FISIOTERAPIA: CONSIDERAÇÕES SOBRE UMA CIÊNCIA EM CONSTRUÇÃO. Ferretti-Tombini, F. 1 & Pansera-de-Araújo, M. C.2 1 Mestranda em Educação nas Ciências. UNIJUÍ/Ijuí. 2 DeBQ UNIJUÍ/Ijuí: orientadora. Doutora em Ciências, [email protected]í.tche.br Resumo: Esse estudo buscou construir um diálogo entre a história da Fisioterapia e os inúmeros saberes que constituem o corpus desta ciência em construção de modo a identificar o grau de influência deles na sua organização, hoje. Então, é importante entender que as reflexões a partir da história da Fisioterapia, na atualidade, podem conscientizar-nos dos aspectos positivos, de cada época, a serem seguidos e desenvolvidos, e dos negativos, a serem superados e substituídos, numa evolução dialética, mediante o uso do ontem para questionar o hoje e projetar o amanhã. A Fisioterapia passou muito tempo acreditando que os conhecimentos oriundos de outras ciências, como a anatomia, a fisiologia, a psicologia, a antropologia, as especialidades médicas, bastassem para justificar a sua existência no ensino superior. Hoje, percebe-se a necessidade de ampliar e delimitar um “corpus” de conhecimento próprio, que permita o seu reconhecimento. Ela trabalha com saberes de várias áreas, que são conhecimentos interdisciplinares fundamentais à atuação junto ao paciente, que exigem avanços na reflexão dessas temáticas. Para tanto, partindo-se das referências históricas dessa área, iniciaram-se as reflexões sobre o conjunto de saberes que a constituem como um Ciência do Movimento Humano e suas implicações para a formação profissional, hoje. Os estudos da cinesiologia (ciências I) já trazem integrados a bioquímica do movimento, a biologia, a anatomia, a cinesioterapia, a biomecânica, a fisiologia do exercício, o desenvolvimento motor humano, o controle e a aprendizagem. No caso de reabilitação do movimento humano (ciências II), estão todas as áreas derivadas das especialidades médicas e a prática fisioterápica realizada nelas, tais como: a ortopedia, a traumatologia, a respiratória, cardiologia, a reumatologia, a psicologia, o intensivismo (UTI), a estética, a dermatologia, a hemodiálise, a geriatria, entre outras. A promoção e a prevenção do movimento humano (ciências III) envolvem as práticas comunitárias, a saúde pública, o aspecto humano, emocional, enfim todas as ações preventivas abrangidas ou não pelas especialidades fisioterápicas. Os estudos sócio-culturais do movimento humano (ciências IV) englobariam a sociologia, a história, a antropologia, a filosofia, a ética, a administração. Estudos integrados do movimento humano são a realidade e portanto elementos fundamentais do fazer fisioterápico, que permitem trabalhar a intercomplementariedade de saberes numa intervenção mais qualificada, com o objetivo da melhora da qualidade de vida dos pacientes. Na atualidade, busca-se superar a visão fragmentada imposta durante muito tempo, cujo foco era, exclusivamente, o reabilitar para inserí-la nos três níveis de saúde: promover, prevenir e reabilitar. Deste modo, esta pesquisa facilitou o entendimento das proposições colocadas para uma ciência definidora e integradora dos serviços de saúde, mostrando como ela se coloca, hoje, no contexto mais geral, constituída de um corpus teórico próprio que é muito mais que as somas das suas partes constitutivas. Palavras Chave - Educação, aprendizagem, conhecimento, educação e aprendizagem nas específicas áreas do saber, fisioterapia. FISIOTERAPIA: CONSIDERAÇÕES SOBRE UMA CIÊNCIA EM CONSTRUÇÃO. INTRODUÇÃO Existem muitas ciências estudando e pesquisando o ser humano e o movimento humano, cada uma delas a partir de sua especificidade. No caso da Fisioterapia, o presente trabalho busca relacionar o seu fazer, com os saberes necessários a sua constituição enquanto ciência complexa que articula diversas áreas, formando um corpus teórico, que a fundamenta. Para construir esse corpus, a história da Fisioterapia propicia um dos entendimentos sobre a sua complexidade expressa num conjunto intercomplementar e inter-relacional de saberes de outras áreas do conhecimento. Assim, o corpo humano (nos seus aspectos morfofisiológicos, bioquímicos, etc...); os exercícios físicos; as especialidades médicas (cardiologia, respiratória, traumatologia, neurologia, etc...); a condição humana; a interação com o paciente; as relações interpessoais; a promoção, a prevenção e a reabilitação em