A SITUAÇÃO DE TRABALHO DO TÉCNICO DE NÍVEL MÉDIO, QUANTO À SUA QUALIFICAÇÃO E ATUAÇÃO NO SETOR DE MANUTENÇÃO DE UMA INDÚSTRIA TÊXTIL EM MINAS GERAIS José Braga Periard João Bosco Laudares Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais – CEFET/MG RESUMO: Este artigo visa promover uma ampliação do objeto de pesquisa que tem sido abordado no Grupo de Pesquisa em Formação e Qualificação Profissional (FORQUAP), vinculado ao Mestrado em Educação Tecnológica, no Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG), que discute as “Relações na situação de trabalho dos profissionais técnico, tecnólogo e engenheiro, quanto a sua qualificação e atuação frente às novas tecnologias organizacionais e de gestão – estudo em empresas mineiras”, ao adentrar-se na cadeia produtiva do setor têxtil mineiro, face à sua expressiva representatividade no mundo do trabalho. De acordo com os mais recentes dados da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (ABIT), tem-se que, a necessidade de modernização e competitividade das empresas da cadeia têxtil é um fato, corroborado pelas ações implementadas no mercado interno ou externo, pela defasagem tecnológica do maquinário e equipe técnica, acrescido do déficit da balança comercial em US$ 4,7 bilhões. O Brasil é o quinto maior produtor têxtil do mundo, com um faturamento de US$ 67 bilhões, sendo que 97% deste valor negociado em mercado interno. Este setor é formado por 30 mil empresas que representam 5,5% do PIB nacional da indústria de transformação e que empregam 1,7 milhões de trabalhadores diretos, destacando-se como o 2º maior empregador da indústria de transformação. Os indicadores de investimento no setor em 2011 são da ordem de US$ 2,5 bilhões, face às linhas de financiamentos disponíveis. (ABIT, 2012). Problematiza-se então, neste contexto, quais são as situações de trabalho do técnico de nível médio quanto à formação, a inserção e o seu lugar no setor de manutenção de uma indústria têxtil, com uma formação inicial semelhante às que são encontradas em outras empresas mineiras de grande porte, valendo-se ainda do mesmo modo metodológico aplicado ao estudo em andamento. Atualmente o mundo do trabalho está migrando do modelo de organização e gestão do trabalho científico para o flexível, e a indústria têxtil caracteriza-se por sua heterogeneidade, seja em processos, trabalhadores ou equipamentos, que se mesclam de obsoletos a modernos. Este estudo foi realizado em uma indústria de grande porte do setor têxtil em Belo Horizonte/MG, baseando-se no depoimento de profissionais, com formação em curso técnico de nível médio, seja concluído em escola técnica privada ou pública. Discute-se no referencial teórico, a questão de qualificação e competência, formação inicial e continuada e reflexos da reestruturação produtiva iniciada na década de 90, segundo estudos que apóiamse na visão da Escola Francesa que preconiza a aprendizagem como eficiência social do indivíduo, baseada na relação Trabalho e Educação, além de outros aspectos apresentados por Laudares e Tomasi (2003), Burnier (2003), Zarifian (2003), Keller (2010) e Valle (2003). Trata-se também, dos desafios atuais postos à atuação profissional por um contexto de globalização econômica e de novas formas de organização da produção e do trabalho. Assim é possível discutir-se as tendências e competências deste trabalhador, seu contexto, sua historicidade e sua vinculação às relações sociais. Esta pesquisa tem uma abordagem qualitativa e baseia-se nos dados coletados através de uma entrevista semi-estruturada realizada com profissionais de formação técnica de nível médio em mecânica, eletrotécnica, mecatrônica industrial e automação industrial. Desta forma, pretende-se analisar a sua demanda de formação, demanda de qualificação e requalificação, o lugar posicional na estrutura da empresa, as funções e cargos dos profissionais atuantes, as competências dos mesmos, a gestão do trabalho, o recrutamento, as políticas de formação profissional e os programas de qualificação e requalificação requeridos. Neste cenário, tem-se como resultante, as atuais tendências de mobilidade ocupacional dos técnicos e o (re)direcionamento do técnico de nível médio a um lugar, onde vê-se frente à percepção de degradação do valor social da sua formação profissional. PALAVRAS-CHAVE: Técnico; Indústria Têxtil; Situação de Trabalho. 