PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL MARIA APARECIDA DE BRITO NASCIMENTO POLÍTICA E ACESSO AOS SERVIÇOS PÚBLICOS DE SAÚDE: uma análise das demandas ambulatoriais dos usuários do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás - Goiânia - 2014 Goiânia-GO 2014 MARIA APARECIDA DE BRITO NASCIMENTO POLÍTICA E ACESSO AOS SERVIÇOS PÚBLICOS DE SAÚDE: uma análise das demandas ambulatoriais dos usuários do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás - Goiânia - 2014 Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de Goiás como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Serviço Social, sob orientação da Profª Drª Denise Carmem de Andrade Neves. Goiânia 2014 Dados Internacionais de Catalogação da Publicação (CIP) (Sistema de Bibliotecas PUC Goiás) N244p Nascimento, Maria Aparecida de Brito. Política e acesso aos serviços públicos de saúde [manuscrito]: uma análise das demandas ambulatoriais dos usuários do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás – Goiânia – 2014 / Maria Aparecida de Brito Nascimento. – Goiânia, 2014. 117 f.; 30 cm. Dissertação (mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Programa de Mestrado em Serviço Social, 2014. “Orientadora: Profa. Dra. Denise Carmem de Andrade Neves”. Bibliografia. 1. Política de saúde. 2. Acesso aos serviços de saúde. 3. Direitos sociais. 4. Política pública. I. Título. CDU 614(043) FOLHA DE APROVAÇÃO Dissertação do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Serviço Social defendida e aprovada em 29 de agosto de 2014. BANCA EXAMINADORA __________________________________________________________ Profª Drª Denise Carmem de Andrade Neves (orientadora/presidente) __________________________________________________________ Profª Drª Carla Agda Gonçalves (UFG/membro) __________________________________________________________ Profª Drª Liliana Patrícia Lemus Sepúlveda Pereira (IESB/membro) __________________________________________________________ Profª Drª Constantina Ana Guerreiro Lacerda (PUCGOIÁS/suplente) DEDICATÓRIA Dedico esta dissertação às pessoas muito especiais que fizeram parte da minha vida e que, infelizmente não puderam estar presentes no processo de início e desenvolvimento desta etapa da minha trajetória profissional. Dedico este trabalho aos meus avós Felipa e Aureliano (ambos in memorian), que sempre torceram por mim. Tenho certeza que estariam felizes se estivessem aqui. Aos meus pais Eunice e Agrício (ambos in memorian), pelos seus ensinamentos e legado de honestidade, respeito e sinceridade em todas as situações da vida. Sei que se sentiriam honrados em participar deste momento de minha vida. Aos meus sobrinhos Aurélio, Jordanna e Vinicyus, como incentivo à continuidade do crescimento profissional e pessoal de vocês. AGRADECIMENTOS Agradeço em primeiro lugar ao Senhor Jesus Cristo, pois Ele me mostrou a necessidade de continuar crescendo profissionalmente e como pessoa. O Senhor Jesus cuidou de mim em todos os momentos. Carregou-me nos Seus braços quando me senti cansada e desanimada. Restaurou as minhas forças e o ânimo sempre que precisei. Ouviu as minhas queixas, consolou-me e nunca me desamparou. Esteve sempre ao meu lado. Sua Presença, Seu amor e força sustentaram-me na finalização desta etapa. Ao Senhor Jesus toda honra, louvor, adoração e meu muito obrigada por tudo! Agradeço à pastora Marluce por suas orações, pelo carinho sempre demonstrado e por suas palavras de fé sempre bem-vindas nos momentos em que precisei. Agradeço à pastora Janete pela sua paciência e dedicação nos momentos de muita ansiedade e necessidade de conversar. Aos professores do mestrado, Eleuza, Conceição, Sandra de Faria, Maria José Viana (in memorian), Maria José Rocha, Germano, Denise, Liliana, pela generosidade e compromisso em compartilhar conhecimentos de forma ética e respeitosa, e também à professora Maisa Miralva da Silva, atual coordenadora do Mestrado em Serviço Social da PUC Goiás. Agradeço de forma especial, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (FAPEG), pela relevante contribuição dispensada à continuidade de minha formação profissional, por meio do apoio financeiro destinado à realização do mestrado. Formalizo um agradecimento à minha primeira orientadora, Profª Drª Liliana Patrícia Lemus Sepúlveda Pereira por sua disposição nas orientações desde a elaboração do projeto de pesquisa até a Banca examinadora da dissertação. À Profª Drª Denise Carmem de Andrade Neves, minha atual orientadora, por sua dedicação, competência e ética, ao dar continuidade às orientações, e também por suas significativas contribuições desde o momento da banca de qualificação. À Profª Drª Carla Agda Gonçalves, que muito admiro, por sua competência, compromisso, solidariedade. Obrigada por suas valiosas contribuições desde a banca de qualificação até a defesa desta dissertação e também pelo carinho e preocupação sempre dispensados a mim. À Profª Drª Constantina Ana Guerreiro Lacerda pela participação como suplente na banca examinadora da dissertação. À amiga Tereza Cristina pelo constante incentivo, amizade, contribuições e colaboração no repasse de material de estudo pertinente ao presente trabalho. Às amigas que conheci no mestrado, Heloiza, Luzenir e Sandrinha, pelo carinho, paciência e colaboração, em vários momentos dessa caminhada. Aos colegas da 6ª turma de mestrado que tive o prazer de conhecer nessa desafiadora jornada. À enfermeira Débora por sua disposição e generosidade em colaborar nos momentos que a ela recorri. À Amanda Peres, secretária do mestrado em Serviço Social, pela atenção, respeito e carinho no atendimento das demandas a ela apresentadas. Ao Daniel, funcionário do Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica de Goiás, devido à sua atenção, colaboração e competentes orientações. À Ana Paula, pela sua disposição em colaborar nos trabalhos de informática. À enfermeira Jane Mary pela colaboração no repasse de dados pertinentes a este estudo. À amiga Maria Goreth pela colaboração na confecção dos slides para apresentação deste trabalho à banca examinadora. À professora Arlete pela tradução do resumo em inglês. À amiga Karla pelo seu carinho, palavras de ânimo e incentivo durante esta caminhada. À amiga Célia d’Arc pela revisão parcial de texto. À Mary Anny, por disponibilizar dados que contribuíram com este trabalho. Um agradecimento especial aos estudantes da primeira turma do Curso de Serviço Social da Universidade Federal de Goiás - Regional Goiás, que realizaram estágio no Serviço Social do Hospital das Clínicas/UFG. Vocês foram a motivação para a realização do mestrado. Agradeço também aos demais estagiários que os sucederam, por contribuir no reforço dessa decisão. Registro um agradecimento especial às usuárias do Hospital das Clínicas/UFG, que concordaram em participar da pesquisa. Sem elas, este trabalho não poderia ser realizado. “Há uma idade que se ensina o que se sabe, mas vem em seguida outra, em que se ensina o que não se sabe: isso se chama pesquisa [...]”. (ROLAND BARTHES) RESUMO A presente dissertação tem como objeto o acesso dos usuários aos serviços de interconsultas ambulatoriais prestados pelo Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás (HC/UFG). O estudo foi realizado numa abordagem teórico/crítica. O objetivo geral definido para este estudo consiste em identificar e analisar o acesso dos usuários à política pública de saúde no Hospital das Clínicas/UFG. Foram utilizadas, para discussão e aprofundamento do objeto, as categorias analíticas, Estado, política social, política pública, política de saúde, direitos sociais, acesso e cidadania. A metodologia desenvolvida neste trabalho abrangeu as pesquisas de campo, bibliográfica e documental. Para a coleta de dados foi utilizado, como instrumento, roteiro de entrevista semiestruturada; em seguida, a análise qualitativa dos dados foi realizada pela pesquisadora, na perspectiva de relacionar os conteúdos às categorias analíticas pertinentes à pesquisa. Os resultados da pesquisa demonstraram ser do sexo feminino a totalidade de participantes, a maioria possui baixa renda familiar, média escolaridade e são residentes em Goiânia. Os dados evidenciaram que o acesso aos serviços de interconsulta no HC não se efetiva de forma imediata, mas necessita da intervenção de profissionais da instituição para sua concretização. Palavras-chave: Política de Saúde. Acesso. Direitos Sociais. Políticas Públicas. ABSTRACT This paper aims at assessing the access to outpatient services provided by the School Hospital of the Federal University of Goiás. This study was carried out under a critical theoretical perspective. The main goal consists of identifying and evaluating access to public health policies of the School Hospital of the Federal University of Goiás. In order to deepen our discussion concerning the object of our study, the following analytical categories were used: State, social policy, public policy, healthcare policy, social rights, access and citizenship. The method used in this study encompassed bibliographic and documental field researches. For data collection we used semi-structured interviews as a tool, followed by qualitative analysis carried out by the researcher under the perspective relating content to analytical categories inherent to the research study. Outcomes showed that participants are female, from low-income familes average years of education, and the majority living in Goiânia. Data shows evidence that the access to outpatient services at the School Hospital are not immediately effective, and needs intervention from the staff to make them concrete. Keywords: Health Policies, Access, Social Rights, Social Policies. LISTA DE SIGLAS AI Ato Institucional AIDS Síndrome de Imunosuficiência Adquirida AIS Ações Integradas de Saúde ANAS Agência Nacional de Saúde Suplementar ANS Agência Nacional de Saúde ANVISA Agência Nacional de Vigilância Sanitária BM Banco Mundial CAIS Centro de Assistência Integral à Saúde CAMIS Coordenadoria de Assistência Médico Sanitária CAPS Caixa de Aposentadorias e Pensões CAPS Centro de Atendimento Psicossocial CCIH Comissão de Controle de Infecção Hospitalar CEBES Centro Brasileiro de Estudos em Saúde CEFESS Conselho Federal de Serviço Social CEME Central de Medicamentos CEP Comitê de Ética em Pesquisa CERTEPE Centro de Tratamento e Pesquisa em Eplepsia CETACO Centro de Tratamento em Coluna CEROF Centro de Referência em Oftalmologia CIAMS Centro Integrado Médico Sanitário CLT Consolidação das Leis Trabalhistas CNES Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde CPMF Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira CUT Central Única dos Trabalhadores DATAPREV Processamento de Dados da Previdência Social DRU Desvinculação das Receitas da União EBSERH Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares FAPEG Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás FAZ Fundo de Amparo Social e Desenvolvimento FEBEM Fundação de Bem-Estar do Menor FGTS Fundo de Garantia por Tempo de Serviço FHC Fernando Henrique Cardoso FM Faculdade de Medicina FMI Fundo Monetário Internacional FUMDEC Fundação Municipal de Desenvolvimento Comunitário FUNABEM Fundação Nacional de Bem Estar do Menor FUNASA Fundação Nacional de Saúde FUNDAHC Fundação de Apoio ao Hospital das Clínicas HC Hospital das Clínicas HU Hospital Universitário IAPAS Instituto da Administração da Previdência Social IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IC Interconsultas Subespecialidades IFES Instituições Federais de Ensino Superior INAMPS Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social INPS Instituto Nacional de Previdência Social IPASGO Instituto de Previdência e Assistência Social do Estado de Goiás IT Interconsultas de Áreas Afins LBA Legião Brasileira de Assistência LOAS Lei Orgânica da Assistência Social LOPS Lei Orgânica da Previdência Social LOS Lei Orgânica da Saúde MARE Ministério da Administração da Reforma do Estado MEC Ministério da Educação e Desporto MP Medida Provisória MPAS Ministério da Previdência e Assistência Social MRS Movimento de Reforma Sanitária NIR Núcleo Interno de Regulação NOB Norma Operacional Básica NOBRH Norma Operacional Básica de Recursos Humanos OMS Organização Mundial de Saúde ONG Organização não Governamental ONU Organização das Nações Unidas OS Organização Social OSCIP Organização da Sociedade Civil de Interesse Público PAB Piso de Atenção Básica PNHAH Programa Nacional de Humanização Hospitalar PSF Programa Saúde da Família PUC Pontifícia Universidade Católica REHUF Programa de Reestruturação dos Hospitais Universitários Federais RJU Regime Jurídico Único SAMIS Serviço de Arquivo Médico e Informações em Saúde SAMU Serviço de Atendimento Móvel de Urgência SAS Secretaria de Assistência à Saúde SEMAS Secretaria Municipal de Assistência Social SINPAS Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social SMS Secretaria Municipal de Saúde SNS Sistema Nacional de Saúde SUDS Sistema Único e Descentralizado de Saúde SUS Sistema Único de Saúde TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido TFD Tratamento Fora do Domicílio UFG Universidade Federal de Goiás UTI Unidade de Terapia Intensiva SUMÁRIO INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 14 CAPÍTULO 1 ESTADO, POLÍTICA SOCIAL, POLÍTICA PÚBLICA............................................... 20 1.1 Estado, cidadania, direitos sociais e políticas públicas ....................................... 20 1.2 A trajetória da Política de saúde no Brasil: alguns marcos sócio-históricos anteriores à Constituição Federal de 1988 ......................................................... 36 CAPITULO 2 A POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL APÓS CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 ... ...................................................................................................................... 50 2.1 A saúde no tripé da Seguridade Social: avanços e limites .................................. 50 2.2 A dualidade saúde pública X saúde privatista: projetos em disputa .................... 55 2.3 Sistema Único de Saúde (SUS): discussão do acesso para todos ..................... 62 CAPÍTULO 3 A POLÍTICA DE SAÚDE NO MUNICÍPIO DE GOIÂNIA E O ACESSO DOS USUÁRIOS AOS SERVIÇOS PRESTADOS PELO HOSPITAL DAS CLÍNICAS/UFG ... 73 3.1 A organização dos serviços públicos de saúde no município de Goiânia ........... 73 3.2 O Hospital das Clínicas (HC) da Universidade Federal de Goiás (UFG) e sua inserção na política de saúde vigente ................................................................. 79 3.3 Discussão do acesso dos usuários às interconsultas no HC/UFG ...................... 85 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 100 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 103 APÊNDICES ........................................................................................................... 108 ANEXO ................................................................................................................... 117 14 INTRODUÇÃO A experiência como assistente social na área da saúde e, especificamente, no Serviço Social de Ambulatório do Hospital das Clínicas (HC) da Universidade Federal de Goiás (UFG), motivou o estudo do acesso dos usuários aos serviços públicos de saúde de modo geral e específico nessa instituição. A discussão do tema advém da inquietação diante do fato de que os usuários que não têm acesso ao atendimento de suas demandas ambulatoriais são encaminhados por profissionais do HC ou procuram o assistente social de forma espontânea, na tentativa de viabilização desse direito. Nesse sentido, nota-se que os direitos conquistados pela sociedade e incorporados à Constituição Federal de 1988 não são, de fato, efetivados. Assim, o interesse em estudar o Sistema Único de Saúde (SUS) é pertinente em razão da saúde ter obtido destaque na Seguridade Social, passando a ser uma política pública, direito social e responsabilidade do Estado. Desse modo, são necessários estudos voltados para o tema visando maior conhecimento e reflexão acerca do assunto. Para realização da pesquisa foram selecionados, dentre os vários serviços prestados pelo HC, aqueles que dizem respeito às interconsultas ambulatoriais. Esse serviço foi implantado em 2006, na primeira gestão do atual diretor, Prof. Ms. José Garcia Neto e tem como objetivo facilitar o acesso interno dos usuários a outras especialidades médicas ou não, para agilização e continuidade do tratamento de saúde na instituição. O serviço não possui documentação específica e é pago pela Secretaria Municipal de Saúde de Goiânia, como consulta de primeira vez. (GERÊNCIA SAMIS, 2014). As interconsultas estão organizadas de duas formas: interconsultas/ subespecialidade (ICs), que são aquelas relacionadas a uma mesma área, por exemplo: ortopedia geral encaminha às subespecialidades, ombro, quadril, joelho, entre outras. E as interconsultas (ITs) dizem respeito às especialidades afins. Exemplo: reumatologia e ortopedia. As vagas para interconsultas não são disponibilizadas para a Secretaria Municipal de Saúde de Goiânia. São liberadas internamente, pelo médico de cada especialidade, de acordo com as suas condições para atender consultas, retornos e interconsultas. Não há um número específico de interconsultas/mês, porém, quando 15 preenchido o número de consultas disponibilizadas, o usuário é incluído em lista de espera (GERÊNCIA SAMIS, 2014). Após a consulta, os usuários encaminhados via interconsulta devem se dirigir ao Serviço de Arquivo Médico e Informações em Saúde (SAMIS), para agendamento. As interconsultas são solicitadas pelo profissional médico ou não, em formulário próprio da instituição (anexo 1) e não é aceito em outras unidades da rede pública, pois somente o HC disponibiliza essa forma de agendamento. Os usuários que não se enquadram nas ICs e ITs devem retomar todo processo para agendamento de consultas pelo SUS, via unidades básicas, e aguardar a liberação da vaga pelo sistema da Secretaria Municipal de Saúde de Goiânia (SMS). Ao observar o comparecimento dos usuários ao Serviço Social de Ambulatório/HC na tentativa de viabilização dessa demanda definiu-se como objeto de pesquisa: acesso dos usuários aos serviços de interconsultas ambulatoriais prestados pelo Hospital das Clínicas/UFG. Em 2013, foram agendadas 8.598 ICs e 9.595 ITs (Seção de Planejamento, Orçamento e Custos/HC/UFG, 2013). Entretanto, existe uma lista de espera de 1.373 usuários. As especialidades mais procuradas, dentre outras, são: endocrinologia, cardiologia, ortopedia, angiologia, otorrinolaringologia e reumatologia (SAMIS, abril, 2014). O universo considerado pela pesquisadora foi o número de usuários que compareceu ao Serviço Social de Ambulatório no período de janeiro a junho de 2013, num total de 33 (trinta e três). Utilizou-se esse período pelo fato do registro da demanda ter sido especificado pelo Serviço Social, a partir desse ano e também pela necessidade de a pesquisadora encaminhar o projeto de pesquisa em agosto de 2013, ao Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-Goiás), conforme estabelece a Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde/ Ministério da Saúde. A aprovação do projeto ocorreu em 19/12/2013, pelo parecer nº 502.496; em seguida foi apreciado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital das Clínicas/UFG, por exigência dessa instituição, e obteve aprovação em 27/02/2014, parecer 544.325. O atraso na aprovação do projeto pelos mencionados Comitês de Ética levou à busca de outro caminho para a realização da coleta de dados, ocorrida no período de 6 a 21 de março de 2014, quando a pesquisadora já se encontrava em licença para capacitação (período de 6/01 a 16 5/04/2014). Estava previsto, inicialmente, que os participantes deveriam comparecer ao Serviço Social de Ambulatório/HC de forma espontânea, porém, em virtude dos fatos citados optou-se pela mudança da forma de entrevistá-los. O contato com os participantes realizou-se por telefone e foram agendados dia e hora de acordo com a disponibilidade de cada um para comparecimento ao local mencionado. A amostra, definida anteriormente, foi de dez participantes, no entanto, somente oito foram entrevistados devido a não concordância de alguns ou por impossibilidade de contato (número incorreto de telefone ou não atendimento da ligação). No roteiro de entrevista, a pergunta que se refere ao motivo que levou os participantes a procurar o Serviço Social de Ambulatório/HC foi mantida porque diz respeito ao seu comparecimento ao referido local em ocasião anterior à coleta de dados para tentativa de agendamento da interconsulta. Para o estudo foram realizadas pesquisa de campo, de abordagem qualitativa; pesquisa bibliográfica, em processo contínuo de revisão; levantamento de sites e dissertações pertinentes à temática; pesquisa documental referente ao HC e município de Goiânia. A pesquisa de campo foi realizada por meio de roteiro de entrevista semiestruturada (apêndice 1). Conforme estabelecido no projeto de pesquisa, foram realizados dois pré-testes, que apontaram para a necessidade de alterações no roteiro de entrevista e também por sugestões da banca de qualificação da dissertação, ocorrida em 16/12/2013. Os dados foram sistematizados por meio de agrupamento das respostas similares dos sujeitos. A análise dos dados foi realizada numa abordagem teórico/crítica na perspectiva de relacioná-los com as categorias analíticas pertinentes à pesquisa e aos conteúdos, visando um maior aprofundamento da apreensão da realidade dos serviços públicos de saúde. Para melhor identificação dos participantes traçou-se o seu perfil socioeconômico, e receberam eles, pseudônimos, como forma de preservar sua identidade. A coleta de dados aconteceu somente após as explicações da pesquisadora referentes ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), (apêndice 2), e na presença de testemunhas, que posteriormente, assinaram o comprovante de participação nessa etapa do processo e retiraram-se do local. Em seguida, os participantes e a pesquisadora assinaram o TCLE e cada um ficou com uma via do 17 documento. Os participantes assinaram ainda, uma declaração como sujeitos da pesquisa (apêndice 3). As perguntas foram feitas pela pesquisadora e as respostas foram anotadas no roteiro de entrevista e, em seguida realizou-se a leitura com o intuito de garantir a fidedignidade e a aprovação dos participantes. A pesquisa tem como referencial teórico a teoria social crítica, pois considera a história e possibilita a reflexão crítica da realidade, num contexto socioeconômico e político. Dentre outros, foram utilizados os seguintes autores: Bravo, (1996, 2009, 2013), Vasconcelos (2011), Campos (2006), Costa (2006), Pereira (2012), Iamamoto (2009), Cohn e Elias (1999), Menicucci (2006), Alencar e Almeida (2011), Teixeira, (2012), Silva (2010). As categorias analíticas eleitas para o estudo foram: Estado, política social, política pública, direitos sociais, política de saúde, acesso e cidadania. Essa definição deve-se ao fato de as categorias estarem diretamente relacionadas ao objeto estudado e além de relacionadas entre si. Esta dissertação tem como objetivo geral identificar e analisar o acesso dos usuários à política pública de saúde no Hospital das Clínicas /UFG; e como objetivos específicos, analisar a política de saúde no HC/UFG, a partir das demandas de interconsultas ambulatoriais, na perspectiva do direito e acesso dos usuários à saúde, além de fornecer elementos junto aos gestores do HC para discussão do acesso dos usuários aos serviços de interconsultas implantados na instituição. Um dos aspectos referentes ao objeto está relacionado ao fato de que, mesmo sendo direito de todos, nem todos têm acesso aos serviços públicos de saúde, dicotomia que tem contribuído para a desigualdade no atendimento das demandas de saúde dos usuários do SUS. Diante disso, percebe-se que as conquistas da sociedade, expressas na Constituição Federal de 1988, não são, de fato, efetivadas. O acesso “é seletivo, excludente e focalizado, demonstrando um descompasso entre legislação e legitimidade sociais” (PREUSS; MENDES, 2009, p. 168). Essa realidade denuncia a priorização do não investimento do poder estatal nas políticas públicas, especificamente, a saúde. Tal fato revela a continuidade do projeto neoliberal quanto à sua opção pela área econômica em detrimento do social. Diante desse contexto está a pergunta norteadora da pesquisa: como se efetiva o acesso dos usuários às interconsultas ambulatoriais no HC/UFG? As 18 hipóteses que responderão à indagação são: a efetivação do acesso dos usuários às interconsultas ambulatoriais está relacionada às informações que possuem quanto aos seus direitos à saúde, e o atendimento dessa demanda está condicionado à organização dos serviços prestados pelo HC/UFG. Para a divulgação dos resultados deste estudo, serão disponibilizados exemplares na Biblioteca Central da PUC-Goiás, no Hospital das Clínicas/UFG, na Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (FAPEG), além de apresentação em seminários, encontros e outros eventos pertinentes. Os participantes da pesquisa terão conhecimento dos resultados, por meio da pesquisadora em reunião com data, local e hora predefinidos. A relevância desta pesquisa consiste em contribuir para a discussão e análise crítica acerca do acesso dos usuários aos serviços públicos de saúde de forma geral e, especificamente no HC, além de contribuir para a ampliação do conhecimento referente a essa temática. A dissertação está estruturada em três capítulos, da forma especificada a seguir. O primeiro tem como título Estado, Políticas Sociais e Políticas Públicas. Discutiu-se tais categorias e a forma como são percebidas por algumas concepções de Estado como liberal, apresentando sua visão de Estado e sociedade. Welfare State e seu foco na proteção social como direito, o Estado Democrático de Direito que amplia os direitos sociais, e o Estado ou ofensiva neoliberal que se contrapõe aos direitos conquistados pela sociedade. Foram evidenciados também, alguns marcos da trajetória da política de saúde internacional e nacional no Brasil, anteriores à Constituição Federal de 1988. No segundo capítulo, Política de saúde no Brasil após Constituição Federal de 1988, discutiu-se as principais conquistas da política de saúde, a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), seus avanços e desafios, a discussão do acesso dos usuários aos serviços públicos de saúde embasado nos princípios norteadores do SUS e a disputa entre dois projetos de saúde no Brasil: público, defendido pelo Projeto de Reforma Sanitária e o privatista que prioriza o fortalecimento do capital e privatização dos serviços públicos. No terceiro capítulo, A política de saúde no município de Goiânia apresentou-se um breve histórico da construção de Goiânia e a forma que os serviços públicos de saúde estão organizados no referido município, a fim de 19 apreender como se efetiva o acesso dos usuários a esses serviços. Discutiu-se, o Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás e sua inserção na política de saúde vigente num breve contexto histórico e sua contribuição na implantação do SUS em Goiás e em Goiânia. Por fim, os dados obtidos na pesquisa de campo realizada com usuários do HC foram analisados buscando atender aos objetivos propostos. O estudo evidenciou ser do sexo feminino a totalidade de participantes, e várias tiveram dificuldades em dar continuidade ao tratamento de saúde devido, dentre outros fatores, a limitação de vagas para interconsultas em várias especialidades. Constatou-se também que as participantes que tiveram acesso às interconsultas recorreram ao Serviço Social do HC e contaram com a sua intervenção. A seguir, a exposição do estudo desenvolvido nesta dissertação. CAPÍTULO 1 ESTADO, POLÍTICA SOCIAL, POLÍTICA PÚBLICA Para maior apreensão do objeto de estudo optou-se por discutir as categorias citadas neste capítulo, na perspectiva de estabelecer a relação com a política de saúde. Buscou-se a interlocução com alguns pontos significativos à sua trajetória, num breve contexto internacional e nacional, anteriores à Constituição Federal de 1988. 