Riscos Associados à Bateria de Íon Lítio no Ambiente Aeronáutico Sérgio George Silva Fell – Engenheiro de Desenvolvimento de Produto EMBRAER S.A. Palavras Chave: Bateria, Risco, Segurança. BIOGRAFIA Sérgio George Silva Fell, graduado em Engenharia Elétrica, pela Universidade Federal de Pernambuco, modalidade Eletrônica, Mestrado Profissionalizante em Engenharia Mecânica Aeronáutica pelo ITA e completou o curso de Especialização em Segurança da Aviação e Aeronavegabilidade Continuada pela Embraer. Atualmente trabalha na Embraer na gerência de Segurança de Voo, grupo de monitoramento do produto. ABREVIATURAS E ACRÔNIMOS AC – Advisory Circular AD – Airworthiness Directive ANA – All Nipon Airlines ANAC – Agência Nacional de Aviação Civil APU – Auxiliary Power Unit CAA – Civil Aviation Authority CFR – Code of Federal Regulations EASA – European Aviation Safety Agency ETOPS – Extended Twin Operation FAA – Federal Aviation Administration FAR – Federal Airworthiness Regulations FDR – Flight Data Recorder HAZMAT – Hazardous Materials ICAO – International Civil Aviation Organization ITA – Instituto Tecnológico da Aeronáutica JAL – Japan Airlines JTSB – Japan Transport Safety Board Li-ion – Íon de Lítio NiCd – Níquel Cádmio NTSB – National Transportation Safety Board OACI – Organização da Aviação Civil Internacional PED – Portable Electronic Devices RAT – Ram Air Turbine SAFO – Safety Alerts for Operators RESUMO Após dois incidentes envolvendo a bateria de íon lítio instalada no Boeing 787 Dreamliner, B787, um com princípio de incêndio em solo em Boston e outro resultando num pouso de emergência no Japão, a indústria aeronáutica acompanha atentamente a investigação conduzida pelo NTSB, National Transportation Safety Board, do incidente de Boston. Isto se deve ao crescente uso deste tipo de bateria e à tendência de evolução da tecnologia níquel cádmio para íon lítio em prover potência elétrica a determinados sistemas das aeronaves. Essas baterias são vantajosas por terem maior capacidade de armazenamento de energia por unidade peso, baixa manutenção e alta durabilidade. Por possuir eletrólito orgânico, baterias de íon lítio são inflamáveis e susceptíveis a auto-ignição. Seu superaquecimento possui o potencial de criar um efeito conhecido como thermal runaway, uma reação em cadeia na qual o calor acelera a taxa das reações químicas, resultando em um aquecimento adicional, e assim por diante, liberando a energia armazenada. Uma vez que uma das células da bateria é induzida a este efeito, a mesma gera calor suficiente para fazer com que as outras células adjacentes sejam afetadas. Este artigo tem como objetivo mostrar as vantagens do uso destas baterias na indústria aeronáutica, apontar os critérios utilizados em sua certificação, mostrar os gatilhos dos mecanismos de falha e como alguns podem ser gerenciáveis, além de apontar os que precisam ter as proteções melhoradas. Posteriormente, serão abordados os dois incidentes da baterias de íon lítio no B787 e uma análise destes incidentes mostrando a solução adotada pela fabricante focando principalmente na estabilidade térmica destas baterias. INTRODUÇÃO Desde a descoberta de relíquias arqueológicas perto de Bagdá, antiga Mesopotâmia, composta por um jarro de barro, uma barra de ferro saliente e um tubo cilíndrico feito de folha de cobre, leva-se a imaginar que a tecnologia da bateria, entre suas várias formas, tenha existido por aproximadamente 2000 anos. Foi o inventor Benjamin Franklin, em 1748, que cunhou termo “bateria” para descrever uma variedade de placas de vidro carregadas e demonstrou como a eletricidade poderia ser armazenada. Como muitas tecnologias, as baterias atuais são resultados de experimentos constantes, melhoria do conhecimento e avanços incrementais da tecnologia ao longo dos séculos. A bateria é composta por uma ou mais células, cada uma contendo um eletrodo positivo ou cátodo, um eletrodo negativo - - - - - - - - - - Anais do 6º Simpósio de Segurança de Voo (SSV 2013) – Direitos Reservados - Página 962 de 1014 - - - - - - - - - - ou ânodo, um separador e um eletrólito. Elas podem ser não