1. Introdução Este artigo busca contribuir com uma resposta à questão levantada no artigo “O Técnico de escolaridade média no setor produtivo: seu novo lugar e suas competências” (LAUDARES e TOMASI, 2003). Para contribuir com esta investigação, realizou-se uma pesquisa de campo no período de novembro a dezembro de 2011, na empresa HZT Têxtil (nome fictício), estabelecida em Minas Gerais, desde 1995. Assim como outras empresas do ramo têxtil brasileiro, a HZT Têxtil tem buscado garantir a sua competitividade e sobrevivência, adotando estratégias que minimizem os impactos causados pela globalização dos mercados e da liberalização comercial impostas na década de 90, fatos que têm provocado grandes impactos em diversos setores industriais, e mais intensamente no setor têxtil e de confecções, segundo os estudos de Keller (2010). Visando alcançar uma posição relevante no mercado de tecido tinto e estampado, malhas e índigo, a empresa estabeleceu políticas para conquistar e manter a confiança de seus clientes, garantindo-lhes a qualidade no atendimento e vantagens no preço e no prazo de entrega. A HZT Têxtil esforça-se na prática de uma gestão ética e socialmente responsável, ao promover a saúde e a segurança do trabalho, desenvolver ações que visem preservar o meio ambiente e prevenir a poluição, e cumprir a legislação e normas aplicáveis. A empresa também defende valores como: respeito pelas pessoas, integridade e transparência, exigência e profissionalismo, performance, responsividade e compromisso comum. Diante dos aspectos acima destacados, procedeu-se um estudo na HZT Têxtil através de alguns sujeitos abordados nesta pesquisa intitulada: “A situação de trabalho do técnico de nível médio, quanto à sua qualificação e atuação no setor de manutenção de uma indústria têxtil em Minas Gerais”, visando complementar as pesquisas que abordam os movimentos ocupacionais dos técnicos de nível médio no mundo do trabalho. Foram coletados alguns dados através de uma entrevista semi-estruturada, com sujeitos que atuam na empresa como técnicos em manutenção industrial, para conhecer a sua demanda de formação, demanda de qualificação e requalificação, o lugar posicional na estrutura da empresa, as funções e cargos dos profissionais atuantes, as competências dos mesmos, a gestão do trabalho, o recrutamento, as políticas de formação profissional e os programas de qualificação e requalificação que o mercado tem exigido destes profissionais. A amostra em evidência refere-se às entrevistas com cinco técnicos, sendo: um líder de manutenção, um técnico em elétrica e três técnicos em mecânica. Observou-se, quanto aos técnicos entrevistados, que os cargos ocupados são descritos em conformidade com uma escala profissional apresentada da seguinte forma: estagiários, operadores, técnicos e líder, não sendo etapas de crescimento funcional aplicada a todos, mas com enquadres nesta condição. No que se refere à divisão do trabalho, mesmo com um ambiente flexível e facilitação nos contatos diretos entre os profissionais, conforme observado em campo, evidenciou-se uma estrutura verticalizada. Nesta divisão, a gestão do setor de manutenção cabe a um engenheiro, que é responsável pelo estudo e pelo planejamento estratégico das atividades de manutenção preventiva, corretiva e preditiva. A ligação entre o planejado e o executado é coordenada pelo líder de manutenção que prioriza as atividades, remaneja a equipe, interage com outros líderes de setores produtivos, e também com seus fornecedores internos/externos. Aos técnicos, cabe o encargo de executarem as manutenções no nível preventivo e corretivo, além de implementarem, quando necessário, inovações e melhorias contínuas nos equipamentos que estão instalados num parque fabril, onde alternam-se, tecnologia ultrapassada com equipamentos de última geração. Ainda, baseando-se nos estudos de Keller (2010) [...] alguns fatores no passado contribuíram para a heterogeneidade tecnológica da indústria têxtil, tais como: a falta de acesso à automação industrial - provocada pela reserva de mercado para a informática – dificultou às grandes empresas ter acesso à tecnologia de ponta; a indústria nacional de máquinas têxteis não podia suprir a demanda nacional; o desenvolvimento tecnológico das máquinas têxteis era difícil de ser alcançado pelos fabricantes nacionais devido ao alto custo dos investimentos para acompanhar o novo padrão tecnológico; e o lento processo de substituição dos equipamentos devido ao longo período de vida útil do maquinário antigo, que mesmo defasados tecnologicamente ganhavam sobrevida para muitas empresas por diversas formas. (KELLER, 2010). Desta forma, pretende-se na estruturação deste artigo, realizar a apresentação da discussão teórica e das questões dela decorrentes; seguida da apresentação dos resultados da pesquisa de campo referente aos técnicos de nível médio, e do diálogo entre a teoria e a pesquisa empírica, e por último, seguem-se as considerações finais. 