1.1 Estado, cidadania, direitos sociais e políticas públicas Para contextualizar a política social e a política pública é necessário, antes, uma reflexão a respeito do Estado e sua relação com a sociedade civil, porque é nessa relação que tais políticas se desenvolvem. Nesse sentido, é preciso entender que o Estado não é, igual ou idêntico em todos os momentos históricos e em todos os momentos socioculturais e por isso não expressa um conceito universal e absoluto. Existem ainda, diferentes e competitivas doutrinas, teorias ou concepções sobre o Estado e suas relações com a sociedade, bem como sobre a sua índole e função social (PEREIRA, 2012, p. 27-28). Assim, o Estado é um conjunto de relações conflituosas que buscam os seus interesses particulares. Daí o entendimento de que o Estado atua na correlação de forças existentes na sociedade. Na base do Estado estão os vários modos de produção (escravagista, feudal, capitalista e socialista) que geram “mudança na estrutura da sociedade e nas relações sociais correspondentes” (PEREIRA, 2012, p. 28). É nesse contexto que emerge a busca por direitos. O desafio de construir, afirmar e consolidar direitos é inerente à trajetória histórica da sociedade. Desse modo, existem dois pensamentos que tratam dos direitos. O primeiro está relacionado ao Jusnaturalismo, doutrina filosófica do século XVIII que entende os direitos como algo natural, inerente ao homem desde o seu nascimento, e ele nada precisa fazer para obtê-los. O segundo pensamento diz respeito à concepção de que “os direitos são resultados do movimento histórico em que são debatidos, correspondendo a um homem concreto e às suas necessidades, delimitado pelas 21 condições sociais, econômicas e culturais de determinada sociedade” (COUTO, 2010, p. 34). A presença dos direitos na sociedade está vinculada à questão da cidadania, na perspectiva da participação da população nas decisões pertinentes a ela e no acesso aos serviços a que tem direito. Nesse sentido, cidadania conforme Coutinho éa [...] Capacidade conquistada por alguns indivíduos, ou (no caso de uma democracia efetiva) por todos os indivíduos de se apropriarem dos bens socialmente criados, de atualizarem todas as potencialidades de realização humana abertas pela vida social em cada contexto historicamente determinados (COUTINHO, 2000, p. 50). Essa afirmação do autor coloca a cidadania numa perspectiva histórica, em que todos podem ter acesso aos bens que produzem e, assim, terem as suas necessidades humanas supridas. Nesse sentido, “[...] cidadania não é algo determinado por uma classe, mas construída nesta relação entre os sujeitos” (GONÇALVES, 2006, p. 44). Nessa lógica, para Faleiros (2007) a produção da sociedade e do Estado e a produção do sujeito articulam-se de forma contraditória. Assim, A construção da cidadania passa a ser a construção da política, entendida como pactos e direitos de convivência cotidiana, de relação entre si e outro, de relação entre grupos, num determinado território e cultura de convívio como polis, com interesses e normas definidas para todos os que sejam reconhecidos como membros de uma sociedade (FALEIROS, 2007, p. 38). Conforme o entendimento do autor, a cidadania está relacionada ao convívio entre pessoas que estão em um mesmo espaço geográfico e que buscam os seus interesses no sentido de estabelecer direitos entre todos, de forma igualitária, e que não prejudique o outro. E Faleiros, afirma: O direito estabelecido pelo Estado, entretanto, não basta, por si só, para definir e assegurar a cidadania para todos, pois se inscreve numa determinada correlação de forças socioeconômicas [...]. A dinâmica da construção da cidadania de fato, passa pelo reconhecimento de direitos do ponto de vista jurídico, implicando no entanto, uma dinâmica contraditória de lutas e de forças entre a estruturação legal e a vida social real (FALEIROS, 2007, p. 38). Essa relação não está dissociada da tríade cidade/cidadania/cidadão que evoluiu historicamente. 22 Para Ribeiro, Na antiguidade clássica, cidadania tem a ver com a condição de civita pela qual os homens, vivendo em aglomerados urbanos, contraem relações fundadas em direitos e deveres mutuamente respeitados. Posteriormente, à condição de civitas somou-se a de polis, ou seja, o direito de moradores da cidade participarem dos negócios públicos. Já, no século XIX, a condição de cidadania é expandida com a inclusão de direitos de proteção do morador da cidade contra o arbítrio do Estado. No final do século XIX e no início do século XX, a condição de cidadão passa também a expressar os direitos relacionados à proteção social, inicialmente relacionados aos riscos do trabalho assalariado (desemprego, acidente de trabalho, etc) (RIBEIRO, 2005, p. 44-45). Conforme demonstrado pelo autor, a cidadania passou por uma evolução histórica, que é contínua. Vale ressaltar que a sociedade alcança os seus direitos, em cada época, de acordo com a sua luta. Assim, ao longo dos séculos XVII e XIX, respectivamente, os direitos civis (direito à vida, direito de ir e vir, entre outros) e políticos (direito de votar e ser votado, direito à associação e organização) foram conquistados, enquanto os direitos sociais, somente no século XX. Os documentos que dão suporte ao campo dos direitos são: a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, elaborada em 1789 na França, que “formulou as bases da instituição da cidadania e expressou o início de um novo período na história da civilização ocidental, passando a ser a fonte e o fundamento político das leis” (SIMÕES, 2012, p. 85). Anteriormente estava vinculada à inspiração divina e aos costumes da época. Esse documento estabeleceu a distinção entre direitos do homem e direitos do cidadão, que se diferenciam pelo processo histórico, em que os primeiros dizem respeito ao homem enquanto tal, e os segundos, ao indivíduo enquanto ser social e político (SIMÕES, 2012). Outro importante documento é a Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), em 1948 (pós II Guerra Mundial). Vale ressaltar que não bastam documentos com propostas universalizantes, pois “o fato de ser reconhecido como direito não garante a efetividade de seu exercício” (BOBBIO apud COUTO, 2010, p. 37). Além disso, em uma sociedade de direitos, eles precisam ser identificados, protegidos e cobrados. Diante disso, para a sociedade garantir os seus direitos, escreve leis, aparatos jurídicos e Constituições. Esses instrumentos zelam por uma determinada conquista da sociedade e são acionados, “de forma cada vez mais 23 crescente [...] e individual” (SETÚBAL, 2013, p. 99). Percebe-se que o acesso dos cidadãos aos direitos é desigual e “a judicialização das políticas públicas é real” (SETÚBAL, 2013, p. 99) no sentido da busca pela sua garantia. Diante do embate da sociedade por essa conquista destaca-se a luta dos trabalhadores pelos direitos sociais, que adentra o século XX, em razão da consolidação do modo de produção capitalista que possui na sua base constitutiva a exploração do capital sobre o trabalho, na perspectiva de acumulação de altos lucros. Conforme Filho, No capitalismo, as classes fundamentais que representam o capital e o trabalho possuem interesses, do ponto de vista estrutural, antagônicos e inconciliáveis, pois a participação nas decisões fundamentais da produção (o que produzir, quanto produzir e como produzir) são assimétricas, já que o poder está nas mãos de quem detém os meios de produção e se apropria da riqueza produzida e não daqueles que participam do processo a partir de sua força de trabalho (FILHO, 2013, p. 2a). No século XVIII, o avanço das forças produtivas rumo ao capitalismo industrial e as inovações do período determinaram o surgimento da maquinofatura. Esse contexto permitiu “a multiplicação da produtividade do trabalho humano e o aprofundamento da sua consequente alienação” (BRAVO, 2013, p. 31). Para aumentar a produtividade, mulheres e crianças também foram recrutadas pelos capitalistas para o trabalho nas fábricas. Essa realidade acentuou ainda mais a exploração do capital sobre a classe subalterna. A extensão da carga horária para dezesseis horas diárias, o aumento da pobreza e a mendicância se acentuavam no processo capitalista; a classe trabalhadora, ao perceber a sua condição de explorada, iniciou um movimento reivindicatório por melhores condições de trabalho e salário e, por conseguinte, melhores condições de vida. Dessa forma, em 1846, na Inglaterra, após longas lutas, os operários conquistaram a redução da carga horária para doze horas diárias (BRAVO, 2013). Os séculos XVIII e XIX, na França foram marcados por revoluções iniciadas pelos operários. Todavia, a inexistência de um projeto claro de reivindicações favoreceu a manipulação desses movimentos pela burguesia. No Brasil, o processo de mobilização dos trabalhadores sofreu o impacto da escravatura e da falta de organização dos trabalhadores livres predominantes na área rural, no início do século XX. Isso traduz as dificuldades da classe na luta por 24 direitos. No entanto, em meados do século XIX começam a surgir as primeiras associações mutuárias voltadas para objetivos assistenciais. Posteriormente, várias delas reivindicam ao Estado, melhores condições de vida e trabalho. No mesmo século surgem também as ligas de resistência. Várias organizações são constituídas no período de 1850 a 1920, e se acentuam, em 1910, devido às condições precárias de sobrevivência dos trabalhadores (BRAVO, 2013). A década de 1930, por suas características históricas, socioeconômicas e políticas propiciou o avanço da organização dos trabalhadores, que, a partir de então, passa por altos e baixos, de acordo com a conjuntura em que se inserem. Nesse contexto de exploração do capital e lutas reivindicatórias da classe trabalhadora emerge a questão social. Pereira considera que, a questão social que eclodiu na segunda metade do século XIX, no rastro da Revolução Industrial, impôs-se como um fato perturbador da ordem e das instituições liberal-burguesas. Com efeito, a questão social constituída em torno do pauperismo e da miséria das massas, representou o fim de uma concepção idealista de que a sociedade por si só ou, quando muito, acossada pela polícia, pudesse encontrar soluções para os problemas sociais. (PEREIRA, 2012, p. 33). Nesse sentido, na mesma década, no Brasil, a questão social deixou de ser entendida como caso de polícia para, de certa forma, ser caso de política. No entanto, não perdeu o seu caráter repressivo, dada a restrição do acesso dos trabalhadores aos direitos estabelecidos pela legislação da época e a necessidade de serem eles filiados a sindicatos oficiais. A questão social no Brasil não deixou, conforme Santos, de exibir conflitos decisivos no processo histórico nacional , a luta de classes esteve, na maior parte do tempo, emoldurada por regimes políticos antidemocráticos,definindo o traço historicamente predominante das respostas do Estado e das classes dominantes à questão social (SANTOS, 2012, p. 140). Diante desse contexto, e para uma maior apreensão dessa realidade, conceitua Iamamoto, Questão social apreendida enquanto o conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista que tem uma raiz comum: a produção social é cada vez mais social, enquanto a apropriação dos seus frutos mantem-se privada, monopolizada por uma parte da sociedade (IAMAMOTO, 2009, p. 176). 25 A mesma autora prossegue no entendimento de que “a questão social sendo desigualdade é também rebeldia, pois os sujeitos sociais, ao vivenciarem as desigualdades, a elas também resistem e expressam o seu inconformismo” (IAMAMOTO, 2009, p. 176). Essa afirmação é coerente porque a luta de classes é elemento constitutivo da questão social, pois está presente nas “relações sociais contraditórias e antagônicas entre capitalistas e trabalhadores” (SANTOS, 2012, p. 30). Nessa lógica, Bravo (2013) alinha o seu pensamento com Santos (2012) ao afirmar que a Questão social pode ser entendida a partir da formação e desenvolvimento da classe operária e seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte do empresariado e do Estado. É a manifestação no cotidiano da vida social, da contradição entre o proletário e a burguesia, a qual passa a exigir outros tipos de intervenção, além da caridade e repressão (BRAVO, 2013, p. 22). Dessa forma, a classe trabalhadora dá continuidade à sua luta pelos direitos sociais, e conforme Couto Os direitos sociais são fundamentados pela ideia de igualdade, uma vez que decorrem do reconhecimento das desigualdades sociais gestadas na sociedade capitalista. Esses direitos buscam promover a igualdade de acesso a bens socialmente produzidos e sua concretização depende da intervenção do Estado e sua garantia está relacionada à base econômica e fiscal estatal. (COUTO, 2010, p. 48). O atendimento das necessidades da classe trabalhadora deve estar pautado em uma política econômica que vise à universalização e ampliação de direitos. Nessa lógica, pensa-se em um Estado capaz de intervir na economia, no sentido de priorizar direitos, visando a ampliação das políticas sociais. Mas conforme Vieira, Qualquer exame da política econômica e da política social deve fundamentar-se no desenvolvimento contraditório da história. Em nível lógico, tal exame mostra as vinculações destas políticas com a acumulação capitalista. Em nível histórico, verifica se consistem em respostas às necessidades sociais, satisfazendo-as ou não (VIEIRA, 2009, p. 136). Os direitos sociais materializam-se por meio de políticas sociais públicas e constituem-se em obrigações para o Estado no sentido da prestação de serviços, como: seguridade social, trabalho, moradia, educação. Enfim, no atendimento das demandas sociais com vistas à ampliação da cidadania. 26 Desse modo, da mesma forma que os direitos civis e políticos, os direitos sociais possuem titularidade individual, mas são de natureza coletiva. Nesse sentido, “a concepção de política social deve contemplar o conhecimento de como se criam as necessidades e de como estas se distribuem, com objetivo de modificá-las” (PEREIRA, 2011, p. 173). Assim, as políticas sociais estão pautadas em uma múltipla causalidade que envolve os aspectos histórico, econômico, político e cultural. No que se refere à história é necessário relacioná-la às expressões da questão social das quais essa política se origina. No aspecto econômico, relaciona-se às questões estruturais na perspectiva da produção e reprodução da vida da classe trabalhadora. No que diz respeito à questão política, existe a preocupação de identificar o posicionamento das forças que a compõem: de um lado, o papel do Estado, e do outro, o das classes sociais. A dimensão cultural está relacionada aos valores dos sujeitos de acordo com o seu tempo (BERING; BOSCHETTI, 2011). É necessário conceituar o aspecto público da política, que não se refere simplesmente ao Estado, mas à coisa pública, no sentido de coisa de todos, para todos (PEREIRA, 2011). Nesse entendimento, a política pública versa acerca do acesso aos bens e serviços públicos, na perspectiva dos direitos de cidadania. As políticas públicas no âmbito do Estado e da sociedade expressam a correlação de forças entre ambos, no sentido da disputa pela hegemonia e localização do poder na sociedade. Dessa forma, as políticas públicas não surgiram historicamente de um projeto societário das classes subalternizadas, mas “decorrem das formas de controle social sobre essas mesmas classes, como parte das estratégias de enfrentamento pelo Estado da questão social” (ALMEIDA; ALENCAR, 2012, p. 89). Essa estratégia traz a fragmentação e setorialidade das necessidades sociais e da própria realidade social, sendo, portanto, ineficaz no trato das expressões da questão social. As políticas sociais se originam de um conjunto de respostas do Estado no enfrentamento da questão social que, do ponto de vista econômico, expressam um conjunto de ações dirigidas para a manutenção dentro de limites que não comprometam a lógica de acumulação do capital, patamares mínimos de consumo da classe trabalhadora (ALMEIDA; ALENCAR, 2011, p. 63). 27 Em outro aspecto, as políticas sociais resultam de respostas sociais da classe trabalhadora, que não é somente um sujeito social, mas político, que conquista direitos cobrados do Estado. Os direitos sociais significam assim, “a consagração jurídica de reivindicações dos trabalhadores” (VIEIRA, 2009, p. 144). Nessa lógica, a dinâmica do Estado e suas particularidades remetem a situálo historicamente, numa posição de poder e dominação vinda desde os tempos gregos. É nessa conjuntura e nos vários tipos de Estado que os direitos são conquistados pela sociedade. Desse modo, para situar a política pública no contexto dos direitos sociais é preciso discuti-la com embasamento em algumas concepções de Estado. Assim, o Estado liberal burguês surgiu no século XVIII identificado, pela ideia de liberdade e igualdade dos indivíduos que, por um ato de vontade, firmam entre si um pacto ou contrato social [...], o Estado surge como instância necessária para garantir o convívio, a defesa da propriedade e o império da justiça (COSTA, 2006, p. 27). Para os pensadores liberais (John Locke, dentre outros), o Estado é entendido como uma instância separada da sociedade, não tendo, portanto, nenhuma responsabilidade no sentido de garantir direitos. Conforme os referidos estudiosos, o fracasso e sucesso dos homens na sociedade dependem da capacidade e talentos de cada indivíduo. Nessa concepção, as expressões da questão social são tratadas como disfunções sociais, não havendo nenhuma injustiça social produzida pela lógica mercantil (COUTO, 2010). As políticas sociais do Estado liberal são residuais e voltadas para distorções que podem intervir no processo de acumulação capitalista. Dessa forma, a Poor Law (Lei dos Pobres), criada na Inglaterra em 1834, foi baseada no entendimento de que os pobres deveriam renunciar aos direitos civis e políticos para terem a sua manutenção realizada pela coletividade, que contribuía com uma taxa. Os pobres deveriam ser controlados pelas paróquias, pois significavam um problema para a ordem pública e de higiene para a coletividade. Evitava-se, com isso, que os pobres criassem situações que interferissem na expansão do capitalismo e na tutela do Estado no sentido de estabelecer políticas públicas destinadas a essas pessoas. Investia-se no espírito empreendedor necessário ao capitalismo (COUTO, 2010). 28 O Estado liberal foi eficaz para o exercício dos direitos civis e políticos, porém, dirigidos apenas a uma parcela da população. Por isso, sua ampliação exigiu a luta da sociedade. Conforme Costa, O desenvolvimento do capitalismo fomenta o avanço do processo industrial, gerando simultaneamente, a expansão do capital em detrimento do pauperismo da classe trabalhadora. Assim, verifica-se que as políticas sociais são produtos imanentes ao desenvolvimento do capitalismo, centradas especialmente na contradição capital trabalho, visto que ela requer ao mesmo tempo a divisão socializada do trabalho e a individualização do lucro (COSTA, 2013, p. 29). Desse modo, a política social como instrumento de materialização dos direitos sociais assume um caráter estratégico de luta social e política. De acordo com o entendimento de Vieira, A desigualdade no âmbito econômico está na situação desproporcional existente entre os poucos possuidores de capital e os muitos vendedores da força de trabalho, trazendo consigo a dominação de uma classe social sobre a outra, reclamando assim, a efetivação da igualdade de cidadania (VIEIRA, 2009, p. 214). No liberalismo, o universo da cidadania está relacionado e familiariza-se com diversidade e controvérsias. A cidadania, nesse sentido, é entendida como “um princípio de igualdades que se desdobra em vários direitos em que a política social tem como alvo a igualdade de cidadania para homens pertencentes à sociedade orientada pelo mercado e caracterizada pela desigualdade econômica” (VIEIRA, 2009, p. 214). Portanto, na concepção liberal, a política social advém da crítica à desigualdade social, no sentido de enxergar as pressões e conflitos políticos como desequilíbrio entre governantes e governados, na lógica dos interesses do mercado. Assim, a política social, nesse regime, está alicerçada na Lei e preserva a desigualdade na sociedade. Em meados do século XX, o Estado liberal foi contraposto pelo Welfare State ou Estado Social, em razão do agravamento da pobreza e da ausência de respostas por parte do Estado diante dessa realidade. A crise da bolsa de valores nos Estados Unidos em 1929 trouxe como consequência a intervenção estatal nos problemas econômicos e sociais da sociedade capitalista. Foram implementadas, nesse período, políticas específicas que visavam reduzir o desemprego, e também políticas de proteção aos pequenos 29 proprietários e agricultores, entre outras medidas (ALMEIDA; ALENCAR, 2011). Nessa lógica, “a crise de 1929 foi um marco na política social, sendo criadas novas alternativas em nome do “Bem-Estar Social”, visando diminuir as tensões sociais” (BRAVO, 2013, p. 61). Continuando nesse raciocínio, a política social participa significativamente da mediação Estado – sociedade e, desse modo, para Pereira, Nos fins do século XIX, prevaleceu de fato um conjunto de fatores econômicos, sociais e políticos favoráveis à um moderno conceito de proteção social. E esse conceito, ao associar bem-estar à cidadania, expressou um padrão de regulação socioeconômico avesso ao paternalismo [...] (PEREIRA, 2011, p. 34). Nesse entendimento, a mesma autora prossegue afirmando que, O século XX testemunhou, de fato, importantes mudanças na estrutura econômica e no sistema político das sociedades capitalistas centrais, as quais exigiam do Estado inéditas intervenções. Essas mudanças não se deram de forma tópica e isolada, mas expandiram-se como uma tendência que prevaleceu em muitos espaços territoriais, inaugurando uma nova época de proteção social (PEREIRA, 2011, p. 30-31). O Estado Social ou Estado de Bem-Estar Social foi consolidado após a II Guerra Mundial e, ao contrário do Liberal, intervém nas expressões da questão social, apresentando “peculiaridades nos diversos países onde foi implantado” (COUTO, 2010, p. 65). Nas regiões da Europa e da América do Norte, onde impera o capitalismo, o Estado Social sofreu uma reação teórica e política acentuadas. Isso demonstra que o referido Estado encontrou resistências contrárias à sua implantação, logo no início de sua trajetória. Assim, “em 1947, enquanto as bases do Estado de Bem-Estar na Europa do pós-guerra efetivamente se construíam, não somente na Inglaterra, mas também em outros países” (ANDERSON, 1995, p. 9), o liberal Friedrich Hayer convocou uma reunião com aqueles que não concordavam com o Estado Social, com o objetivo de impedir a sua implantação, porque esse projeto “destruía a liberdade dos cidadãos e a vitalidade da concorrência, da qual dependia a prosperidade de todos” (ANDERSON, 1995, p. 10). Além disso, o Estado Social tem por base as ideias do economista inglês John Mayard Keynes, que combatia o pensamento liberal e defendia o pleno emprego, serviços sociais universais, intervenção do Estado na economia, proteção social básica, dentre outros. O Estado de Bem-Estar Social Keynesiano identifica-se com a época do capitalismo organizado ou Fordismo, que dominou a economia 30 mundial do século XX por longos anos. Essa expressão foi criada em referência a Henry Ford, precursor da fábrica de automóveis nos Estados Unidos. “Nesse período predominou a economia de produção de massa e do trabalho semiqualificado, na organização centralizada do capitalismo de larga escala e do trabalho e num intensificado papel social e econômico do Estado intervencionista” (PIERSON apud SILVA, 2010, p. 63). O Fordismo caracterizava-se ainda, pela utilização de princípios tayloristas, como a separação entre elaboração e execução do processo de trabalho, o controle do tempo para execução das tarefas e a produção em série. Nesse período, os trabalhadores estavam atentos às mudanças e à história das lutas sociais. Na busca pela ampliação dos direitos de cidadania enfrentaram reações da burguesia capitalista e foram vitoriosos no que diz respeito aos conflitos e interesses de classe. Isso abriu possibilidades para imposição de mudanças “na forma de gestão econômica, no papel do Estado, na relação salarial e no padrão de consumo” (ALMEIDA; ALENCAR, 2011, p. 40). Começa a ser reconhecido um padrão de regulação social embasado nos direitos do trabalho, o que deu origem a um sistema de proteção social, na busca de relacionar o conceito de direito e proteção social à perspectiva de cidadania. No Estado de Bem-Estar detectam-se três intervenções públicas: a introdução do Seguro Social; a extensão da cidadania, no sentido de as necessidades sociais serem entendidas, na perspectiva do direito do cidadão; e o crescimento do gasto social que representa “uma mudança na compreensão do papel do Estado, que, a partir de então, incorporou o financiamento de políticas impeditivas do desgaste da força de trabalho e promoção da qualificação dos trabalhadores” (PEREIRA, 2011, p. 42). Essa visão está associada à transformação do Estado antidemocrático em Estado Social na perspectiva de direitos. O Estado Social foi desenvolvido no período considerado Era de Ouro do capitalismo (auge do crescimento econômico 1950-1960), o que permitiu o seu financiamento. Com a crise instalada no modelo fordista/taylorista, surge o Toyotismo, originário das indústrias automobilísticas japonesas Toyota, com vistas a superar a profunda crise decorrente da II Guerra Mundial. Nesse sentido, busca-se aplicar um novo modelo de organização do trabalho para uma nova perspectiva produtiva. O Toyotismo defende a terceirização, a flexibilização do contrato de trabalho com consequente redução de direitos, estoque reduzido, maior 31 competitividade dos seus produtos, dentre outras ações provocando uma maior exploração do trabalhador, no sentido de aumentar a produção sem aumentar o número de operários, o que contribui para danos à sua saúde (PINTO, 2010). Ocorre que o modo de produção capitalista entrou em colapso internacional, sobretudo a partir da crise do petróleo na década de 1970. Os críticos do Estado Social atribuíram a ele a causa principal dessa crise, em razão dos altos investimentos para garantir direitos sociais. As altas taxas de juros e baixas taxas de crescimento econômico expressam a crise. Nesse contexto, o Estado neoliberal é apresentado como alternativa, com o objetivo de recuperar o investimento no capital. Esse projeto começa a se consolidar inicialmente em países como Estados Unidos e Inglaterra, na década de 1980. Tal política incorporou a visão toyotista, na condução da área trabalhista, inclusive no Brasil. O neoliberalismo tem como pressupostos o seu fortalecimento “para defender o livre mercado e favorecer a acumulação capitalista [...] caráter privatizante, aliado à abertura econômica e à redução da seguridade social” (COSTA, 2006, p. 79). A política neoliberal defende a redução do Estado na área social, por entender que o bem-estar social pertence à dimensão privada, e que ao Estado cabe apenas o atendimento residual para os indivíduos que não conseguem ter suas necessidades atendidas no campo privado, propõe estratégias para o desenvolvimento de políticas sociais baseadas, principalmente, na privatização, focalização e descentralização (SOUZA, 2013, p. 151). As ações estatais destinam-se ao atendimento da população em situação de pobreza absoluta, com a sua desresponsabilização pelos custos com os serviços sociais. Ao restringir os gastos sociais, o Estado vulnerabiliza a proteção social e nega a universalidade, igualdade e gratuidade dos serviços sociais. Nesse contexto, o neoliberalismo expressa-se como Estado máximo para o capital e mínimo para o social. Diante disso, Iamamoto expressa: o caráter conservador do projeto neoliberal se expressa, de um lado, na naturalização do ordenamento capitalista e das desigualdades sociais a ele inerentes tidas como inevitáveis, obscurecendo a presença viva dos sujeitos sociais coletivos e suas lutas na construção da história; e, de outro lado, em um retrocesso histórico condensado no desmonte das conquistas sociais acumuladas, resultantes de embates históricos das classes trabalhadoras, consubstanciadas nos direitos sociais universais de cidadania, que tem no Estado uma mediação fundamental (IAMAMOTO, 2009, p. 163). 32 Nessa lógica, o neoliberalismo desconsidera as lutas sociais e suas conquistas, numa demonstração de negação dos direitos de cidadania. O neoliberalismo no Brasil teve como antecedentes tanto o contexto socioeconômico quanto político, advindos da ditadura militar, até o governo supostamente democrático do ex-presidente José Sarney. O período militar e sua “política de choque readequou e retomou um alto nível de crescimento econômico, com forte incentivo à acumulação privada, nacional e estrangeira, apoiada num capitalismo de Estado a serviço desses setores de mercado” (SADER, 2012, p. 35). Ao longo das décadas de 1970 e 1980, a continuidade do crescimento econômico aconteceu por meio de empréstimos internacionais e juros instáveis (SADER, 2012). Isso representou o endividamento do país junto aos organismos externos e o aumento da dívida social interna. A economia brasileira nos anos 1980 passou por processo de acomodação, “com a imposição da hegemonia do capital financeiro, que finalmente desembocou no neoliberalismo, iniciado no final da década, ainda no governo Sarney” (SADER, 2012, p. 36). Em 1989, em Washington, realizou-se a reunião que ficou conhecida como Consenso de Washington, que contou com a participação do Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Mundial (BM), governo norte-americano, economistas e políticos latino-americanos. Na referida reunião foram traçadas diretrizes gerais a serem seguidas pelos países de economia periférica. Entre elas, citam-se: ajuste fiscal, redução do Estado, privatizações, reestruturação do sistema previdenciário, abertura financeira (COUTO, 2010). Esse “receituário” representa a posição de domínio dos países centrais sobre os periféricos, com o propósito de fortalecer a política neoliberal. O neoliberalismo no Brasil teve uma forte ênfase com Fernando Collor de Mello (1990-1992), primeiro presidente eleito pelo voto direto, após mais de vinte anos de ditadura militar. Foi um governo marcado pela estruturação do Estado neoliberal, com destaque para o processo de privatização dos setores públicos no país. O resultado foi a redução dos postos de trabalho, a substituição de investimentos públicos por privados e o aumento real dos preços com consequente aumento inflacionário. 