Barvalento Médico 2008; 1 (vol.1): 5-7 Editorial Médico, Quadro de Amadeu de Sousa Cardoso (Portugal, 18921918 falecido na pandemia de gripe H5 N1 de 1918-1919). “ The physician”, painting by Amadeu de Sousa Cardoso (Portugal, 1892-1918 died of flu virus H5 N1 pandenemic 1918-1919). For a Cultured and Humane Medicine 5 Daniel Cartucho 1 João Lobo Antunes. Sobre a Mão e Outros Ensaios. Gradiva. Lisboa, 2005. Correspondência | Correspondence [email protected] O Professor Lobo Antunes, neurocirurgião, no seu livro Sobre a Mão e Outros Ensaios, referindo-se aqueles momentos que se seguem a uma cirurgia elaborada, tem esta frase:”Aquela beatitude ou exaustão doce, um pouco triste, que inevitavelmente sucede ao acto 1 cirúrgico bem feito” . Estas palavras são tão certeiras e ao mesmo tempo tão carregadas de uma ternura que os amantes/executantes deste mesmo magister, um acto cirúrgico – seja qual for a Especialidade – não deixam imediatamente de se rever nelas, dando uma total concordância para a formulação deste sentimento que afinal, surpresa nossa, encontramos como característica, como elemento comum a esta prática que é nossa profissão. Este exemplo no desempenho da prática medica onde quer que estejamos, seja qual for a nossa Especialidade, é paradigma da espantoso coerência de atitudes e sintonias que, mesmo num mundo em acelerada mudança para alguma forma de civilização que ainda não antevemos, a Medicina mantém e que, em última análise, já identificáramos naquele texto, várias vezes milenar, que é o Juramento de Hipócrates. Há um fio, por vezes não explícito, mas sempre pressentido pelos praticantes desta, em simultâneo, ciência e arte. A esta marca de intemporalidade na nossa prática pode associar-se uma outra, a da globalidade. A anatomo- In his book, “On the Hand and Other Essays”, the Neurosurgeon, Professor Lobo Antunes refers to those moments that follow a complex surgery with these words: “That sense of peace or the sweet but slightly sad feeling of exhaustion that inevitably follows a suc1 cessful surgery” . These words are so accurate and at the same time so laden with tenderness that the lovers/ performers of this magister, the surgery - whatever the Specialty – cannot help but immediately identify with them. Though it may come as a surprise, we are bound to agree with this sentiment which is such a characteristic and common ingredient of our profession. No matter where we practice Medicine or what our specialty may be, this example illustrates the amazing consistency and harmony of attitudes that there are in the world of medicine. In this rapidly changing world, on its way to a still unknown form of civilization, this can still be seen in the age old Hippocratic oath. Though not explicit, the practitioners of medicine are always aware of the bond between science and art. The timeless nature of the practice of medicine can also be linked to its global nature. The anatophysiological makeup of human beings is the same, no matter where they may reside on the planet. We know that science is local and global. We know that no matter where we are, the careful application of a set of rules that Barlavento Médico Para uma Medicina Humana e Culta Barlavento Médico 6 fisiologia do Homem, onde quer que estejamos no planeta, é a mesma. Sabemos que a ciência é local e global. Sabemos que, onde quer que estejamos, a aplicação criteriosa de um conjunto de regras que regem a ciência, deve levar a resultados que serão reprodutíveis, já que se reportam à “natureza das coisas” que é, no fundo, aquele tudo que sistematicamente procuramos apreender. Os resultados que obtemos entre nós, se de acordo com as metodologias certas, devem ser os que se obtém na América ou na China. Outro destes elementos caracterizadores da Medicina é o da mudança. Quantos de nós se licenciaram com o ensinamento de que no estômago não existiam bactérias? Só assim não é, como essa nova descoberta já premiou um Nobel. Este é meramente um exemplo de alterações, de uma revolução silenciosa de paradigmas, a que assistimos. Não se trata só da crescente evolução nos meios que dispomos para diagnóstico e terapêutica, mas também do ensino e da maneira de praticar a medicina. Assistimos à tentação de substituir a compreensão da linguagem habitual à medicina milenar que passa pela relação médico-doente, pela história clínica, pela linguagem dos sinais e dos sintomas, por uma ultrapassagem - marca do tempo que atravessamos - expressa na mudança para uma outra linguagem feita