2. Discussão teórica e questões dela decorrentes Existem diversos estudos que também buscam interpretar as situações de trabalho, citadas neste artigo, tais como os elaborados por Laudares e Tomasi (2003), Burnier (2003) e Paixão (2007), nos quais discutem-se o lugar do técnico de nível médio no atual mundo do trabalho. As considerações apresentadas nestes estudos foram baseadas num momento social, político e cultural que se distancia num espaço-temporal de dez anos ou mais. E durante este período, muitas situações consolidaram-se, de modo a validar ou questionar as propostas apresentadas. Para Laudares e Tomasi (2003), com [...] a chamada reestruturação produtiva, estabelece-se uma nova configuração no cenário industrial, que diz respeito às novas tecnologias, seja na mudança da base técnica (máquinas, energia, informatização produtiva), seja na mudança dos modelos de organização e de gestão do trabalho (taylorismo, toyotismo). (LAUDARES; TOMASI, 2003). A cadeia têxtil, onde se desenvolve este estudo, é um dos setores mais atingidos pela reestruturação produtiva, pois tem enfrentado a concorrência acirrada dos produtos oriundos dos países asiáticos, com preços abaixo do custo de fabricação de produtos similares nas empresas nacionais, face às cargas tributárias do país, e outras questões como: equipamentos obsoletos, tecnologia defasada, produtividade baixa, matéria-prima de baixa qualidade e valor elevado, pouco capital de giro, salário e encargos com valores acima do que é praticado na concorrência estrangeira. De acordo com os mais recentes dados da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (ABIT), a necessidade de modernização e competitividade das empresas da cadeia têxtil é um fato, diante das ações implementadas no mercado interno ou externo, da defasagem tecnológica do maquinário e equipe técnica, acrescido do déficit da balança comercial em US$ 4,7 bilhões. O Brasil é o quinto maior produtor têxtil do mundo, com um faturamento de US$ 67 bilhões, sendo que 97% deste valor negociado em mercado interno. Este setor é formado por 30 mil empresas que representam 5,5% do PIB nacional da indústria de transformação e que empregam 1,7 milhões de trabalhadores diretos, destacando-se como o 2º maior empregador da indústria de transformação. Os indicadores de investimento no setor em 2011 são da ordem de US$ 2,5 bilhões, face às linhas de financiamentos disponíveis. (ABIT, 2012). Neste cenário, encontra-se o sujeito deste estudo, o técnico em sua atuação profissional no setor de manutenção industrial, frente às variáveis do mundo do trabalho. Em estudos anteriores, conforme o elaborado por Laudares e Tomasi (2003), discute-se a tendência do movimento ocupacional e do lugar do técnico na empresa, em razão da entrada do profissional com formação de tecnólogo, que vinha com uma formação profissional mais adequada para atender aos requisitos de gestão, evolução e competitividade do mercado. Mas o que se constata neste recorte, neste ambiente produtivo, através da fala dos sujeitos entrevistados, é que não ocorreu a abertura de lugar para o nível de tecnólogo, conforme previsto, fato constatado pela ausência deste profissional (tecnólogo) na área de manutenção da empresa HZT Têxtil e também pela divisão de cargos existente na empresa, que se restringe a engenheiro e técnico. O distanciamento do técnico para o chão-de-fábrica, não está sendo promovido em razão do lugar ocupado pelo tecnólogo na atual estrutura organizacional na empresa pesquisada. Na HZT Têxtil evidencia-se uma reestruturação produtiva, quando se observa que ocorreu a menos de um ano, um investimento elevado para o upgrade do sistema de gestão têxtil (SGT) para a versão SGT 320, assimilando também as mais modernas técnicas da engenharia de produção, além da aquisição de novos equipamentos de produção, adquiridos em feiras de negócios têxteis internacionais. Diante destes fatos, o técnico encontra-se requerido a assimilar as técnicas inseridas nestes novos sistemas, equipamentos e processos, e em manifestar sua criatividade, iniciativa, autonomia, senso crítico e técnico na adequação do equipamento, na aplicação de conhecimento, validando assim, o seu lugar efetivamente num contexto social, cultural e profissional. Quanto à exclusão/movimentação do sujeito-técnico pelas condições