DOENÇA DE PREISER
Samuel Ribak1, Sérgio Gama2
A necrose avascular idiopática do escafoide
dorsal parece colocar em risco a vascularização
foi inicialmente descrita por Preiser(1) em 1910.
dos dois terços proximais do escafoide, com con-
Seus cinco casos apresentados tinham história
sequente osteonecrose(6), porém como isso ocorre
de trauma recente. Embora alguns autores de-
ainda é bastante controverso.
finam a doença como uma necrose pós trau-
O uso prolongado de corticóides, quimio-
mática, a maioria continuam acreditando que
terapia, trauma, doenças do colágeno e alco-
a doença de Preiser é uma necrose progressiva,
olismo também são conhecidos como fatores
sem uma fratura pré-existente.(2) Também pode
associados às osteonecroses.(8) A posição do
ser chamada de necrose idiopática avascular do
punho também pode influenciar na vasculari-
escafoide(3), osteocondrite dissecante do esca-
zação, como sugere o trabalho de Buttermann
foide(4) ou necrose avascular não traumática do
et al.(9) que notaram que a irrigação sanguínea
escafoide.(5) Sua patogênese, evolução e trata-
do escafoide é interrompida em posição de 60°
mento ainda são temas de muita discussão. O
de flexão palmar e 15° de desvio ulnar após com-
comprometimento do suprimento sanguíneo
pressão do músculo extensor radial curto do carpo.
1 Doutor em Ciências da Saúde – Unicamp, Mestre em ortopedia – FMUSP, Coordenador científico do serviço de ortopedia da Puc Campinas e Hospital
Nossa senhora do Pari (SP). Chefe do grupo de mão e Microcirurgia da Puc Campinas, Membro Internacional da Sociedade Americana de Cirurgia da Mão
2 Mestre em Ortopedia e Traumatologia – IOT HC FMUSP, Medico Assistente do Grupo de Cirurgia da Mão da PUC Campinas, Chefe do Grupo de
Mão do Hospital Geral de Vila Penteado (SP), Membro Internacional da Sociedade Americana de Cirurgia da Mão
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É descrita com maior frequência mãos dominantes, sexo feminino e idade entre 20 e 70
anos.(10) Existe apenas um caso descrito em idade abaixo de 10 anos.(11) O quadro clínico caracteriza-se por dor localizada na face lateral do
punho (região da tabaqueira anatômica). À palpação há uma hipersensibilidade na região do
Fig.1 - Herbert e Lanzetta tipo II
escafóide e algumas vezes, leve edema e perda da
força. A diminuição da amplitude de movimentação só ocorre em fase mais tardia da doença.
O diagnóstico precoce é necessário antes que
ocorra a fragmentação e colapso do escafoide e,
por consequência, alterações degenerativas da
superfície articular radiocarpal e mediocarpal.
O exame radiográfico e a tomografia computadorizada (TC) podem mostrar a esclerose
Fig.2 - Herbert e Lanzetta tipo III
e a fragmentação no escafoide, principalmente na região proximal deste osso. Existe uma
classificação proposta por Herbert e Lanzetta(12), baseada na progressão da doença: tipo
I – radiografias normais, porém alteração em
tomografias; tipo II – aumento da densidade
do polo proximal com osteopenia generalizada
(figura1); tipo III – fragmentação com ou sem
fratura patológica (figura 2); tipo IV – fragmentação e colapso com osteoartrite (figura3).
Fig.3 Herbert e Lanzetta tipo IV
2
O exame de ressonância nuclear magnética
do escafóide. Ainda não existe consenso em
(RNM) pode auxiliar no estadiamento da do-
relação ao melhor tratamento desta doença já
ença. Kalainov el al.(13) identificam dois tipos:
que não existem estudos prospectivos relevan-
tipo I – necrose ou isquemia difusa (figura 4)
tes. Até este momento, a terapêutica e o prog-
e tipo II – necrose parcial (figura 5).
nóstico são baseados em séries de casos retrospectivos com baixo número de pacientes. Uma
revisão de literatura(10) cita 126 casos estudados
em 30 artigos publicados de 1980 a 2012.
O tratamento conservador já foi tentado por
vários autores.(2,10,12,14) A imobilização, infiltração com corticoides ou ácido hialurônico e estimulação elétrica, entre outros, não apresentaram
Fig.4 - Necrose ou isquemia difusa
resultados satisfatórios, não impedindo a evolução da doença, nem melhorando os sintomas.