recarregáveis ou recarregáveis. A eletricidade tem sido usada nos voos motorizados desde os tempos pioneiros da aviação. O aumento da complexidade das aeronaves exige sistemas elétricos cada vez mais avançados e para aplicação aeronáutica, as baterias recarregáveis são mais vantajosas. Porém, as nãorecarregáveis são usadas em certos sistemas para alimentação de emergência de equipamento aviônico, tais como, os gravadores de dados de voo (FDR, Flight Data Recorder). As baterias são avaliadas em termos de voltagem nominal e capacidade de amperagem-hora. O valor da voltagem é baseado no número de células conectadas em série e a voltagem nominal de cada célula (2V para chumbo ácido, 1,2V para NiCd - níquel cádmio e 3,6V para íon lítio). A voltagem mais usada para aplicação em aviação comercial é 24V. A capacidade Ampère-hora (Ah) de uma bateria completamente carregada depende da sua temperatura de operação, taxa de descarregamento e idade. A capacidade de Ah das baterias aeronáuticas varia de 3 até 65Ah. As baterias são componentes essenciais para o sistema elétrico de aeronaves, tendo a função de fornecer potência elétrica e armazenar energia. Tipicamente as baterias são usadas para dar partida na APU, Auxiliary Power Unit, ser backup de fornecimento de alimentação elétrica em caso de emergência elétrica, assegurar que não haja interrupção de alimentação elétrica para cargas essenciais em caso de pane, além de prover alimentação elétrica em solo para atividades de manutenção ou checkout de pré-voo quando não houver fonte externa /APU. AS BATERIAS DE ÍON LÍTIO E SUAS VANTAGENS As baterias de íon lítio são um tipo de bateria recarregável onde os íons de lítio se movem do ânodo para o cátodo durante o descarregamento e oposto quando estão carregando. Elas são muito utilizadas em equipamentos eletrônicos portáteis como telefones celulares, tablets e laptops. Os experimentos com baterias de lítio metálico começaram em 1912 com G. N. Lewis, mas somente a partir de 1970 as primeiras baterias de lítio metálico ficaram disponíveis comercialmente. Por causa da instabilidade inerente do lítio metálico, especialmente durante o carregamento, o desenvolvimento destas baterias mudou seu foco para uma bateria não metálica de lítio usando íons de lítio. Mesmo tendo a densidade de energia um pouco inferior à do lítio metálico, as baterias de íon lítio demonstraram ser mais seguras (desde que tomadas determinadas precauções na sua carga e descarga). Com isso, a Sony Corporation começou a comercializar estas baterias em 1991. A maioria das aeronaves comerciais, tais como B737, B777, B747, MD-11, A320, A330, A340 e E145 e a família dos E-jets usam baterias de níquel cádmio (NiCd), que são mais pesadas, tem maiores dimensões e menos potentes do que as baterias de íon lítio. As baterias de íon lítio, por outro lado, requerem baixa manutenção, são ausentes os efeitos memória (não vicia), ou seja, não é preciso carregar a bateria até o total da capacidade e descarregar até o total mínimo e possuem a condição de recarregar mais rapidamente, além da alta durabilidade quando comparadas com as outras disponíveis. A Tabela 1 evidencia um comparativo entre algumas baterias disponíveis para aplicação aeronáuticas. Tabela 1 – Comparativo entre baterias de aplicação aeronáutica. Tipo de Bateria Chumbo ácido Níquel Cádmio (NiCd) Íon Lítio (Li-ion) Voltagem Nominal da Célula [Volts] 2 Energia Específica [W.h/kg] Densidade de Energia [W.h/L] 30-40 60-75 1,2 40 -60 50 -150 3,2- 3,7 100-260 250-730 Uma vez que todos os requisitos de escolha de uma bateria para uso em aeronaves são cumpridos e dadas as vantagens mencionadas acima, a bateria de íon lítio se mostrou a mais adequada para os requisitos do B787. A Tabela 2 evidencia as características da bateria de íon lítio (cobalto lítio) usada no B787 em comparação com a de níquel cádmio usada no B777. Tabela 2 – Características da bateria de Li-ion (B787) versus NiCd (B777). Característica Voltagem Peso Máximo Corrente fornecida para o Power-up da APU Bateria de Li-ion usada no B787 32 V 63 lb Bateria de NiCd usada no B777 24 V 107 lb 150 A 16 A