elencadas na pesquisa de Burnier (2003), não se constata, visto que [...] a mudança ocorrida no mercado de trabalho do técnico de nível médio da década de 1980, o qual ocupava cargos de chefia, para a dura realidade da década seguinte. Nesta, os engenheiros foram empurrados para “os lugares antes ocupados pelos técnicos, e esses para os lugares antes ocupados pelos trabalhadores mais experientes. Em algumas montadoras automobilísticas, há técnicos de nível médio trabalhando como operadores de máquinas, o posto mais baixo do processo produtivo”. Atribuo esses movimentos à redução do número de vagas e ao aumento da disponibilidade de trabalhadores mais qualificados. (BURNIER, 2003). Ocorre no atual mundo do trabalho (ano de 2012), uma década após os estudos citados, que há uma elevação do número de vagas para profissionais com formação de nível técnico, mas discute-se a evidência da qualificação esperada para o desempenho técnico requisitado. Este fato, é evidenciado pelo aumento expressivo do número de matrículas (interessados) na formação técnica, pois de acordo com o “Censo Escolar de 2010, 1.140.388 de estudantes estão matriculados no Ensino Profissional, apresentando uma variação de matrículas de 74,9% para esta etapa do ensino desde 2002”. (BRASIL, 2010) Segundo Carletto (2006), existe uma exigência crescente da necessidade em aumentar a capacidade dos trabalhadores em solucionar problemas, transformar ações em resultados, otimizar seu desempenho e ser competitivo. Ainda que, as atividades deste profissional estejam restritas às etapas do processo, fragmentadas em razão de produtividade, horas trabalhadas, disponibilidade do equipamento, ou outras inferências, requer-se e estimula-se uma interação profissional do técnico com o processo de manutenabilidade do equipamento. Indaga-se neste momento, sobre a percepção do sujeito quanto ao seu desempenho, de sua ação como profissional técnico, se tem consciência de sua situação profissional no mundo do trabalho, sua capacidade crítica para questionar os procedimentos de modo a agregar mais tecnicidade, sua competência ou se percebe-se em contrapartida, num processo de degradação do seu trabalho, em razão de sua alocação no posto de trabalho. Esta situação é contemplada por Braverman (1981), em seus estudos ao afirmar que: O trabalhador livre pode parcelar voluntariamente o processo de trabalho, mas ele jamais se converte num trabalhador parcelado pela vida afora (BRAVERMAN, 1981). Deste modo, podemos inferir que a condição necessária para o técnico estar percebendo-se no mundo do trabalho, situar-se, está diretamente relacionada com sua posição como indivíduo, e não de um grupo social/profissional (os técnicos). Ao lidar com situações novas, métodos e processos recém-instalados, sem nenhum roteiro ou procedimento operacional padrão, abre uma demanda específica para o profissional interagir-se com esta situação e resgatar seu conhecimento, seus fundamentos, seja de mecânica, elétrica, ou outra área técnica. De acordo com Laudares (2011), esta situação é uma forma do sujeito, enquanto profissional técnico, entender sua condição no processo produtivo, e criar seus meios, sua iniciativa, sua emancipação profissional, e deste modo, tornar-se competente. A tecnologia, hoje requer para o seu desenvolvimento um crescimento de saberes e competências, a serem adquiridos não mais somente pela experiência, mas pela ciência de disciplinas como a eletrônica, a informática, novos materiais, planejamento e gestão industriais, entre outras. Daí a necessidade da contínua qualificação e requalificação profissionais agregando às tarefas e funções produtivas constantes programas formativos específicos ou gerais da ciência do processo produtivo para o trabalhador. (LAUDARES, 2011). Ocorre então, uma acentuada dificuldade de acompanhar as mudanças implementadas em processos produtivos, seja a nível de capacitação ou de exigência de conhecimento prévio, mesmo porque, em uma empresa pode estar sendo praticado e em outra, não. Ainda que tenha o mesmo nível de equipamento/processos, e atue no mesmo ramo. Esta é uma característica da diversidade dos dias atuais do mundo do trabalho. O que se faz necessário, é estar alinhado com as estratégias organizacionais, com a percepção do ambiente econômico, social e tecnológico, e com a integração que o sujeito (técnico) pode realizar ao iniciar uma ação expositiva do conhecimento adquirido. Zarifian (2003), apresenta uma nova reflexão no seu estudo sobre a competência, denominado “O modelo da competência”, quando