de um mero somatório de exames complementares. Ser médico aqui ou em qualquer parte do mundo, seja num Hospital central ou periférico, tem muito em comum para além deste elemento. Estamos hoje num tempo diferente daquele onde os nossos mestres se formaram. Já lá vai o tempo onde as competências ficavam só nos grandes centros. Hoje a procura da qualidade de vida – seja o que for na nossa profissão sem horários para mais nada, mas aqui no Algarve o mar ao lado ninguém nos tira – o equipar de Hospitais periféricos, a justeza do reclamado pelas populações de não ter de caminhar 300 km para um tratamento quotidiano, o regresso após formação competente àquela que é a nossa terra ou algum outro motivo, foram elementos que nos fizeram optar pela Medicina no Algarve. Assim a existência de uma publicação com estas características surge com naturalidade. A palavra “barlavento” traduz um conceito: de onde sopra o vento. Esta publicação BARLAVENTO MÉDICO emerge em Portugal nesta região do Algarve e no Hospital que lhe adoptou o nome, o Hospital do Barlavento. Não temos a presunção de ser a energia motriz para novas caravelas do conhecimento, nesta época marcadamente identificada com a aceleração da globalização, já que a razão maior que leva ao aparecimento desta revista é igualmente intemporal na nossa natureza: dar primazia à formação continua de maneira que esta se reflicta na assistência que damos aos nossos doentes. Nesta revista assumimos esta evidência que é ver o Inglês como o idioma fundamental na Medicina à dimensão mundial e adoptamo-lo também como idioma base desta publicação. Esta dupla utilização do suporte em govern science should lead to results that can be reproduced, since they come from the “nature of things” - which in essence is all that we are systematically seeking to learn. The results that are obtained according to tried and true procedures should be the same as those obtained in the U.S.A. or in China. Another element which characterises medicine is change. How many of us graduated from medical school having learned that there are no bacteria in the stomach? Not only is this not so, but this new discovery produced a Nobel Prize. This is simply an example of change, a silent revolution of the rules that we are witnessing. It isn’t just the result of ongoing improvements in the diagnostic and therapeutic means available to us, but also in the teaching and way of practising medicine. We are confronted with the temptation to substitute the time-tested traditional language used between a doctor and his patient, the clinical history, the language of signs and symptoms, with another type of language (a true sign of the times) made up only of complementary exams. Doctors in this Hospital or any part of the world, whether in a big city or a remote place, have a lot in common in addition to this. Being a doctor with access to information on good practices, no matter where we practice medicine, is also something we share. We, doctors today, are in a different point in time than when our mentors graduated. Gone is the time when advances were made only in important medical centres. Today, the search for quality of life (be that as it may in a profession where free time is scarce, though here in the Algarve no one can take the sea away from us), the equipping of peripheral Hospitals, the right that populations have not to have to travel 300 km for a commonplace treatment, the return to the place we call home after expert training, were the factors that made us opt to practice Medicine in the Algarve. Therefore, the appearance of a publication with these characteristics comes about naturally. The word barlavento (windward) expresses a concept: from where the wind blows. This publication Barlavento Médico appears in Portugal in this region of the Algarve from which the Hospital got its name, Hospital do Barlavento. We do not presume to be the driving force behind new caravels of knowledge, in this era of ever-increasing globalization. Indeed, the main reason behind this magazine is to prioritise continuous training, so as to improve the assistance that we give our patients. In this magazine we acknowledge English as the world-wide lingua franca of Medicine and adopt it as a basic language of this publication. It will be published both as a paper journal, with a limited number of copies available, and online. We want BARLAVENTO MÉDICO to be read here, in the Algarve, but also in New York, Brasilia, Madrid or in Timbuktu. * It reminds