os devidos cuidados. Em seguida, apesar da
utilização de extintores de água não ser recomendada para
combater incêndios em dispositivos elétricos e eletrônicos,
deve-se utilizar este tipo de equipamento, ou qualquer
líquido não inflamável disponível, para resfriar as células
da bateria, evitando que o incêndio inicie novamente.
Nunca se deve cobrir o dispositivo ou utilizar gelo nesta
ocasião, pois isto acarretará em um isolamento térmico
podendo resultar no sobreaquecimento da bateria. É
importante sempre manter os dispositivos que sofreram
algum dano (devido à queda ou impactos mecânicos em
geral) sob observação, pois eles podem não se incendiar no
momento do impacto, mas sim durante uma posterior
recarga ou sobreaquecimento.
O terceiro ambiente – quando instaladas permanentemente
nos sistemas das aeronaves, haverá a observância dos
padrões de certificação das autoridades de homologação
(FAA/EASA, European Aviation Safety Agency/ANAC,
Agência Nacional de Aviação Civil/ etc) que visam
verificar os níveis de proteção para prevenir o início de um
O incidente em solo no Aeroporto Internacional Logan em
Boston
Em 7 de Janeiro de 2013, o pessoal da limpeza percebeu
fumaça dentro da cabine na parte traseira quando estava
trabalhando no Boeing 787-8, da JAL, Japan Airlines, JA829J,
vindo de Narita, Japão e que estava estacionado no portão de
embarque no Aeroporto Internacional General Edward
Lawrence Logan, em Boston, Massachussets, Estados Unidos
da América. Ao mesmo tempo, no cockpit, o gerente de
manutenção observou que a APU tinha desligado
automaticamente. Em seguida, mecânicos abriram o
compartimento eletrônico traseiro e encontraram uma densa
fumaça e “fogo” vindo da parte frontal da carcaça da bateria da
APU. Nenhum passageiro ou tripulação estava a bordo neste
momento. Apenas um bombeiro sofreu lesões leves.
A situação só foi considerada “controlada” pelos bombeiros
um pouco mais de 1h30min após a ação inicial deles. E a
fumaça só parou após vários disparos de Halotron na bateria da
APU e a colocação de uma ventilação forçada para dispersar a
fumaça e calor. A investigação deste incidente foi conduzida
pelo NTSB.
O incidente em voo resultando num pouso de emergência
no Aeroporto Takamatsu
O segundo incidente aconteceu no dia 16 de janeiro de 2013,
na aeronave matrícula JA804A, durante o voo NH-692 da
ANA, All Nipon Airlines, partindo de Ube para Tókio, Japão.
Segundo reporte inicial, a tripulação recebeu várias mensagens
de falha da bateria principal e de outros sistemas que foram
afetados. Eles também reportaram odor de fumaça no cockpit e
na cabine. Então, decidiram por um pouso de emergência no
Aeroporto Takamatsu (35nm de Ube) com evacuação de
emergência dos passageiros e tripulação. Um passageiro sofreu
uma torção no pulso e dois passageiros ficaram levemente
feridos. A investigação deste incidente foi conduzida pelo
JTSB, Japan Transportation Safety Board .
ANÁLISE DOS DOIS INCIDENTES DE
FALHA DA BATERIA DE ÍON LÍTIO NO B787
Pelo cálculo do fabricante da aeronave, a ocorrência de fumaça
na bateria aconteceria a uma taxa menor do que uma vez em
cada 10 milhões de horas voadas, só que foram constatados
dois incidentes em aproximadamente 100 mil horas de voo (52
mil horas de voo e são duas baterias por avião). Estes dois
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incidentes ocorreram num intervalo de duas semanas e em
diferentes locais de instalação, um sendo na bateria de
partida da APU e outro sendo a bateria principal.
