RECONSTRUINDO SABERES JUNTO A UMA EQUIPE MULTIPROFISSIONAL DE SAÚDE DA ESTRATÉGIA DE SAÚDE DA FAMÍLIA RESUMO O presente artigo trata-se de um relato de experiência de ações desenvolvidas com profissionais de saúde de uma equipe multidisciplinar de uma Unidade Básica de Saúde da Família (UBSF) do município de Mossoró-RN. As ações tiveram como objetivo realizar educação permanente em saúde com a equipe multiprofissional da referida unidade, buscando discutir saberes e práticas potencializadoras para o enfrentamento dos principais problemas de saúde da localidade. Para isso, primeiramente, foram levantados os principais agravos de saúde da população que estava sob os cuidados dessa equipe de saúde, posteriormente, desenvolveu-se ações de educação permanente em saúde. No total foram realizados seis encontros ao qual participaram cerca de quinze profissionais. Apesar de poucos profissionais terem participado das ações, os participantes foram bastante ativos, expondo opiniões e trazendo questionamentos. Foi possível verificar que os profissionais envolvidos nesse debate demonstraram sentirem-se insatisfeitos com a dinâmica do serviço, discutiu-se ainda questões como individualismo e desvalorização. Como resultado positivo cita-se a construção de conhecimentos, com grande participação dos envolvidos, além disso, o número de sujeitos envolvidos cresceu a cada encontro. Portanto, compreende-se, a partir deste trabalho, a importância e a necessidade de trabalhar com a Educação Permanente em Saúde, junto à uma equipe multiprofissional, visando estabelecer uma capacitação profissional contínua no sentido de enriquecer conhecimentos e contribuir para uma assistência de qualidade e direcionada para o fortalecimento e consolidação da ESF. Palavras-Chave: Atenção à Saúde; PSF; Enfermagem. INTRODUÇÃO O Programa de Saúde da Família (PSF) foi concebido em 1994, pelo Ministério da Saúde (MS) como uma proposta de reorientação dos modelos de assistência à saúde, a partir da Atenção Básica, visando consolidar os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS) fundamentados nos conceitos de universalidade, equidade e integralidade (1). A Estratégia de Saúde da Família (ESF) como passou a ser designado o PSF atualmente, visa, em sua proposta fundamental, trabalhar a atenção em saúde da comunidade, objetivando o estabelecimento de vínculos e laços de compromisso e co-responsabilização entre população e serviços (2). A ESF estabelece a equipe de saúde como um instrumento de efetivação de suas propostas, trazendo para o escopo da atenção à saúde uma mudança do modelo assistencial, embasada no tripé: promoção, prevenção e reabilitação/recuperação de doenças e agravos. Desse modo, a ESF, aborda em sua concepção, mudanças na dimensão organizacional do modelo assistencial ao constituir uma equipe multiprofissional responsável pela atenção à saúde de uma população sobre sua área de abrangência. Desenvolvimento de uma atenção voltado para a ação comunitária, ampliando a atuação da equipe sobre os determinantes mais gerais do processo saúde-enfermidade e suas vulnerabilidades (3). Para que se efetive e proporcione resolubilidade aos problemas de saúde de sua população, o trabalho na ESF pressupõe que os profissionais atuem de maneira articulada, compreendendo o contexto de saúde da comunidade, trocando experiências e assumindo o compromisso com a saúde das famílias daquela localidade. Assim, para intervir e promover impacto nos fatores interferentes no processo saúde-doença, além de um trabalho articulado, deve-se partir da concepção de uma prática interdisciplinar, pois a interdisciplinaridade propicia a junção de práticas que se transformam para intervir na realidade em questão (4). O trabalho a ser desenvolvido pela ESF deve privilegiar a interação entre os profissionais, atuando como uma verdadeira equipe, tendo em vista que o trabalho na ESF, concebido de maneira fragmentada, é insuficiente para prestar um cuidado integral à saúde dos indivíduos e promover resolubilidade aos principais problemas de saúde. Não obstante, é comum observar que muitas vezes o trabalho na ESF encontra-se desarticulado e fragmentado, alavancando o modelo hegemônico na organização dos serviços de saúde e consequentemente não refletindo os princípios e diretrizes preconizados pelo SUS e pela ESF. Nesse sentido, entende-se que para superar o modelo hegemônico repercutido no trabalho em saúde, é preciso que exista uma disposição de compartilhar objetivos, decisões, responsabilidade e também resultados, clareza da importância de construir em conjunto um plano de trabalho e definir a responsabilização de cada membro para