revisa o conceito anteriormente estabelecido, dizendo que Competência é a tomada de iniciativa e o assumir de responsabilidade do indivíduo sobre problemas e eventos que ele enfrenta em situações profissionais. (ZARIFIAN, 2003). Nesta reformulação do conceito de competência, ressalta-se que ao indivíduo, não basta ser responsável pela ação gerada, mas sim, assumir as conseqüências, responder por, ir até as ultimas conseqüências na tomada de iniciativa. O poder é resultante de uma ação responsável. Acresce-se, a condição de que este ato é sobre “problemas e eventos”, ou seja, sobre algo que sempre ocorrerá mais de uma vez, algo redundante. Esta é a situação encontrada na rotina de um técnico de manutenção industrial, quando se depara diariamente com eventos não previsíveis e que requerem um enfrentamento de novas situações, e o resultado, a solução é requerida e mensurada como competência, sem implicar em diferenciais de remuneração. Ser competente não é ser capaz de solucionar algo que se repete em sua ocorrência, e sobre este evento, tornar-se um especialista, mas sim, ter a capacidade de solucionar eventos e problemas que surjam inesperadamente. Quando um técnico considera-se competente em seu desempenho, deve-se indagar em quanto eventos colaborou com sua tomada de iniciativa e responsabilidade, ou seja, se está atingindo o cume do exercício da competência, exercendo suas microdecisões, conforme observado por Zarifian (2003). Nos depoimentos obtidos na pesquisa em campo, observa-se que a competência apresentada pelo conhecimento técnico, pelas qualificações em cursos técnicos, são requeridas na fase de inserção ao mundo do trabalho, mas não garantem a permanência. Conta-se neste momento, o que o sujeito, enquanto trabalhador técnico agrega de competências subjetivas, sociais e comunicativas. Valle (2003) sintetiza, que nesta formatação em que a competência tem sido interpretada no mundo do trabalho, ela se constitui numa “mediação entre a qualificação e o desempenho no cargo”. Assim entende-se, como que profissionais com a mesma formação inicial, conseguem apresentar um desempenho conforme ao requerido, permitindo-lhes atingir níveis superiores na empresa. 3. A inserção, a formação e a situação do técnico de nível médio no setor de manutenção da HZT Têxtil De outro lado, os resultados apresentados nesta pesquisa fornecem dados empíricos em relação à demanda de formação dos técnicos, ao relatarem suas trajetórias distintas quanto à sua formação. Identifica-se que um dos entrevistados cursou o ensino médio e em seguida realizou um curso técnico em mecânica. Além de outro, que cursou dois cursos de nível técnico, entendendo que se complementavam. E tem aqueles que já estavam inseridos no mundo do trabalho, como operadores de produção e cursaram um curso de nível técnico visando com este esforço, uma oportunidade de crescimento profissional na empresa. A inserção no mundo do trabalho tem sido recorrente na função de estagiário. Questionou-se aos entrevistados quanto ao modo em que seu deu a formação escolar inicial: se concluiu os estudos primeiramente, ou se foi adquirido simultaneamente a atuações profissionais diversas. Pode ressaltar-se, que consideram o curso de nível técnico uma evolução de formação, quando realizado em seguida a um curso de ensino médio. Evidenciase neste grupo pesquisado, que a formação inicial apenas se iguala pelo nível técnico, visto as demais qualificações se dispersarem em uma inúmera quantidade de cursos, eventos, feiras, cursos on line ou EAD, alem da leitura de manuais técnicos. Sobre a demanda de qualificação e requalificação, observou-se neste grupo de técnicos, que eles valorizam os cursos de aperfeiçoamento de curta duração e o período de estágio, e têm a HZT Têxtil como a principal referência do mundo do trabalho. De acordo com a fala de um dos entrevistados, encontra muita dificuldade em conciliar os estudos e o trabalho, visto estar cursando nível superior em engenharia elétrica. A condição citada para admissão ao mundo do trabalho nos relatos de três entrevistados foi no nível de estágio, o que permitiu durante um determinado período, sua interação com o ambiente organizacional. A aquisição de conhecimento, ocorre geralmente através do contato profissional com os demais colegas, que transferem o conhecimento adquirido e/ou prática de trabalho. A mudança ou evolução ocorrida ao assimilar novas atividades, permite um aporte de conhecimento bastante enriquecido por sua visão mais ampla do processo global que ocorre na empresa, enquanto a