saúde, são alguns dos aspectos fundamentais ao fazer fisioterápico, que vem sendo identificados, pelos pesquisadores, há já algum tempo. Por 2 isso, perceber e explicitar a construção desse conhecimento é de fundamental importância, à medida que as perspectivas atuais se ampliam e essa área passa a ter prioridades e significados diferenciados nos serviços de saúde. Considerando a Fisioterapia como uma das Ciências do Movimento Humano, os primeiros relatos sobre ela remontam ao Cong Fou, da China Antiga (um conjunto de posturas e movimentos rituais, prescritos pelos sacerdotes para o alívio da dor e de outros sintomas). Na Antigüidade (de 4.000 a.C. a 395 d.C), segue a preocupação com os indivíduos com algum “mal”, alguma doença, que precisavam ser curados, o que era feito pelos médicos com agentes físicos. Portanto, mesmo que nesse período a Fisioterapia, como a conhecemos hoje, não estivesse instituída, existiam uma série de exercícios e de terapias com agentes físicos que eram utilizados pelos médicos, lembrando as maneiras de atuação do fisioterapeuta. Aqui, aparecem os traços do que será, posteriormente, uma das áreas de atuação da Fisioterapia, a reabilitação física, de modo a melhor adaptar o ser humano às condições pós lesões (Basmajian, 1987). Se a profissão teve seu início em tão longínqua data, traz aos dias de hoje uma história antiga e longa que certamente influi nas atividades recentes da Fisioterapia. Aranha & Martins (1993) escrevem que a dicotomia corpo-consciência aparece no pensamento grego através de Platão, que parte do pressuposto de que a alma, antes de encarnar, teria vivido a contemplação do mundo das idéias, onde tudo conheceu por simples intuição, conhecimento intelectual direto e imediato. “Mente sã, em corpo são” significa que o exercício coloca o corpo na saúde perfeita, permitindo que a alma possa se concentrar melhor na contemplação das idéias. Essa dicotomia apresentada pelo pensamento de Platão não é a base do pensamento grego, mas de alguma forma repercutiu nos dias atuais. Os gregos, em geral, consideravam mais a questão da globalidade do sujeito, do que a dicotomia entre o corpo e a consciência. E, é nesse período evolutivo do conhecimento, em várias áreas, que o desenvolvimento do exercício terapêutico e da Medicina de reabilitação ocorreu, sofreu modificações, descobertas e reflexões, que propiciaram ao futuro da Fisioterapia a estrutura atualmente conhecida, com uma exaltação à ginástica como uma atividade importante para o corpo. Neste período, em que as raízes greco-romanas são identificadas, percebe-se que as bases para a história da 3 Fisioterapia continuam muito vinculadas ainda ao fator curativo, mas algumas transformações na concepção do termo aparecem. Segundo Rebelatto & Botomé (1987), a Idade Média foi uma época em que ocorreu uma interrupção no avanço dos estudos e da atuação na área da saúde, causada por dois aspectos principais: o corpo humano foi considerado como algo “inferior”, e as camadas mais privilegiadas (a nobreza e o clero) começaram a ter seu interesse despertado por uma atividade física dirigida para um objetivo determinado (aumento da potência física). O primeiro aspecto surgiu como decorrência da influência da religião e dos conceitos religiosos da época, que valorizavam o culto da alma, do espírito. O corpo era apenas um recipiente daquilo que acontecia com o que estava “dentro dele”. As novas formas de atividades físicas, que surgiram na Idade Média, foram estudadas e difundidas no período posterior: o Renascimento. Com o desenvolvimento urbano e comercial, aconteceram alterações na vida da sociedade ocidental. As idéias e costumes modificaram-se, criando maior liberdade e tolerância; as cidades tornaram-se palcos de discussões de novas teorias e conhecimentos orientados pela burguesia. Mais tarde, essa mesma burguesia entra em choque com a aristocracia feudal, que na época dominava todos os setores da sociedade. A burguesia só irá se impor como classe dominante no século XVIII, a partir da Revolução Industrial. O que se pode notar no período do Renascimento é que, após a estagnação dos estudos relativos ao bem-estar físico do homem, ocorreu uma retomada em que a preocupação e a atividade não parecem dirigidas somente ao “tratamento” ou aos cuidados com o “organismo lesado”. No período industrial, o manuseio de equipamentos e máquinas, ano após ano, causou