alcançar o objetivo, consciência de necessidade de avaliação constante dos processos e resultados, e ter em mente a percepção de que o fracasso de um pode significar o fracasso de todos e que o sucesso de um é fundamental para o sucesso da equipe. É importante também que haja disposição dos membros em ouvir e considerar as experiências um dos outros (5). Neste sentido, faz-se relevante investigar e repensar como estão sendo construídas essas relações profissionais e a interação da equipe para a construção da assistência prestada a população na ESF. Sob esse ponto de vista, entendemos que a Educação Permanente assume um papel primordial para com os profissionais de saúde de uma equipe de saúde da família. A Educação Permanente traz importantes contribuições para a dinâmica dos serviços de saúde ao se inserir como uma forma de dispor capacitação contínua aos profissionais. Ademais, é necessária para atualizar os conhecimentos do indivíduo na realização de seu trabalho e, para que, o trabalho em saúde possa se repercutir na melhoria do padrão de saúde dos indivíduos, pois, o saber/fazer deve ser um saber/fazer bem, que leve em conta os aspectos técnicos, políticos e éticos (6). Portanto, para o profissional de saúde, não basta saber, é preciso articular responsabilidade, liberdade e compromisso. A partir da investigação dos processos de trabalho da equipe multiprofissional desenvolvido em uma Unidade de Saúde da Família, na cidade de Mossoró-RN, percebeu-se a necessidade de promover uma atividade de Educação Continuada que ressaltasse a importância da ESF como porta de entrada dos serviços de saúde, a compreensão dos profissionais, a importância e o compromisso em se realizar um trabalho articulado entre a equipe e de pôr em prática uma assistência em saúde pautada nas reais necessidades de sua população, mediante seus principais agravos e sua vulnerabilidade social. O objetivo desse artigo se constitui em relatar a experiência vivenciada pelos autores na construção e condução de uma capacitação profissional por meio de uma educação permanente em saúde com membros da ESF a fim de sensibilizá-los mediante aos principais agravos de saúde sobre sua área de abrangência, bem como, discutir acerca do trabalho em equipe. METODOLOGIA Este estudo consiste em um relato de experiência vivenciado pelos discentes da disciplina Prática de Ensino III, da grade curricular do Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) realizado em uma Unidade Básica de Saúde da Família (UBSF) no município de Mossoró-RN, no período de Novembro de 2011 a Fevereiro de 2012. Primeiramente, foi-se a campo para se aproximar da realidade da UBSF e sua área de abrangência com a finalidade de se conhecer acerca dos principais problemas de saúde da população. A partir de então, foi possível identificar os seguintes principais agravos de saúde: diabetes, doenças cardiovasculares, hanseníase, tuberculose e alto índice de gravidez na adolescência. Mediante a esse conhecimento passou-se a construir as ações de educação permanente em saúde que priorizassem, em suas discussões, os agravos de saúde potencialmente evidentes. Ao dispor das temáticas, os discentes responsáveis pelo desenvolvimento das ações apresentaram a proposta e os objetivos da realização de educação permanente para os profissionais participantes, esclarecendo o que se pretendia alcançar nas discussões estabelecidas foram organizados seis encontros com os profissionais de saúde da referida unidade básica. Os encontros tiveram os seguintes temas: Resgate histórico da ESF (compreendendo a inserção e o processo de trabalho da equipe multiprofissional na ESF); O trabalho em equipe, auto-estima profissional e articulação com os equipamentos sociais - o contexto e as possibilidades de atuação em saúde na ESF); O cuidado à hanseníase na ESF - uma abordagem multiprofissional; O processo de trabalho da equipe multiprofissional frente ao atendimento do Hiperdia; O processo de trabalho da equipe multiprofissional frente ao atendimento do Pré-Natal; Confraternização de encerramento e avaliação das ações. Os recursos didáticos em cada sessão foram selecionados segundo critério da adequação ao conteúdo a ser trabalhado em cada momento, mas em todas as ações foi priorizada a metodologia problematizadora. Por intermédio da problematização, o educador chama os educandos a refletir sobre a realidade de forma crítica, produzindo conhecimento e cultura em um mundo e com o mundo (7) . Utiliza-se também dos conhecimentos prévios e a realidade sócio-econômica e cultural dos indivíduos. Os recursos metodológicos corresponderam à apresentação em slides, rodas de conversa e