Várias técnicas cirúrgicas foram descritas na
literatura: substituição por prótese de silicone(12), carpectomia proximal(15), artrodese total
ou parcial do carpo de punho(2,13,16), perfuração
artroscópica(17), osteotomia do rádio(18), enxerto convencional(13) e enxerto ósseo vasculariza-
Fig.5 - Necrose parcial
do(5,10,19,20) entre outras; nenhuma delas apresentou resultados convincentes.
A tendência atual é dividir os casos de do-
Em casos mais avançados, com perda da
ença de Preiser entre os que apresentam ou não
cartilagem articular a indicação é de tratamen-
alterações degenerativas associadas à necrose
to de “salvação” podendo se utilizar da carpec3
tomia proximal (preferência dos autores)
(figuras 6 a 8) ou então a excisão do escafoide e artrodese dos quatro cantos (figuras
9 e 10). Em uma série de 22 pacientes, De
Smet(15) realiza 12 carpectomias proximais
obtendo bons resultados.
Fig.8 - Paciente tratado com sucesso pela
carpectomia proximal
Fig.6 - Paciente com 51 anos de idade e dor no punho de
característica insidiosa e progressiva nos últimos 3 anos
Fig.9 - Placa tipo aranha estabilizando a artrodese
dos 4 cantos
Fig.7 Ressonância Magnética
Fig.10 -Radiografia sagital de controle intra-operatório
após a fixação dos quatro ossos do carpo artrodesados
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O enxerto para revascularizar o escafoide
comprometida. Nossa experiência com a do-
foi descrito pela primeira vez por Smet(15), em
ença de Preiser é de dois casos, tratados com
2000. Moran et al.(19) revisaram oito casos
enxerto vascularizado do rádio distal. Um
de doença Preiser sem fragmentação ou al-
caso foi classificado como estágio II de Her-
terações degenerativas do escafóide, tratados
bert e Lanzetta(12) e tipo 1 conforme a classifi-
com enxerto vascularizado de fluxo retrógra-
cação pela RNM de Kalainov et al.(13) O outro
do dorsal da extremidade distal do rádio (seis
caso, era um estágio III de Herbert e Lanzetta
casos baseados na artéria supra retinacular 1,2
(12)
e dois casos baseados na artéria supra retina-
evoluíram satisfatoriamente. Nossos pacien-
cular 2,3), Todos os pacientes apresentaram
tes retornaram as atividades profissionais e
melhora das dores e da amplitude articular.
de lazer, sem sintomas (figuras 11 a 15). Em
No pós-operatório, o exame de RNM mos-
ambos os casos o exame de –RNM mostrou
trou sinais de revascularização do polo pro-
revascularização total do escafoide.
e um tipo 2 de Kalainov et al.(13) Ambos
ximal em todos os casos. Estes autores, assim
O uso de enxerto ósseo vascularizado pare-
como Lenoir et al.(10), indicam a revasculari-
ce ser intuitivo, confiando-se no potencial de
zação em estágios precoces (I e II de Herbert
revascularização do mesmo. Na nossa experi-
e Lanzetta) e em pacientes sem artrose radio-
ência, é uma técnica que se mostrou efetiva
carpal. Apesar de Sokolow et al.(21) sempre
e portanto, uma boa opção terapêutica, des-
recomendar o uso do enxerto vascularizado
de que não haja alterações degenerativas do
para preservação da morfologia do carpo, a
carpo e principalmente, que a cartilagem do
indicação desta técnica não é clara no estágio
polo proximal esteja viável.
III, quando a arquitetura do escafoide já está
5
Fig.11 - Radiografia pré-operatória – esclerose e irregularidade dentro do escafoide, estágio III de Herbert e Lanzetta
Fig.14 - Radiografia pós 2anos. Formato do escafoide
preservado sem fragmentação
Fig.12 - Tomografia evidenciando esclerose difusa do escafoide, porém com preservação do polo proximal
Fig.15 - Tomografia após 2 anos, evidenciando a revascularizaçãodo escafoide e a manutenção da sua arquitetura
Fig.13 - Enxerto vascularizado inserido na cavidade do escafoide. A seta situa o pedículo vascular baseado na artéria
intercompartimental supraretinacular 1,2
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