aos operários problemas físicos por acidentes de trabalho e lesões por esforço continuado. Consequentemente, os detentores dos meios de produção preocupam-se com a perda de mão-de-obra barata, e procuram através de estudos na área da medicina, uma maneira de fazer os operários retornarem o mais rápido possível aos meios de produção, a produzir para os donos do capital. “As classes sociais dominantes, voltando a atenção para o sistema produtivo e para as atividades lucrativas obtidas através do trabalho de uma população operária submetida a estafantes jornadas de trabalho, bem como a condições sanitárias precárias e a condições alimentares insatisfatórias, provocam o aparecimento e a proliferação de novas doenças. As epidemias de cólera, tuberculose pulmonar, o alcoolismo, os 4 acidentes de trabalho decorrentes do não planejamento, a exploração do trabalho das crianças e jornada de 16 horas por dia exigiram da medicina um desenvolvimento no trabalho e no estudo das patologias que proliferaram.” (Rebelatto & Botomé, 1987, p. 20). Então, é importante entender que as reflexões a partir da história da Fisioterapia, na atualidade, podem conscientizar-nos dos aspectos positivos, de cada época, a serem seguidos e desenvolvidos, e dos negativos, a serem superados e substituídos, numa evolução dialética, mediante o uso do ontem para questionar o hoje e projetar o amanhã. Nesse período, parece ter havido um envolvimento maior da Fisioterapia com a questão das doenças originadas pelo sistema de produção vigente, em que a explicação para o aparecimento de tantas patologias volta ao que existia na Idade Média, a unicausalidade, ou seja, lá ocorriam pela influência e presença dos “demônios”, dos “eventos negativos”; agora são determinadas pelos “vírus” e pelas “bactérias”. Porém, não se percebe, mesmo com os avanços das ciências da época, uma preocupação com as patologias que poderiam estar sendo desenvolvidas pelas más condições de vida, de higiene, de trabalho, de lazer, de habitação, de educação e tantas outras. Deslocam-se as explicações das causas das doenças dos aspectos sociais para as razões biológicas, identificadas como microorganismos, e, que, em última análise, agem sobre o indivíduo que é suscetível à doença, e não devido às interações estabelecidas com o meio como um todo e que facilitam esse processo. É nessa efervescência que a preocupação dos donos dos meios de produção em colocar seus operários de volta ao trabalho, reabilitando-os para produzir tanto quanto antes, possibilita a incorporação da Fisioterapia como uma área do conhecimento fundamental ao sistema. A reabilitação colocou o fisioterapeuta na vitrine do mundo, pois visava reintegrar o operário à produção e não o ser humano no contexto bio-psico-social do momento. O século XX está demarcado pelo surgimento de muitas especialidades na área da saúde em geral, e a Fisioterapia também desenvolveu suas técnicas e recursos. O exercício físico tornou-se indispensável para a recuperação dos sujeitos que foram lesionados na guerra, servindo de elemento fundamental na sua readaptação às atividades de vida diária, bem como à volta ao trabalho e ao convívio social. O exercício tornou-se essencial na retomada dos movimentos e da funcionalidade do membro ou do órgão lesionado, introduzindo uma das áreas mais importantes da Fisioterapia, hoje, a cinesioterapia. 5 Se observarmos os avanços e os métodos desenvolvidos até a década de 70, perceberemos, claramente, que a Fisioterapia evoluiu voltada para Reabilitar, e não para Promover e Prevenir em saúde. Chegamos com essa marca forte de curar e reabilitar, no entanto nos últimos anos, percebe-se uma crescente preocupação com a realização de um trabalho que associe a Fisioterapia a outros níveis de atenção em saúde, além do reabilitador; busca-se um aperfeiçoamento na prevenção, com a realização de muitos estudos para efetivar esta prática (Centurião, 1997 e Rebelatto, 1991). Buscamos incessantemente a superação, a atualização da Fisioterapia como uma ciência em construção. Sérgio (1994) refere que é no movimento da superação que o homem faz história e se sabe história; acentua, sem margem para dúvidas, que o homem (desde a mais tenra idade) vive e desenvolve-se, corporalmente; concorre à criação e fruição de uma cultura nova, donde emerge o instinto, o desejo, muito para além do discurso médico-biológico, demasiado