As baterias primárias de íon lítio instaladas no B787, a
bateria da APU e a principal, tem o mesmo part number e
servem para diferentes propósitos. A principal função para
bateria da APU é fornecer potência elétrica para dar sua
partida. Já a bateria principal, em solo, é utilizada para
apoiar as operações de abastecimento de combustível e para
inicializar os sistemas das aeronaves antes dos motores
girarem (inicializando os geradores) ou a fonte externa
assumir o suprimento de potência elétrica. Em voo, a
bateria principal está sempre disponível (standby) para
fornecer potência elétrica caso haja transições de fontes de
alimentação e como um backup de alimentação elétrica
para sistemas críticos de voo num evento extremamente
improvável de falha de todas as fontes de alimentação
elétrica.
Apesar das baterias de íon lítio no B787 não serem
responsáveis por funções críticas durante o voo, incidentes
deste tipo podem resultar em danos a sistemas críticos e
estruturais da aeronave. Isto levou o FAA emitir uma AD,
Airworthiness Directive, colocando todas as aeronaves
B787 em solo, sendo logo seguida pelas demais autoridades
aeronáuticas do mundo. Todas as 50 aeronaves em serviço
ficaram impedidas de decolar por aproximadamente 3
meses até que uma solução final fosse aprovada.
As causas do aumento incontrolável da temperatura e a
fuga térmica para as células adjacentes nos dois incidentes
ainda não foram definidas. O fabricante da aeronave
apresentou um conjunto de soluções focando em três
camadas de proteção, ou seja, prevenir que o evento de
sobreaquecimento ocorra, e caso ocorra, prevenir a
propagação para células adjacentes e que haja algum
impacto na aeronave.
Para operação segura na questão da voltagem, houve
melhorias nos processos de manufatura e testes de produção
das células e baterias, proteção na faixa de operação de
voltagem através da redução dos limites de operação tanto
da eletrônica interna da bateria como do carregador.
Para operação numa faixa segura de temperatura, houve
melhorias nos isolamentos térmicos das células e entre elas.
Bem como um aumento do espaçamento entre as células e o
invólucro da bateria. Além disso, um segundo invólucro
selado mais resistente a pressão e calor com ventilação
dedicada e uma linha que direciona os vapores e odores
para fora da aeronave foi instalada.
PERSPECTIVAS FUTURAS
Em 2010, o mercado da baterias recarregáveis de íon lítio
alcançou aproximadamente 11 bilhões de dólares e
continua crescendo. A necessidade de melhorar a segurança
das baterias de íon lítio para aplicação nos meios de
transporte tais como, automóveis elétricos e aviões está
sendo um grande desafio para os cientistas e engenheiros de
materiais. As universidades e indústrias estão se
empenhando para desenvolver novas tecnologias visando
aumentar a estabilidade térmica da eletroquímica. Como
exemplos, podem-se citar as soluções incorporando lítiopolímero e lítio-silício, bem como cátodo de fosfato de
ferro ao invés dos atuais compostos de cobalto, níquel ou
manganês, que liberam oxigênio quando aquecidos.
CONCLUSÕES
Os riscos associados às baterias de íon-lítio requerem a atenção
de toda indústria aeronáutica, assim como a divulgação destes
riscos, suas ações de prevenção e combate. É importante
ressaltar que a melhor forma de mitigar os efeitos deste tipo de
incêndio é a prevenção de sua ocorrência através estudos para
entender os gatilhos do thermal runaway.
A segurança não pode ser determinada ou avaliada por apenas
um critério ou parâmetro. O aumento da segurança destas
baterias é determinado pela implementação de várias ações que
trabalham sinergicamente para alcançar o objetivo de reduzir a
probabilidade de um evento de falha e, se o mesmo vir a
ocorrer, diminuir a severidade da ocorrência. Nesta abordagem,
talvez a estabilidade térmica seja o parâmetro mais importante
para determinar a segurança destas baterias porque a elevação
da temperatura interna na célula é o resultado dos gatilhos do
thermal runaway. O desenvolvimento de tecnologias que
visem reduzir as ocorrências de curto circuito interno e a
propagação do efeito thermal runaway se faz necessário, bem
como um sistema de gerenciamento térmico mais robusto, para
melhorar o desempenho e segurança destas baterias em
aplicações aeronáuticas.
Como lições aprendidas, vale destacar que o novo e não
comprovado, nem sempre é a estratégia ideal quando a
segurança e a alta confiabilidade são os requisitos mais
importantes do sistema.
REFERÊNCIAS
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