oportunidade de vivenciar etapas com mais contextualização e não apenas ter uma visão superficial. A capacitação anterior ao trabalho atual, observada no contexto dos relatos dos técnicos, não evidencia uma linha de evolução pessoal, mas, algumas investidas em formação. Com freqüência, o conhecimento adquirido para a realização de alguma atividade profissional se consolidou ainda no período de estágio realizado. Não evidenciou-se um relato de aperfeiçoamento, seguindo algum planejamento definido pela empresa. Com relação à demanda de qualificação/requalificação, percebe-se que os técnicos apresentam uma prática específica de sua formação (saber aprender fazendo), o que limita a demanda de requalificação ou mesmo um aproveitamento efetivo da sua formação técnica na atuação profissional, conforme acentuado nas falas de alguns técnicos entrevistados, que se seguem Muito do que é feito aqui, já percebi que as pessoas aprendem por empirismo puro. Começa a trabalhar, começa a mexer, e vai desenvolvendo. (Técnico 5). Adquiri o conhecimento todo na prática, através da experiência com o trabalho, junto aos colegas e aos equipamentos. (Técnico 3). Em relação ao lugar posicional na estrutura da empresa, a porta de entrada foi a partir de oportunidades de estágio ou de recrutamento interno. Acresce-se que ocorre a valorização da prática no dia-a-dia para a ascensão nos cargos dentro da empresa. Com relação à evolução verificada neste nível, vê-se que o esforço individual ou oportunidades escassas, são os imperativos para galgar uma posição destacada no setor; não caracteriza-se que ocorra uma gestão de carreira do profissional, baseada na análise de desempenho criteriosa e que permita um reposicionamento consistente, ou que exista uma relação com o perfil desenhado abaixo. [...] o técnico, profissionalmente reconhecido pela posição hierárquica intermediária, elemento de controle e de articulação na relação entre o escritório de projetos e a oficina, ou seja, entre plano e operação, e, ainda, pela sua qualificação, como detentor de parte dos conhecimentos teóricos e práticos da produção industrial, tem seu lugar redefinido e seu saber colocado em questão. (LAUDARES; TOMASI, 2003). A atuação na área de manutenção, para alguns dos técnicos, torna-se possível no momento em que ocorre uma evolução pessoal do nível operacional para o técnico, face à conclusão do seu curso técnico. Em outro depoimento, tem-se que a oportunidade de atuação como líder de manutenção mecânica, foi ocasionada pelo desempenho individual diferenciado na equipe, respondendo atualmente por uma gestão de um corpo técnico formado por onze técnicos mecânicos. Em relação às atribuições diárias no nível de técnico, inclusive a do cargo de Líder, ocorre uma relação de responsabilidade pelo cargo e a formação igualitária do nível técnico. As funções são percebidas de forma diversificada no nível técnico, face à necessidade de atendimento das demandas específicas no processo de manutenção industrial. Quando questionados sobre as competências necessárias para se destacar na função, os técnicos relatam que um profissional deve possuir um adequado conhecimento de normas e linguagem técnica, precisa ter uma postura e um papel definido no local de trabalho, além do reconhecimento pelo que faz. Destaca-se também a importância do relacionamento interpessoal e de um bom diálogo entre as pessoas (desenvolvimento de boas relações humanas), segundo o depoimento de um técnico [...] entendo que foi importante ter aprendido para usar o meu trabalho, mas preciso entender, saber tomar uma postura correta, ter um comportamento de homem, responsável, sem comprometer o próximo, ter muita determinação, uma visão ampla do conhecimento técnico. (Técnico 4). Na interpretação das competências apontadas, observa-se a ênfase dada pelo entrevistado, quanto à responsabilidade de si, como indivíduo, para uma tomada de iniciativa (... ter um comportamento de homem ...), ser ético, em um contexto social, indo além das competências técnicas requeridas para o técnico. Questionados sobre a forma de gestão do trabalho anterior e atual na empresa, os técnicos relatam que dentro da organização há um padrão para as atividades de cada setor e que cada atividade tem um requisito de conhecimento prático e teórico. O curso técnico ajuda a entender os processos e o motivo pelo qual as coisas funcionam desta ou daquela maneira. Atualmente, segundo os técnicos, a relação entre o engenheiro e os técnicos é bem tranqüila e distinta. Cada um trabalha nas suas funções, de acordo