racionalizado e sujeito ao poder; concorre, por fim, a uma educação integral. “O homem existe como homem quando, pela transcendência, nega toda e qualquer espécie de determinismo e aprende a desfatalizar a história. A educação motora há de transformar-se num momento de ruptura com os vários tipos de alienação. Criar, sendo natureza, não é obra da natureza, mas da liberdade. E a liberdade define-se pelo risco do corpo em movimento.” (Sérgio, 1994, p.87). A citação anterior explicita claramente o entendimento da importância do corpo e do movimento (exercícios) na história da Fisioterapia e de outras profissões, como a Educação Física, por exemplo. Considerando que a população reconhece o profissional a partir de suas ações, surgem as questões: de que maneira, em que local e que oportunidades futuras estão sendo construídas para estabelecer os avanços desta área? Algumas respostas encontram-se no fato de a Fisioterapia ser uma profissão que trabalha com saberes de várias áreas (conhecimentos interdisciplinares e intercomplementares necessários à sua ação), que precisam ser identificados de forma efetiva, na tentativa de constituir esse corpus teórico capaz de fundamentar as ações de promoção e prevenção em saúde. Assim, várias questões surgem, tais como: O que pode ser dito para uma maior atuação do profissional voltada 6 para a promoção e a prevenção da saúde? Talvez um melhor esclarecimento sobre que profissional somos e a influência da história da nossa profissão? Por que atuamos assim? Entendemos que a Fisioterapia trabalha atrelada a várias especialidades, que necessitam ser respeitadas nas suas especificidades, mas que exigem, simultaneamente, a colaboração entre si para estabelecer um conhecimento integral. Na questão da prevenção e da reabilitação de alterações posturais, por exemplo, os conhecimentos biológicos, anatômicos, fisiológicos, biomédicos, ortopédicos, traumatológicos, histórico-culturais fundamentam a ação pela inter-relação destes saberes, que resultarão numa intervenção bem sucedida ou não conforme o indivíduo for (des) respeitado como um todo ou se os vários discursos (regionalidades) do saber não forem considerados (Silva, 1999). A Fisioterapia passou muito tempo acreditando que os conhecimentos oriundos de outras ciências, como a anatomia, a fisiologia, a psicologia, a antropologia, as especialidades médicas, bastassem para justificar a sua existência no ensino superior. Hoje, percebe-se a necessidade de ampliar e delimitar um “corpus” de conhecimento próprio, que permita o seu reconhecimento, mas que não se limite ao reabilitar. “Decerto, não é simples definir claramente que tipo de conhecimento é necessário à prática profissional. Para pessoas de tendência mais acadêmica, os profissionais com o domínio de conhecimentos oriundos de pesquisas básicas estão melhor preparados para atuar do que aqueles com o domínio de conhecimentos profissionais e aplicados. O principal argumento que sustenta essa ação é de que os conhecimentos aplicados são normalmente muito específicos e difíceis de serem generalizados. Por outro lado, para pessoas de tendência mais profissional, os conhecimentos que os profissionais necessitam são aplicados e não básicos. O argumento por elas apresentado é de que os conhecimentos básicos têm sido produzidos de forma fragmentada e não existe uma correspondência entre eles e a situação real da prática” (Tani, 1996, p.22). A discussão sobre uma identidade acadêmica para a Fisioterapia teve impulso em 1987, quando Rebelatto e Botomé colocaram como objeto de trabalho para a Fisioterapia “o movimento humano”, que é, também, objeto da Educação Física. Por isso, as palavras de Tani (1996) transformam-se em subsídios para essa discussão. “Embora a discussão sobre a estrutura acadêmica da área não seja ainda muito difundida em nosso meio, existe hoje uma visão bastante aceita de que há necessidades de uma área de conhecimento que se 7 preocupe em estudar o movimento humano de forma abrangente e profunda, em múltiplos níveis de análise, desde o nível mais microscópico (por exemplo, bioquímico, biológico) até o mais macroscópico (por exemplo, antropológico)”. (Tani, 1996, p. 25) Na busca de uma identidade acadêmica e social da Fisioterapia, sugiro a conceituação que a considera como um cuidado com o bom funcionamento físico do organismo, observando o seu estado normal, muito antes das lesões