33 Destacam-se, ainda, nesse governo, os planos de estabilização econômica, Planos Collor I e II, “a partir dos quais foram adotadas medidas fiscais e monetárias que acarretaram a retração da atividade econômica” (ALMEIDA; ALENCAR, 2011, p. 13). O ideário neoliberal trouxe como consequência o sucateamento da máquina pública, o encolhimento do espaço público e do investimento em políticas sociais, que, nesse projeto, são regressivas, de corte reducionista e de caráter excludente (FILHO, 2013), o que caracteriza um retrocesso quanto às conquistas e diretrizes expressas na Constituição Federal de 1988. No que diz respeito à área da saúde, na gestão do presidente Collor poucas ações se concretizaram. Destacam-se a realização da IX Conferência Nacional de Saúde, com a discussão do tema: “A Municipalização é o Caminho”, que teve como característica a confirmação do SUS como política de saúde do país. Ressalta-se que o primeiro movimento a expressar a defesa pelo impeachment do então presidente ocorreu nessa Conferência. No governo Collor foi regulamentada a Lei Orgânica da Saúde (LOS) e contraditoriamente houve a tentativa de impedir a consolidação do SUS, por meio de emenda constitucional propondo, por exemplo, a comercialização de sangue e derivados (BRAVO; MATOS, 2012). No governo do presidente Itamar Franco, que substituiu o ex-presidente Collor em razão do seu impeachment, causado por seu envolvimento em esquema de corrupção montado no país, destacam-se, na área da saúde, a extinção do INAMPS e a promulgação da NOB-93, que consiste em criar “as modalidades de municipalização da saúde1 - incipiente, parcial e semiplena, avançando, assim, no processo de descentralização [...]” (BRAVO; MATOS, 2012, p. 206-207). Nesse governo elaborou-se estratégia para enfrentar a crise econômica, responsável pela alta taxa de inflação. O então ministro das Relações Exteriores, Fernando Henrique Cardoso (FHC) assume o Ministério da Fazenda em 1993, no “sentido de conduzir e consolidar o projeto fundado na hegemonia neoliberal” (FILHO, 2013, p. 176). O combate à inflação obteve êxito por meio do Plano Real, e em 1995, o referido ministro foi eleito Presidente da República do Brasil. Nesse governo, o 1 Modalidades de municipalização da saúde: Incipiente: depende de regras e condições técnicas e materiais para programar, acompanhar e controlar a prestação de serviços do SUS. Parcial: responsabilização pelo cadastro de prestadores de serviços do SUS. Semi-plena: o município assume total responsabilidade sobre a gestão de prestação de serviços, planejamento, cadastramento, contratações e pagamento dos prestadores ambulatoriais e hospitalares. 34 processo de privatizações se acentua com a implantação do Plano Diretor de Reforma do Estado (1995) elaborado pelo Ministério da Administração da Reforma do Estado (MARE), no sentido de redefinir o papel do Estado. Nesse Plano está incluída a reforma da Previdência Social e do serviço público numa demonstração de desmonte de direitos. A reforma do Estado atinge também a área da saúde. São elaboradas entre outras propostas, a NOB-96, que consiste na ênfase ao Programa de Saúde da Família (PSF) e Agentes Comunitários de Saúde. Essa medida objetiva a focalização, com priorização da atenção básica2, desarticulada da atenção secundária3 e da terciária4. Houve o fortalecimento do Ministério da Saúde, com a criação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANAS) e Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) (BRAVO; MATOS, 2012). Conforme Costa, A reforma do Estado não é um fenômeno isolado. Mas decorre de uma série de mudanças nas relações internacionais, e especialmente no comércio mundial e na organização das forças políticas entre os diferentes países, como um elemento da organização de um novo padrão de produção capitalista. Ela expressa uma composição das forças sociais e concretização de um movimento conservador que buscou suprimir os avanços construídos a a partir do modelo de Estado de Bem-estar social (COSTA, 2006, p. 155). A reforma do Estado é uma exigência neoliberal para os países integrantes da globalização da economia e ocorreu na década de 1980, em países como Inglaterra, Estados Unidos, Austrália, Alemanha, Chile, Argentina, dentre outros. O capital internacional buscou, com essa medida, “ampliar o seu poder de mercado e manter a lucratividade dos investimentos” (COSTA, 2006, p. 156). Com esse objetivo, os governos dos países centrais pressionam os países periféricos para abrirem seus mercados e reduzirem os impostos sobre o capital. Isso demonstra a investida neoliberal no sentido de atingir sua principal meta, que é o domínio sobre os chamados países periféricos e o acúmulo de capital cada 2 3 4 Atenção básica ou primária: consiste no atendimento considerado pelo sistema de saúde como o de menor complexidade e também de prevenção. Ex. vacinas, pré-natal, consultas com clínico geral, ginecologista e pediatria, exames laboratoriais e outros. Atenção secundária: recebe usuários encaminhados pela rede básica para tratamento que utiliza equipamentos com menor grau de inovação tecnológica como por ex. exames de raios-x, consultas especializadas, internações diversas e cirurgias. São encaminhamentos para hospitais. Atenção terciária: exige equipamentos com alta incorporação tecnológica para realização de exames: ressonância magnética, tomografias, e hospitais de referência em tratamento especializado e também atendimento de alta complexidade como hemodiálise, cirurgias cardíacas, transplantes. 35 vez mais expressivos. Seguindo e se submetendo a essa lógica, o governo brasileiro dá continuidade a esse Plano. Após os oito anos do governo Fernando Henrique Cardoso, assume a presidência da República Luis Inácio Lula da Silva. A sua eleição representou o “resultado da reação da população contra o projeto neoliberal no país [...] venceu o projeto que não representa, em sua origem, os interesses das classes dominantes” (BRAVO; MENEZES, 2013, p. 20). No entanto, ao contrário do que a sociedade brasileira esperava, o governo Lula deu sequência ao projeto neoliberal, numa atitude divergente de seu discurso democrático. Nesse governo, as políticas sociais pautavam-se em três eixos que fundamentavam “a concepção de proteção social: o Projeto Fome Zero, a contrarreforma da Previdência Social e os recursos da Seguridade Social” (BRAVO; MENEZES, 2013, p. 21). O Programa de transferência de renda, Bolsa Família, adotado no Brasil em 2003, tem como objetivo o combate à pobreza extrema, a unificação de todos os programas sociais por meio do cadastro único de seus beneficiários. Apesar dos avanços referentes à melhoria das condições de vida da população a que se destina esse programa, trata-se de uma política de governo e não uma política de Estado, podendo, portanto, ser extinto a qualquer momento. Além disso, o programa Bolsa Família não é uma iniciativa governamental, mas uma exigência neoliberal, no sentido de que essa política determina a redução da pobreza nos países periféricos, visando algum ganho financeiro pela população alvo dos programas assistenciais, para com isso fortalecer o consumo de produtos, necessário ao aumento dos lucros do capitalismo. Conforme Silva, a pobreza, decorre dos padrões dominantes de produção, acumulação e apropriação de riqueza, podendo ser minorada ou agravada segundo o modelo econômico adotado em determinadas conjunturas históricas. O modelo neoliberal adotado em face da crise capitalista contemporânea, longe de combater, aprofundou a desigualdade social agravando a pobreza (SILVA, 2010, p. 109). O aumento da pobreza demonstra o pouco investimento do Estado em políticas voltadas ao emprego e salário digno. Nos dois mandatos do presidente Lula destacamse como realizações na área da saúde: a manutenção da focalização por meio do Programa Saúde da Família (PSF), Programa Nacional de Atenção Integral às 36 Urgências e a criação do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), programas de combate ao Tabagismo e AIDS, criação da Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa, voltada ao controle social, ampliação de laboratórios oficiais e criação das farmácias populares, Norma Operacional Básica de Recursos Humanos (NOB/RH-SUS) Resolução nº 330, 2004 (BRAVO; MENEZES, 2013). A política social e a política de saúde se inter-relacionam. Desse modo, tais políticas serão discutidas a seguir, na perspectiva de colocar em destaque alguns fatos relevantes inerentes a elas. 1.2 A trajetória da Política de saúde no Brasil: alguns marcos sócio-históricos anteriores à Constituição Federal de 1988 A área da saúde vem ao longo dos séculos passando por mudanças gradativas e significativas. É importante ressaltar, o período revolucionário ocorrido na França (1848), por sua contribuição para a instalação da Medicina Social, fruto do pensamento progressista que entendia a saúde vinculada às condições de vida da população. Porém, essa visão foi deixada de lado, e predominou a atenção médica, em decorrência das descobertas científicas da época. O capitalismo industrial trouxe alterações nas condições de vida da população e a classe operária encontrava-se em acentuada pobreza, com repercussões em sua saúde. Essa situação favorecia o aparecimento de epidemias e enfermidades contagiosas, que também atingiam as classes dominantes. O contexto possibilitava o surgimento de movimentos de revolta da classe trabalhadora e era necessário contêlos. Para isso, era preciso a intervenção do Estado, no sentido de garantir a reprodução capitalista, e nessa lógica realizar serviços de saúde voltados à essa classe visando a manutenção da força de trabalho (BRAVO, 2013). As políticas sociais em relação à saúde iniciaram no século XVIII e segunda metade do século XIX. “Esta área foi considerada questão política governamental, em razão do aumento das necessidades sociais determinadas pelo crescimento do capital e elevação do nível de luta de classes” (BRAVO, 2013, p. 62). Os serviços de saúde nos século XVIII e XIX estavam voltados à saúde pública. Tinham como medidas básicas as ações que se denominam, na atualidade, como cuidados primários. As mudanças mais significativas ocorridas no campo da saúde, no período citado, foram realizadas nos principais países capitalistas como 37 Alemanha, França e Inglaterra de acordo com as condições objetivas de cada um. Na França e Inglaterra predominou por parte do Estado, a ênfase nas tabelas de natalidade (nascimento) e mortalidade (morte), sem, contudo, apresentar alterações no nível de saúde da população. Entretanto, na Alemanha, a preocupação do Estado estava voltada para mudanças que possibilitassem a melhoria da saúde (BRAVO, 2013). No início do século XX, a alteração principal nas ações de saúde foi a concepção do aspecto biológico da doença. A atenção estava na visão unifatorial que se sobrepunha à multifatorial. Predominava a ênfase no individual em detrimento do coletivo. As descobertas bacteriológicas de Pasteur e Kock e também as de Bassi, da causa microscópica do bicho da seda, trouxeram grandes contribuições à ciência e à prática médica no sentido de melhorar o enfrentamento às doenças (BRAVO, 2013). Conforme a mesma autora, A concepção de saúde e as práticas modificam-se a partir da dinâmica das relações sociais. O movimento operário, na Europa, no início do século passou a lutar pelo direto à saúde, exigindo do Estado que todos os cidadãos tivessem acesso aos melhores padrões da prática médica. Esta exigência fazia parte de um programa mais amplo de Previdência Social para os trabalhadores (BRAVO, 2013, p. 55). A institucionalização dos serviços de saúde teve início no final do século XIX, e amplia-se para os países da Europa, como consolidação da intervenção estatal na política de saúde, que, como todas as políticas sociais, não está relacionada somente aos interesses do capital. Tais políticas expressam a atuação do Estado capitalista, no sentido de incorporar as demandas das classes subalternas, com o objetivo de amenizar os conflitos sociais decorrentes da relação de forças presentes numa sociedade (BRAVO, 2013). Nessa lógica, a trajetória das políticas públicas, especificamente de saúde, no Brasil, desde a sua institucionalização, está pautada nos interesses de dominação do capital. Mas a sociedade ao longo da história tem conquistado paulatinamente vários direitos, entre eles, a saúde. A referida política percorreu um longo caminho até chegar à Lei Orgânica da Saúde (LOS) Leis nº 8080/90 e 8.142/90, que regulamentam o Sistema Único de Saúde (SUS). 38 No Brasil colonial e até o final da década de 1920, as ações referentes à saúde da população eram realizadas, primeiramente, por meio de ações filantrópicas promovidas pela Igreja e, posteriormente, pelos governantes, de forma isolada e focalizada. A atenção estava voltada para doenças, com destaque ao combate às endemias, pestes, dentre outros. O conhecimento médico era insuficiente e não havia estrutura para o atendimento dos doentes. Devido a isso, a população recorria aos curandeiros e outros leigos para obtenção da cura (FILHO, 2002). No Brasil, “a lógica do seguro, estruturou e estabeleceu os critérios de acesso da previdência e da saúde desde a década de 1920 até a Constituição Federal de 1988” (BOSCHETTI; SALVADOR, 2009, p. 52). Essa vinculação exigia a contribuição previdenciária. Somente os trabalhadores inseridos no mercado formal e que, portanto, possuíam carteira assinada (criada em 1933) tinham direito à assistência médico-hospitalar. Os trabalhadores do mercado informal e desempregados ficavam alijados do processo e não tinham a devida assistência. A lógica de acumulação do capital gera exclusão e desigualdades sociais. Vale ressaltar que, em 1923, foram instituídas por iniciativa governamental as Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAPS), conhecidas como Lei Eloy Chaves e primeira modalidade de seguro para trabalhadores do setor privado, organizado por empresas, por meio de um contrato compulsório e sob a forma contributiva.Tinham como função a prestação de benefícios (pensões e aposentadorias) e a assistência médica a seus filiados e dependentes (COHN; ELIAS, 1999, p. 14). Na década de 1930, vários fatos políticos e econômicos relevantes ocorreram. Com a revolução de 1930, no governo do presidente Vargas, inicia-se um novo projeto político para a sociedade: “industrialização e urbanização sob comando da intervenção estatal [...] a industrialização no Brasil surge e se desenvolve de forma integrada aos interesses agrários” (FILHO, 2013, p. 98). De acordo com o mesmo autor, o capital industrial nasceu como desdobramento do capital cafeeiro empregado tanto no núcleo do complexo exportador (produção e beneficiamento do café) quanto em seu segmento urbano (atividades comerciais, serviços financeiros, transporte).Tal fato mostra como o início do crescimento industrial tem como matriz o capital agrário- tradicional (FILHO, 2013, p. 99). A mesma década “propiciou a institucionalização dos serviços de saúde, no sentido de atingir o conjunto da população e previa a necessidade do Estado 39 assumir a função intervencionista” (BRAVO, 1996, p. 21). Essa década marcou a emergência da política social e, especificamente, a política de saúde no Brasil. Nesse sentido, as CAPS são absorvidas gradativamente, no período de 1933 a 1938, pelos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPS). De caráter nacional, caracterizavam-se pela segmentação dos trabalhadores por ramo de atividade (marítimos, bancários, ferroviários) e pela administração direta do Estado. O seguro social tinha caráter controlador e disciplinador da força de trabalho no sentido de assegurar “formas mínimas de sobrevivência ante os acidentes e as consequências do esgotamento da sua capacidade para o trabalho” (COHN; ELIAS, 1999, p. 15). A criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, em 1930 estabeleceu uma nova estrutura previdenciária e instituiu um padrão verticalizado de relação do Estado com a sociedade civil. Nesse contexto, percebe-se o objetivo do primeiro de exercer controle sobre a classe trabalhadora por meio de um órgão oficial. Sendo assim, essas novas formas de regulação da relação capital-trabalho, compreende o pleno significado da Previdência Social como, de um lado, atendimento a demandas históricas dos trabalhadores, e de outro, como instrumento de reconhecimento, por parte das classes dominantes, de determinados direitos sociais a alguns setores assalariados urbanos, atendidos sob a forma de concessão (e jamais conquista) (COHN; ELIAS,1999 p. 17). Na mesma década surgiram as políticas sociais nacionais no sentido de dar respostas à questão social e à saúde em particular, pois os trabalhadores apresentavam precárias condições de higiene, saúde e habitação, em razão da nova dinâmica de acumulação do capital industrial (BRAVO, 2009). Esse contexto exigiu a melhoria das condições de saúde do trabalhador, para possibilitar a recuperação e utilização de sua força de trabalho, em benefício do capital. A política de saúde estava formulada em dois subsetores: o de saúde pública, centrado na “criação de condições sanitárias mínimas para as populações urbanas e, restritamente, para as do campo” (BRAVO, 2009, p. 91) e o de medicina previdenciária, que se sobrepõe à saúde pública no sentido de sua importância para o processo de trabalho. Devido às péssimas condições de trabalho e baixa remuneração, a previdência constituía uma forma indispensável à renda dos trabalhadores (BRAVO, 2013). 40 Em 1931, o governo Vargas regulamentou a sindicalização dos empregados, com o intuito de controlá-los. Promulgou a Constituição Federal de 1934 que teve como pontos centrais: a evidente regulação do trabalho formal e o atendimento das necessidades geradas a partir dos centros urbanos. Amplia o direito de voto, estendendoo às mulheres, o que pode estar vinculado à crescente mobilização urbana e à necessidade de ampliar o leque de sustentação para o projeto do país (COUTO, 2010, p. 98). Em 1937, o presidente Vargas implantou um período ditatorial, denominado Estado Novo. Para afirmação desse projeto foi decretada uma nova Constituição Federal no mesmo ano, inspirada na Constituição da Polônia, que ficou conhecida como Polaca, de caráter fascista. Os direitos anunciados nessa Carta Magna referem-se dentre outros, a uma maior intervenção do Estado nas questões trabalhistas proibindo o direito à greve. A ditadura Vargas permaneceu de 1937 a 1945. Em 1940 foi regulamentado o salário mínimo, de caráter regional, para manutenção da sobrevivência do trabalhador. Em 1942 foi instituída a Legião Brasileira de Assistência (LBA) para atender em primeiro lugar, as famílias dos pracinhas que participaram da II Guerra Mundial. Em seguida, a assistência foi estendida à população pobre como meio de legitimar o lado clientelista do governo. Em 1943 foi criada a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), que reúne toda a legislação referente aos trabalhadores até os dias atuais. Portanto, as políticas sociais do primeiro governo Vargas estavam voltadas para a tônica do trabalho com ações de cunho paternalista e autoritário. A ação e o contexto repressivo da época contribuíram para a sua deposição da Presidência do Brasil em 1945 (COUTO, 2010). No mesmo ano criou-se a Organização das Nações Unidas (ONU), que “buscou estratégias capazes de garantir a ordem social e de preservar o mundo livre dos regimes e ideologias considerados não democráticos” (BRAVO, 2013, p. 66). Em 1946 foi criada a Organização Mundial de Saúde, em Nova York. Na primeira assembleia dessa instituição realizada em 1948, em Genebra apresentouse um novo conceito de saúde: “o completo bem-estar físico, mental e social e não somente ausência de doenças” (BRAVO, 2013, p. 67). 41 No governo do Presidente da República, Eurico Gaspar Dutra, sucessor do presidente Vargas (1945-1950), foi promulgada a Constituição Federal em 1946, que apresentava como características inovadoras, a liberdade de associação sindical e o direito à greve. Em 1948 o governo federal implantou o Plano SALTE com atuação nas áreas de saúde, alimentação, transporte e energia. A ênfase maior era na saúde, porém não obteve sucesso devido à ausência de recursos destinados à área. O referido governo era considerado insensível às reivindicações dos trabalhadores e desmontava as iniciativas grevistas mesmo sendo constitucionais, contexto que favoreceu o retorno de Vargas em 1951, por meio do voto direto. (COUTO, 2010). No segundo período Vargas (1951-1954), houve nova tentativa de controlar os trabalhadores. Várias manifestações públicas ocorreram em razão das imposições sofridas por eles. No entanto, a tônica das políticas associadas à relação de trabalho retornou com as mesmas características anteriores, ou seja, caráter repressor do Estado. Em 1953 foi criado o Ministério da Saúde, Lei nº 1.920, que desdobrou o Ministério da Educação e Saúde em Ministério da Saúde e Educação e Cultura. São competências do Ministério da Saúde: a organização e responsabilidade pela política de saúde, sendo a principal unidade administrativa de ação sanitária do Governo Federal. O contexto socioeconômico e principalmente político dessa época levaram ao suicídio de Getúlio Vargas em 1954. Com isso assume a presidência da República do Brasil, o vice-presidente Café Filho, posteriormente, Carlos Luz e Nereu Ramos. Em 1955 foram eleitos pelo voto direto Juscelino Kubitschek como presidente da República e João Goulart como vice. Permaneceram até 1961. Esse governo baseou-se no nacionalismo que propunha o projeto do Plano de Metas para desenvolver cinquenta anos em cinco. A mais importante realização desse Plano foi a construção e a transferência da capital do país para Brasília, com a intenção de promover a expansão capitalista. Essa política “priorizou a abertura da economia do país para o investimento externo, bem como para o processo acelerado de industrialização” (COUTO, 2010, p. 110). Nessa lógica foram desenvolvidos dentre outros, a indústria automobilística, transporte rodoviário, com objetivo de fortalecer o capitalismo no país. 42 No âmbito das políticas sociais foi criada em 1960, a Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS), com o intuito de unificar os benefícios e estendê-los aos trabalhadores do mercado formal. No início da década de 1960, a desigualdade social ganha dimensão no discurso dos sanitaristas em torno das relações entre saúde e desenvolvimento. Nesse sentido, As propostas para adequar os serviços de saúde pública à realidade diagnosticada pelos sanitaristas progressistas tiveram marcos importantes como a Política Nacional de Saúde em 1961, com o objetivo de redefinir a identidade do Ministério da Saúde (MOURÃO, et all, 2009, p. 156). Em 1963 realizou-se a III Conferência Nacional de Saúde, que propunha: a reordenação dos serviços de assistência médico-sanitária e alinhamentos gerais para determinar uma nova divisão das atribuições e responsabilidades entre os níveis político-administrativos da Federação visando, sobretudo, a municipalização (MOURÃO, et all, 2009, p. 356). Essa Conferência marcou o começo da discussão pela autonomia administrativa dos municípios na busca pela descentralização dos serviços públicos de saúde. No início da década de 1960, os movimentos operário e popular lutavam por direitos de cidadania, tendo a saúde como uma de suas reivindicações. Os segmentos organizados começaram a pleitear serviços como: trabalho, salário digno, alimentação, saneamento, transporte, moradia, dentre outros (BRAVO, 1996). Também nessa década, a corporação médica ligada aos interesses capitalistas era a mais organizada e pressionava o financiamento por meio do Estado, na defesa da privatização da saúde. Em 1964 os militares assumiram o poder no Brasil, por meio de um golpe que “colocou o país na linha dos aliados dos Estados Unidos” (COSTA, 2006, p. 137). Desse modo, a direção política do Estado foi de ampla abertura ao capital externo e subordinação aos aliados do bloco ocidental liderados pelos Estados Unidos. Além disso, com a ditadura militar foi introduzido o tempo de horror na sociedade brasileira. “A classe trabalhadora foi alijada de seus direitos adquiridos, como o de greve, da autonomia sindical e do poder das negociações coletivas, da estabilidade no emprego [...]” (COSTA, 2006, p. 137). Vivenciou-se também forte cerceamento à liberdade, Atos Institucionais (AIs) foram decretados, com o intuito de reprimir as manifestações populares e assegurar que os militares governassem o 43 país da forma que melhor lhes conviesse. Destaca-se, o AI-5 pelo seu alto teor de repressão, que culminou no fechamento do Congresso Nacional, proibição da liberdade de imprensa e popular, uso excessivo da força militar, dentre outras ações autoritárias. Desse modo, percebe-se a contradição do Estado repressor, que por um lado, restringe e por outro, amplia direitos. Nesse sentido, mesmo que na ditadura militar tenha sido ampliado o grau de cobertura do sistema de proteção social, os direitos sociais e o sistema de relações de trabalho foram subordinados à lógica da acumulação capitalista no país, sob os interesses do grande capital nacional e estrangeiro (ALMEIDA; ALENCAR, 2011). No período correspondente ao governo militar, várias políticas sociais foram implantadas no Brasil conforme objetivos já apresentados anteriormente. Em 1966 foi realizada a unificação dos IAPS com a criação do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS). Essa medida, “[...] trata-se de uma reorientação das relações entre Estado e classes trabalhadoras no sentido de aumentar a cobertura previdenciária da população urbana e parte da população rural” (BRAVO, 2009, p. 28). Nesse mesmo ano foi instituído, o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), Plano Nacional de Saúde (1968) que não obteve êxito devido à inexistência de recursos financeiros para esse fim. O Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS), em 1974, pelo reconhecimento estatal da importância política e de arrecadação de recursos financeiros da Previdência Social. O Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social, (SINPAS) em 1977, que incorporou o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS), Instituto da Administração da Previdência Social (IAPAS), Processamento de Dados da Previdência Social (DATAPREV), Legião Brasileira de Assistência (LBA), Fundação de Bem Estar do Menor (FUNABEM) e a Central de Medicamentos (CEME-1971), “[...] com objetivo de reunir em um único órgão as instituições que prestavam serviços ou que tinham uma relação direta com a provisão de benefícios à população” (GONÇALVES, 2006, p. 28). Em 1974 criou-se o Fundo de Apoio Social ao Desenvolvimento (FAS) a fim de dar apoio financeiro aos programas e projetos de cunho social. 44 Mesmo com a criação de vários órgãos estatais, o governo militar não conseguiu a adesão da classe trabalhadora ao seu projeto. A repressão e o desrespeito aos seus direitos contribuíram para o acirramento das lutas sociais. O contexto político, econômico e social na década de 1970, causou grande descontentamento da sociedade, que passou a demonstrar a sua indignação por meio de manifestações populares. Dessa inquietação, surgiram vários movimentos reivindicatórios por saúde, educação, moradia, dentre outros. Conforme Filho, além de buscarem fortalecer suas próprias identidades (mulher, índio, negro, etc.) e lutarem a favor dos direitos humanos e de preservação do meio ambiente, combinados com o surgimento de um movimento autônomo e combativo e de partidos políticos com base social, expressam ,sem dúvida o fortalecimento da sociedade civil brasileira (FILHO, 2013, p. 147). Os anos 1970 foram marcados pelas greves dos operários, vinculados à construção do novo sindicalismo no Brasil, manifestações pela anistia, movimentos de mulheres, e outros. Na Política Nacional de Saúde ocorreram várias reformas no período de 1974 a 1979, mas “não contaram com a participação ativa dos trabalhadores, que exerceram pressões através do ressurgimento dos movimentos sociais” (BRAVO, 1996, p. 45). O Sistema Nacional de Saúde, instituído em 1975, teve como objetivo disciplinar a articulação dos órgãos atuantes no setor saúde. Esse projeto criticava a “filosofia liberal que impedia o governo de assumir sua responsabilidade, bem como a ação ampliada da iniciativa privada, e propunha como solução a formulação de um plano geral coordenado pelo setor estatal” (BRAVO, 1996, p. 43). Para tanto, no mesmo ano foi criado o Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES). Tinha entre os seus anseios tornar-se uma instância de organização dos conhecimentos referentes à saúde e sua efetividade na formulação de novas políticas. Em 1978, em Alma-Ata, na antiga União Soviética, realizou-se a Conferência conhecida como Conferência de Alma-Ata, que recomendava aos governos “a necessidade de incorporarem e fortalecerem a atenção primária nos seus planos de desenvolvimento, e chama atenção para a participação comunitária da população” (BRAVO, 2013, p. 83). 