com a sua formação, e as atribuições definidas para cada função, sendo que o trabalhador que venha a atuar na área de manutenção mecânica ou de elétrica na HZT Têxtil, atenda ao requisito de formação técnica. Quanto ao nível de gestor do setor de manutenção precisa ter a formação superior em engenharia. O técnico, na empresa pesquisada, atualmente encontra-se muito próximo do nível operacional. No depoimento feito pelos técnicos observa-se uma inconsistência no aspecto de autonomia, visto que alguns afirmam ter acentuada autonomia, enquanto outros, não concordam. Quanto à estrutura organizacional houve um complemento de dados que explicita que o profissional de formação técnica pode evoluir de um cargo de operador até supervisão. É nítido pelos depoimentos, que a empresa está mobilizando-se para implantar uma nova cultura e superação dos valores organizacionais de antigamente. Neste estudo, também indagou-se aos entrevistados sobre como ocorre a contratação de técnicos no mercado, e obteve-se o retorno de que existem casos em que há a necessidade de recrutar “gente de fora” para suprir as demandas, mas procura-se dar a oportunidade para o pessoal interno, quando possível. Na opinião dos técnicos, quando existe uma demanda de trabalho diferenciada, eles recebem suporte externo com pessoal especializado (empresas terceirizadas). As atividades de terceirização são bastante específicas, restringindo as áreas de manutenção corretiva especializada ou automação. A tomada de decisão do gestor de manutenção ocorre neste evento, baseando-se no foco da especificidade da tarefa, de aplicação de ferramental específico, da falta de equipe interna capacitada em eventos com recorrência muito baixa, e não no interesse de fragmentação do conhecimento e qualificação da equipe interna, ou “em razão de um enquadre propositalmente arquitetado de redução do valor social, político e cultural no mundo do trabalho da organização”, conforme mencionado por Paixão (2007) [...] é que o técnico de nível médio tende a ser terceirizado. Esse é mais um indicador de degradação da qualificação desse profissional, na medida em que a empresa se interessa apenas em se ocupar daqueles ou daquilo que lhe é estratégico, a saber, essencial [. ..] (PAIXÃO, 2007). As atividades de manutenção nos equipamentos da empresa são realizadas pela equipe de técnicos internos. No recrutamento, a preferência é para os candidatos que tenham a formação técnica, pois entende-se que seja mais rápida a assimilação de informação e a inserção deles nas atividades do setor. Para trabalhar no setor de manutenção da HZT Têxtil exige-se uma formação técnica, inclusive com registro no CREA-MG (Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Minas Gerais). Evidenciou-se em um dos depoimentos, que existe apenas o lugar para o técnico e o engenheiro, quando de recrutamento externo para o setor de manutenção. Constata-se neste estudo, que ocorre um “achatamento funcional” em razão da evolução na carreira face à formação profissional, face a ocorrência de profissionais com formação de técnico em mecânica e/ou elétrica atuando com a mesma formação do líder de manutenção mecânica. Percebe-se que a discussão sobre o lugar do engenheiro e do técnico se apresenta com papéis definidos na empresa. O lugar do técnico mais próximo ao engenheiro, é evidenciado pela função do técnico que coordena um grupo de profissionais com o mesmo nível de formação técnica, ou seja, a aproximação ocorre pela responsabilidade do cargo e não pela formação profissional. Esta situação, contribui para um afunilamento de oportunidades, visto a condição verticalizada, onde as posições são reduzidas conforme aumentam as responsabilidades e autoridades no sistema capitalista. Nas políticas de formação profissional, observa-se um investimento em capacitação de profissionais vinculados à área técnica. Ocorre a concessão de bolsa de estudo que varia de 70% a 90% do valor do curso, desde que exista possibilidade de aplicação do conhecimento adquirido no trabalho. O trabalhador que se interessar em realizar um curso técnico tem de se inscrever num programa anual de bolsa de estudo mantido pela empresa, e no caso de aprovação de seu pedido, que é avaliado por um comitê interno, formado por profissionais do RH e lideranças diversas, ele é notificado. Quanto aos programas de qualificação e requalificação, percebe-se que também existem divergências de respostas em termos de investimento da empresa para cada cargo, pois a visão de “treinamento” para os técnicos são mais específicas e