instalarem-se. Esta nova denominação, incluindo a palavra cuidado, abrange e contempla o atuar na promoção e prevenção fisioterápica. Assim, reconhecendo-se o estudo do “movimento humano”, nas suas variáveis motoras como expressa o conceito adotado pela UDESC/SC: “entender e contextualizar o significado de movimento humano, passa pelas questões culturais, antropológicas, históricas, sociais, físicas, biológicas, entre tantas outras”. O movimento humano, portanto, é estudado por várias ciências entre as quais a Fisioterapia. “A delimitação do objeto de estudo, através do estabelecimento de um foco, não deve ser entendido como uma camisa de força, mas sim como uma forma de organizar e orientar a produção e sistematização do conhecimento”. (Tani, 1996, p.26). A Fisioterapia teria, então, uma estrutura interdisciplinar e poderia ser constituída de sub-áreas de investigação, que contemplariam as especialidades existentes, propiciando estudos integrados, com caráter intercomplementar e interrelacional. Estas ciências que contribuem para a estruturação da Fisioterapia são os estudos em: cinesiologia, promoção, prevenção, e reabilitação do movimento humano, além dos seus aspectos sócio-culturais. E, será possível perceber, então, à medida que apreciamos cuidadosamente cada um destes itens acima citados, a sua abordagem interdisciplinar que contribuirá significativamente na constituição da especificidade da Fisioterapia. Os estudos da cinesiologia (ciências I) já trazem integrado a bioquímica do movimento, a biologia, a anatomia, a cinesioterapia, a biomecânica, a fisiologia do exercício, o desenvolvimento motor humano, o controle e a aprendizagem. No caso de reabilitação do movimento humano (ciências II), estão todas as áreas derivadas das especialidades médicas e a prática fisioterápica realizada nelas, tais como: a ortopedia, a traumatologia, a respiratória, cardiologia, a reumatologia, a psicologia, o intensivismo (UTI), a estética, a dermatologia, a hemodiálise, a geriatria, entre outras. A promoção e a prevenção do movimento humano (ciências III) envolvem as práticas 8 comunitárias, a saúde pública, o aspecto humano, emocional, enfim todas as ações preventivas abrangidas ou não pelas especialidades fisioterápicas. Os estudos sócio-culturais do movimento humano (ciências IV) englobariam a sociologia, a história, a antropologia, a filosofia, a ética, a administração. Estudos integrados do movimento humano são realidade em todos os centros, por exemplo, o estudo de alterações neurológicas, inclui esforços de profissionais que estudam a neurofisiologia, o comportamento motor, a reabilitação, a integração social, produtiva e humana deste sujeito à sociedade. Enfim, trabalhar a intercomplementariedade de saberes propicia uma intervenção mais qualificada, com o objetivo da melhora da qualidade de vida deste indivíduo. A Fisioterapia estudaria não só o movimento humano, no sentido restrito, mas, também, os processos de mudanças que o mesmo manifesta ao longo da vida, seja como conseqüência da aprendizagem ou do desenvolvimento. É preciso considerar a questão bio-psico-socio-cultural do movimento humano, respeitando a dinâmica existente entre o ser humano e a natureza, a função física, os cuidados e tratamentos, com isso contemplando os três aspectos fundamentais dessa área que são: a promoção, a prevenção e a reabilitação. A atuação profissional torna-se algo complexo, porque depende muito do perfil desejado, mas o importante é ter um corpo de conhecimentos que dê suporte acadêmico e científico à prática realizada pelo Fisioterapeuta. Esse suporte viabiliza-se pela reflexão e sistematização constantes, ou seja, pela pesquisa. A figura 1 apresenta uma idéia de como abrigar as áreas de conhecimento sugeridas anteriormente, sendo que as setas indicam a inter-relação, a intercomplementariedade de saberes que a Fisioterapia realiza para efetivar sua ação. A Fisioterapia tem deste modo não só uma dimensão epistemológica, no que diz respeito a natureza dos saberes, com a reconstrução da sua história mas, também, uma dimensão política no que se refere ao seu fazer específico que a população reconhece. A Ciência Fisioterapia na construção e elaboração de seu corpus de conhecimento estabelece interrelações com outras ciências, interações essas que indicam a intercomplementariedade entre as várias áreas de estudos (ciências) que são compostas