REQUISITOS DE CERTIFICAÇÃO PARA BATERIAS EM AERONAVES Em termos gerais, a bateria de uma aeronave deve ser dimensionada para fornecer potência elétrica suficiente para suprir as cargas essenciais numa emergência elétrica, mais especificamente a perda do sistema de potência primária (geradores). Regulamentos do FAA, Federal Aviation Administration, impõem um tempo mínimo de 30 minutos em caso de emergência elétrica podendo variar conforme aplicação. O requisito de emergência para operações ETOPS, Extended Twin Operation, imposto nas operações de aeronaves de dois motores é de 90 minutos, embora 60 minutos sejam permitidos com algumas restrições operacionais. O requisito específico de emergência elétrica pode ser cumprido pelas baterias ou outras fontes de backup de potência elétrica, tais como, a RAT, Ram Air Turbine. Se a RAT for usada, a bateria ainda é requerida para lidar como complemento na operação. As baterias usadas em aeronaves devem cumprir requisitos específicos dos regulamentos da CAA, Autoridade Civil de Aviação. A seguir, como exemplo, serão apresentados os requisitos que estão descritos na FAA 14 CFR, Code of Federal Regulations, FAR, Federal Airworthiness Regulations, parte 25: FAR 25.611 – Provisões de acessibilidade para inspeções. - - - - - - - - - - Anais do 6º Simpósio de Segurança de Voo (SSV 2013) – Direitos Reservados - Página 963 de 1014 - - - - - - - - - - FAR 25.863(a)-(d) – Critérios de instalação de proteção de fogo para líquidos inflamáveis. FAR 25.1301(a),(c) – Critérios de instalação de acordo com as limitações específicas para cada equipamento e para desempenhar a função pretendida. FAR 25.1309 – Critérios de segurança do projeto para equipamentos, sistemas e instalações. FAR 25.1351(b) – Critérios gerais para dos sistemas elétricos para chaveamento individual e coletivo em conexão e desconexão. FAR 25.1353 – Critério para baterias e sua instalação baseados na tecnologia de níquel cádmio. FAR 25-359-SC – FAA emitiu essa condição especial no lugar dos requisitos FAR 25.1353(c)(1) até (c)(4) para o projeto e instalação das baterias de íon lítio no B787. É importante destacar que os critérios de certificação para o sistema de bateria devem assegurar múltiplos níveis de proteção, características de segurança de projeto, monitoramento, sistemas de alertas para tripulação e desligamento da fonte de carga, bem como de procedimentos que promovam a operação segura e a sua manutenção. MECANISMO DE FALHA DAS BATERIAS DE ÍON LÍTIO E A PREVENÇÃO DA PROPAGAÇÃO Por possuir eletrólito orgânico, as baterias de íon lítio são inflamáveis e susceptíveis a auto-ignição, que normalmente ocorre devido a curto circuito interno causado por danos físicos após impactos mecânicos, defeito interno de fabricação, aquecimento a temperaturas elevadas, sobrecarga ou processo de carga ou descarga muito rápido. Seu superaquecimento possui o potencial de criar um efeito conhecido como thermal runaway, uma reação em cadeia na qual o calor acelera a taxa das reações químicas, resultando em um aquecimento adicional, e assim por diante, liberando a sua energia armazenada. A Fig. 1 mostra que a voltagem de operação e a temperatura da célula devem ser mantidas dentro dos limites indicados na caixa verde durante todo tempo. Uma vez fora deste limite pode haver um dano permanente na célula. Obtém-se a operação segura das baterias de íon lítio através de proteções no nível da célula. As proteções da voltagem e corrente se conseguem através de circuitos eletrônicos dentro da bateria e carregador, conhecidos como sistema do gerenciamento da bateria. Já a proteção térmica se dá através da adição de fusíveis térmicos na célula e isolamentos térmicos entre as células para evitar sua propagação. Figura 1 – Limites seguros de operação da célula de íon lítio. O mecanismo de falha de uma célula pode ser causado por um dos fatores descrito anteriormente nesta seção, acarretando o aumento da temperatura interna e assim gerando calor e gás. Se a dissipação deste calor for maior que a geração, então se obtém um resultado dentro dos padrões de segurança. Agora se a dissipação