45 Nesse momento acontecia uma luta no interior do setor público entre os representantes do pensamento médico-social, que eram sanitaristas progressistas, e os do setor privado. Esses e outros fatores, como a exclusão dos trabalhadores ao acesso a bens e serviços públicos de saúde e a ameaça de privatização desses serviços, as ações voltadas para a saúde curativa, portanto, com foco na doença, contribuíram para a organização do Movimento de Reforma Sanitária, composto, inicialmente, por profissionais de saúde, com vistas ao atendimento à população não somente na cura, mas também na prevenção de doenças (BRAVO, 1996). Posteriormente, outras forças sociais aliam-se a esse movimento: sindicatos, intelectuais, associações, Comunidades Eclesiais de Base, além de outras organizações que buscavam participar da mobilização para “fazer frente ao Estado ditatorial instalado em 1964 e produzir mudanças na sociedade brasileira” (BRAVO; MARQUES, 2012, p. 204). O Movimento de Reforma Sanitária teve como grande influência teórica o marxismo, primordialmente por meio das elaborações de Gramsci e de um de seus seguidores Berlinguer, autor principal da reforma sanitária italiana, que teve grande repercussão no movimento brasileiro (BRAVO; MENEZES, 2013, p. 33). O termo Reforma Sanitária foi usado pela primeira vez no Brasil em razão dessa influência e para se referir ao conjunto de ideias existentes em relação às mudanças e transformações necessárias à área da saúde (BIBLIOTECA VIRTUAL SÉRGIO AROUCA). As propostas desse movimento estavam pautadas na melhoria das condições de vida da população. Tinha como principal bandeira a luta pela democracia, pela conquista de direitos, defesa e acesso da população aos serviços públicos de saúde, participação popular por meio dos Conselhos e Conferências de Saúde. Esse movimento tinha como preocupação central “assegurar que o Estado atue em função da sociedade, pautando-se na concepção de Estado democrático e de direito [...]” (BRAVO; MATOS, 2012, p. 202). O Movimento de Reforma Sanitária teve participação fundamental nas mudanças propostas e aprovadas nas Conferências Nacionais de Saúde. Nesse contexto, destaca-se a VII Conferência Nacional de Saúde em 1980, na qual se inicia a discussão da criação do Sistema Único de Saúde. Em decorrência do debate, o Conselho Nacional da Administração da Saúde Previdenciária (1981) criou 46 o “Programa de Ações Integradas de Saúde (PAIS) visando alcançar mudanças no modelo de assistência” (VASCONCELOS, 2011, p. 76). Estabelecia ainda, a contenção e racionalização de gastos dos serviços de saúde tendo em vista a crise da Previdência Social e também interesses focados na atenção primária. Assim, “Com a Nova República em 1985, o PAIS foi transformado em portaria interministerial, passando a ser denominado AIS (Ações Integradas de Saúde)” (VASCONCELOS, 2011, p. 77). Os primeiros convênios com as AIS iniciaram em 1983. Destinou-se um volume considerável de recursos financeiros aos estados e municípios. As AIS representaram “um processo “embrionário” do SUS no que se refere à universalização [...], priorização dos serviços de atenção primária à saúde, com ênfase à prevenção e descentralização nas decisões administrativas, técnicas e políticas” (GONÇALVES, 2008, p. 31). Nessa lógica, a proposta de criação do Sistema Único de Saúde consolidouse na VIII Conferência Nacional de Saúde, realizada em 1986 em Brasília. Na oportunidade, o Movimento de Reforma Sanitária apresentou uma nova concepção de saúde. O conceito foi ampliado e a saúde entendida na sua totalidade e não mais somente como ausência de doenças, mas inserida em todo contexto social (trabalho, salário digno, alimentação, moradia, educação, dentre outros). A saúde nesse entendimento, passou a ser portanto, o resultado das condições de vida da população (BRAVO; MARQUES, 2012). Tal proposição advém inicialmente das discussões da OMS e sinalizações da Carta de Alma Ata. Nessa Conferência discutiram-se outras propostas como: saúde como direito de todos e dever do Estado e política não contributiva, estabelecida em princípios como universalização, integralidade, equidade, municipalização, participação popular, e outros. Vale ressaltar que essa foi a primeira Conferência de Saúde no Brasil, que contou com a participação de vários segmentos sociais em demonstração do seu caráter democrático. A referida Conferência foi “considerada um marco histórico para as transformações empreendidas na área da saúde e que estão expressas na Constituição Federal de 1988” (BRAVO; MARQUES, 2012, p. 205). Antes da consolidação da atual Constituição instalou-se o processo de redemocratização do país na década de 1980, com relevantes movimentos como o 47 das Diretas Já! e o processo da discussão da Assembleia Nacional Constituinte que, em relação à saúde, conforme Bravo, transformou-se numa arena política em que os interesses se organizaram em dois blocos polares: os grupos empresariais, sob a liderança da Federação Brasileira de Hospitais (setor privado) e da Associação de Indústrias Farmacêuticas (Multinacionais), e as forças propugnadoras da Reforma Sanitária, representadas pela Plenária Nacional pela Saúde na Constituinte, órgão que passou a congregar cerca de duas centenas de entidades representativas do setor (BRAVO, 2009, p. 97). Para tanto, foram utilizadas dentre as estratégias de luta, o planejamento prévio de um projeto de texto constitucional claro e sólido e a pressão constante sobre os constituintes, além da mobilização da sociedade. “Os movimentos sociais organizados foram protagonistas de uma ampla mobilização visando a participação no processo de elaboração da nova Constituição Brasileira através de emendas populares” (FILHO, 2013, p. 156). O deputado federal e presidente da VIII Conferência Nacional de Saúde, Sérgio Arouca apresentou a proposta de emenda popular na Plenária Constituinte no contexto da saúde, que obteve vitória, no seu desfecho final. A Constituição Federal de 1988 foi promulgada e pelas suas características inovadoras foi chamada de Constituição cidadã. Consolidou-se assim, o Estado Democrático de Direitos no Brasil. A Constituição trouxe grandes avanços em relação aos direitos sociais no sentido de sua universalização. Conforme afirma Costa, A democracia sempre esteve associada à ideia de igualdade, inicialmente com referência à igualdade política e no século XX, com a social. O principio democrático se baseia na igualdade dos cidadãos que constituem uma sociedade. Assim, no Brasil, a mudança do regime militar para o democrático deu espaço para expressão dos anseios pela igualdade e exercício pleno da cidadania (COSTA, 2006, p. 141). A busca por direitos é constitutiva da sociedade na perspectiva da igualdade social. Sendo assim, prossegue a mesma autora: Nesse sentido, o processo de transição democrática no Brasil expressou a busca pela igualdade nos direitos civis, políticos e sociais. A efervescência dos movimentos sociais, a articulação política da classe trabalhadora e a adesão de setores do empresariado nacional à luta pela democracia suscitaram o desejo de construir um novo patamar de relações sociais. Foi nesse clima de anseios pela igualdade que se colocaram os trabalhos de redação da nova ordem normativa para o Estado democrático no Brasil (COSTA, 2006, p.141). 48 A transição da ditadura para a democracia gerou um conjunto de demandas ao Estado. Nesse sentido, no contexto da década de 1980 no Brasil destaca-se a posição antagônica do Estado e sociedade civil para a aprovação da Constituição em vigor. Mesmo frente à esse tensionamento político “[...] foram garantidos os direitos sociais e a universalização da cidadania” (COSTA, 2006, p. 147). A referida Constituição nasceu de forma diferenciada, pois, a sociedade lutava por uma nova atuação do Estado no sentido de empreender mudanças democráticas no país. A Carta Magna está “[...] marcada também pela contradição histórica, fruto da mobilização popular [...] num contexto em que a ofensiva neoliberal colocava a redução do Estado na regulação econômica e social” (COSTA, 2006, p. 148). Nesse contexto, a mesma autora prossegue nas suas afirmações: A Constituição de 1988 evidenciou uma luta política no país, uma vez que aprovada e sem regulamentar parte substancial de seus artigos, a Constituição já era alvo de reformas. Assim, a tarefa de Collor e seus sucessores só poderia ser a revisão da Constituição para promover a reforma do Estado (COSTA, 2006, p. 150). A Constituição criou um Estado de direito no país com responsabilidades sociais, fato que não agradou àqueles que eram contrários à instalação de um projeto voltado à ampliação da cidadania. Conforme Costa, A ampliação dos deveres sociais do Estado pela Constituição de 1988 foi declarada como motivo de ingovernabilidade por parte dos setores conservadores que já defendiam um modelo de Estado neoliberal no Brasil. Havia excesso de demandas sociais colocadas ao Estado e uma rigidez dos gastos federais com a vinculação de receitas. A impossibilidade de o Estado atender às demandas sociais levaria a um movimento de embates corporativos dentro da esfera política, em que grupos organizados conseguiriam conquistar suas reivindicações. Assim, a questão dos direitos sociais foi relacionada a privilégios de grupos mais organizados e causa essencial da ingovernabilidade, do excesso do déficit público e da inflação (COSTA, 2006, p. 147). Nesse sentido, percebe-se que o Brasil deu continuidade à sua trajetória histórica de produzir uma sociedade de desiguais, sem a preocupação de construir melhores condições de vida para a população. Para Costa, O Brasil convive com um Estado de direito, com regras democráticas , em meio a um agravamento dos conflitos sociais e cronificação da pobreza. Pensar no pacto social capaz de dar estabilidade para a sociedade exige rever a relação entre democracia e igualdade social. Nesse sentido, o 49 Estado deve ser capaz de servir aos interesses coletivos, sob pena de perder sua legitimidade (COSTA, 2006, p. 153). Diante desse contexto, a sociedade organizada deve, portanto, estar atenta aos seus direitos e continuar na luta por sua efetivação. Ainda na década de 1980, como resultado das conquistas da VIII Conferência Nacional de Saúde, instituiu-se o Sistema Único e Descentralizado de Saúde (SUDS), em 1987, que consistia em convênios do INAMPS com as Secretarias Estaduais de Saúde e dessas, com os Municípios (COHN; ELIAS, 1999). Posteriormente, em 1988, tornou-se Sistema Único de Saúde (SUS). A sua regulamentação ocorreu em 1990, com a Lei Orgânica da Saúde (LOS) Lei 8.080/90 e também a Lei 8.142/90 que estabelece a criação dos Conselhos de Saúde (Nacional, Estaduais e Municipais). Na década de 1990, foram significativos a promulgação da Lei Orgânica da Saúde, já citada, e o estabelecimento das Normas Operacionais Básicas (NOB1991), criadas pelo Ministério da Saúde no sentido de: superar os obstáculos políticos-burocráticos frente a interesses divergentes [...] e para a definição de estratégias e movimentos táticos, que orientam a operacionalidade do Sistema, definindo o financiamento das ações e serviços de saúde e as respectivas competências, nem sempre em obediência aos princípios e diretrizes da Constituição Federal e da LOS, quando não desmontando-os (VASCONCELOS, 2011, p. 78). Diante do exposto, nota-se que a trajetória da política de saúde passou por mudanças em diferentes contextos socioeconômicos e políticos. Em todas elas, houve a participação dos trabalhadores na busca da conquista de seus direitos de cidadania. Vale ressaltar que o Estado, sob pressão popular, consolidou e ampliou vários direitos sociais, o que representou um ganho significativo para a sociedade brasileira. Uma conquista fundamental foi a incorporação desses direitos à Constituição Federal de 1988. Entre eles, as mudanças implementadas na política de saúde, que serão discutidas no capítulo seguinte. CAPITULO 2 A POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL APÓS CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 Este capítulo trabalha a política de saúde, na busca de situar algumas mudanças ocorridas nessa área a partir da Constituição Federal de 1988, tendo como foco principal a discussão do acesso aos serviços públicos de saúde. 2.1 A saúde no tripé da Seguridade Social: avanços e limites A política de Seguridade Social no Brasil está baseada em dois modelos. O primeiro é o modelo Bismarkiano alemão, datado do final do século XIX e que se sustenta pela lógica do seguro social e estabelece renda aos trabalhadores em momentos de riscos sociais em decorrência da ausência de trabalho. A Previdência Social no Brasil é a política que se aproxima desse critério. O segundo modelo é o Beveridgiano da Inglaterra do pós II Guerra Mundial. O seu objetivo é o combate à pobreza pautado na universalidade de direitos sem contribuição prévia. A saúde e assistência social inserem-se nessa lógica da política (BOSCHETTI; SALVADOR, 2009). O Brasil, seguindo tendências internacionais tinha no trabalho a centralidade para a definição de políticas de proteção social pois, anteriormente constituía em condição para o acesso à assistência médico/hospitalar. O sistema de proteção social era excludente, não contemplava a todos os trabalhadores urbanos e se limitava àqueles que de alguma forma conseguiam maior pressão política sobre o Estado. A sindicalização ocorrida em 1931 permitia uma autonomia limitada com o objetivo de impedir os conflitos nas relações capital/trabalho. No entanto, por várias décadas, a classe trabalhadora vem reivindicando direitos sociais, além dos civis e políticos na busca pela efetivação da cidadania. O movimento da sociedade na década de 1980 contribuiu para incorporação na Constituição Federal de 1988 de várias “demandas sociais de expansão dos direitos sociais e políticos” (BOSCHETTI; SALVADOR, 2006, p. 28). Um dos avanços é o Título VIII da Constituição que trata da ordem social, e no capítulo II, da Seguridade Social, que é assim definida 51 Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos á saúde, previdência e á assistência social. Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos: I universalidade da cobertura e do atendimento; II uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços ás populações urbanas e rurais; III seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços; IV irredutibilidade do valor dos benefícios; V equidade na forma de participação do custeio; VI diversidade da base de financiamento; VII caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quatripartide, com participação dos trabalhadores, empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados. Tanto o conceito quanto os objetivos da Seguridade Social encontram obstáculos para sua concretização, pois os defensores dos direitos sociais depararam a partir da década de 1990, “com uma nova hegemonia burguesa, de cunho neoliberal que vai potencializar novas e antigas dificuldades para consolidar a seguridade social no Brasil” (BOSCHETTI; SALVADOR, 2006, p. 29). Uma delas é a desestruturação do seu orçamento, resultado de orientações políticas que podem favorecer o capital ou o trabalho. No Brasil, afirmam os mesmos autores, essa política tem privilegiado o capital na formulação e execução do orçamento da Seguridade Social. No contexto que envolve o tripé da Seguridade Social (Previdência, Assistência Social e Saúde), a área que será discutida por ser foco desse estudo é a saúde. A promulgação da Constituição Federal de 1988 possibilitou vários avanços e o destaque de um novo patamar para essa área. A saúde integrou o sistema de proteção social brasileiro, tornou-se uma política social pública e desvinculada da contribuição previdenciária. Assim, a saúde é apreendida como direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visam à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção (Constituição Federal,1988, art.196). O reconhecimento da saúde como um direito social e a sua garantia como um dever do Estado vai além da perspectiva “que atribui às políticas sociais o papel de reduzir as injustiças sociais” [...] e também o “reconhecimento de que a saúde não pode ser um bem factível de troca no mercado” (MIOTO; NOGUEIRA, 2009, p. 223). 52 Isso significa que o Estado não pode se eximir do compromisso de atender às necessidades de saúde da população na perspectiva da gratuidade. O fato de o direito à saúde constar em lei não é suficiente para garantir o acesso imediato dos usuários aos serviços públicos de saúde, pois existe uma contradição entre os princípios estabelecidos pela legislação em vigor e a realidade do SUS. A saúde é diferenciada de outros direitos porque está diretamente relacionada ao direito à vida, exigindo portanto, uma maior atenção desses serviços. No entanto, essa área enfrenta vários desafios para sua plena efetivação. Conforme o parágrafo 2º das disposições gerais da Lei Orgânica da Saúde (LOS), o dever do Estado não exclui o das pessoas, da família, empresas e da sociedade. Nesse sentido, o SUS, “[...] tem o desafio principal de efetivar-se como política de Estado” (ELIAS apud PINTO et all, 1998, p. 135) garantindo assim, a responsabilização deste, pela política de saúde. Um avanço significativo foi a ampliação do conceito de saúde, incluso na Constituição Federal de 1988. A concepção abrangente de saúde consiste em “[...] um importante passo para uma mudança significativa no modelo assistencial e na tradução das necessidades de saúde da população brasileira” (MIOTO; NOGUEIRA, 2009, p. 229). O Artigo 3º da Lei 8.080/90 estabelece que a saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer, e o acesso aos bens e serviços essenciais; os níveis de saúde da população expressam a organização social e econômica do País. Para chegar a esse entendimento ocorreu um processo de mudança de paradigmas referente ao processo saúde/doença. Ao discutir as políticas de saúde é necessário mencionar a relação desse processo que, em conexão com o Movimento de Reforma Sanitária passou por alterações nos seus conceitos. Assim, “[...] numa sociedade, como a brasileira em que a saúde vem sendo identificada como presença/ausência relativa de doença, o problema das condições vitais da população torna-se um problema de Estado” (LUZ, 1979, p. 13). Nesse sentido, a autora segue afirmando que “as instituições estatais de saúde e instituições médicas [...] sob forma de intervenção maciça e organizada na vida de diversos setores da população, tornam-se as agências políticas de contenção e controle da doença coletiva” (LUZ, 1979, p. 93). 53 Essas instituições constituem o local reconhecidamente político e organizado para discussão das questões de saúde e “das condições sociais da população” (LUZ, 1979, p. 14). Para a mesma autora: Estas condições transbordam o Estado e remetem em última análise, as formas de criação e apropriação sociais da produção e reprodução da vida coletiva. Em outras palavras, remetem à participação dos diversos grupos e classes sociais subordinadas ao modo de produção social vigente: nas condições de trabalho como nas formas existentes de educação, nas condições de alimentação como no acesso à informação e à produção do saber, nas condições de moradia como nas diversas formas de decisão política que incidem diretamente sobre os itens anteriores (LUZ, 1979, p. 14). Portanto, a saúde é entendida também como acesso às políticas de saúde no sentido da participação da população na elaboração, organização e execução do planejamento. Questão referendada posteriormente pela Lei 8.142/1990, que estabelece a criação dos Conselhos de saúde, na perspectiva do controle social. Nesse ponto de vista, a saúde é vista como uma questão política. Em outro sentido, a saúde é também política quando por meio “de um conjunto de instituições médicas, restringe-se a discussão e a decisão sobre a origem - social ou não - e a extensão das doenças da população [...]” (LUZ, 1979, p. 14). A definição de doença e saúde permeia por instituições médicas que entendem ser as únicas a saber a respeito do tema e formas de combater a primeira e de implementar a segunda. “No entanto, segmentos diferentes das referidas instituições agem historicamente no sentido de alterar o discurso dominante”. (LUZ, 1979, p. 14). Nesse sentido, Cohn et all afirmam que é necessário [...] esmiuçar o cotidiano dos movimentos sociais, da constituição da demanda dos serviços de saúde, da prática institucional dos agentes envolvidos, da estranha simbiose do saber popular e do saber científico na área da formulação das políticas de saúde, da relação, enfim, entre os movimentos e manifestações sociais por saúde e o Estado (COHN, et all, 2010, p. 26). O processo saúde/doença está diretamente relacionado aos fatores sociais determinantes que o define. Portanto, esse processo não existe isoladamente, mas está inserido nas condições de vida e trabalho da população (MIOTO; NOGUEIRA, 2009). Entende-se, portanto, que existe a necessidade de desenvolvimento de políticas voltadas para o aumento do número de empregos, bem como de salários 54 que possibilitem o atendimento de suas demandas sociais. Esse é um desafio para o Estado. Contudo, há outros enfrentados pelos defensores do Movimento de Reforma Sanitária. Um dos desafios da Seguridade Social é a inexistência de uma proposta orçamentária por parte da União para essa área. Especificamente, à saúde, vários desafios se destacam desde a Constituição em vigor, como a destinação de 30% do Orçamento da Seguridade Social para o SUS, mas não foi cumprido. Outro agravante é a destinação de 20% dos recursos das contribuições sociais serem utilizadas para diferentes fins, conforme estabelece a Desvinculação das Receitas da União (DRU), desde 1994 (TEIXEIRA, 1998). Diante do impasse do financiamento, várias medidas foram adotadas como a criação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), em 1997. Esse imposto foi criado especificamente para a saúde. “No entanto, mais da metade dos recursos arrecadados com essa contribuição foram destinados a outros fins” (TEIXEIRA, 1998, p. 49). A Emenda Constitucional nº 29, aprovada em 2000 estabelece o percentual de 12% e 15% do orçamento dos estados e municípios respectivamente, para a saúde. Conforme explicitado pela autora, os recursos destinados à saúde sofrem constantes desvios, fato que pode explicar em parte, a realidade caótica dos serviços públicos de saúde. Constata-se que há uma decisão política, na priorização de várias áreas de interesse, em desfavor da saúde. Outro desafio para o SUS é o despreparo dos gestores, que muitas vezes são indicados mediante interesses políticos e desconhecem os princípios e funcionamento do sistema, o que impede uma maior fluidez das ações de saúde. Torna-se necessário um conjunto de conhecimentos da área da saúde e de administração, assim como ter uma visão geral do contexto em que se inserem e um forte compromisso social ao invés de simplesmente assumir um cargo público. Mesmo “com o grande avanço na construção de um sistema de saúde que é considerado o melhor do mundo, na sua construção teórica, prática e política” (BRAVO; MENEZES, 2010, p. 98), não há, porém, a constatação de seu cumprimento na totalidade. Diante disso, um grande desafio enfrentado é a necessidade de transformar o SUS constitucional em real. Há uma contradição entre o que está expresso nas leis e a realidade desse sistema quanto ao atendimento das demandas de saúde da população. 55 Percebe-se ainda, que os interesses neoliberais desde a implantação do SUS tem levado o Estado a investir cada vez mais na construção de um sistema paralelo, de viés excludente que contradiz os princípios e objetivos do Movimento de Reforma Sanitária, em benefício do fortalecimento do capital. Nessa ótica, é oportuna, a discussão do item a seguir. 2.2 A dualidade saúde pública X saúde privatista: projetos em disputa O termo público/privado em sistemas de saúde refere-se à necessidade de existência de serviços voltados para essa área, no sentido de corresponder aos interesses de cada um, tendo o Estado como seu organizador. Nesse sentido, essa combinação pode existir em diferentes aspectos, como: direitos, obrigações, financiamento, prestação de serviços, regulação (ANDREAZZI, 2012). O mercado privado de saúde, embora seja historicamente questionado pelo Movimento de Reforma Sanitária, possui relações contratuais com o SUS e conta com o apoio financeiro público para o seu desenvolvimento. Isso caracteriza a concordância do Estado, para a sua implementação. Andreazzi destaca que, Não cremos tratar de caso isolado e sim de um fenômeno mais amplo em que os espaços reservados ao mercado e ao Estado, em um dado sistema, resultam de um processo comum. Trata-se de um frágil, fugaz e mutante ponto arbitrário de corte temporal e geográfico de unidade e luta de contrários, pois mercado e Estado se complementam e disputam ao mesmo tempo. Processo que decorre da dinâmica de cooperação ou extração de excedente a partir dos diversos bens e serviços necessários à produção do cuidado à saúde e da competição entre seus respectivos agentes. (ANDREAZZI, 2012, p. 31). Nesse sentido, o Estado define as regras de funcionamento especificamente de interesses do capital privado, e estimula a competição nesse setor. No Brasil, as opções políticas e institucionais definem o padrão de oferta de serviços de saúde, combinando o público estatal e empresas lucrativas com práticas liberais. Desse modo, Bravo considera que, A estrutura de atendimento hospitalar de natureza privada, com fins lucrativos, já estava montada a partir dos anos 50 e apontava na direção da formação das empresas médicas. A corporação médica ligada aos interesses capitalistas do setor era, no momento, a mais organizada, e pressionava o financiamento através do Estado, da produção privada, defendendo claramente a privatização. (BRAVO, 2009, p. 92). 56 Nota-se, que a proposta de privatização não é recente, mas se consolidou com o Estado neoliberal, cujo projeto vem se firmando gradativamente, no país. Nos anos 1990, ocorreu a consolidação dos seguros privados de saúde e na mesma década, a contrarreforma do Estado, aconteceu de maneira efetiva, principalmente a partir do governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que caracterizou a ruptura com o pacto entre as classes sociais, com muitos retrocessos para os trabalhadores, em especial, a sua saúde (TEIXEIRA, 2012). Esse contexto contribuiu para o abandono e reforço do sucateamento da rede pública de saúde, bem como a contraposição dos preceitos constitucionais no tocante à seletividade da atenção, favorecendo de forma direta e indireta a instalação e expansão da rede privada no Brasil. Nos anos 2000, concretiza-se a privatização por meio de terceirização e concessão de serviços estatais a empresas lucrativas e não lucrativas (ANDREAZZI, 2012). Assim, na orientação política do governo neoliberal, que assinala a manutenção da política macroeconômica, foram mantidas as políticas sociais de forma fragmentada e subordinadas a essa lógica. Para Andreazzi, A conjuntura neoliberal potencializa a corporatização do mercado privado de seguros e serviços de saúde, sob uma base anterior criada pelo próprio Estado de utilizar prioritariamente o setor privado como executor das políticas de atenção à saúde. A focalização não alcança, de fato, os chamados pobres, populações subproletárias e campesinato, de forma integral [...] e mantém-se o país como campo de medicamentos e equipamentos, seja pelos planos de saúde, seja pelo Estado. A oferta heterogênea de serviços é agravada pela concentração dos médicos nos centros mais ricos do país (ANDREAZZI, 2012, p. 49). Essa realidade expressa o déficit de profissionais médicos nas regiões consideradas pobres do país, o que dentre outros fatores, inviabiliza o acesso dessa população aos serviços públicos de saúde. Diante disso, para autora citada acima, [...] essa diversificação das interfaces público/privado traz novos impactos sobre o acesso da população à atenção de saúde e novos desafios para as políticas públicas. O excesso de oferta privada, principalmente de tecnologias de alto custo, aumenta o custo da atenção e não facilita o acesso para o usuário do SUS (ANDREAZZI, 2012, p. 49). A afirmação da autora contradiz a Constituição Federal de 1988, que estabelece, no art. 196, o acesso da população aos serviços públicos de saúde na perspectiva da universalidade. Isso traz a discussão da política de saúde que, em 57 princípio, pauta-se pela inexistência, de fato, de um sistema único, e sim, de um sistema dual de saúde. O público estatal prima pelo acesso universal, gratuito e igualitário na perspectiva do direito. No sistema privatista, o acesso à saúde acontece por meio da compra de serviços ou por inserção no mercado de trabalho (MENICUCCI, 2006). As duas formas divergentes de atuar na prestação de serviços de saúde estão vinculadas ao Ministério da Saúde: o SUS (setor público) e o privatista regulamentado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Nessa lógica, a política de saúde brasileira não está fundamentada apenas em “duas formas de acesso, financiamento e produção de serviços de saúde, mas também de atuação governamental” (MENICUCCI, 2006, p. 60), o que significa a atuação do Estado no sentido de atender aos dois sistemas. No caso do serviço público, o Estado deve trabalhar na perspectiva de garantir o acesso constitucional aos serviços de saúde. No caso privatista, atua para regular o mercado e estabelecer a concorrência empresarial. A dualidade nos serviços de saúde está relacionada à própria trajetória da política que, anterior à criação do SUS constituiu uma rede de serviços privados de fundo lucrativo. Diante disso, o texto constitucional define a participação do setor privado no SUS de forma complementar, o que pressupõe a priorização da rede pública e a utilização da rede privada apenas na hipótese da insuficiência da primeira. (MENICUCCI, 2006). O texto constitucional, no Título II do Sistema Único de Saúde, no segundo parágrafo estabelece: “A iniciativa privada poderá participar do Sistema Único de Saúde (SUS), em caráter complementar”. E a Legislação estabelece, no Capitulo II Da Participação Complementar Art. 24. Quando as suas disponibilidades forem insuficientes para garantir a cobertura assistencial à população de uma determinada área, o Sistema Único de Saúde (SUS) poderá recorrer aos serviços ofertados pela iniciativa privada. Parágrafo Único. A participação complementar dos serviços privados será formalizada mediante contrato ou convenio, observadas, a respeito, as normas de direito público. Art. 25. Na hipótese do artigo anterior, as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos terão preferência para participar do Sistema Único de Saúde (SUS). 