por especialidades e pelos saberes que ao mesmo tempo a compõe. A comunicação e interrelação entre essas ciências não está acabada, pois há uma procura consciente de novas relações com outros saberes, o 9 que propicia uma atualização constante. Essas interações entre as várias áreas de estudos (ciências), que são compostas por especialidades e saberes que ao mesmo tempo as compõe, mostrando o seu caráter ao mesmo tempo de regionalidade e de universalidade do saber. Conforme Silva (1997), a diferença tradicional estabelecida entre ciência e técnica começa, desde meados do século XIX, a enfraquecer-se e mesmo, desaparecer. A partir de então, os ideais da ciência passam a estar ligados à produção (prática), bem como, a desdobrar-se em especializações e superespecializações. Contudo, apesar da ciência especializar-se nos mais diversos campos de saber, a infinidade de material recolhido pelas pesquisas científicas não se deixa facilmente enquadrar nesta ou naquela categoria, exigindo que umas e outras precisem colaborar entre vários modos de abordar uma questão ou problema, tentando obter um conhecimento integral a partir da especificidade. Toda verdade construída numa determinada área vai sendo complementada à medida que fica aberta e exigente de interagir com outra. Esses são traços que nos indicam uma via interessante para se pensar a questão da unidade do pensamento científico que, apesar da diversidade de seus métodos e de seus resultados, passa pelos aspectos estruturais/formais da ciência, ou seja, pela natureza geral dos seus preceitos e procedimentos e não pela unidade epistêmica postulada pela antiga ciência, que era o exato reflexo da ordem cósmica que ela representava. A implementação de pesquisas nas diversas áreas abrangidas pela Fisioterapia tem-se revelado como a possibilidade ímpar de realização de reformulações capazes de consolidá-la de modo eficiente. Estes debates incrementados possibilitam a formação de uma comunidade discursiva capaz de solucionar problemas conceituais, da determinação de um objeto de trabalho, dos fatores limitantes das aprendizagens oferecidas na graduação e das dificuldades de execução das ações preventivas (Marques, 1990). Quando se tem pesquisas, análises e uma comunidade discursiva preocupada, pouco a pouco serão desenvolvidas evoluções e uma melhor organização do caminho a ser percorrido pela Fisioterapia. A formação profissional deve ter sempre a preocupação de construir e sistematizar conceitos elaborados sob uma ótica dinâmica (construção/ reconstrução), subsidiados em pesquisas, porque senão corremos o risco de, simplesmente, aplicar técnicas repetitivas, que rapidamente se tornam ultrapassadas e insuficientes, pois tanto os 10 problemas quanto as soluções não são estáticos, e alteram-se de acordo com as mudanças sociais e as relações estabelecidas entre os homens. Mudanças repentinas das estruturas estabelecidas devido a forças políticas e jogos de poder são difíceis e exigem rupturas conseguidas pela tomada de consciência do significado de cada área para a constituição do todo. A situação atual parece demonstrar, claramente, que trabalhos nos níveis de assistência social e de prevenção não têm sido realizados com freqüência, apesar da abertura de postos-chave em saúde pública para profissionais, como os fisioterapeutas. Essa ação, para ser viabilizada num sistema de saúde em que a assistência social, o promover e prevenir possam ser efetivados na prática e não fiquem, como dizem alguns fisioterapeutas entrevistados, apenas nos discursos acadêmicos, inseridos nos livros, tematizando uma melhora que, na realidade, não acontece, precisa caracterizar-se por uma mudança conceitual, conseguida na comunidade argumentativa constituída para esse fim. Fundamental é inserir no pensamento cotidiano uma observação consciente das outras necessidades de atenção em saúde para a população. As políticas de saúde apontam para a realização de atividades nas áreas de prevenção, que necessitam ser repensadas desde a formação inicial, como um novo “corpus” teórico de saberes capaz de subsidiar e distinguir esse fisioterapeuta, com um novo papel social. As preocupações com a formação profissional e o futuro da Fisioterapia suscitaram as reflexões sobre a sua estrutura como uma ciência influenciada pelos períodos históricos, culturais, sociais e econômicos. O que se entende pela construção teórica