for menor do que a geração de calor, então o possível resultado é o efeito thermal runaway, que leva a liberação de gases gerando a ruptura da célula que resulta em fogo e explosão. Quando uma das células da bateria é induzida a este efeito, a mesma gera calor suficiente para fazer com que as outras células adjacentes sejam afetadas. Devido às diversas causas e parâmetros envolvidos na anatomia da falha da célula e à dificuldade de preveni-la e prevê-la, é essencial garantir que não haja propagação da falha para as células adjacentes. A Tabela abaixo mostra numa visão geral os diversos gatilhos do thermal runaway , o que pode ocasionar estes gatilhos e como isto pode ser evitado (gerenciado). Tabela 3 – Quais são os gatilhos do thermal runaway e como eles podem ser gerenciados. Gatilho Por que pode ocorrer? É gerenciável? Sim, dispositivos de segurança no nível da célula Sim, sistema de gerenciamento de baterias e dispositivos de segurança no nível da célula Curto externo Conexões defeituosas, detritos externos Sobrecarga Conexões defeituosas, detritos externos Sobreaquecimento vindo de fonte externa Carcaça da bateria localizada muito próxima de fontes de calor Sim, dispositivos de segurança no nível da célula abrem a célula em níveis de pressão interna inadequada Esmagamento da célula gerando curtos internos Impactos físicos na carcaça da bateria Sim, projeto mais robusto das carcaças Curto interno Defeitos de fabricação Propagação do thermal runaway Célula afetada pode elevar a temperatura Não, o desenvolvimento de novas tecnologias e aprimoramento dos processos produtivos são necessários Sim, em alguns casos e o desenvolvimento de - - - - - - - - - - Anais do 6º Simpósio de Segurança de Voo (SSV 2013) – Direitos Reservados - Página 964 de 1014 - - - - - - - - - - das células adjacentes novas tecnologias é necessário Da tabela anterior, percebe-se que uma atenção especial deve ser dada às causas envolvendo curto circuito interno e a propagação do thermal runaway. É necessário investir no desenvolvimento de novas tecnologias de controle térmico para evitar que a elevação da temperatura de uma célula sirva de gatilho para propagação em células adjacentes. sobreaquecimento interno numa célula, a propagação deste para as células adjacentes e, caso este evento ocorra, ainda assim existem meios de proteção que não comprometam a aeronavegabilidade ou causem lesões aos passageiros, tripulação e danos a aeronave. AS BATERIAS DE ÍON LÍTIO NO AMBIENTE AERONÁUTICO Os dois incidentes do B787, envolvendo a bateria de íon lítio, estão descritos no próximo capítulo e, mais adiante, uma análise dos riscos deste tipo de incidentes será feita e apresentada às melhorias realizadas pelo fabricante da aeronave para evitar uma elevação de temperatura da célula e, caso ocorra, mitigar os efeitos thermal runaway. Pode-se dividir em três os ambientes onde as baterias íon lítio são encontradas nas aeronaves: OS DOIS INCIDENTES DE FALHA DA BATERIA DE ÍON LÍTIO NO B787 1. 2. 3. Transportadas nos compartimentos de carga ou em cargueiros. Transportadas em bagagem de mão pelos passageiros/tripulação dentro da cabine. Instaladas permanentemente nos sistemas das aeronaves. Em compartimentos de carga ou em cargueiros, as baterias íon-lítio foram suspeitas de contribuir em acidentes com aeronaves, um ocorreu na Filadélfia em 2006 e o outro em Dubai em 2010, conduzindo a OACI a adotar padrões de carregamentos mais restritos e a recomendar procedimentos adicionais para o transporte seguro destas baterias (Dangerous Goods, HAZMAT, Hazardous Materials). As baterias íon lítio dos PED, Portable Electronic Devices, transportados em bagagem de mão pelos passageiros e tripulantes dentro da cabine e seus riscos - requer o conhecimento de procedimentos e uma tripulação treinada para combater o incêndio. Em 2009, o FAA emitiu o SAFO 09013, Safety Alerts for Operators, recomendando o procedimento a ser adotado para o combate ao fogo quando se deparar com um incêndio num dispositivo eletrônico causado pela explosão de uma bateria de íon lítio. Primeiramente, deve-se extinguir o incêndio utilizando