58 Ocorre que, na prática, os incentivos fiscais proporcionaram o desenvolvimento do mercado privado em detrimento do público. Esses incentivos possibilitaram a expansão de redes de produção de serviços e “o surgimento de instituições como a medicina de grupo, as cooperativas médicas e os sistemas de autogestão, vinculados a empresas que administram planos de saúde para seus empregados” (MENUCCI, 2006, p. 61). Nesse sentido, percebe-se que o incentivo estatal possibilita e favorece a expansão do setor privado, na perspectiva de atender aos trabalhadores das empresas, diminuindo, assim, a responsabilidade do Estado em garantir saúde para todos. A escolha do Estado pela compra de serviços de saúde contribuiu para a expansão desse mercado. “Tal situação não permitiu que fosse desenvolvida a capacidade prestadora do governo, na medida em que significou a não decisão de ampliar a rede de serviços públicos” (MENUCCI, 2006, p. 62). A decisão do Estado em optar pelos serviços privados de saúde demonstra o seu interesse em não cumprir com a legislação em vigor e de fortalecer o capital. O desenvolvimento paralelo dos dois sistemas de saúde tem gerado a sobreposição do acesso privilegiado à assistência por meio de planos de saúde e outras diferenças, como “renda, ocupação e localização geográfica, que é reflexo da forma como se deu historicamente a expansão da cobertura privada e pública” (MENUCCI, 2006, p. 66). Entre os privilégios, no plano privado de saúde existe a possibilidade de escolha do local para atendimento, incluindo o profissional e demais serviços. No sistema público, essa lógica não acontece. Os usuários são atendidos pelo sistema e encaminhados aos serviços por ele gerados, não tendo, portanto, alternativas. Essas, dentre outras diferenças, têm gerado descontentamento na população, levando aqueles de melhores condições financeiras, a migrarem para os planos privados de saúde. Para Bravo e Marques, O SUS vem se efetivando como espaço de disputa para os dois projetos. Por um lado, é nele que se materializa a luta por uma política de acesso universal. Por outro, na medida em que a dotação de verba pública para a saúde vem sendo restringida ano após ano, é reduzida a sua capacidade em promover o acesso universal (BRAVO; MARQUES, 2012, p. 206). A demanda por serviços públicos de saúde tem aumentado devido à não cobertura dos planos privados em vários serviços. Nesse sentido, os usuários 59 pagam, mas não usufruem integralmente dos seus direitos. Fato que os leva a recorrer ao sistema gratuito, o que aponta para falhas daquele sistema. Os baixos valores repassados pelo Estado têm contribuído para o desligamento da rede SUS de vários prestadores de serviços da rede privada, que preferem vender serviços a quem paga mais (MENUCCI, 2006). Essa realidade advém do investimento privado em tecnologia. Isso conduz à busca de uma maior remuneração pelos seus serviços, pois na lógica capitalista, o lucro é o seu objetivo principal. Apesar dos entraves para a sua plena efetivação, o SUS vem conseguindo, dentro dos seus limites, oferecer o atendimento que lhe é exclusivo: repasse de medicamentos, utilização de Unidade de Terapia Intensiva (UTI), sem limite de prazos, encaminhamento de usuários para Tratamento Fora do Domicílio (TFD)5, cobertura de transplantes, maior número de unidades de saúde, além de outros (MENUCCI, 2006). O acesso dos usuários aos serviços públicos de saúde consiste na preservação do texto constitucional, em que o Estado intervém no sentido de cumprir minimamente o seu papel. Para a ampliação desse direito é necessário que a sociedade organizada continue na luta pela garantia do projeto sanitarista em detrimento do privatista. Contraditoriamente, o governo do ex-presidente Lula deu continuidade ao processo de privatizações. A proposta de reforma da Previdência Social, iniciada no governo FHC, foi concretizada no governo Lula como outra investida neoliberal, no sentido de diminuir a participação do Estado na sua responsabilidade pelos direitos sociais. Destaca-se nesse período, a criação das Fundações Estatais de Direito Privado, que “abrange todas as políticas que integram a área social, consideradas atividades não exclusivas do Estado” (TEIXEIRA, 2012, p. 56) como saúde, educação, cultura, e outras. 5 Tratamento Fora do Domicílio (TFD), instituído pela Portaria nº 55 da Secretaria de Assistência à Saúde/MS consiste no encaminhamento de usuários para centros especializados quando o seu município de origem não disponibiliza o tratamento de saúde de que necessita. É necessário agendamento prévio de procedimentos (consultas). O TFD é responsável pelo custeio de passagens de ida e volta para o usuário e acompanhante (quando necessário) e ajuda de custo para hospedagem. 60 A intenção foi implantar a terceirização sob diferentes modalidades: Organizações Sociais (OSs), que consistem na prestação de serviços de ensino, pesquisa, desenvolvimento tecnológico, preservação do meio ambiente, cultura e saúde. Conforme estabelecido no projeto de reforma do Estado, “instituições públicas podem se converter em organizações privadas, sem fins lucrativos” (SILVA, 2010, p. 142). Isso significa que uma parte do orçamento pode vir da venda de serviços. No caso da saúde, tal organização pode vender serviços ao SUS, aos planos de saúde e para interesse particular; Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPS), que prestam serviços desde a assistência social até os de tecnologias alternativas e Organizações não Governamentais (ONGs), que realizam serviços sociais de forma filantrópica (SILVA, 2010). Essas modalidades surgem como um “novo” modelo ou alternativas de gestão. Assim, Teixeira explicita: A concessão de prestação dos serviços assistenciais é dirigida para os entes privados, públicos não estatais regidos pelo direito privado. Traz em seu bojo a parceria público-privado, na fase complementar da ideologia desestatizadora do capital monopolista, agora voltada para os serviços sociais. Ainda no plano ideológico, essas privatizações são justificadas pela “ineficiência do público” e pela necessidade de ser alternativas para a gestão. (TEIXEIRA, 2012, p. 60). Tais organizações se diferenciam das instituições públicas, no sentido de que podem comprar medicamentos sem licitação, não se submetem à fiscalização dos Conselhos de Saúde, o quadro de pessoal é regido pela CLT, em substituição ao Regime Jurídico Único (RJU). São vinculadas ao Conselho de Administração, que possui caráter decisório e não permite a participação da população. Os Conselhos e as Conferências de Saúde perderão com isso, o “significado social de construção democrática e não terão mais poder deliberativo sobre a diretriz da política de saúde local e nacional” (TEIXEIRA, 2012, p. 60), o que representa um grande retrocesso para o controle social. Nos anos 2000, foram relevantes a convocação extraordinária da XII Conferência Nacional de Saúde (2003), a escolha pelo governo Lula, de um representante da Central Única dos Trabalhadores (CUT) para assumir a secretaria executiva do Conselho Nacional de Saúde e a criação da Secretaria de Gestão do Trabalho em saúde, com o objetivo de formar recursos humanos para a área. A medida tinha como intuito a ampliação dos conhecimentos e o compromisso dos 61 profissionais da saúde, no sentido de participar e fortalecer o Programa Humaniza SUS - Programa Nacional de Humanização, implantado em 2001, com o propósito de resgatar o respeito à vida e estabelecer um novo modelo de gestão na área da saúde. Estava focado, inicialmente, no desenvolvimento de experiências em hospitais públicos por meio do Programa Nacional de Humanização Hospitalar (PNHAH). Foi ampliado em 2003, com o eixo articulador de todas as práticas em saúde (COSTA, 2009). Constitui-se como aspecto significativo dessa década o Pacto de Gestão estabelecido em 2006, que apresenta a ênfase na descentralização compartilhada entre as três esferas de governo (União, Estados e Municípios). Os pactos devem ser realizados sempre por consenso, nos Conselhos Estaduais de Saúde, e se encontram fundados na estratégia de racionalização dos gastos e otimização dos recursos. São pactos que buscam apenas resultados quantitativos (TEIXEIRA, 2012). Na XIII Conferência Nacional de Saúde (2007), realizou-se a discussão a respeito da Fundação Estatal de Direito Privado. A Plenária foi contrária à instalação desse projeto. Esse posicionamento, todavia, não foi aceito pelo ministro da saúde, demonstrando banalização e desrespeito quanto às decisões do controle social. (BRAVO; MENEZES, 2013). Contraditoriamente, o governo Lula investe no setor saúde, e ao mesmo tempo propõe a sua privatização. Nesse sentido, dando continuidade a esse projeto, a lógica neoliberal atinge os Hospitais Universitários (HUs). O presidente Lula, no último dia do seu segundo mandato (31/12/2010), sancionou a Medida Provisória (MP) nº 520, que autorizou a criação da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), de caráter público de direito privado, vinculada ao Ministério da Educação (MEC). A discussão é anterior ao governo Lula, mas foi nessa gestão que a proposta se efetivou. Somado a outros interesses, tanto o Ministério da Saúde quanto o da Educação, concordaram com a concretização desse objetivo. O referido governo, pela força política junto ao Congresso Nacional, obteve a aprovação desejada. A EBSERH foi criada oficialmente, no governo da presidenta Dilma Rousseff, pela Lei 12.550, em 15/12/2011. A justificativa para tal medida é que os HUs possuem financiamento inadequado, infraestrutura física precária, tecnologia desatualizada, insuficiência de recursos humanos e dificuldade de gestão. Situação 62 que poderia ser diferente se existisse interesse governamental no sentido de investir no setor público. Diante desse contexto, para o enfrentamento do quadro instalado na área da saúde, os sindicatos, federações, profissionais da área, Conselhos de Saúde, promovem debates, seminários, audiências públicas, para discussão e tentativas de impedir que seja implantada a privatização da saúde (BRAVO, 2012). Nesse sentido, foi realizado, em 2010, no Rio de Janeiro, o I Seminário Nacional de Saúde. Na oportunidade, foi criada a Frente Nacional Contra a Privatização da Saúde, composta por vários segmentos organizados. Essa entidade, atenta às mudanças, busca percorrer o país com intuito de realizar encontros com trabalhadores das instituições de saúde, no sentido de envolvê-los na luta contra o desmonte do SUS e a consequente perda de direitos referentes aos serviços públicos de saúde. Observa-se portanto, que a disputa entre os dois projetos de saúde continuou e se aprofundou nos governos supostamente democráticos. Significa dessa forma, que a sociedade deve estar atenta no sentido de impedir que as conquistas na área da saúde, dentre elas, o acesso universal sejam derrotadas pelo projeto hegemônico. 2.3 Sistema Único de Saúde (SUS): discussão do acesso para todos No século XX, países, como Inglaterra, Suécia, Canadá dentre outros, construíram grandes sistemas públicos de saúde, “financiados com orçamento estatal [...] em confronto com interesses corporativos que tradicionalmente haviam se incorporado ao mercado da saúde” (CAMPOS, 2006, p. 134). Esses sistemas estavam fundamentados em alguns princípios comuns: a) direito universal à saúde e financiamento público pelo Estado; b) organização de uma rede de serviços - a saúde foi pioneira ao utilizar na área social o conceito de sistema -, de um sistema de atenção que garantisse atenção integral; isto é, previa-se que fosse ofertada à população desde o atendimento médico especializado até medidas de promoção à saúde e de prevenção de doenças; 63 c) hierarquização e regionalização do atendimento: o sistema se organizaria por regiões sanitárias em um sistema de acesso por níveis de complexidade. (CAMPOS, 2006). O Brasil adotou esse modelo ao construir o Sistema Único de Saúde (SUS), seguindo a discussão internacional que entendia a necessidade de reformas sociais. Socialistas, trabalhistas, desenvolvimentistas do Terceiro Mundo e vários movimentos políticos incluíram “o ideário dos sistemas públicos de saúde em seus projetos” (CAMPOS, 2006, p. 135). Isso contribuiu para a busca de reformas na área da saúde que, conforme Cohn e Elias, O objetivo em prol da melhoria da saúde dos brasileiros e da implementação de um sistema que contemple pelo menos a universalização da assistência em todos os níveis de atenção com parâmetros definidos socialmente exige que as políticas macroeconômicas articulem-se de alguma maneira com as políticas sociais, sobretudo com as de saúde e educação. Em outras palavras, trata-se de eleger como prioridade nacional o combate à pobreza, e principalmente à exclusão social, sem o que nenhuma política de saúde isolada (por melhor que ela seja) será capaz de enfrentar o conjunto das necessidades sociais [...] (COHN; ELIAS, 1999, p. 65). Para o enfrentamento da pobreza, é necessária a articulação entre as políticas sociais, no sentido de atender minimamente às necessidades sociais daqueles que, de alguma forma, delas ainda dependem, pois uma política social isolada jamais conseguirá a melhoria das condições de vida e saúde dos seus destinatários. Para os mesmos autores, [...] nesses termos, a análise de um sistema de saúde deve iniciar-se por desvelar a lógica de sua estruturação e de seu funcionamento, bem como as articulações institucionais que apresenta, tendo-se em mente as qualificações em relação à população abrangida, modelo assistencial implementado, e principalmente as formas de financiamento adotados (COHN; ELIAS,1999, p. 65). A noção de sistema pressupõe a existência de partes não só articuladas entre si, mas principalmente que funcionem como estruturas organizadas. No que se refere ao sistema de saúde de forma mais ampla, imagina-se um conjunto de instituições sociais voltadas para o benefício da saúde. Nesse sentido, para esses autores, [...] a implantação do Sistema Único de Saúde (SUS) depende da competência técnica e de grande habilidade política para compor interesses e distintas perspectivas culturais. Assim, o sucesso dessa política depende, portanto, não somente de políticas adequadas dos governos federal, estadual e municipal, mas de uma rede de serviços sociais, que se 64 articulam e se complementam no sentido de atender às necessidades sociais da população (COHN; ELIAS, 1999, p. 75). O processo de implantação do SUS tem sido marcado por intensos debates que refletem a presença de interesses antagônicos em relação a sua consolidação, tanto como política pública calcada na universalidade, equidade, integralidade, participação popular e dever do Estado, quanto às dificuldades para construir modelos assistenciais sustentados na concepção ampliada de saúde, que foi a base do processo de proposição do SUS. O Sistema Único de Saúde brasileiro tem como um dos seus princípios norteadores a universalidade de acesso aos serviços em todos os níveis, porém, é um dos aspectos que tem provocado resistência dos que defendem o projeto de saúde voltado para o mercado. Diante disso “[...], a maior conquista do SUS foi quanto ao direito legal de acesso universal e igualitário às ações de saúde em todos os níveis de complexidade” (MIOTO; NOGUEIRA, 2009, p. 232). Ocorre que é necessário pensar que tipo de acesso se disponibilizou para a população, ou qual foi o modelo de assistência à saúde implementado e em que medidas as demais políticas contribuem para garantir a sustentação necessária ao atendimento das necessidades sociais de saúde (MIOTO; NOGUEIRA, 2009). No Brasil, o acesso universal e igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação da saúde é uma das exigências instituídas no aparato legal. Entretanto, “[...] as políticas de saúde, à medida que restringem o seu objeto à necessidade do atendimento médico, não consideram as condições de vida dos usuários e se limita a prover recursos de assistência médica” (COHN et al., 2010, p. 92). Essa verdade demonstra a não apreensão do conceito ampliado de saúde defendido pelo Movimento de Reforma Sanitária e incorporado à Constituição Federal de 1988, uma vez que estabelece somente o atendimento médico, ou seja, a atenção voltada à doença. Visão também incorporada ao entendimento da população. Para os mesmos autores, A grande maioria da população procura ter acesso aos serviços no contexto da manifestação da doença, e não nas condições necessárias para manter a saúde, não questionando a reprodução da dinâmica existente no âmbito político das ações de saúde, aceitando a vigência de práticas clientelistas e paternalistas. A saúde portanto, dificilmente é percebida como uma questão de cidadania, e a concepção que dela predomina não se baseia no âmbito 65 coletivo. Daí a procura de serviços manifestar-se principalmente nas situações onde existem riscos concretos e verificáveis e, portanto, em situações onde predomina a perspectiva curativa (COHN et all, 2010, p. 92). A população busca estratégias próprias de acesso aos serviços de saúde, tendo como referência o seu cotidiano. A experiência adquirida em relação ao acesso remete ao estabelecimento de meios para alcançá-lo. A ausência de campanhas permanentes que esclareçam a população a respeito da prevenção às doenças contribui para o entendimento de que os serviços de saúde, contraditoriamente, devem ser procurados quando a doença já existe. Observa-se que os usuários dos serviços públicos de saúde enfrentam dificuldades na viabilização do atendimento de suas demandas, desde o agendamento de uma consulta até um procedimento de alta complexidade, o que contribui para o atraso e até mesmo a interrupção do tratamento a que têm direito. E, ainda, a demanda por serviços públicos é crescente, porém, a política de saúde não consegue atender a todos, porque a ampliação do acesso está vinculada à ampliação dos recursos financeiros e à decisão política das três esferas governamentais (União, Estados e Municípios). Porém, a destinação de verbas para a saúde diminui cada vez mais, para atender aos interesses da política neoliberal (CORREIA, 2009). O governo federal, na intenção de ampliar o acesso da população ao atendimento de suas demandas de saúde, estabeleceu em 2008, a Política Nacional de Regulação do Sistema Único de Saúde - SUS Portaria GM nº 1.559, de 1º de agosto/2008. Essa política está centrada em três dimensões de atuação: Regulação dos Sistemas de Saúde, Regulação da Atenção à Saúde, Regulação do Acesso à Assistência, também denominada regulação do acesso ou regulação assistencial. Essa política visa a regulação do acesso a consultas, exames e procedimentos de alta complexidade, como transplantes, exames de alta tecnologia e internações. Para tanto, o usuário do SUS precisa estar regulado no sistema, ou seja, deve ter um cadastro, um número que o identifique. A política implantada nacionalmente gerou grandes transtornos às instituições de saúde e principalmente aos usuários, no início de sua vigência, devido à falta de informações e esclarecimentos referentes ao seu funcionamento. 66 A desinformação quanto à forma como seriam atendidos trouxe atraso no atendimento de suas demandas de saúde o que dificultou portanto, o acesso aos serviços públicos de saúde. Os usuários devem recorrer aos Centros de Assistência Integral à Saúde (CAIS) e teleagendamento, no caso específico de Goiânia, para agendamento de uma consulta e devem comparecer ao hospital somente na data liberada pelo sistema para sua realização. Em caso de necessidade de encaminhamento a outra unidade de serviços públicos de saúde, o usuário deve passar por nova regulação. Essa política denota contradições em sua implantação, pois, ao mesmo tempo em que versa pelo acesso, ela o dificulta por sua forma de estruturação. O acesso da população aos serviços públicos de saúde, ainda não foi totalmente efetivado. O processo é lento, desrespeitoso e está longe de se tornar universal e real no Brasil. A experiência dos usuários do SUS, com tais serviços facilita ou dificulta o acesso a eles. O acesso é conceituado como “um dos aspectos da oferta de serviços relativos à capacidade de produzir serviços e de responder às necessidades de saúde de uma determinada população e da forma como são utilizados” (MARTINS; TRAVASSO, 2004, p. 35). Quando o acesso não se concretiza, aqueles que possuem entendimento recorrem aos órgãos de defesa e garantia dos direitos, como Conselhos de Saúde e Ministério Público. Dessa forma, Setúbal pontua que A chamada judicialização das políticas públicas, entendida como um avanço desmedido de ações judiciais movidas por cidadãos que cobram o direito à proteção social e atribui ao Judiciário a função de controle da constitucionalização, tem se configurado como uma tendência cada vez mais crescente no Brasil nas últimas décadas (SETÚBAL, 2013, p. 100). A área da saúde é protagonista dessas ações, e elas estabelecem a interface entre os poderes Executivo, responsável pelo dever constitucional de atender às necessidades de saúde da população, e o Judiciário, no sentido de afirmar direitos e garantir o acesso à saúde. As ações judiciais vão desde a busca por medicamentos, consultas especializadas, internações e exames de alto custo. O reconhecimento dos direitos à saúde por parte da população tem contribuído para o aumento dessas ações, pois, de um lado, existe o direito e, do outro, a sua não efetivação (SETÚBAL, 2013). 67 No discurso de posse de Alexandre Padilha, Ministro da Saúde do governo da presidenta Dilma Roussef, foi sinalizado, [...] que uma das suas prioridades de gestão e objetivo principal do ministério será garantir o acesso e o atendimento de qualidade à população, em tempo real, adequado para a necessidade de saúde das pessoas. Alexandre Padilha propôs a definição de um indicador nacional sobre a qualidade do acesso aos serviços de saúde e a definição de um mapa nacional das necessidades, que auxiliasse o monitoramento da situação em todo país (BRAVO; MENEZES, 2013, p. 35). A questão é que o acesso da população aos serviços públicos de saúde ficou somente no discurso. O referido ministro e seu antecessor, José Temporão tiveram grande empenho e participação na defesa da criação da EBSERH e Fundações Estatais de Direito Privado, o que contradiz o seu posicionamento anterior. Essas organizações, obviamente não preveem direitos dos usuários, mas estão estabelecidos na legislação em vigor. Dentre eles: a) ter acesso ao conjunto de ações e serviços necessários para a promoção, a proteção e a recuperação de sua saúde; b) gratuidade, mediante financiamento público, dos medicamentos necessários para tratar e restabelecer a saúde; c) ter acesso ambulatorial, cuja espera não prejudique a saúde; d) dispor de procedimentos ágeis para a marcação de consultas ambulatoriais e exames, por telefone, meios eletrônicos ou pessoalmente; e) ter acesso a centrais de vagas ou a outro mecanismo, que facilite a internação hospitalar [...] f) ser atendido com atenção e respeito, de forma personalizada e com continuidade, em local e ambiente limpo, seguro e adequado ao atendimento; g) ter acesso a informações claras e completas sobre os serviços de saúde existentes no município [...] h) receber informações claras, objetivas, completas e compreensíveis sobre o seu estado de saúde [...] i) ter assegurada a sua autonomia para decidir sobre sua saúde e vida, como consentir ou recusar, de forma livre, voluntária e com adequada informação prévia, procedimentos [...] a serem realizados. O conjunto de direitos não é divulgado ou discutido pelos profissionais com os usuários dos serviços públicos de saúde, pelo fato de muitos deles desconhecerem a legislação e alegarem acúmulo de trabalho, além de outros fatores. Os usuários, 68 não dispõem portanto, do acesso às informações, o que caracteriza o desrespeito a esse direito (VASCONCELOS, 2011). Os usuários do SUS devem ainda dispor do acesso à tecnologia necessária à definição do seu diagnóstico. Ocorre que o número de vagas disponível para realização de procedimentos não é suficiente para o atendimento de toda demanda. Além disso, os medicamentos necessários à recuperação da saúde nem sempre estão disponíveis quando os usuários deles necessitam. O contexto apresentado contraria os princípios que regem o Sistema Único de Saúde, que estão fundamentados no Movimento de Reforma Sanitária e se definem pela universalidade, equidade e integralidade, tripé que se inter-relaciona, visando à ampliação do acesso da população aos serviços públicos de saúde. A Lei 8.080/90 no Capítulo II Art. 7º, estabelece que a universalidade consiste no acesso aos serviços públicos de saúde, em todos os níveis de assistência; a equidade é igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie; a integralidade entendida como conjunto articulado das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso, em todos os níveis de complexidade do sistema. Para França, a concretização dos princípios da universalidade, equidade e integralidade ampliou as responsabilidades do Estado não só com relação ao volume de recursos, mas também nas escolhas de formas racionais de sua aplicação. No entanto, enquanto a universalidade foi posta em prática pela simples determinação legal, os demais princípios demandam aportes de recursos coerentes com o desenvolvimento do modelo descentralizado e com o crescimento das necessidades [...] (FRANÇA, 1998, p. 36). A responsabilidade do Estado, que antes restringia-se somente aos contribuintes da Previdência Social, foi aumentada em função da ampliação do acesso aos serviços públicos de saúde, conforme determina o princípio da universalidade. Para Stein e Pereira, Uma razão histórica para a adoção do princípio da universalidade tem relação direta com o objetivo democrático de não discriminar cidadãos no seu acesso a bens e serviços que, por serem públicos, são indivisíveis e deveriam estar à disposição de todos (STEIN; PEREIRA, 2010, p. 111). No entanto, os serviços de saúde são programados e têm regras de acesso e atendimento como cotas, pactuação, dentre outras. A ampliação do acesso, não garante a equidade. Para que se efetive, são necessárias medidas no sentido da 69 [...] reformulação e a adaptação de programas e ações em saúde, objetivando equilibrar a distribuição e a organização de serviços conforme as necessidades específicas de cada segmento social, que apresenta um variado leque de demandas, nem sempre percebidas e atendidas pelo Poder Público (PREUSS; MENDES, 1998, p. 168). Conforme a Organização Mundial de Saúde, a equidade incorpora como princípio a igualdade de oportunidades para o acesso aos bens e serviços de saúde, o que leva ao entendimento de que há oportunidades iguais para todos. A equidade não é sinônimo de igualdade. A última diz respeito a uma chance justa para todos, enquanto a primeira “refere-se às necessidades em saúde derivadas da forma de organização societária, e a utilização dos serviços sanitários está determinada pelas necessidades de saúde da população e pelas características dos serviços de saúde” (PREUSS; MENDES, 1998, p. 163). É relevante ressaltar que equidade significa a cada um segundo as suas necessidades de saúde e o atendimento a essas requer um aumento significativo nas condições de vida da população. Diante disso, a definição de necessidades de saúde “[...] vai além do acesso a serviços e tratamentos, e devem ser levadas em consideração as transformações societárias ocorridas nos séculos XX e XXI que influenciam diretamente na saúde da população” (MIOTO; NOGUEIRA, 2009, p. 75). Um outro princípio é a integralidade da atenção à saúde, que deveria acontecer em qualquer ponto do sistema ao invés de ter como porta de entrada somente um determinado serviço. Isso facilitaria o acesso e o atendimento às demandas de saúde dos usuários do SUS. A integralidade, entendida como o todo indivisível de cada pessoa, caracteriza a não fragmentação da atenção à saúde e reconhece os fatores socioeconômicos e culturais como determinantes da saúde (PREUSS; NOGUEIRA, 1998). Para assegurar a integralidade são necessários mecanismos que garantam a continuidade das ações de saúde. Nesse sentido, o sistema busca meios, para viabilização do acesso, como centrais de agendamento de consultas que deveriam garantir um atendimento integral baseado em referências6 e contra referências7. Essa forma de atendimento, nem sempre produz eficiência e agilidade ao sistema, 6 7 Referência. Após atendimento do usuário na rede básica, caso haja necessidade, ele será encaminhado para tratamento especializado em unidades de saúde de referência (consultas especializadas, exames), conforme a situação exigir. Contra-referencia: ao ser atendido nas unidades de referência, o usuário após ter o seu quadro estabilizado é reencaminhado à uma unidade de saúde de menor complexidade para continuidade do tratamento. 