da história da Fisioterapia é que ela se constituiu e fez seu reconhecimento como profissão em cima do nível de atuação reabilitador. Na realidade, essa formação centrada na ênfase da história da prestação de serviços como reabilitadores, na área da Fisioterapia, inibiu a estruturação de um corpo de conhecimentos, que além de proporcionar uma identidade acadêmica à área, pudesse fornecer sustentação teórica e científica à prática e preparação profissional, instituindo o promover e o prevenir. Entendemos que a Ciência é a responsável por uma determinada explicação dos fatos, mas não a única, pois tudo existe e coexiste num eterno processo de construir-reconstruir, e o profissional é o responsável por usar esses conhecimentos de forma dinâmica e interativa. Naturalmente, a compreensão da Fisioterapia como uma ciência não é tarefa fácil, pois, além de ela possuir alguns problemas conceituais e de definição de objeto de trabalho, 11 a constituição de um novo paradigma para uma área, num momento em que a própria ciência, como um todo, passa por mudanças, buscando libertar-se da linearidade e do reducionismo, abrangendo a ordem e a desordem como novos focos de atenção, torna-se delicado, mas é um fato a ser referenciado. Um novo conceito poderá estar sendo criado e um processo de mudança de um paradigma se instituirá. Conforme Feitosa (1993), essa modificação é dolorosa e demorada, exige um processo de revolução, antecedida por um período de crise, que se caracteriza pela incompetência do antigo paradigma e pela ausência do consenso sobre o novo. A Fisioterapia encontra-se neste período de crise, em que vários autores escrevem sobre a construção de um “corpus” de conhecimento (Centurião, 1997; Basmajian, 1987; Carvalho, 1995; Rebelatto 1990, Rebelatto & Botomé, 1987) mas ainda não existe um nível aceitável de consenso entre as teorias emergentes. Entendemos que a Fisioterapia busca um “status” de ciência, mas que não precisa ser necessariamente para validar sua atuação, sua importância. A Fisioterapia firma-se como “ciência” à medida que constitui uma comunidade argumentativa poderosa, pelo respaldo fornecido a partir das pesquisas realizadas. Deste modo, esta pesquisa facilitou o entendimento das proposições colocadas para uma ciência definidora e integradora dos serviços de saúde, mostrando como ela se coloca, hoje, no contexto mais geral, constituída de um corpus teórico próprio que é muito mais que as somas das suas partes constitutivas. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARANHA. C. & MARTINS.G. Filosafando. 2. Ed. São Paulo: Moderna, 1993. BASMAJIAN, John. Terapêutica por exercícios. 3. Ed. São Paulo: Manole, 1987. CARVALHO, Themis G. M. L. Estudo descritivo do perfil do profissional Fisioterapeuta da microrregião Triticultora de Cruz Alta, Colonial das Missões, Colonial de Santa Rosa, Colonial de Iraí, Colonial de Ijuí, de Passo Fundo, de Soledade e dos Campos de Vacaria. Monografia de Pós-Graduação da UFSM. Santa Maria: 1995. CENTURIÃO, Carla C. Haas. Prevenção em Fisioterapia: Um Estudo da Formação profissional do Fisioterapeuta no Estado do Rio Grande do Sul. Dissertação de Mestrado do Curso em Educação, Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) 1997. 12 MARQUES, M. Pedagogia: a ciência do educador. Ijui, Ed. Unijui. 1990 REBELATTO. J.R. Comportamentos envolvidos com o ensino de prevenção em relação a problemas com o Movimento Humano. UNICAMP, Tese de doutorado, 1991. REBELATTO, J. & BOTOMÉ, P. Fisioterapia no Brasil. São Paulo: Manole, 1987. SÉRGIO, Manuel. 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(Ferretti –Tombini, F. & Pansera-de-Araújo, M.C., 2000) Ciências 1 (Referentes a cinesiologia) Ciências 4 (Referente aos estudos Ciências 2 A CIÊNCIA DA FISIOTERA-PIA (Referente aos estudos sócio-culturais do em reabilitação do movimento humano) movimento humano) Ciências 3 (Referente aos estudos de promoção e prevenção do movimento humano) Legenda: Ciências 1: a bioquímica, a biologia, a anatomia, a cinesioterapia, a biomecânica; Ciências 2: derivadas das especialidades médicas e da prática fisioterápica realizada nelas; Ciências 3: práticas comunitárias, saúde pública, o aspecto humano, emocional, enfim todas as ações preventivas abrangidas ou não pelas especialidades fisioterápicas; Ciências 4: a sociologia, a história, a antropologia, a filosofia, a ética, a administração. 14