preferencialmente um extintor de Halon. Se o dispositivo estiver conectado a uma fonte de energia, deve-se removêla tomando os devidos cuidados. Em seguida, apesar da utilização de extintores de água não ser recomendada para combater incêndios em dispositivos elétricos e eletrônicos, deve-se utilizar este tipo de equipamento, ou qualquer líquido não inflamável disponível, para resfriar as células da bateria, evitando que o incêndio inicie novamente. Nunca se deve cobrir o dispositivo ou utilizar gelo nesta ocasião, pois isto acarretará em um isolamento térmico podendo resultar no sobreaquecimento da bateria. É importante sempre manter os dispositivos que sofreram algum dano (devido à queda ou impactos mecânicos em geral) sob observação, pois eles podem não se incendiar no momento do impacto, mas sim durante uma posterior recarga ou sobreaquecimento. O terceiro ambiente – quando instaladas permanentemente nos sistemas das aeronaves, haverá a observância dos padrões de certificação das autoridades de homologação (FAA/EASA, European Aviation Safety Agency/ANAC, Agência Nacional de Aviação Civil/ etc) que visam verificar os níveis de proteção para prevenir o início de um O incidente em solo no Aeroporto Internacional Logan em Boston Em 7 de Janeiro de 2013, o pessoal da limpeza percebeu fumaça dentro da cabine na parte traseira quando estava trabalhando no Boeing 787-8, da JAL, Japan Airlines, JA829J, vindo de Narita, Japão e que estava estacionado no portão de embarque no Aeroporto Internacional General Edward Lawrence Logan, em Boston, Massachussets, Estados Unidos da América. Ao mesmo tempo, no cockpit, o gerente de manutenção observou que a APU tinha desligado automaticamente. Em seguida, mecânicos abriram o compartimento eletrônico traseiro e encontraram uma densa fumaça e “fogo” vindo da parte frontal da carcaça da bateria da APU. Nenhum passageiro ou tripulação estava a bordo neste momento. Apenas um bombeiro sofreu lesões leves. A situação só foi considerada “controlada” pelos bombeiros um pouco mais de 1h30min após a ação inicial deles. E a fumaça só parou após vários disparos de Halotron na bateria da APU e a colocação de uma ventilação forçada para dispersar a fumaça e calor. A investigação deste incidente foi conduzida pelo NTSB. O incidente em voo resultando num pouso de emergência no Aeroporto Takamatsu O segundo incidente aconteceu no dia 16 de janeiro de 2013, na aeronave matrícula JA804A, durante o voo NH-692 da ANA, All Nipon Airlines, partindo de Ube para Tókio, Japão. Segundo reporte inicial, a tripulação recebeu várias mensagens de falha da bateria principal e de outros sistemas que foram afetados. Eles também reportaram odor de fumaça no cockpit e na cabine. Então, decidiram por um pouso de emergência no Aeroporto Takamatsu (35nm de Ube) com evacuação de emergência dos passageiros e tripulação. Um passageiro sofreu uma torção no pulso e dois passageiros ficaram levemente feridos. A investigação deste incidente foi conduzida pelo JTSB, Japan Transportation Safety Board . ANÁLISE DOS DOIS INCIDENTES DE FALHA DA BATERIA DE ÍON LÍTIO NO B787 Pelo cálculo do fabricante da aeronave, a ocorrência de fumaça na bateria aconteceria a uma taxa menor do que uma vez em cada 10 milhões de horas voadas, só que foram constatados dois incidentes em aproximadamente 100 mil horas de voo (52 mil horas de voo e são duas baterias por avião). Estes dois - - - - - - - - - - Anais do 6º Simpósio de Segurança de Voo (SSV 2013) – Direitos Reservados - Página 965 de 1014 - - - - - - - - - - incidentes ocorreram num intervalo de duas semanas e em diferentes locais de instalação, um sendo na bateria de partida da APU e outro sendo a bateria principal. As baterias primárias de íon lítio instaladas no B787, a bateria da APU e a principal, tem o mesmo part number e servem para diferentes propósitos. A principal função para bateria da APU é fornecer potência elétrica para dar sua partida. Já a bateria principal, em solo, é utilizada para apoiar as operações de abastecimento de combustível e para inicializar os sistemas das aeronaves antes dos motores girarem (inicializando os geradores) ou a fonte externa assumir o suprimento de potência elétrica. Em voo, a bateria principal está sempre disponível (standby) para fornecer potência elétrica caso haja transições de fontes de alimentação e como um backup de alimentação elétrica para sistemas críticos de voo num evento extremamente improvável de falha de todas as fontes de alimentação elétrica. Apesar das baterias de íon lítio no B787 não serem responsáveis por funções críticas durante o voo, incidentes deste tipo podem resultar em danos a sistemas críticos e estruturais da aeronave. Isto levou o FAA emitir uma AD, Airworthiness Directive, colocando todas as aeronaves B787 em solo, sendo logo seguida pelas demais autoridades aeronáuticas do mundo. Todas as 50 aeronaves em serviço ficaram impedidas de decolar por aproximadamente 3 meses até que uma solução final fosse aprovada. As causas do aumento incontrolável da temperatura e a fuga térmica para as células adjacentes nos dois incidentes ainda não foram definidas. O fabricante da aeronave apresentou um conjunto de soluções focando em três camadas de proteção, ou seja, prevenir que o evento de sobreaquecimento ocorra, e caso ocorra, prevenir a propagação para células adjacentes e que haja algum impacto na aeronave. Para operação segura na questão da voltagem, houve melhorias nos processos de manufatura e testes de produção das células e baterias, proteção na faixa de operação de voltagem através da redução dos limites de operação tanto da eletrônica interna da bateria como do carregador. Para operação numa faixa segura de temperatura, houve melhorias nos isolamentos térmicos das células e entre elas. Bem como um aumento do espaçamento entre as células e o invólucro da bateria. Além disso, um segundo invólucro selado mais resistente a pressão e calor com ventilação dedicada e uma linha que direciona os vapores e odores para fora da aeronave foi instalada. PERSPECTIVAS FUTURAS Em 2010, o mercado da baterias recarregáveis de íon lítio alcançou aproximadamente 11 bilhões de dólares e continua crescendo. A necessidade de melhorar a segurança das baterias de íon lítio para aplicação nos meios de transporte tais como, automóveis elétricos e aviões está sendo um grande desafio para os cientistas e engenheiros de materiais. As universidades e indústrias estão se empenhando para desenvolver novas tecnologias visando aumentar a estabilidade térmica da eletroquímica. Como exemplos, podem-se citar as soluções incorporando lítiopolímero e lítio-silício, bem como cátodo de fosfato de ferro ao invés dos atuais compostos de cobalto, níquel ou manganês, que liberam oxigênio quando aquecidos. CONCLUSÕES Os riscos associados às baterias de íon-lítio requerem a atenção de toda indústria aeronáutica, assim como a divulgação destes riscos, suas ações de prevenção e combate. É importante ressaltar que a melhor forma de mitigar os efeitos deste tipo de incêndio é a prevenção de sua ocorrência através estudos para entender os gatilhos do thermal runaway. A segurança não pode ser determinada ou avaliada por apenas um critério ou parâmetro. O aumento da segurança destas baterias é determinado pela implementação de várias ações que trabalham sinergicamente para alcançar o objetivo de reduzir a probabilidade de um evento de falha e, se o mesmo vir a ocorrer, diminuir a severidade da ocorrência. Nesta abordagem, talvez a estabilidade térmica seja o parâmetro mais importante para determinar a segurança destas baterias porque a elevação da temperatura interna na célula é o resultado dos gatilhos do thermal runaway. O desenvolvimento de tecnologias que visem reduzir as ocorrências de curto circuito interno e a propagação do efeito thermal runaway se faz necessário, bem como um sistema de gerenciamento térmico mais robusto, para melhorar o desempenho e segurança destas baterias em aplicações aeronáuticas. Como lições aprendidas, vale destacar que o novo e não comprovado, nem sempre é a estratégia ideal quando a segurança e a alta confiabilidade são os requisitos mais importantes do sistema. 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