70 fato que contribui para os opositores do SUS enfatizarem a redução da confiança na eficácia do sistema público (PREUSS; NOGUEIRA, 1998). Na intenção de ampliar o acesso dos usuários ao sistema foi criado o Cartão Nacional de Saúde, conhecido como Cartão SUS, instituído pela NOB/SUS 01/96, que representa a necessidade de o setor saúde ter uma identificação única para os usuários do SUS e regular o repasse de recursos entre as esferas governamentais. Há, ainda, uma distinção entre a forma de financiamento da atenção básica, que é realizada por programas e per capta, enquanto a média e alta complexidades são remuneradas por procedimentos (serviços). Nesse sentido, as necessidades de saúde devem ser apreendidas por equipes interdisciplinares e intersetoriais, que possibilitam a interlocução entre as categorias profissionais na viabilização do acesso da população aos seus direitos à saúde. Conforme legislação em vigor, a LOS estabelece as diretrizes, descentralização, municipalização e participação popular. A descentralização administrativa dos serviços públicos de saúde caracteriza-se como um ato democrático, pois redistribui responsabilidades entre as esferas governamentais (União, Estados e Municípios). Essa medida advém do debate do Movimento de Reforma Sanitária, que define uma maior ênfase aos municípios. Conforme Monnerart et all, a Constituição Federal de 1988 definiu um novo pacto federativo que resultou em grandes transformações quanto à transferência de capacidade decisória, funções e fundamentalmente, para municípios. Mas também é fato que a descentralização de corte municipalizante acarretou em uma indefinição das competências e atribuições dos estados criando um vazio no que se refere a medidas que atenuem as desigualdades regionais (MONNERART, et all, 2012, p. 107). Um fato relevante é que nem todos os municípios possuíam estrutura financeira e profissionais suficientes para atendimento da demanda e também, a realidade das cidades quanto aos aspectos socioeconômico, demográficos, entre outros, difere uma da outra. A cidade, conforme enfatizam Almeida e Alencar (2012) consiste na importância da forma como Estado e sociedade se articulam em âmbito local. Isso demonstra que a localidade onde os indivíduos se inserem expressa as suas reais necessidades sociais e que o município agora é o responsável pela sua viabilização. Os referidos autores afirmam que “[...] é na cidade que os indivíduos sociais produzem relações concretas entre si e com as instituições públicas e 71 privadas que ofertam a gama de serviços sociais que parcela significativa da população utiliza [...]” (ALMEIDA; ALENCAR, 2012, p. 85). A cidade é a localidade, onde as pessoas expressam e buscam o atendimento de suas necessidades sociais. Diante desse contexto, a municipalização dos serviços públicos de saúde requer meios para a sua efetivação. Assim, a NOB 1/96, estabelece como porta de entrada para o acesso dos usuários ao atendimento de suas demandas de saúde, o Programa Saúde da Família (PSF) criado em 1994 (atualmente Programa Estratégia Saúde da Família). O programa foi apresentado primeiramente como integrante da Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), posteriormente, em 1995 foi incorporado à Secretaria de Assistência à Saúde (SAS), em 1999, foi transferido para Coordenação de Atenção Básica da Secretaria de Políticas de Saúde (SPS). O PSF foi implantado por meio de convênios entre Ministério da Saúde, estados e municípios. Conforme Monnerart et all, [...] concebido como instrumento de reorganização do municipalização, o PSF exigia contrapartidas e critérios de municípios para assinatura de convênios, como por funcionamento do Conselho Municipal de Saúde e do Fundo Saúde (MONNERART et all, 2012, p. 114). SUS e da seleção dos exemplo, o Municipal de A medida objetiva o repasse de recursos do fundo federal ao fundo municipal na tentativa de garantir que o montante financeiro chegue ao seu destino. A municipalização tem como princípios, dentre outros, facilitar e ampliar o acesso aos serviços públicos de saúde. Para tanto, o usuário deve ser atendido nas unidades de saúde próximas à sua residência. O PSF tem como relevância o fato de “ser implantado como ‘estratégico’ para o sistema de saúde, no sentido de ampliar e permitir o acesso da população à rede de saúde, visto que a demanda reprimida é ainda um grande desafio no alcance da universalização dos serviços” (NUNES; TEIXEIRA, 2012, p. 135). O PSF é também uma estratégia para reduzir o atendimento nos hospitais e fortalecer a atenção básica. O cálculo de financiamento é feito por per capta. O PSF conta ainda, com o Piso de Atenção Básica (PAB), (repasse financeiro), como incentivo à municipalização. O foco do atendimento das necessidades de saúde está no município. A população usuária desses serviços conta com o controle social como meio de defesa e garantia dos seus direitos. O controle social entendido por várias décadas somente como controle do Estado sobre a sociedade, a partir da Constituição Federal em vigor expressa o 72 significado da participação popular na elaboração, implementação e fiscalização das políticas sociais, inclusive da saúde. O controle social é exercido por meio dos Conselhos regulamentados pela Lei 8.142/90 e Conferências de saúde, em todos os níveis governamentais. Assim, “os Conselhos são espaços decisórios (deliberativos), de caráter permanente e paritário [...]” (MENEZES, 2012, p. 261), que significa que essas instâncias são compostas por 50% de usuários, 25% de gestores, 25% de trabalhadores de saúde. Várias alterações foram realizadas no Conselho Nacional de Saúde (CNS). A primeira em 1937, data de sua criação, quando possuía somente caráter consultivo. Com a criação do SUS, o Conselho foi regulamentado pelo Decreto nº 99.438/90 e obteve ampla representação social com caráter permanente e deliberativo, integrante da estrutura regimental do Ministério da Saúde (MENEZES, 2012). Além dos Conselhos já citados, os Conselhos Locais de Saúde, vêm se firmando como espaços democráticos de participação dos usuários das unidades de saúde do SUS. Nesse contexto de participação popular dilatou-se a possibilidade de ampliação do acesso aos direitos referentes à saúde. Ressalta-se, que no interior dos Conselhos existem forças que se contrapõem e expressam interesses divergentes. Nesse sentido, é necessário que os usuários participantes dessas instâncias, não se deixem cooptar. Percebe-se que mesmo com a instalação do controle social, o SUS não tem conseguido efetivar seus princípios. O acesso aos serviços de saúde é limitado e a população busca estratégias para a sua viabilização. Diante disso, o próximo capítulo continuará a discussão da política de saúde, especificamente no município de Goiânia. CAPÍTULO 3 A POLÍTICA DE SAÚDE NO MUNICÍPIO DE GOIÂNIA E O ACESSO DOS USUÁRIOS AOS SERVIÇOS PRESTADOS PELO HOSPITAL DAS CLÍNICAS/UFG A contextualização sócio-histórica, política e econômica de Goiás bem, como a conjuntura nacional são necessárias para o entendimento do processo de construção e transferência da capital de Goiás para Goiânia. Em seguida, será discutida a política de saúde em Goiânia na atualidade passando por um breve contexto histórico, político e socioeconômico e ainda, a contextualização do Hospital das Clínicas/UFG na perspectiva do acesso dos usuários às interconsultas nessa instituição. 3.1 A organização dos serviços públicos de saúde no município de Goiânia A capitania e a província de Goiás eram administradas por pessoas ligadas ao rei de Portugal. Os administradores dessa capitania foram aos poucos perdendo os seus poderes para as famílias de alto poder aquisitivo. Começaram as disputas e alianças na busca pelo poder sem a participação da população. Tal fato contribuiu para a formação de grupos políticos da região, compostos por coronéis e a política do favor. A figura do coronel não estava relacionada somente ao poder econômico, mas à forma violenta com que conquistou a sua política de mando e favor do Estado (MORAES, 2006). Nesse contexto, Goiás enfrentou a oligarquia representada pelo revezamento do poder entre as famílias Fleury, Jardim, Alencastro, Gouvêa, Caiado dentre outras, no período entre 1889 e 1930. A oligarquia dos Caiado foi bastante marcante em Goiás, pois o seu domínio permitiu a incorporação dos grandes proprietários na Capital e também no interior. Com isso, os Caiado criaram até 1930 “um sistema político perfeitamente adaptado aos interesses do governo federal e das classes sociais que representavam no Estado “(MOYSÉS, 2005, p. 58). Ainda na década de 1930, Goiás caracterizava-se por uma baixa densidade demográfica, por uma atividade produtiva basicamente agropecuarista, por uma população residindo predominantemente na zona rural, por relações de trabalho não tipicamente capitalista (MOYSÉS, 2005). Nesse sentido, fazia-se necessário avançar rumo à modernidade. No referido período destacou-se o governo Vargas e sua política de interiorização do Centro-Oeste. Sendo assim implementou a Marcha para o Oeste 74 em 1938, que objetivava povoar o interior do Brasil e adentrar a Amazônia para viabilizar, conquistar e estimular a ocupação econômica da fronteira em Goiás. Após a Revolução de 1930 instalou-se o Governo Provisório e esse nomeou os interventores por regiões no Brasil. O governo enfrentou e cedeu à reivindicação dos paulistas quanto à convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte com o propósito de estabelecer regras que seriam benéficas e diminuiriam as perdas políticas do governo. A figura do interventor representava um elemento fundamental porque competia a ele “[...] a arregimentação e unificação das forças políticas regionais e sua inserção a nível federal” (CHAUL, 1999, p. 58). Goiás teve como interventor, o médico Pedro Ludovico Teixeira. Conforme o mesmo autor, não há registros documentais que informem os motivos dessa escolha. Porém, sabe-se que o interventor possuía grande influência na esfera federal e detinha grande prestígio junto ao presidente Vargas. Pedro Ludovico intencionava a mudança da capital de Goiás, que não era uma ideia nova. A proposta teve início ainda no período do império em 1754, quando o primeiro governador de Goiás, Conde dos Arcos argumentou junto à Corte Portuguesa, acerca dessa necessidade alegando a “[...] deficiência climática e as difíceis comunicações de Vila Boa” (CHAUL, 1999, p. 57). A sua proposição era de transferir a capital para Meia Ponte (atual Pirenópolis). O governo português, porém, não se dispôs à essa façanha pois representava altos investimentos financeiros. Em 1830, o segundo governador de Goiás, Miguel Lino de Moraes sugeriu a mudança da capital para Água Quente, em razão do acesso facilitado para o comércio e devido a região ser mais povoada. As limitações da Vila Boa se somavam à sua localização entre serras, dificuldade de transporte, doenças, entre outros. “As deficiências gerais da capital não passavam despercebidas, e as críticas se acirravam cada vez mais, tentando denotar a falta de requisitos básicos para se manter em Vila Boa uma capital representativa” (CHAUL,1999, p. 66). Pedro Ludovico apontava outros motivos para a mudança da capital de Goiás: a afirmação e consolidação política dele próprio, a derrota da oligarquia dos Caiado, e a necessidade de expansão do capitalismo. O discurso destacava o progresso, a dinamização da economia goiana com sua incorporação gradativa à economia nacional, um novo centro de poder decisório e o interesse do presidente Vargas nessa questão (CHAUL, 1999). 75 O interventor citado iniciou a sua busca para a concretização desse projeto e usou como argumento a sua experiência enquanto médico, no sentido de dar atenção especial à saúde pública, no intuito de chamar a atenção do governo federal para o caos sanitário do Estado. No entanto, não obteve sucesso, pois exigia grandes somas de recursos e não houve interesse federal. Tornou-se necessário pensar em outras estratégias como o êxito da transferência das capitais de Sergipe e Minas Gerais, o ataque à decadência de Goiás e à oligarquia que mantinha o poder. Pedro Ludovico nomeou uma comissão e uma subcomissão para realizar o estudo de áreas, com potencial para ser destinado à construção da nova capital. Foram definidas as áreas de Bonfim, Pires do Rio e Campinas. A última foi escolhida com o aval do engenheiro Armando Augusto de Godoi. Com isso, por meio do decreto nº 2.851 de Janeiro de 1933, o interventor autorizou a realização de empréstimo federal para construção da nova capital e também o Decreto nº 3.359 de 18 de maio de 1933, que confirmou a opção por Campinas. Essa medida acentuou a plataforma política do interventor (CHAUL, 1999). Em 24 de outubro de 1933, foi lançada a pedra fundamental, em 07 de novembro de 1935 realizou-se a mudança provisória da capital e a definitiva, em 1937, com a conclusão dos principais edifícios públicos e, em julho de 1942, aconteceu o batismo cultural da nova capital do Estado de Goiás. (MORAES; PALACIN, 2008). A construção da cidade de Goiânia no âmbito regional visava atender a uma demanda política, econômica e articular as regiões produtivas do Estado, como Sul e Sudoeste. No âmbito nacional buscava um novo ritmo de produção capitalista. Nesse sentido, a cidade foi criada para atender aos interesses do capital. Nessa lógica, a cidade nasce num contexto de desigualdade, característica desse modelo (OLIVEIRA, 2005). A cidade foi projetada pelo seu idealizador, Pedro Ludovico Teixeira, para 50.000 habitantes em trinta anos e conta conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE-2011) com 1.318.148 habitantes numa área de 739.492 km. O aumento populacional ocorreu devido ao êxodo rural, e ainda pelos seus atrativos: o reconhecimento como cidade de melhor índice de qualidade de vida do Brasil, cidade ecologicamente correta devido a grandes áreas de reserva ambiental, empregos, entre outros. 76 No entanto, Goiânia apresenta vários problemas sociais, entre eles, a alta concentração de renda, alto índice de violência, transporte coletivo aquém das necessidades dos usuários, o que leva a várias e frequentes manifestações populares. Goiânia está localizada a 200 km de Brasília e conta com doze municípios na composição da Região Metropolitana. Goiânia, Anápolis, Senador Canedo, Aparecida de Goiânia, Inhumas, Goianira, Trindade, Senador Canedo, Aragoiânia, Bela Vista, Nerópolis, Santo Antônio de Goiás. Esses municípios exercem pressão sobre a cidade, na busca por trabalho e serviços públicos, o que contribui para o acirramento dos problemas sociais na localidade. A população de Goiânia está centrada no aumento da faixa etária acima de 60 anos, o que leva a mudanças no planejamento de saúde em razão das doenças crônicas degenerativas apresentadas por essa idade. Para discussão da política de saúde em Goiânia é necessário abordar a trajetória política, econômica e social em que se insere. Em 1969, foi criada a Fundação Municipal de Desenvolvimento Comunitário (FUMDEC), atual Secretaria Municipal de Assistência Social (SEMAS), com o objetivo de atender os grupos de baixo poder aquisitivo que inchavam a periferia de Goiânia, vindos do êxodo rural. As metas da referida fundação eram “a prevenção e tratamento dos problemas nas áreas social médica” (SILVA, 2008, p.54) que atingiam essa população. A FUMDEC atuava em duas coordenadorias técnicas: Ação Comunitária e de Assistência Médico-Sanitarista, implantadas nos bairros periféricos de Goiânia, com intuito de levar assistência médica e social por meio das chamadas Unidades Operacionais que realizavam ações voltadas aos pobres (SILVA, 2008). Ressalta-se a inexistência de uma política de saúde em Goiânia, desde a transferência da capital, até a década de 1970. Tal fato demonstra o desinteresse do poder público quanto à atenção da saúde da população. Desse modo, não eram disponibilizados locais adequados para o seu atendimento, nem pensava-se na qualidade dos serviços prestados a ela (SILVA, 2008). Dentro da estrutura da FUMDEC, o órgão responsável pela saúde em Goiânia era a Coordenadoria de Assistência Médico Sanitária (CAMS). Com a criação do SUDS em 1987, Goiânia foi um dos primeiros municípios a aderir à referida política de saúde no país. Destaca-se a criação da Secretaria Municipal de Saúde de Goiânia (SMS) devido ao aumento das demandas por 77 serviços públicos de saúde. Essa secretaria foi instituída, por meio do Decreto nº 6.591, de 26 de abril de 1988, e sua manutenção era inicialmente realizada por meio de recursos repassados pelo SUDS e Instituto da Previdência e Assistência Social do Estado de Goiás (IPASGO) (FÁVARO, 2009). Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o município de Goiânia enfrentou grande desafio, para a instalação do SUS. O início do processo da municipalização ocorreu em 1991, na gestão do prefeito Nion Albernaz. Nesse período existia uma correlação de forças entre estado e município, em que o primeiro exercia domínio sobre os serviços de saúde em Goiânia e isso foi um dificultador inicial para a implantação do SUS (FÁVARO, 2009). Porém, os segmentos organizados iniciaram um movimento pela municipalização, e para efetivar o controle social. A primeira Conferência Municipal de Saúde foi realizada de 8 a 10 de outubro de 1991, na Faculdade de Educação da UFG e o Conselho Municipal de Saúde foi instalado pelo Decreto Municipal nº 2.486 de 11 de novembro de 1991 e posteriormente alterado pelo Decreto nº 2.486 de novembro de 1993. Os Conselhos Locais foram criados pela Lei nº 18, de 18 de outubro de 1993 e Goiânia destaca-se como o primeiro município a implantar esses Conselhos (FÁVARO, 2009). À época do início da implantação do SUS em Goiânia, vários avanços, quanto à organização dos serviços de saúde podem ser citados, dentre outros: central de ambulâncias, implantação dos distritos sanitários, inicialmente com cinco regiões e criação de cargos de direção de unidades de saúde (SILVA, 2008). No decorrer dos avanços, os serviços de saúde em Goiânia passaram por várias mudanças. Na atualidade, gestão prefeito Paulo Garcia, a organização desses serviços tem as unidades de saúde como porta de entrada para o atendimento dos usuários do SUS. O município possui diferentes tipos de unidades, onde o usuário é atendido de acordo com o seu perfil de saúde. Compõem as unidades de saúde, o Centro de Atenção Integrada à Saúde (CAIS), Centro Integrado Médico Sanitário (CIAMS). Essas unidades disponibilizam serviços ambulatoriais e também de urgência e emergência/24 horas. A Secretaria Municipal de Saúde, (SMS) estabelece também os Centros de saúde, que são unidades menores que os CAIS e oferecem o mesmo tipo de assistência. Os serviços ambulatoriais abrangem consultas médicas, odontológicas e programas específicos de cada unidade. 78 A atenção básica é realizada na sua totalidade pelo município. Os serviços referentes à atenção secundária e terciária são comprados do estado e da rede conveniada (prestadores de serviços ao SUS, ou seja, rede privada) e Hospital das Clínicas/UFG. Os procedimentos são pagos conforme tabela de preços do SUS. Para ter acesso ao atendimento de urgência e emergência nas unidades públicas de saúde, os usuários devem se dirigir àquela mais próxima de sua residência, ou entrar em contato com o SAMU pelo nº 192. Quanto às consultas ambulatoriais é necessário ligar para o número 08006461560, a fim de agendamento em uma das especialidades disponibilizadas: clínico geral, ginecologia ou pediatria. A vaga é gerada pelo sistema em uma unidade de saúde correspondente à região onde o usuário reside. Após o primeiro atendimento, em caso de necessidade, o usuário é encaminhado pelo médico a uma consulta especializada. Nessa situação, o agendamento é realizado pela unidade de saúde. O CAIS efetua a regulação do usuário no serviço que suprirá à sua demanda. As unidades de saúde são responsáveis pela emissão do cartão SUS. Para tanto é necessário apresentar documentos pessoais e comprovante de endereço se residir em Goiânia. Usuários de outros municípios e estados devem obtê-lo na localidade de origem. Goiânia conta entre outros, com atendimento de saúde bucal, medicamentos, SAMU, saúde da mulher, saúde do homem, saúde do trabalhador, saúde mental, por meio dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), responsáveis pelo acompanhamento de pessoas dependentes de álcool e outras drogas e transtornos psiquiátricos. O município disponibiliza ainda, o Centro de Referência em Ortopedia e Fisioterapia (CROF), Maternidade Nascer Cidadão considerada referência em atendimento humanizado, Hospital e Maternidade Dona Iris. Para a descentralização política, técnica e administrativa, a SMS dividiu o município em sete regiões denominadas Distritos Sanitários. São elas: Norte, Sul, Leste, Oeste, Campinas Centro, Sudoeste e Noroeste. Eles foram instituídos na III Conferência Municipal de Saúde realizada em Goiânia, em 1995. Foram regulamentados pelo Decreto Municipal nº 656 de 20/04/98 (RELATÓRIO DE GESTÃO/2012). A estrutura organizacional dos serviços de saúde em Goiânia não garante o acesso da população ao atendimento de suas demandas. Verificam-se, os desafios, 79 para implementação da política de saúde no município, quanto ao número de vagas para o atendimento de consultas, exames, internações e além disso, os serviços de saúde estaduais sediados em Goiânia, como Hospital de Urgência (HUGO), Hospital Geral de Goiânia (HGG), dentre outros, passaram à administração das Organizações Sociais, numa demonstração de transferência dos serviços públicos de saúde à iniciativa privada. Diante disso, os Hospitais Universitários também são alvo de investida neoliberal. E o item a seguir realizará a discussão de um deles. 3.2 O Hospital das Clínicas (HC) da Universidade Federal de Goiás (UFG) e sua inserção na política de saúde vigente A Universidade Federal de Goiás enfrentou um processo que demandou esforços de professores e estudantes, para a sua criação. Em 1959, docentes de cinco Escolas Superiores de Goiânia (Faculdades de Direito, Farmácia e Odontologia, Medicina, Escola de Engenharia e Conservatório de Música) formaram a “Comissão Permanente para a Criação da Universalidade do Brasil Central” presidida pelo professor Colemar Natal e Silva (primeiro reitor da UFG). Ainda no mesmo ano, estudantes goianos criaram a Frente Universitária Pró- Ensino Federal, com o objetivo de ser instituída uma universidade pública, mantida pelo governo federal. Outras questões e correlações de forças permearam o surgimento da UFG, mas ressalta-se que o projeto dos professores transformou-se em lei no Congresso Nacional e a assinatura do Decreto foi realizada pelo presidente Juscelino Kubitscheck, no dia 18 de dezembro de 1961. A aula inaugural ocorreu em 7 de março de 1962, no Teatro Goiânia. A UFG tem como missão “gerar, sistematizar e socializar o conhecimento e o saber, formando profissionais e indivíduos capazes de promover a transformação e o desenvolvimento da sociedade”. No decorrer dos mais de cinquenta anos de sua fundação, a UFG tem desenvolvido importantes ações para o aperfeiçoamento de estudantes de graduação e pós-graduação, na perspectiva do ensino, pesquisa e extensão. 80 Entre as várias unidades que compõem as universidades federais estão os Hospitais Universitários (HUs), que atuam em duas políticas públicas: ensino e saúde. Esses hospitais são centros de formação de recursos humanos e de desenvolvimento de tecnologia para a área da saúde. A efetiva prestação de serviços à população possibilita o aprimoramento constante do atendimento destinado a ela. Isso garante melhores padrões de eficiência, à disposição da rede do SUS. Os referidos hospitais têm dentre os seus objetivos específicos: atender as necessidades do ensino de graduação na área da saúde, em especial de medicina e estágios curriculares supervisionados para os demais cursos; desenvolver programas de pós-graduação stricto sensu e lato sensu voltados à formação de docentes e pesquisadores na área de saúde; definir a oferta de vagas para Residência Médica; implementar a Residência Multiprofissional nas áreas estratégicas para o SUS, estimulando o trabalho em equipe multiprofissional (REHUF/2010). No que se refere à assistência à saúde, os HUs desempenham as funções de centro de referência de média e alta complexidade para a rede pública de serviços de saúde. Nesse sentido, destacam-se como objetivos específicos para essa área: desenvolver ações de educação permanente para a rede de serviços do SUS, com vistas à qualificação de recursos humanos para o sistema e ofertar serviços de atenção de média e alta complexidade observada a integralidade da atenção à saúde, com acesso regulado, mantendo as atividades à rede de urgência e emergência (REHUF/2010). São 46 hospitais universitários distribuídos pelos estados brasileiros e estão sujeitos a uma grande demanda por serviços especializados. Entre eles, o Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás, localizado na Região Centro-Oeste, em Goiânia-GO. A sua construção teve início em 1941, pelo governo do estado, com o intuito de atender aqueles que não tinham acesso à assistência pelo INAMPS. A obra não foi concluída e passou a ser utilizada, pela Escola de Engenharia. Nessa época, Francisco Ludovico propositor da Faculdade de Medicina (FM) em Goiás visando a formação de médicos para atender as populações rurais dos municípios do interior de Goiás, lutou para a instalação da FM e do futuro Hospital das Clínicas, na área citada anteriormente. Para isso contou com o apoio do 81 governador e seu pai, José Ludovico de Almeida e do presidente da República, Juscelino Kubitschek. A Faculdade de Medicina foi inaugurada em 24 de abril em 1960 e em 23 de fevereiro de 1962 foi criado o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina, com o objetivo de atender à necessidade de campo de estágio, para estudantes da primeira turma do curso de Medicina. Foi mantido inicialmente pelo governo do Estado e Ministério da Educação (MEC). Com a transferência patrimonial da Faculdade de Medicina e do HC, para a UFG em 1961, o MEC passou a ser o seu principal mantenedor. Em 1964, com o golpe militar, o governador Mauro Borges Teixeira foi deposto do cargo. O seu substituto e interventor em Goiás Meira Matos ainda no período da ditadura decretou a instalação do Serviço de Emergência no HC, pois Goiânia não dispunha de hospitais que realizassem esse atendimento e assim, foi criado o pronto socorro na referida instituição de saúde. Com a revisão do estatuto da UFG, em 1984, o HC desmembrou-se da Faculdade de Medicina e vinculou-se posteriormente à reitoria, como órgão suplementar. O referido hospital tem como missão “promover assistência humanizada e de excelência à saúde do cidadão integrando-se às políticas públicas de saúde, servindo de campo moderno e dinâmico para ensino, pesquisa e extensão”. Sua visão “ser reconhecido como hospital de referência no atendimento integral à saúde, com excelência tecnológica e humana” (Regimento Interno HC/2003). Conforme dados do Plano de Reestruturação do Hospital das Clínicas/UFG, período 2010-2012, o HC conta com 310 leitos, que podem ser reduzidos, em caso de reformas de clínicas e déficit de profissionais. Atende 37 especialidades, é referência em oftalmologia, com a criação do Centro de Referência em Oftalmologia (CEROF), que realiza atendimento de alta complexidade como transplante de córnea. Outras especialidades: cardiologia, reprodução humana (pesquisa de infertilidade) ortopedia, urologia, doença de chagas, cirurgia de redesignação sexual (mudança de sexo). O HC é referência nesse procedimento na rede pública e atende usuários de outros países da América Latina, como Venezuela. O HC conta com um Centro de Tratamento e Pesquisa em Epilepsia (CERTEPE), Centro de Tratamento em Coluna (CETACO), dentre outros. Dispõe também de atendimento ambulatorial, disponibiliza serviços como: urgência e emergência adulto e infantil, Unidades de 82 Terapia Intensiva (UTI), além de realização de exames diversos, internações clínicas e cirúrgicas. O HC conta com estrutura administrativa composta por Conselho Diretor e Diretoria Executiva, que agrega: Diretoria Geral, Diretoria Técnica, Diretoria de Enfermagem, Diretoria