me of what Prof. Abel Salazar (1889-1946) once said: “The doctor who only knows of Medicine not even of Medicine knows”. papel, com uma distribuição sempre limitada e de uma disponibilidade online vem da óbvia leitura da nossa contemporaneidade. Queremos que BARLAVENTO MÉDICO seja lido entre nós mas também em Nova Iorque, Brasília, Madrid ou na Conchichina. Queremos igualmente honrar uma tradição – quem não aprecia as espantosas ilustrações no tratado De humani corporis fabrica, de Andreas Vesálio que adoptamos para página de rosto? - que ao longo da história, nos dotou com obras ilustrados de notável sentido estético numa preocupação que percorre esta publicação. E sendo uma revista com peer reviewing, como não associar a credibilidade que esta comporta, com o tornar os trabalhos acessíveis a todos pelo website? Somos pois uma publicação aberta na internet, estando os Editores profundamente empenhados nas questões e metodologias para a indexação da revista. Procuramos também como identidade nesta revista a inclusão da reflexão sobre a adequação do ensino/formação pós graduada que prestamos. Queremos um conteúdo amplo no contexto diversificado das matérias de cada uma das múltiplas Especialidades em Medicina, que faça a revista assentar num certo sincretismo (existirá tal figura? ou perguntando de outra maneira, será a medicina possível de outra forma? *). Da ciência em si nas suas múltiplas vertentes, ângulos e perspectivas, das ciências Básicas, às Especialidades bem como ao tomar em si campo para a reflexão de questões relativas à Pós-graduação ou meramente de uma vivência/reflexão propiciada pela prática médica, visamos – na expressão de Lobo 2 Antunes a propósito de Celestino da Costa – uma medicina Humana e Culta. Queremos usar estas qualidades que nos são comuns, façamos a prática da Medicina aqui no Algarve ou noutra parte do mundo, para dar sentido àquela motivação que nos fez entrar para esta profissão, sentir, perceber e melhorar a natureza Humana. Assim esperando que se sinta estimulado por BARLAVENTO MÉDICO convido-o a tomar parte nesta revista – na diversidade de talentos com que a natureza nos criou – seja como leitor ou como autor e submeta para apreciação manuscritos que se inscrevam nestes objectivos. We want to honour a tradition that, throughout history, has endowed us with illustrated works of an extraordinary aesthetic level. Who doesn’t appreciate the remarkable illustrations in the Andreas Vesálio’s treatise De humani corporis fabrica that we have used for our front page illustration? And since there is peer reviewing in this publication, why not enhance the credibility that this entails, by making the studies accessible to all on our website? We are therefore a publication on the Internet that is open and free. The Editorial Board is fully aware of the hurdles and problems it this faces in establishing and indexing this Journal. We are aware of this and are working towards this end. As part of this periodical’s identity, we also seek to reflect on the suitability of the post-graduate teaching/training that we provide. We would like the content to cover a vast number of fields and subjects of the numerous Specialties of medicine, thereby tying the identity of this magazine to a certain measure of syncretism (Does such a thing exist, or is medicine possible in any other form?). And in approaching science from multiple angles and perspectives, ranging from the Basic sciences to the Specialties, and on reflecting on issues related merely to the experience or reflections that are the result of practising medicine, this 2 publication aims at - in the words of Lobo Antunes - a humane and cultured medicine. We want to use the qualities that we have in common, whether we practise Medicine here, in the Algarve, or in any other part of the world, to give meaning to the reasons that made us enter this profession: to feel, understand and improve Human nature. In conclusion, no matter where we are in the world, I hope that BARLAVENTO MÉDICO stimulates and encourages you to take part in this magazine - either as readers or as authors and that you will submit your manuscripts that fit into its scope. Referências | References 1 . João Lobo Antunes. Sobre a Mão e Outros Ensaios. Gradiva. Lisboa, 2005. 2 . Jaime Celestino da Costa. Um certo conceito da medicina. Gradiva. Lisboa 2ª Ed. 2001 7 Barlavento Médico * Ocorre-nos a frase do Prof. Abel Salazar (1889-1946): “O médico que só sabe de Medicina nem de Medicina sabe”.