A Matriz do Ministro Monica Baumgarten de Bolle Economista, Diretora do IEPE/Casa das Garças e Professora da PUC-Rio (Publicação no O Globo a Mais de 10/07/2012) Agora é oficial. Deixamos para trás o tripé e passamos a ter uma matriz. A base da política econômica brasileira não é mais formada pelo triângulo do câmbio flutuante, das metas de inflação e do superávit primário. Ela é bem mais do que isso. É um arranjo retangular de números e códigos com diversas propriedades. Pode até criar realidades virtuais e paralelas, como se viu no filme de 1999 estrelado por Keanu Reeves no papel do protagonista Neo. O Ministro é o nosso Neo? Em um dos inúmeros eventos recentes para banqueiros e empresários, o Ministro destacou que, hoje, o País tem o privilégio de desfrutar de uma matriz de políticas econômicas. Embora o significado disso ainda não seja muito transparente, enfatizou, a compreensão é apenas uma questão de tempo. O que ele quis dizer com isso não ficou lá muito claro. Decerto não deve ter sido uma alusão ao despertar de Neo, que se depara, repentinamente, com um mundo devastado, depois de ser ejetado da sua idílica realidade virtual. Mas, seja lá qual for o significado da mensagem que o Ministro quis passar para empresários e banqueiros, todos hão de concordar que um triângulo, o tripé de outrora, é apenas uma figura bimedimensional, algo mundano e simplório. Tudo bem que tenha algumas propriedades interessantes, como a de que todos os seus ângulos internos devem somar 180 graus, ou equivaler a uma linha reta. A qualidade de ser retilíneo, de transmitir uma maior previsibilidade, de reduzir a incerteza, já foi um atributo admirado e enaltecido da política econômica. Não mais. Não depois da crise de 2008. Tome-se o câmbio, a variável macroeconômica favorita do Ministro. Dizer que é “flutuante” é demasiado unidimensional para as “necessidades brasileiras”. É preciso fazer do câmbio uma variável de múltiplos usos, com diversas codificações na matriz das políticas econômicas. O câmbio pode, e deve, segundo as autoridades brasileiras, ser usado para auxiliar a indústria. Neste caso, vale todo o tipo de intervenção, corre o raciocínio, para evitar um comportamento prejudicial a estes setores, que tanta dificuldade vêm enfrentando. Vale, por exemplo, ter um piso para a cotação do real contra o dólar. Vale também ter um teto. Ou seja, vale voltar para o exotismo do regime de bandas cambiais, que, de flutuante, pouca coisa tem. Mas isso não é o que mais preocupa. O que mais preocupa, o que mais gera ansiedade e apreensão é uma certa desconfiança de que o Ministro conheça os mistérios das matrizes. Matrizes podem ser aleatórias, quando seus componentes são escolhidos ao acaso, ao sabor dos acontecimentos, por exemplo. A matriz do Plano Brasil Maior para a indústria parece uma matriz aleatória. A matriz do “PAC equipamentos” também. Matrizes também podem ser indeterminadas ou singulares, gerando sistemas de equações que são insolúveis. Uma matriz indeterminada não é inversível, isto é, não permite a reversão das implicações para a economia da programação contida nos seus dígitos e códigos. Um perigo, quando se considera as diversas distorções que poderiam gerar o mais recente ativismo do governo. Um ativismo que não dá trégua. Um ativismo que não dará sossego enquanto a Presidente não vencer a batalha do marasmo econômico. Sobretudo da indústria. Uma matriz tem dimensão n por n, podendo n ser qualquer número, inclusive o infinito, quando todas as suas n colunas e n linhas são independentes. Isto é, uma coluna qualquer da matriz é independente quando não pode ser gerada a partir de uma combinação linear das suas demais colunas. Imaginem o Ministro Mantega sendo capaz de inventar múltiplas dimensões na política econômica, sem ter muita certeza do que isso significa. Um pensamento, no mínimo, perturbador. Muitas dimensões, várias realidades paralelas ou virtuais. Será que as nossas autoridades conseguiriam discernir o que é real daquilo que é virtual, uma vez que tenham induzido tamanha complexidade nas relações de causa e efeito da economia? Teremos de esperar para ver quais são as características da matriz de políticas econômicas do governo brasileiro. Neste ínterim, ficamos com a imagem de Guido Mantega, vestido de capa preta e óculos escuros, capaz das façanhas mais incríveis dentro da sua matriz.