Administrativa, Diretoria de Gestão de Pessoas. Devido à ausência de concursos públicos para a reposição de vagas, o quadro de recursos humanos do HC é formado por funcionários com vínculo da UFG, bem como, cedidos das Secretarias Estadual e Municipal de Saúde, Fundação de Apoio ao Hospital das Clínicas (FUNDAHC) e terceirizados. Tal fundação foi criada em 18 de novembro de 1998, na gestão do Dr. Rodopiano de Souza Florêncio e na gestão do reitor professor Ary Monteiro do Espírito Santo. Tem como objetivo dar maior agilidade à parte administrativa do HC. O Hospital das Clínicas/UFG contribui com a formação profissional nas áreas de graduação e pós-graduação. Dessa forma atua como campo de estágio obrigatório e não obrigatório para estudantes do ensino médio e superior. Dispõe ainda, de Residência Médica e Residência Multiprofissional implantada em 2009, e está organizada conforme Portaria Interministerial MEC/MS nº 1077 de 12 de novembro de 2009. O HC participa do controle social por meio da criação do Conselho Local de Saúde em 2009, em concordância com a Lei Municipal nº 18/93 e Resolução 333 do Conselho Nacional de Saúde e também como membro dos Conselhos Estadual e Municipal de Saúde de Goiânia. Esse hospital atende usuários de Goiânia, Estado de Goiás e outros Estados, mediante pactuação com a Secretaria de Saúde de Goiânia. Em 2013 foram realizados 768.494 exames diversos, 12.325 internações, 239.938 consultas (ambulatoriais e de urgência) (Seção de Planejamento e Custos/HC, 2013). Esse quantitativo mostra que um número significativo de usuários obteve acesso aos serviços prestados pela instituição. No entanto, o referido hospital enfrenta dificuldades quanto à sua manutenção, uma vez que o repasse de recursos governamentais (MEC) é insuficiente para o custeio de suas necessidades. Com a consolidação do projeto neoliberal no Brasil, as verbas para a manutenção das universidades federais foram reduzidas e consequentemente aquelas destinadas aos hospitais universitários. Esse caminho representa a 83 privatização dos serviços públicos, e em particular, a saúde. Diante disso, o HC é mantido por recursos do MEC, Ministério da Saúde e pelos serviços prestados à Secretaria Municipal de Saúde de Goiânia. Diante do sucateamento dos HUs, estrutura física inadequada, equipamentos ultrapassados, o MEC, por meio do Decreto nº 7.082 de 27 de janeiro de 2010 instituiu o Programa de Reestruturação dos Hospitais Universitários Federais (REHUF). Esse programa tem como objetivo criar condições materiais e institucionais para os HUs desempenharem plenamente suas funções em relação às dimensões de ensino, pesquisa e extensão e à dimensão da assistência à saúde. A adesão do HC a esse programa possibilitou a realização de várias reformas na instituição visando a melhoria das instalações físicas. Houve também a aquisição de novos equipamentos e mobiliários no intuito de obter uma maior satisfação dos usuários em relação à qualidade dos serviços de saúde prestados a eles. O HC dispõe ainda do Voluntariado do Hospital das Clínicas/UFG implantado na instituição, em 4 de janeiro de 1999, na gestão do Prof. Dr. Rodopiano de Souza Florêncio. Tem como principal objetivo “promover o bem-estar do paciente, a solidariedade e a humanização”. Esse serviço realiza eventos cuja arrecadação é revertida em prol de reformas das instalações, aquisição de bebedouros, cadeira de descanso para acompanhantes de usuários que estão internados na instituição, dentre outras ações. Com a adesão do HC em 2004, ao Programa Nacional de Humanização foi implantada, a Ouvidoria e instalado o Grupo de Humanização, composto por várias categorias profissionais, que realiza ações voltadas para os usuários e funcionários da instituição de acordo com planejamento definido previamente. O HC se insere na política de saúde, conforme art. 4º da Lei 8.080/90 que estabelece, “o conjunto de ações e serviços de saúde prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único de Saúde (SUS).” E ainda, o artigo 45 da referida Lei determina que “os serviços de saúde dos hospitais universitários e de ensino integram-se ao Sistema Único de saúde (SUS), mediante convênio, preservada a sua autonomia administrativa, em relação ao patrimônio, aos recursos humanos e financeiros, ensino, pesquisa e extensão nos limites conferidos pelas instituições a que estejam vinculados.” Nessa 84 lógica, o HC é um integrante da política de saúde e busca contribuir com a implantação do SUS, no Estado de Goiás e município de Goiânia. A participação do HC, no Sistema Único de Saúde foi realizada por meio de convênio nº 008/2004, firmado com a Secretaria Municipal de Saúde de Goiânia. Essa contratualização tem como objetivo definir a inserção do HC na rede hierarquizada e regionalizada de ações e serviços de saúde dos municípios na qual o hospital está inserido (Plano de Reestruturação do Hospital das Clínicas/UFG período 2010-2012). Esse convênio gerou a dependência do hospital em relação ao cumprimento das normas do SUS para atendimento à população. A regulação dos serviços foi fruto de frequentes discussões entre as instâncias competentes (HC, Secretaria de Saúde de Goiânia, Reitoria/UFG) e a solução encontrada foi a criação do Núcleo Interno de Regulação (NIR) no HC. Além disso, o HC e demais hospitais universitários precisam cumprir com outras exigências vinculadas aos Ministérios da Educação e Saúde. Para contratualização é necessário a inscrição do hospital no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES). Esse cadastro visa a atualização de dados dos hospitais que participam do SUS. Outra exigência é a Certificação de Unidades Hospitalares como Hospitais de Ensino, Portaria Interministerial (Ministérios da Educação e Saúde), nº 2.400 de 2 de outubro de 2007. Entre as considerações apresentadas pelos referidos ministérios para essa medida está a necessidade de promover a melhoria da condução dos serviços de saúde, por meio da gestão qualificada e da integração dos hospitais de ensino às demais ações e serviços do SUS. O HC recebeu a certificação de hospital de ensino, pela Portaria Interministerial MEC/MS nº 1.838/09, por cumprir os requisitos exigidos para tal objetivo, entre os quais citam-se: o caráter permanente e contínuo de Residência Médica, instalação do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), Comissão de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH) e estar inscrito no CNES e praticar obrigatoriamente a atualização dos dados. A certificação é renovada a cada dois anos, mediante aprovação da Comissão de Certificação, que avalia o cumprimento das exigências da Portaria (Plano de Reestruturação do Hospital das Clínicas /UFG/ 2010-2012). Com sua inserção na política de saúde, o atendimento dos usuários segue a rotina do SUS e o HC precisa cumprir metas de atendimento para recebimento dos serviços prestados ao município. 85 O HC possui um serviço exclusivo, que é o alvo central deste estudo. O acesso a ele será discutido a seguir. 3.3 Discussão do acesso dos usuários às interconsultas no HC/UFG Como primeira etapa da análise dos dados realizou-se o perfil socioeconômico das participantes da pesquisa, conforme quadro a seguir: Quadro demonstrativo do perfil socioeconômico das participantes da pesquisa Renda familiar Procedência (em salários mínimos) Profissão Situação funcional 3,5 Costureira Autônoma Goiânia 1,5 Cozinheira Desempregada EMC Aparecida de Goiânia 2,5 Empregada doméstica Empregada F EMC Goiânia 4,0 Comerciante Desempregada 44 F EMC Goiânia 2,5 Técnico em Enfermagem Desempregada Marta 44 F EMC Aparecida de Goiânia 1,0 Merendeira Empregada Meire 57 F EMI Goiânia 1/3 Comerciante Desempregada Patrícia 43 F EFI Aparecida de Goiânia 2,5 Copeira Empregada Pseudônimo Idade Sexo Escolaridade Antônia 32 F EMC Goiânia Juliana 43 F EFI Julieta 39 F Márcia 53 Maria Fonte: elaborada pela pesquisadora / 2014 LEGENDA: EMC - Ensino Médio Completo EFI - Ensino Fundamental Incompleto EMI - Ensino Médio Incompleto O estudo evidenciou ser do sexo feminino a totalidade de participantes (oito), com idades que variam de 32 a 57 anos. Quatro mulheres estão na faixa etária de 40 a 50 anos. Em relação à procedência, cinco residem em Goiânia e três em Aparecida de Goiânia, município que pertence à região metropolitana. Quanto à escolaridade das participantes, cinco concluíram o ensino médio, uma não concluiu e duas possuem o ensino fundamental incompleto. No que se refere à profissão, duas são comerciantes, mas na data da entrevista estavam com o comércio desativado; uma técnica em Enfermagem que nunca exerceu a profissão; quatro trabalham em serviços gerais (copeira, cozinheira, empregada doméstica, merendeira). Dessas, três estão empregadas, e uma desempregada; uma participante é costureira autônoma. 86 Quanto à renda familiar, duas percebem entre quatro a seis salários mínimos, cinco, na faixa de um a três salários mínimos e uma recebe contribuição de parentes, inferior a um salário mínimo. Conforme exposto na introdução, o encaminhamento à interconsulta no HC só se realiza caso o usuário tenha consultado nessa unidade de saúde e se enquadre nos critérios para agendamento (IC ou IT). Diante disso pesquisou-se a especialidade consultada pelas participantes, inicialmente, e para qual foram encaminhadas conforme quadro a seguir: Quadro de encaminhamento às interconsultas Especialidade de origem 1- Pé diabético 2- Otorrino 3- Reprodução humana 4- Cirurgia geral 5- Medicina interna 6- Nutrição 7- Mastologia 8- Reumatologia Fonte: elaborada pela pesquisadora / 2014 Encaminhamento à interconsulta Vascular Endocrinologia Endocrinologia Neurocirurgia Pneumologia, Endocrinologia, Ginecologia, Cardiologia Psicologia Cirurgia plástica Cardiologia Para a interpretação da inter-relação das especialidades foi necessário solicitar a colaboração de um médico do HC. Constatou-se que seis participantes foram encaminhadas de forma correta, e duas, incorretamente, que correspondem às especialidades 2 e 4. Isso mostra a desinformação do profissional que realizou o atendimento, o que contribuiu para impedir o acesso às interconsultas e o direito da participante em ser atendida. Outra evidência é que sete participantes já realizam tratamento de saúde no HC, apenas uma disse que consultou pela primeira vez, sendo encaminhada a várias especialidades. Em relação ao agendamento da interconsulta, quatro participantes tiveram êxito, como mostram os seguintes depoimentos: Sim, porque corri atrás. Fiz contatos internos no hospital para conseguir a vaga (Antônia). 87 Sim, somente pneumo, obtida através da médica da pneumo que informou o número da grade depois que a assistente social falou com ela. As outras estou aguardando, gineco, cardio e principalmente endócrino (Juliana). O restante do grupo não conseguiu agendamento da interconsulta, conforme explicitado nestas falas: Não. Porque não tem vaga nem previsão (Marta). Não. Informaram no local do agendamento que na verdade não tem endócrino dentro do Hospital das Clínicas, por isso, não tem como agendar. As meninas são muito estúpidas e não dão atenção (Meire). Percebe-se que o acesso ao agendamento da interconsulta ocorreu porque as participantes recorreram ao Serviço Social do HC. Essa constatação aponta para a intervenção do assistente social, pois a defesa e a luta pelo acesso às políticas públicas são inerentes a essa categoria profissional. O Código de Ética Profissional do assistente social/1993 define o compromisso da categoria em defesa dos direitos da classe trabalhadora, para a satisfação das necessidades sociais e justiça social. As falas demonstram, ainda, que as participantes não foram bem atendidas no local do agendamento nem devidamente orientadas. Além disso, revelam o limite para o acesso às interconsultas. Nota-se que, mesmo com a conquista do direito integral à saúde, ele não se efetiva em relação a essa demanda, pois os serviços correspondentes não estão organizados de forma a atender a todos que deles necessitam. Uma constatação que reflete a contradição do sistema de saúde é o tempo aguardado pelas participantes para agendamento da interconsulta. Embora duas delas tenham considerado rápido o atendimento (uma foi “encaixada” imediatamente na especialidade e outra não soube precisar o tempo), seis não contaram com essa agilidade. O tempo de espera para a especialidade requerida variou de quatro meses a dois anos dependendo da especialidade. A endocrinologia, seguida da cirurgia vascular, são as especialidades que demandaram maior tempo de espera, segundo os depoimentos: [...] tenho três pedidos, diabete descompensada e há dois anos aguardo pelo médico da endocrinologia (Meire). Se for por isso aqui estou esperando até hoje de maio de 2013 a 21 de março/2014 (10 meses) (Patrícia) (cirurgia vascular). 88 Além de o acesso ser dificultado pelo tempo de espera, uma participante não conseguiu ser atendida na data agendada para consulta, por falha do serviço de agendamento, que não prestou atenção no período de férias do médico, como aponta o relato: Esperei quatro meses e não consultei na data que estava agendada porque os médicos estavam de férias (janeiro) e agora estou novamente no sistema aguardando a vaga (Maria) (cardiologia). Os depoimentos demonstram que as participantes que buscaram seus direitos dentro do HC conseguiram o agendamento da interconsulta e ficaram, inclusive, satisfeitas. Outras, não tiveram o atendimento imediato de sua demanda nem contaram com agilidade do serviço e aguardam por longo tempo pelo agendamento da especialidade. Além do tempo de espera, as participantes enfrentam várias dificuldades para o agendamento da interconsulta, que vão desde o tratamento a elas dispensado pelas atendentes, até aspectos que expõem a organização desse serviço. Seis respostas foram afirmativas em relação às dificuldades, e os depoimentos expressam isso: Todas possíveis e imagináveis. [...] as pessoas que nos atendem falam: “Endocrinologia no Hospital das Clínicas, não tem porque virou artigo de luxo. Quem quiser que pague”. Tem muita burocracia. Elas te conhecem, senão, você deveria descer para ver como elas tratam a gente (Meire). Se encontrei? Estou encontrando ainda muita dificuldade. A dificuldade é não ter onde recorrer dentro do hospital. A funcionária do agendamento falou que obedece ordens. Tem que seguir a lista que é liberada no computador. [...]. O meu caso é urgente porque estou com 39 anos e não tenho filho. Eles deveriam ver a urgência (Julieta) (endocrinologia). A funcionária do agendamento de consulta falou que não existe vaga nem para 2015. Falo para me colocar pelo menos no computador por lista de espera. [...]. A funcionária é muito antipática, deveria falar onde reclama do funcionário. Ela é muito sem educação (Juliana). Cheguei lá no agendamento, eles falaram que não tinha vaga. Pediram para ir à mastologia. Fui, mas não tinha grade. É somente para paciente com câncer e que era para retornar ao SAMIS para tentar encaixe. Fiquei indo e vindo (Antônia, 32 anos) (cirurgia plástica). Duas participantes consideram que não encontraram dificuldades para o agendamento da interconsulta, conforme depoimento: 89 Tem dia que tem uma turminha boa para orientar, outro dia não, mas consegui agendar a interconsulta no mesmo dia que procurei (Márcia). Percebe-se, nesses depoimentos, que seis participantes encontraram dificuldades para agendamento da interconsulta, sendo apontadas, ainda, a inexistência de um bom atendimento no local do agendamento, orientações equivocadas, que levam ao deslocamento desnecessário do usuário dentro do hospital, e comentários que contrariam a gratuidade do SUS e a universalização do acesso aos serviços públicos de saúde. Ressalta-se a falta de pessoal capacitado para o atendimento adequado aos usuários no local de agendamento de consultas. Nota-se, portanto, a inexistência de uma política de recursos humanos na instituição, que viabilize o treinamento de pessoal para o atendimento ao público. As falas mostram que duas participantes não tiveram dificuldade para agendar a interconsulta. Isso leva ao entendimento de que possuem experiência com os serviços públicos de saúde e conhecem o seu funcionamento, daí, realizarem contatos no interior do HC, em busca do atendimento à sua demanda de saúde. Perguntadas se receberam orientações no local do agendamento da interconsulta, a maioria (cinco participantes) respondeu que foram orientadas a ligar em data específica, para obter informação sobre a liberação da vaga; uma delas disse que deveria buscar o serviço correspondente à especialidade (psicologia). É para ficar ligando todos os dias 16 do mês, [...]. Isso é uma verdadeira enganação. Passei o dia todo ligando. Liguei umas vinte vezes. Liguei também no dia 17. Falaram que as vagas foram liberadas ontem. Como? Se passei o dia todo ligando e não estavam liberando vaga (Patrícia). Sim. Vamos jogar o seu pedido de interconsulta no sistema na lista de espera para ser chamado e assim que surgir a vaga a gente te liga ou você liga e informou o número do telefone (Maria). A orientação foi para ligar para saber se tem vaga. Perguntei se tem como reservar porque mesmo tendo a vaga, outro pode chegar antes de mim e pegar a vaga. A funcionária falou que não e que é para ligar todo dia 18. Não é por falta de ligar, a resposta é que não saiu a vaga ou então fala para ligar mais tarde e fico o dia inteiro no telefone (Julieta). Duas participantes responderam que não foram orientadas, conforme depoimento: A informação da funcionária é que quando você vir para consultar é para passar lá e averiguar se tem vaga (Juliana). 90 A organização dos serviços de agendamento de interconsultas deixa muito a desejar, demonstra que as participantes não foram devidamente orientadas no sentido de obterem uma resposta precisa quanto à sua demanda de saúde. Essa situação remete ao desrespeito ao direito quanto às orientações referentes ao funcionamento dos serviços públicos de saúde. Esse fato contraria os princípios da política de saúde, no que tange à Legislação em vigor, Lei nº 8.080/90, art.7º, VIdivulgação das informações quanto ao potencial dos serviços de saúde e sua utilização pelo usuário. O depoimento revela que uma participante que não recebeu orientação considerou desnecessário; sua independência em relação às informações mostrou ter conhecimento de como obter o atendimento de sua demanda no HC. Outra fala evidencia que a participante não considerou como orientação o que ela ouviu, o que aponta mais uma vez para o desrespeito do funcionário que a atendeu no local do agendamento, numa demonstração clara do seu desinteresse e desinformação quanto à organização e funcionamento dos serviços. No que se refere ao entendimento acerca do SUS, quatro participantes responderam que é um plano de saúde/sistema/programa voltado para os pobres, conforme depoimentos: Penso na minha cabeça que é um sistema para os pobres. Devia ser só para os pobres, mas só tem mais ricos [...]. A única coisa boa que tinha aqui 8 era o chequinho porque fazia todos os exames aqui. Agora nem isso tem mais (Juliana). É o único plano de saúde gratuito que o governo oferece para população carente, porque na realidade quem tem condições não fica esperando pelo SUS; só quem não tem condições mesmo. Não tô sendo mal agradecida. Dou graças a Deus pelo SUS, porque é por meio dele que faço tratamento de saúde. Se não fosse ele poderia ser pior e morrer muito mais gente. O que está faltando é planejamento. O SUS tem excelentes médicos e profissionais. Tem muita gente que trabalha com amor e trata o ser humano como ser humano. A queixa é a demora pelo atendimento 4 meses ou mais e quando é atendido a consulta leva 5 minutos (Julieta). Um testemunho traz o reconhecimento da participante de que o SUS é o meio de que dispõe para tratamento de saúde, mas ressalta a falta de agilidade e planejamento no atendimento das demandas dos usuários. Os depoimentos evidenciam também que as participantes não reconhecem a saúde como direito, 8 Vale exame ou chequinho: É uma autorização prévia emitida pelas unidades de saúde, para realização de exames de baixo custo como: laboratório, exames de radiologia (raios-x). O chequinho estava suspenso no HC/UFG na data da entrevista. Atualmente esse serviço já está reativado na instituição. 91 mas como favor do Estado. O segundo depoimento remete à análise da política neoliberal, que consiste na compra de serviços de saúde, uma vez que direciona aqueles que dispõem de maior poder aquisitivo, para o sistema privatista, e os demais, para a rede pública. O pequeno tempo que o profissional destina ao atendimento leva a entender que é necessário “correr” para aumentar a produtividade em detrimento da qualidade do serviço. Nesse sentido, “a perspectiva de que a saúde como um direito social que transcende a dimensão do consumo da assistência médica, [...] não foi acompanhada historicamente pela prática dos profissionais de saúde” (VASCONCELOS, 2011, p. 88). Os profissionais não estão atentos ou não têm interesse em acompanhar as mudanças que possibilitam uma visão ampliada do atendimento aos usuários nas unidades de saúde. Ainda, a mesma autora, afirma que, para “[...] uma defesa eficiente da saúde pública e do projeto de Reforma Sanitária” (VASCONCELOS, 2011, p. 89), são necessários profissionais com formação ética e política. A situação de humilhação vivida pelos usuários da rede pública é relatada e as participantes apresentam o reforço da saúde como favor, conforme depoimento: É um programa muito bom. Ajuda muito as pessoas que não têm condições, mas sofre muita humilhação porque tem que estar às 3 horas da manhã no posto de saúde [...] e é muito perigoso. A gente fica na calçada, na rua mesmo e espera até às 7:00 horas para abrir o portão e depois entregam de 7 a 10 senhas somente. O restante fica sem atendimento. Volta outro dia (Antônia). O SUS não faz distinção entre as classes sociais, e todos têm direito ao acesso universal aos serviços públicos de saúde. O depoimento mostra que esse princípio não é cumprido; existe uma concorrência entre os usuários dos serviços, por ser o número de vagas insuficiente para o atendimento das demandas, o que demonstra a desigualdade do acesso. A humilhação, relatada explicitamente por uma participante, ressalta a distância entre o que é preconizado pelo Programa Nacional de Humanização do SUS e o que é, de fato, efetivado. Assim, “a saúde como direito e como serviço [...], o que é instituído como direito no nível institucional acaba sendo negado pela prática cotidiana da implantação da política de saúde” (COHN et all., 2010, p. 11). Para romper essa contradição é necessário que o Estado assuma a responsabilidade pelas políticas sociais. Uma participante se expressa a respeito do SUS especificamente no HC, e relata: 92 Quando se trata do SUS no HC, de início a gente se alegra, porque nós aqui encontramos os futuros médicos. Então a atenção deles é toda voltada para nós, mas o sistema SUS não dá condições nenhuma para eles realizar o que precisa (Marta). A participante reconhece a importância do HC, e que essa unidade de saúde poderia realizar mais atendimentos. Assim ampliaria o acesso dos usuários aos seus serviços. Porém, o setor público não dispõe de financiamento adequado para o seu funcionamento. A participante demonstrou satisfação e se sentiu valorizada pela forma como foi atendida no HC. Duas participantes, de acordo com as falas apontam várias falhas no sistema de saúde quanto ao vale exame (chequinho), demora no atendimento, despesas com transporte, além de considerá-lo como favor e privilégio, em desconhecimento do acesso universal. Eu não posso reclamar do SUS em geral porque é uma benção de Deus para mim. Tenho conseguido exames caros, mas moro em Campinas e o exame sai bem longe da minha casa. Gasto três ônibus. Ao invés de mandar tudo para o mesmo lugar, o chequinho sai para um lugar e o outro sai para outro, [...] deveria ter uma maior organização, colocar as consultas da mesma área no mesmo dia. O importante é ser atendido. Para mim é um privilégio ser paciente desse hospital. Não é para qualquer um porque é difícil conseguir. No SUS leva até três meses para levar os exames no retorno. No CAIS [...] eles pedem para chegar uma hora antes da consulta, mas leva três, quatro horas para ser atendido e fica até às 8:00 horas da noite no CAIS. [...] (Meire). A municipalização dos serviços de saúde determina que os usuários devam ser atendidos em locais próximos à sua residência, para facilitar o acesso ao atendimento. No entanto, a fala acima revela que isso não é garantido, pois existe a necessidade de deslocamento da participante para locais distantes de sua moradia. Além do mais, o tempo de espera para retornos não garante a continuidade do tratamento em tempo hábil. O fato de a participante ter o entendimento de que é privilégio ser atendida, impede o reconhecimento de que a saúde é direito de todos. Os problemas são também encontrados nos atendimentos médicos. Uma participante enfatiza o desrespeito do profissional com relação ao uso de termos técnicos por ela desconhecidos. O SUS para mim.... Bom, é um sistema de péssima qualidade. No meu entendimento não deveria ser assim. Os médicos deveriam ter educação e saber responder as perguntas, mas eles perguntam: “Você fez medicina?” Eu por exemplo não sei o que é emangioma de veia. Nem os médicos sabem, imagina eu. O que custa responder para uma pessoa que não tem esclarecimento? Deveria ter uma resposta mais amável (Patrícia). 93 Esse relato mostra o desrespeito do profissional quanto ao uso de termos técnicos de difícil entendimento, e denuncia o descumprimento do direito às informações referentes ao tratamento de saúde dos usuários do SUS. Tal situação impossibilita a apreensão do seu estado de saúde e até mesmo a continuidade do tratamento a que tem direito. Os usuários encontram respaldo na Lei nº 8.080/90 para buscar o atendimento a essa demanda: CAPÍTULO II Dos Princípios e Diretrizes, Art. 7º que estabelece: As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde (SUS), são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art.198 da Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios: V- direito à informação, às pessoas assistidas sobre sua saúde. A Carta dos Direitos dos Usuários do SUS confirma a necessidade do respeito a essa demanda. Diante do fato ocorrido, entende-se que o profissional desconhece a Legislação ou não tem interesse na defesa desse direito. Considerou-se importante apreender qual o entendimento das participantes em relação ao direito. Três delas o associou ao pagamento de impostos, para justificar a necessidade de que seja cumprido e afirmam que não é favor. A gente tem direito de receber isso pelos impostos que a gente paga. Por ser, ser humano, o direito é igual. Direito é igualdade (Antônia). Eu acho que esse direito é o básico que o ser humano precisa para sobreviver, saúde, moradia. Não tô falando que tem que ter direito à geladeira, freezer, mas o básico e esse básico não sai de graça, porque está mais que pago e a sociedade carente paga mais que os que tem condições. Ás vezes temos direito a muitas coisas e por falta de esclarecimento a gente não sabe (Julieta). Uma participante discordou da afirmação e questionou a universalidade do sistema e sugeriu que seja dada prioridade de atendimento àquelas pessoas que realmente não podem custear um plano privado de saúde. Muitos falam: “Eu tenho direito porque pago impostos”, mas não penso assim porque tem que pesquisar a situação financeira de cada um. Deveria deixar para os carentes. O governo não deveria bancar todas as classes sociais (Meire). Os depoimentos evidenciam que três participantes entendem que as necessidades sociais devem ser atendidas, pois, na condição de cidadãs têm direito às políticas públicas e não recebem nenhum favor do Estado. A sociedade conquista os seus direitos por meio de lutas e o pagamento de impostos não garante o direito 94 ao acesso a bens e serviços. Eles garantem recursos a serem utilizados para a realização de vários serviços sociais, que nem sempre são usufruídos pela sociedade. O Estado atende aos interesses ora de uma, ora de outra classe, de acordo com a movimentação da sociedade e interesses do capital. O direito não é para uma classe social apenas. O direito é universal e existe nos níveis político, civil e social e são historicamente conquistados. Há, contudo, uma participante que relacionou a garantia dos direitos ao pertencimento à classe social de maior poder aquisitivo. É um direito que não existe. Fica só entre os grandes. A classe humilde sabe que existe, mas é só no papel (Marta). A fala remete à discussão da desigualdade entre as classes sociais imposta pelo capitalismo. Essa realidade elucida o acesso dos mais ricos aos bens e serviços, enquanto a classe trabalhadora não dispõe do acesso imediato às suas demandas sociais, apesar do aparato legal. Considerou-se também importante pesquisar qual o conhecimento das participantes no que diz respeito, especificamente, ao direito ao tratamento de saúde. Uma respondeu que não tem conhecimento, duas apresentaram importantes reflexões em relação à seletividade existente no sistema de saúde e também à necessidade da cobrança, junto ao poder público, da melhoria das condições de atendimento. Uma associa o direito às condições financeiras. Todos nós precisamos de saúde e temos dever de exigir porque queremos trabalhar. Todos devem ser atendidos e bem. Tenho direito de suprir aquela necessidade, então, tem que ser naquele momento. A gente quer e busca isso. O cuidado com a saúde, o poder público tem que ter. A gente tenta escolher e às vezes a gente erra. Temos que cobrar mais dos nossos representantes (Márcia) [...] O SUS não me dá esse direito porque existem cotas para o atendimento. Se é direito porque tem cota? O SUS deve estar atento aos novos atendimentos e demandas que vão surgindo e ter meios para atender os que já estão e os que vão chegando (Maria). Acredito que tenho direito pelas minhas condições financeiras de dez anos para cá. Antes eu não procurava o SUS, porque antes eu tinha condições financeiras (Meire). A vinculação do direito ao tratamento de saúde às condições financeiras mostra que os serviços do SUS devem ser utilizados somente por trabalhadores de baixa renda, e que a participante recorre a esse sistema, pois suas condições 95 financeiras não condizem mais com o padrão dos que podem pagar pelos serviços da rede privada, o que evidencia a apropriação desigual quanto ao acesso aos serviços de saúde (COHN et al., 2010). Vale ressaltar que esse entendimento remete aos planos de saúde, que podem oferecer melhores serviços, com o objetivo de maior investimento nesse setor para favorecer a acumulação do lucro, tão necessário à manutenção do capital. Além disso, um depoimento expressa o questionamento da participante quanto ao sistema de cotas para o atendimento das demandas. Nesse sentido, conforme os mesmos autores, a equidade da universalização dos direitos à saúde “está diretamente vinculada às mudanças das políticas de saúde no interior de um processo de alteração da relação Estado com a sociedade [...]” (COHN et al., 2010, p. 26). Vale ressaltar que, para a construção da saúde como direito foi necessária a manifestação popular e a manutenção dessa conquista exige a continuidade da luta. Apenas uma participante apresentou de forma mais contundente o seu entendimento quanto ao direito relacionado à saúde ressaltando, inclusive, que eles deveriam ser mais divulgados. Conforme depoimento: Às vezes tem direito e nem sabe. O que eu sei é que tem direito a consulta, exames, internação, remédio [...] e também que tem normas. Ontem encontrei uma mulher que não sabia a respeito dos remédios, então falei pra ela onde ela tinha que ir. Deveria ter uma forma de informar dos direitos na televisão, campanha de esclarecimento, folhetos nos CAIS. Já vi cartaz no CAIS, mas tem gente que não sabe ler e por isso seria interessante a propaganda na televisão. Não sabe ler, mas ouve (Julieta). Assim, “[...] o desconhecimento acerca da existência de determinados serviços [...] é reflexo da iniquidade das políticas sociais do Estado brasileiro [...] e também que esse desconhecimento sintetiza, de forma inconteste” (COHN et al., 2010, p. 91) o nível de exclusão e injustiça social de parcelas significativas da população ao atendimento de suas necessidades sociais. Quanto às ações realizadas pelas participantes quando o seu direito ao tratamento de saúde não é atendido no HC, sete delas conforme explicitado nos depoimentos disseram que procuram assistente social da instituição. Eu corri no Serviço Social. Fui pegar socorro lá no Serviço Social para me dar esclarecimento e uma luz. O primeiro passo é o Serviço Social porque através da orientação dela procuro fazer o que ela disse. Se falar que é para esperar espero, se falar que é para ir à gerência, eu vou (Julieta). 