dinâmicas em grupo, enfatizando esta última como um método de trabalho que permitiu uma maior aproximação entre o grupo, descontração e estímulo à participação. As atividades foram desenvolvidas no próprio espaço físico da UBSF, em uma sala destinada a reuniões, a realização de capacitação e educação em saúde para os usuários do serviço. E no que concerne aos recursos materiais, foram utilizados os mais variados recursos, estes de acordo com cada metodologia utilizada. RESULTADOS E DISCUSSÃO No decorrer das atividades com os profissionais durante a discussão sobre os aspectos da ESF se identificaram alguns entraves que dificultam o trabalho na ESF. Ademais, apesar de poucos profissionais terem participado desse momento, os participantes foram bastante ativos, expondo opiniões e trazendo questionamentos. A partir das discussões sobre o trabalho em equipe, proporcionado pela ação realizada no segundo encontro foi possível verificar que os profissionais envolvidos nesse debate demonstraram sentirem-se insatisfeitos com a dinâmica do serviço dessa unidade, pautando suas falas principalmente em relação ao trabalho em equipe que segundo eles só existia em momentos restritos e não se caracterizava em uma equipe multiprofissional. Sentiam a necessidade de mudança nessa forma de relação profissional, da articulação dos trabalhos entre os profissionais, pois para uma maior eficiência no trabalho desenvolvido pela ESF são necessárias, à conscientização dos conhecimentos diversos e articulação das ações dos profissionais envolvendo a interação, planejamento e compromisso para o trabalho (4). Ficou evidente também a dificuldade encontrada pelos participantes ao tentar unificarem a equipe, relatando que os entraves são muitos, nas distintas dimensões pessoais, coletivas ou culturais como nas relações de saber/poder estabelecidas socialmente. Assim, foi bastante discutido e abordado acerca da relação entre os membros da equipe multiprofissional, pois a partir de uma melhor relação da equipe, desenvolvendo um trabalho em saúde articulado, seria consideravelmente positivo para uma atenção em saúde que proporcionasse maior resolubilidade. Isso se explica pelo fato de que o trabalho em saúde implica em interação constante e intensa de um grupo de trabalhadores para a execução da tarefa assistencial, atendimento integral e deve predispor a reconstrução dos modos de interagir com os diversos saberes e disciplinas que sejam necessários na assistência à saúde (5). Mediante as discussões acerca de auto-estima, observou-se que muitos dos profissionais presentes sentem-se desvalorizados em virtude da sobrecarga de trabalho que não é correspondido no salário e na valorização profissional. Nunes (8) complementa essa reflexão alertando que o trabalho na ESF pressupõe um aumento de trabalho sem respectiva remuneração, principalmente para os agentes comunitários de saúde. Durante as discussões, nos mais variados instantes evidenciou-se também que o individualismo e o “fazer o seu sem se preocupar com o do outro” foram os principais entraves e motivos de desvalorização. Além disso, a falta de recursos materiais, bem como, a falta de compromisso e união foram também citados como influentes na prática profissional desarticulada que se estabelece no trabalho da ESF. Como resultado potencialmente positivo pode-se citar que os momentos de encontros foram riquíssimos na construção de conhecimentos, com muita participação dos envolvidos, evidenciando um aumento considerável do número de participantes a cada encontro. É relevante destacar que a partir dos dois primeiros momentos de encontro já foi discutido sobre a necessidade de se retomar as reuniões mensais dos profissionais da UBSF para a construção em equipe de ações conjuntas em educação em saúde que tivessem como público-alvo os usuários do serviço, assim a equipe se comprometeu e pactuou a realização de reuniões mensais, já marcando previamente a data da primeira reunião. Vale ressaltar que a metodologia empregada privilegiou a participação dos envolvidos e não se deteve somente aos aspectos técnicos das doenças presentes nos agravos de saúde, mas abordou também o estabelecimento de estratégias a serem utilizadas pela equipe no diagnóstico, no incentivo à continuidade do tratamento pelo usuário acometido pela doença e em relação à abordagem da equipe a esse usuário. Não obstante, verificou-se a importância da Educação Permanente em Saúde realizada pela equipe profissional como ferramenta indispensável no que concernem as orientações de inspeção dos fatores de risco e complicações dos agravos de saúde. No decorrer das atividades os participantes se sentiram