operacionais. Nos depoimentos detalhou-se a existência na empresa de uma política de formação profissional “qualificante”, mas não de um programa de qualificação e requalificação interno, de acordo com as afirmações de alguns técnicos entrevistados [...] não tive muitos treinamentos, foi mais pela prática do dia-a-dia. (Técnico 1). [...] não existe treinamento externo para essa demanda. É tudo feito por pessoas da empresa. (Técnico 2). Percebe-se nos depoimentos dos técnicos, que indiferente das qualificações apresentadas por cada sujeito, ou melhor, a não evidência de um conjunto pré-determinado de qualificações, que justifique um comportamento profissional uniforme, ou garanta um lugar na estrutura organizacional do setor de manutenção, o que se tem de realidade, ou situação comum, é que a formação inicial técnica, seja o delineador da competência requerida e atendida, ao agregar uma gama de resultados apresentados por cada indivíduo, enquanto um profissional técnico, capaz de solucionar eventos e problemas redundantes, que venham a ocupar-lhe no processo produtivo. 4. Considerações finais Com base no exposto e principalmente nas tendências apresentadas e justificadas no capítulo anterior, pretende-se apresentar algumas reflexões e propostas a trabalhos futuros, focando outros debates a respeito das reestruturações da produção industrial com o objetivo de analisar o novo lugar dos técnicos de nível médio no mundo do trabalho. Os resultados encontrados permitem afirmar a relevância do tema, o que reitera a necessidade de novas pesquisas nesse sentido, uma vez que podem fornecer novos rumos para a compreensão de uma série de conflitos organizacionais atuais, como os que ocorrem entre o perfil requerido dos trabalhadores e as condições reais de trabalho, a questão da valorização da mão-de-obra em contexto de redução de níveis hierárquicos, entre outros. No que diz respeito às relações de trabalho do técnico frente às novas tecnologias organizacionais e de gestão, identifica-se através da análise preliminar das entrevistas realizadas na HZT TÊXTIL que, para este profissional existe ainda uma hierarquia bem definida, verticalizada, agregada de responsabilidades e autoridades, conforme dividem-se as funções no nível hierárquico na empresa, de modo que a interação com o engenheiro ou o líder, dependeria de uma necessidade imperiosa, não indicando assim, uma gestão do trabalho horizontalizada. Há para o técnico, uma confirmação de sua essencialidade, pois sem ele a empresa paralisa o setor de manutenção. Entretanto, observa-se que ocorre um movimento atualmente entre os técnicos, assinalado pelos sujeitos desta pesquisa, de caráter individual, não de grupo, na busca de uma mais-valia profissional obtida pela aquisição de um registro de graduação superior. Isto pode resultar uma desmotivação, visto que na aquisição, não implica que esteja incluso a resultante de mais-valia profissional. Isto, na verdade ocorrerá pelo desempenho, pela tomada de iniciativa, pela aplicação do conhecimento adquirido em eventos os quais estiverem sob sua responsabilidade, mesmo que tenha apenas um nível técnico de formação profissional. Apesar da atividade do profissional técnico, estar sendo realizada próximo ao nível operacional, a este nível não está relegado ou deslocado, principalmente por desenvolver uma atividade de adequação técnica do equipamento às suas características funcionais, e não ao posicionamento junto à máquina, visando sua operação. No mundo do trabalho considerado neste artigo, tem-se uma valorização social e profissional do técnico, não apenas por causa de uma titulação acadêmica, mas devido à situação evidenciada pelo potencial de cada indivíduo ao estabelecer uma integração produtiva e com flexibilidade no enfrentamento dos eventos e problemas demandados, o que resulta num reconhecimento social do profissional. Referências ABIT, Setor têxtil e de confecção brasileiro: Balanço 2011 e perspectivas 2012. Disponível em: <http://www.abit.org.br/site/abit/perfildosetor>. Acesso em: jul 2012. BRASIL. Portal Brasil. Educação. Sistema Educacional. Ensino Técnico. Brasília, 2010. Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/sobre/educacao/sistema-educacional/ensinotecnico>. Acesso em: jul 2012. BRAVERMAN, Harry. Trabalho e Capital Monopolista: a degradação do trabalho no século XX. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan S.A., 1981. BURNIER, Suzana. L. Visões de mundo e projetos de trabalhadores técnicos de nível médio. 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