96 Eu corri atrás. Procurei assistente social. Daqui só peguei interconsulta que só vale aqui dentro e não tem como ir para o CAIS. De todas as reclamações, a única coisa gratificante foi conhecer você (Juliana). Ressalta-se a importância no repasse das orientações aos usuários, na busca pelos seus direitos. As participantes, ao recorrerem ao assistente social mostram a sua confiança no profissional e no atendimento, realizado de forma cordial, o que condiz com o respeito a elas dispensado e a satisfação pela forma como foram tratadas. Um depoimento elucidou a dificuldade da participante em buscar as unidades públicas de saúde, em razão de o formulário utilizado pelo HC para encaminhamento às interconsultas não ser recebido em outros serviços do SUS. Constatou-se que não houve o agendamento da especialidade nem alternativas para a solução da demanda. Essa realidade enfatiza a incoerência em relação às interconsultas, por não suprir a demanda do usuário no HC, nem possibilitar o seu atendimento na rede pública. Quanto aos motivos que levaram a procurar o assistente social, as oito participantes afirmaram que foram em busca de atendimento da demanda de interconsulta. Porque fui encaminhada e mesmo se não tivesse sido teria vindo de forma espontânea para buscar ajuda e através dela, a consulta foi agendada (Antônia). Porque seria mais fácil para obter contato com o médico para conseguir a consulta e deu certo (Márcia). Fui orientada no local do agendamento que deveria vir ao Serviço Social para orientações para o acesso mais rápido à interconsulta no HC de forma interna (Maria). Porque acho que ela tem acesso da realidade da situação do especialista que estou precisando. Ela tem condições de dar uma resposta mais concreta, mais real, porque as meninas do agendamento dão resposta muito vaga. Você não vê assistente social gritar com a gente. A orientação é bem diferenciada e você sai satisfeito por ser bem atendido (Patrícia). A atuação do assistente social na área da saúde deve estar em consonância com o projeto da Reforma Sanitária e com o conceito ampliado de saúde. Nesse sentido, as ações desse profissional devem pautar pela ampliação dos direitos de cidadania e na luta incansável pela transformação da política de saúde em efetivo acesso dos usuários e, ainda deve buscar a interface entre as políticas públicas, com o intuito de satisfazer as necessidades sociais. O assistente social atua também 97 no sentido de envolver os sujeitos sociais na luta por sua emancipação (MIOTO; NOGUEIRA, 2009). Os Parâmetros para Atuação de Assistentes Sociais na Saúde (CFESS/2009) estabelecem, dentre outras ações, que esse profissional deve “facilitar o acesso de todo e qualquer usuário aos serviços de saúde da instituição [...]”, o que ressalta o compromisso dessa categoria com as demandas sociais dos usuários. No que se refere à organização dos serviços de interconsulta no HC, as oito participantes demonstraram insatisfação quanto ao atendimento, conforme depoimentos: Eu não acho organizado [...]. Eles nem olham no seu papel, [...]. Tem uma lista grande [...] de espera. É a mesma coisa de não ter ido lá [...]. Não sei se é assim com todas as especialidades, estou dizendo no caso da endocrinologia (Julieta). Tem dois locais para agendamento da consulta. Um da rampinha que tem a menina sem educação e a da frente, que mesmo tendo senha é desorganizado, demora demais, computador sai fora do ar toda hora, fica horas sem funcionar. As duas meninas da frente tem um jeito muito agradável de atender (Juliana). Acho um pouco de descaso com o ser humano. Acho péssimo, pois só vê a especialidade e manda você ligar, nem olha no seu rosto, se tem idade. Tenho encaminhamento até do cancerologista para endócrino e o pessoal não leva a sério (Meire). Tá falho. Não está organizado. Deveria ser mais rápido e abrir mais vagas. Não segue a lista de espera porque a funcionária falou que eu seria a primeira a ser agendada devido ter sido agendada nas férias do médico e até agora não fui atendida porque não fui chamada (Maria). Os depoimentos mostram a insatisfação das participantes quanto à falta de organização dos serviços de interconsultas, no que se refere ao atendimento e desprezo com que são tratadas, sistema que sai do ar sem prazo para restabelecimento, o que leva a horas de espera e ao atraso da solução de sua necessidade de saúde. Somente uma funcionária do referido local foi elogiada pelo respeito dispensado à participante. O envolvimento dos usuários na discussão das soluções dos problemas vivenciados pelo sistema de saúde está preconizado na Constituição Federal de 1988 e na LOS, quando se instituiu o controle social. Por isso, considerou-se importante solicitar que as participantes apresentassem sugestões para melhorar o acesso às interconsultas. 98 Constatou-se que algumas sugestões giraram em torno da realização de triagem dos usuários com maior necessidade, numa demonstração da visão individualista e seletiva da sociedade em relação às demandas sociais. E ainda, que as participantes entendem que deve ser observada a necessidade de cada um, conforme o princípio da equidade e que os usuários com doenças crônicas, além dos residentes em outros municípios, tenham prioridade no atendimento. A equipe médica e administrativa do HC deveria reunir para ver como facilitar o acesso dos pacientes crônicos que já tem histórico no HC e também pessoas que moram em outros municípios ter acesso mais rápido e também o agendamento deve prestar atenção no período de férias dos médicos (Maria). Duas participantes sugeriram que seja aumentado o número de profissionais para atendimento da demanda de interconsultas. É bom colocar mais profissionais. Agora não sei se é por falta de profissionais porque nunca tem vaga. Tá sempre cheio. Esses pacientes deveria passar por uma triagem para entrar na lista de espera que deveria ser feita por um clínico geral porque avalia. No meu caso, já perdi cinco filhos. Engravidei e perdi, a mulher para engravidar precisa ter o hormônio normalizado e precisa de atendimento (endocrinologia) (Julieta). Que as pessoas possam sair com a consulta agendada em qualquer especialidade de acordo com a necessidade e aumentar o número de profissionais da área, porque tem área que tem muitos e outras não. Espero com essa pesquisa conseguir uma consulta na endócrino (Meire). Uma participante considera que a Secretaria de Saúde de Goiânia deve ser envolvida na solução da melhoria do acesso às interconsultas no HC/UFG. O SUS deve tomar providências, ver prioridades, problema de cada um. A Secretaria de Saúde deve observar o caso de cada um e criar uma equipe para analisar cada caso dentro da necessidade buscando também melhorar em outras unidades de saúde, pra desafogar o HC que é bem conceituado. A nota não é 10, é mil (Márcia). Uma participante sugeriu que os usuários do HC sejam orientados quanto às interconsultas. No caso ali né.... o acesso, vamos ver...teria que ter alguém para orientar quem chega com esses pedidos no local da escadinha (Patrícia). Outra afirma que, para melhorar o acesso às interconsultas é necessário que o HC estabeleça meios para confirmação das consultas. 99 Para mim, hoje o modo mais fácil é colocar o nome do paciente no computador, na lista de espera. A falha do hospital é o controle do paciente na data da consulta. Esperei seis meses pela pneumo e no dia da consulta, de quinze nomes chamados, só compareceu eu e outra senhora. O HC deveria ter uma forma de ligar para o paciente dias antes da consulta para confirmação. Aqueles que não vem, encaixa os pacientes urgentes das interconsulta (Juliana). Sugeriu-se que o HC invista em treinamento dos funcionários do atendimento de interconsultas. Deve criar uma forma que todas as vezes que a gente passar por uma consulta, a gente seja atendida e colocar funcionários que tenha respeito por si mesmo e que sejam melhor treinados para atender as pessoas (Marta). Acredita-se que o conjunto dessas propostas poderá contribuir para a melhoria do atendimento aos usuários do HC, no sentido de corrigir os pontos falhos, e ampliar o acesso aos serviços de interconsultas. A política de saúde em Goiânia é um reflexo da política nacional, que encontra entraves ao cumprimento do princípio da universalidade do acesso. O HC se insere automaticamente nessa política, conforme Lei nº 8.080/90. Assim, o acesso aos seus serviços também é dificultado. Isso acarreta prejuízos aos usuários na medida em que os seus direitos de cidadania não são respeitados em sua plenitude. CONSIDERAÇÕES FINAIS Este estudo constatou que a política de saúde no Brasil tem o Estado como seu responsável, conforme estabelece a legislação em vigor. Ocorre que o Estado fez a sua escolha pelo projeto que prioriza a área econômica em detrimento do social, demonstrando claramente o seu compromisso com o capitalismo, portanto, com a desigualdade social. O Estado neoliberal implantado no Brasil reforça a privatização dos serviços públicos. As OSs, e outras empresas privadas contribuem para a redução do acesso a esses serviços e especificamente na área da saúde. Nesse sentido, o SUS tem perdido espaço para o sistema privatista, que vem gradativamente assumindo a gestão de tais serviços. Ocorre que os princípios do SUS conquistados pela luta da sociedade e incorporados à Constituição Federal de 1988 consistem em avanços históricos e que exigem a continuidade da luta para a sua plena efetivação. No processo da trajetória da política de saúde, observa-se que os interesses pela área, sempre estiveram voltados ao reforço do capital. As políticas sociais avançaram somente após a luta da classe trabalhadora, o que demonstra haver intervenção estatal apenas quando a classe subalterna movimenta-se contra a exploração e busca a melhoria de suas condições de vida. A ausência de campanhas educativas permanentes, que esclareçam a população a respeito de prevenção a doenças contribui para o entendimento de que os serviços públicos de saúde, contraditoriamente, devem ser procurados somente quando a doença já está instalada no organismo. Isso vem favorecer a indústria farmacêutica, portanto, o reforço do foco na doença, em detrimento do investimento na saúde. A pesquisa revelou que o acesso às interconsultas no HC, não ocorre de forma imediata e que há uma longa espera por seu agendamento, contrariando os princípios da integralidade e equidade. O usuário não tem a garantia da continuidade do seu tratamento de saúde na instituição, porque o número de vagas é insuficiente para o atendimento da demanda. Apesar do número significativo de atendimento de interconsulta, em 2013 (ver introdução), uma demanda de 1.373 usuários não obteve acesso ao agendamento. O acesso dos usuários é limitado à medida que nem todos conseguem o agendamento na especialidade de que necessita. O limite é uma expressão da não consolidação de fato, da política de saúde vigente (SUS), 101 que apesar de estabelecer a saúde como direito universal, não consegue cumprir esse princípio. Realidade que contribui para o acesso desigual dos usuários aos serviços públicos de saúde. A dificuldade de acesso dos usuários aos serviços do SUS, não se restringe apenas a uma interconsulta, mas de modo geral, também a exames, internações e outros. A capacidade de atendimento de um hospital universitário integrante do SUS é limitada também quanto ao número de profissionais para atendimento da demanda. Assim, não há como ampliar o número de vagas, sem aumentar o número de profissionais. No entanto, não existe uma política voltada para o atendimento dessa necessidade, pois a inexistência de concursos é uma evidência no serviço público. A pesquisa evidenciou a necessidade de discussão dos serviços de interconsultas, no sentido de buscar a ampliação do acesso e a melhoria no atendimento aos usuários. Mostrou, ainda, que as interconsultas são seletivas, portanto, excludentes, pois estão destinadas somente aos usuários do HC, o que impede a inserção daqueles que ainda não são usuários da referida instituição. Isso contraria o princípio da universalidade, preconizado na Lei nº 8.080/90, que estabelece o direito de todos aos serviços públicos de saúde. Outra constatação é que o agendamento não é imediato. Os usuários são incluídos em lista de espera (outros, dependendo da especialidade, nem isso conseguem), sem previsão de agendamento. O prazo é demorado e, além disso, ocorre o equívoco de o agendamento coincidir com as férias dos médicos, numa demonstração da desorganização do serviço. Fato que levou uma participante a retornar para o sistema e continuar aguardando o agendamento da especialidade de que necessita. Esse contexto elucida a inoperância da política de saúde no HC, uma vez que não há a garantia da continuidade do tratamento de saúde referente às interconsultas. Nesse sentido, a integralidade não se concretizada e o direito do usuário de ter a sua necessidade atendida, não é respeitado. As interconsultas deveriam atender às necessidades imediatas de saúde dos usuários, ao invés de restringir o atendimento a critérios preestabelecidos pela instituição. Diante do fato de o HC ser o único a dispor desse serviço, o formulário impresso para o encaminhamento, não é aceito em outras unidades de saúde. Critério que mais uma vez contradiz os princípios da política de saúde em vigor, no 102 sentido de não garantir o atendimento interno e de impedir o acesso dos usuários a outras unidades da rede pública para continuidade do tratamento. Outro fato evidenciado pelo estudo é a desorganização dos serviços de agendamento de interconsultas, que aparece em todas as falas das participantes, o que ressalta a necessidade de discussão desses serviços com vistas a melhorar o atendimento e respeito aos usuários do HC. Constatou-se ainda, que a forma de acesso às interconsultas, se efetivou por meio da intervenção do assistente social da instituição. Fato que não seria necessário se a política de saúde funcionasse adequadamente. No entanto, a discussão do acesso não se restringe apenas às interconsultas, pois os usuários das políticas públicas precisam do atendimento integral de suas necessidades sociais. Exige-se, para tanto, maior participação da sociedade na busca por seus direitos de cidadania e articulação entre as demais políticas. Diante dos resultados apresentados pela pesquisa é importante realizar algumas proposições para discussão junto aos gestores do Hospital das Clínicas/UFG: a) discutir a inadequação das interconsultas no que se refere aos princípios do SUS; b) discutir as sugestões das participantes no que diz respeito à melhoria do atendimento e ao acesso às interconsultas; c) formalizar a existência das interconsultas no HC por meio de documentação específica; d) propor junto à Secretaria Municipal de Saúde de Goiânia, a extensão desses serviços a todas as unidades públicas de saúde do município; e) estabelecer número específico de interconsultas/mês no HC de forma organizada e oficializada junto aos departamentos de cada especialidade, para descaracterizar a política do favor; f) estruturar o quadro de funcionários no SAMIS por meio de concursos públicos e realizar cursos para treinamento de atendimento ao público e conhecimento da política de saúde; g) criar meios para os profissionais do HC preencherem corretamente o encaminhamento às interconsultas; e h) fortalecer o controle social no HC, com ampliação da participação dos usuários. 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A Prática do Serviço Social: cotidiano, formação e alternativas na areada saúde. São Paulo: Cortez, 2011. VIEIRA, Evaldo. Os Direitos e a Política Social. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2009. APÊNDICES APÊNDICE 1 TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO O Sr(a) está sendo convidado(a) para participar como voluntário(a) da pesquisa intitulada: Política e acesso aos serviços públicos de saúde: uma análise das demandas ambulatoriais dos usuários do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás- Goiânia- 2014. Após receber os devidos esclarecimentos da pesquisadora na presença de duas testemunhas e concordar em participar da pesquisa, o sr(a) assinará em duas vias um documento chamado Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Uma via ficará com o sr(a) e a outra, com a pesquisadora. Posteriormente, o sr(a) assinará uma declaração informando conhecimento e consentimento em participar como sujeito da pesquisa. Em caso de desistência, seja qual for o motivo, o sr(a) não sofrerá nenhum dano ou penalidade sob hipótese alguma. Em caso de dúvidas referentes à pesquisa entre em contato com a pesquisadora ou orientadora. Em caso de dúvidas referentes à ética da pesquisa entre em contato com o Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica de Goiás, telefone 39461512 e Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital das Clínicas/UFG localizado à 1ª av. s/n Setor Leste Universitário CEP 74605050 telefone 32698338 Informações sobre a pesquisa: Instituição de ensino: Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUCGoiás) Curso: Mestrado em serviço Social Pesquisadora responsável: Maria Aparecida de Brito Nascimento Regularmente matriculada no Mestrado em Serviço Social Contatos (62) 99336037 e-mail [email protected] Orientadora: Profª Drª Denise Carmem de Andrade Neves Contato(62) 81132611 109 Instituição onde a pesquisa será realizada: Hospital das Clínicas (HC) da Universidade Federal de Goiás (UFG) Dos objetivos Geral: Identificar e analisar o acesso dos usuários à política pública de saúde no HC/UFG. Específicos: Analisar a política de saúde no HC a partir das demandas de interconsultas ambulatoriais dos usuários na perspectiva do acesso e direito à saúde e fornecer elementos junto aos gestores do HC para discussão do acesso dos usuários aos serviços de interconsultas implantados na instituição. Síntese dos procedimentos a serem utilizados na pesquisa: A pesquisa será realizada com 10(dez) usuários dos serviços de interconsultas ambulatoriais no Hospital das Clínicas/UFG, que se enquadram nos critérios estabelecidos pela pesquisadora, como: serem alfabetizados ou não, maiores de dezoito anos e comparecerem ao Serviço Social de Ambulatório/HC no período definido pela pesquisadora para realização das entrevistas. Após receberem os devidos esclarecimentos da pesquisadora, concordarem em participar da pesquisa e terem assinado o TCLE, os mesmos serão entrevistados pela pesquisadora e responderão perguntas pertinentes à pesquisa. Envolvimento na pesquisa: Ao participar desse estudo, o sr(a) permitirá/autorizará que a pesquisadora utilize as informações com ética e respeito. O sr(a) não sofrerá nenhum dano caso não concorde em participar da pesquisa e também poderá retirar a sua participação a qualquer momento sem que isso cause qualquer prejuízo ao sr(a). Sempre que julgar necessário poderá obter maiores informações referentes à pesquisa e a ética. Duração da pesquisa: março/2014. 110 Riscos e Benefícios: A pesquisadora tem conhecimento de que pesquisas que envolvem pessoas têm riscos. Sendo assim, no momento da entrevista os participantes poderão sofrer riscos psicológicos como constrangimento e nervosismo porque responderão perguntas relacionadas aos serviços prestados pela instituição onde realizam tratamento de saúde. Nessa situação, os participantes serão encaminhados ao Centro de Estudos, Pesquisas e Práticas Psicológicas (CEPSI) da PUCGoiás para atendimento. Benefícios: Após conhecimento dos resultados da pesquisa pelos diretores do HC/UFG, o benefício para os participantes será a incorporação de suas sugestões ao planejamento da instituição para melhoria e ampliação do acesso às interconsultas ambulatoriais no HC/UFG. Outro benefício é a participação como sujeito de uma pesquisa, que contribuirá para uma maior reflexão do atendimento de saúde no HC, bem como ser informado do resultado da pesquisa em reunião, com data, horário e local a serem definidos pela pesquisadora. Pagamento/indenização Não haverá nenhum tipo de despesa para o sr(a) participar da pesquisa e o sr(a) não receberá nenhum tipo de pagamento. As despesas dos participantes referentes à pesquisa como transporte e alimentação na data da entrevista serão de responsabilidade da pesquisadora. Caso o sr(a) faça algum gasto referente à pesquisa será ressarcido pela mesma. Em situações referentes à pesquisa que o sr(a) entenda que sofreu algum dano poderá recorrer judicialmente para indenização de acordo com a Lei. Confiabilidade As informações obtidas nas entrevistas serão utilizadas com a sua autorização para atender aos objetivos da pesquisa. As perguntas serão realizadas pela pesquisadora. Em seguida, as suas respostas serão anotadas pela mesma no roteiro de entrevista. Logo em seguida, as suas respostas serão lidas ao sr (a) para 111 garantir a fidedignidade das mesmas e a sua aprovação. A pesquisadora garantirá o sigilo e a sua privacidade na realização da entrevista. Para sua segurança e anonimato o seu nome não aparecerá e o sr(a) será identificado(a) por pseudônimo. A pesquisadora será responsável pelos documentos utilizados na pesquisa. Os mesmos serão arquivados no Hospital das Clínicas/UFG, em local adequado e seguro e após 05(cinco) anos de realização da pesquisa, serão incinerados. Destinação dos resultados: Os resultados da pesquisa ficarão disponibilizados no NUPESC - PUC Goiás, Biblioteca Central da PUC Goiás, Hospital das Clínicas/UFG, Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de Goiás (FAPEG). Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Considerando os ítens acima apresentados eu, de forma livre e esclarecida manifesto meu consentimento em participar dessa pesquisa. Goiânia, __________de _________________de 2014. Nome do sujeito da pesquisa Assinatura do sujeito da pesquisa Assinatura da pesquisadora 112 APÊNDICE 2 ROTEIRO DE ENTREVISTA 1- DADOS DE IDENTIFICAÇÃO Idade: _____________________________________________________________ Sexo: ______________________________________________________________ Procedência: ________________________________________________________ Renda: _____________________________________________________________ Escolaridade: ________________________________________________________ Profissão: ___________________ Situação Funcional: ______________________ 2- Você veio ao Hospital das Clínicas para qual atendimento? Consulta 1ª vez ( ) especialidade _________________ Retorno ( ) especialidade __________________ 3-Você foi encaminhado (a ) à qual especialidade( interconsulta )? ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ 4- A interconsulta foi agendada? Sim( ) por que? ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ Não ( ) por que? ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ 5-Há quanto tempo você espera ou esperou pelo agendamento da interconsulta? ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ 113 6-Você encontrou alguma dificuldade para agendar a interconsulta? Sim( ) quais? ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ Não( ) por que? ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ 7-Você recebeu alguma orientação no local onde foi agendar a interconsulta? Sim ( ) Quais? ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ Não ( ) Por que? ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ 8-O que você entende por SUS? ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ 114 9-O que você entende por direito? ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ 10- O que você sabe a respeito do direito ao tratamento de saúde de que necessita? ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ 11-O que você faz quando o seu direito ao tratamento de saúde não é atendido no HC/UFG? ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ 12-Por que você veio ao Serviço Social? ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ 13- O que você acha da organização dos serviços de interconsultas ambulatoriais no HC/UFG? ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ 115 14- Quais as suas sugestões para melhorar o acesso dos usuários às interconsultas ambulatoriais no HC/UFG? ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ 116 APÊNDICE 3 DECLARAÇÃO DO SUJEITO COMO PARTICIPANTE DA PESQUISA PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL Consentimento de participação como sujeito da pesquisa Eu, _______________________________________________________________ RG ____________________________ CPF ________________________________ Abaixo assinado concordo em participar como sujeito da pesquisa intitulada: Política e acesso aos serviços públicos de saúde: uma análise das demandas ambulatoriais dos usuários do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás- Goiânia2014. Fui devidamente informado (a) e esclarecido (o) pela pesquisadora Maria Aparecida de Brito Nascimento, a respeito dos procedimentos nela envolvidos, assim como, os possíveis riscos e benefícios decorrentes da minha participação. Foi-me garantido que posso retirar meu consentimento a qualquer momento, sem que essa decisão leve a qualquer penalidade. Local e data, Goiânia ________de ___________________de _________. Nome: ______________________________________________________________ Assinatura: __________________________________________________________ Presenciamos a solicitação de consentimento, esclarecimentos e aceite do sujeito em participar da pesquisa. Testemunhas Nome: ______________________________________________________________ Assinatura: __________________________________________________________ Nome: ______________________________________________________________ Assinatura: __________________________________________________________ 117 ANEXO