mais familiarizados e à vontade para discutir sobre as temáticas, começaram cada vez mais a fazerem indagações com relação a cada tema abordado. Ilustrado uma segunda conquista da realização das práticas, pois os participantes haviam sido despertados pela temática, bem como estavam ansiosos por buscar mudanças na qualidade da atenção em saúde a ser ofertada. Constatou-se que no decorrer das discussões sobre o assunto houve uma grande participação por parte de todos os profissionais envolvidos, que demonstraram atenção e entusiasmo. Outro resultado significativo refere-se à descoberta da necessidade de se trabalhar com grupos profissionais por meio de capacitações, a fim de potencializá-los acerca de determinados assuntos inerentes a sua categoria de trabalho. Verificou-se que a realização de Educação Permanente em Saúde com os profissionais da UBSF constituem-se em um momento ímpar para a construção de conhecimentos, pois a forma como as atividades foram conduzidas fez despertar na equipe profissional novas perspectivas de ação e intervenção. A realização dessas atividades não proporcionou ganhos significativos apenas para equipe multiprofissional da UBSF, mas, e, consideravelmente para os idealizadores da proposta, pois enquanto futuros profissionais de saúde, estavam inseridos na realidade desse serviço, tendo o conhecimento acerca das dificuldades que existem para resolver os agravos de saúde e das relações entre os membros da equipe, bem como, participaram da construção coletiva de conhecimentos e construção de propostas para atuar de forma a proporcionar uma atenção em saúde mais resolutiva. Evidenciou-se, no momento final das atividades a necessidade de continuidade das ações, a necessidade de se desvencilhar de ações pontuais, que esse processo de ação de educação permanente com os profissionais fosse constante, pois a é de fundamental importância para a construção e reconstrução de conhecimentos inerentes a atuação da equipe profissional da UBSF. CONSIDERAÇÕES FINAIS Portanto, compreende-se, a partir deste trabalho, a importância e a necessidade de trabalhar com a Educação Permanente em Saúde, junto à uma equipe multiprofissional, visando estabelecer uma capacitação profissional contínua no sentido de enriquecer conhecimentos e contribuir para uma assistência de qualidade e direcionada para o fortalecimento e consolidação da ESF.. Nesse ínterim, entende-se que em apenas três meses de atividades, a equipe multiprofissional da UBSF alcançou conquistas diversas e significativas, assim acredita-se ter sensibilizado os profissionais da equipe para que esses possam promover mudanças na atenção prestada pelo serviço aos usuários, ofertando-lhes um serviço mais acolhedor e mais condescendente aos princípios de universalidade, integralidade e equidade garantidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). No entanto, percebe-se que ainda há inúmeras barreiras que dificultam a execução de uma assistência mais eficaz, como por exemplo, as questões estruturais, funcionais, organizacionais, gerenciais e participativas que dificultam e interferem na melhoria do serviço ofertado. Porém, sabe-se que essa foi apenas uma pequena aproximação, e que essas dificuldades assim como outras que ainda surgirão, poderão ser enfrentadas mediante a efetivação de um trabalho em equipe. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Brasil. Saúde da família: uma estratégia para reorientação do modelo assistencial. Brasília: MS; 1997. 36p. 2. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Brasília: Mais Saúde, Ministério da Saúde. 2002. [acesso 2012 Jun 08] Disponível em: <http://dab.saude.gov.br/cnhd/ca mpanha_deteccao.php> 3. Escorel S, Giovanella L, Mendonça MHM, Senna MCM. O programa de saúde da família e a construção de um novo modelo de atenção básica para o Brasil. Revista Panamericana de Salud. 2007; 21 (2/3). [acesso 2012 Jun 08] Disponível em: <http://www.scielosp.org/pdf/rpsp/v21n2-3/11.pdf> 4. Araújo MBS, Rocha PM. Trabalho em equipe: um desafio para a consolidação da estratégia de saúde da família. Ciência e Saúde Coletiva. 2007; 12 (2): 455-64. 5. Franciscchini AC, Moura SDRP, Chinellato M. A importância do trabalho em equipe no programa de saúde da família. Investigação. 2008 Jan./Dez; 8 (1-3): 25-32. 6. Rios T. A. Ética e competência. 13ª ed. São Paulo: Cortez; 2003. 7. Freire P. Ação cultural para a liberdade. 2ª ed. São Paulo (SP): Paz e Terra; 1997. 8. Nunes MO, Trad LB, Almeida BA, Homem CR, Melo MCIC. O Agente Comunitário de Saúde: construção da identidade desse personagem híbrido e polifônico. Cadernos de Saúde Pública. 2002 Nov./Dez; 18 (6): 1639-1646.