CONTROLE INTELIGENTE DE TENSÃO EM REDE SECUNDÁRIA UTILIZANDO ESTIMAÇÃO ELÉTRICA DO MODELO DO TRANSFORMADOR DE DISTRIBUIÇÃO MICHELE A. HARO1, ROGÉRIO A. FLAUZINO1, ERNESTO A. MERTENS JR1, RENE T. M. PORTAL1, DANILO H. SPATTI1, IVAN N. SILVA1 1. Departamento de Engenharia Elétrica e de Computação, Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo Avenida Trabalhador São-carlense, 400, 13566-590 São Carlos, SP, BRASIL E-mails: [email protected], [email protected], [email protected], [email protected], [email protected], [email protected] Abstract The aim of this article is to present the problems involved in the control of voltage on the low voltage side of distribution transformers. As proposed for the dealings of this problem is made the presentation of an architecture for the intelligent automatic control of voltage. The goal with this design is to provide grants to set up a system for regulating the voltage on the low side which is technically and economically feasible to be deployed where conventional solutions, with the inclusion of line regulators, are not. Keywords Intelligent control of voltage, secondary distribution grid, intelligent systems Resumo O objetivo deste trabalho é apresentar uma solução de controle de tensão nas redes secundárias de distribuição de energia elétrica, utilizando-se de ferramentas inteligentes e dos modelos elétricos dos transformadores de distribuição. O produto final configura-se como um conjunto de hardware e software capaz de promover o controle automático de tensão no lado de baixa de maneira técnica e economicamente viável em um cenário onde as ferramentas convencionais não o são. Palavras-chave Controle inteligente de tensão, rede secundária, sistemas inteligentes. 1 Introdução A regulação da tensão, no contexto da baixa tensão da distribuição de energia elétrica, constitui um problema em aberto e há necessidade de refinamento em função dos aspectos regulatórios não apenas do setor elétrico brasileiro, mas mundial. Assim, é nesse contexto que se observa uma busca por alternativas que permitam realizar o controle de tensão que sejam capazes de atender aos seguintes requisitos: Manter a tensão dentro da faixa considerada adequada; Ser técnica e economicamente viável; Não degradar os índices de qualidade do fornecimento de energia elétrica no sistema de distribuição em que se insere. Tendo como base as abordagens convencionais para regulação de tensão em sistemas de distribuição, os aspectos citados acima podem não ser plenamente atendidos, pois estas seguem rotinas testadas empiricamente por (MCQUEEN; HYLAND; WATSON, 2005). Por abordagem convencional citase o controle de tensão por comutação de derivação em transformadores de força e em reguladores de tensão de linha. Ambas as alternativas realizam o controle de tensão na média tensão e que em muitos casos não são suficientes para manter a tensão na rede secundária dentro dos valores adequados, sendo necessário o investimento em obras de alto custo e complexidade, como um recondutoramento ou extensão da rede de distribuição. Muitas pesquisas ainda consideram a geração distribuída, conectada diretamente à rede secundária como uma ferramenta para auxiliar no controle de tensão, porém tais geradores podem comprometer o controle de tensão, conforme mencionados por (O´GORMAN; REDFERN; AL-NASSERI, 2005), (CONTI, 2006) e (TSIKALAKIS; SOULTANIS; HATZIARGYRIOU, 2006). Muitas vezes a melhoria na regulação de tensão na rede secundária de distribuição é alcançada por meio de ações na rede primária, como é o caso de (PROVOOST; MYRZIK; KLING, 2006) e (KULKARNI; UDUPI, 2010) que utilizam ferramentas inteligentes. A regulação de tensão na baixa tensão é importante para garantir a conformidade da tensão de fornecimento aos clientes ligados no secundário do transformador, ou seja, garantir a satisfação dos consumidores e evitar as compensações financeiras para as concessionárias. Para tanto, esse artigo encontra-se organizado tendo na Seção 2, o propósito do trabalho e as questões regulatórias acerca da tensão de fornecimento de energia no Brasil. Também é apresentada nessa seção a análise estatística das leituras de tensão em clientes de baixa tensão. Através dessa análise, foi possível especificar os transformadores pilotos. Na Seção 3 apresenta-se o método para o controle inteligente de tensão, baseado na lógica fuzzy e no modelo elétrico do transformador. A Seção 4 apresenta os resultados alcançados através projeto piloto montado em laboratório e em campo. Por fim, as discussões são apontadas na Seção 5. 2 Propósito Tendo como base essa necessidade do setor elétrico por um sistema de regulação no lado de baixa tensão e a importância desse tema, desenvolveu-se um transformador de distribuição com comutação de derivações na baixa tensão, realizando o controle da tensão em ponto mais próximo ao ponto de acoplamento dos clientes. Para o transformador de distribuição, a proposta é especificar o número de derivações e o espaçamento dos degraus no lado secundário, de forma que seja eficiente na regulação de tensão em qualquer ponto de instalação na rede de distribuição. Para o controle de tensão, a proposta é a utilização de sistemas inteligentes visando fornecer soluções eficientes para o controle de tensão nos transformadores, garantindo que a tensão de fornecimento seja entregue aos consumidores em conformidade. 2.1 Aspectos regulatórios referentes a conformidade da tensão de fornecimento de energia elétrica A ANEEL, através do Módulo 8 do Prodist, estabelece os limites adequados, precários e críticos para os níveis de tensão em regime permanente. Na Figura 1, tem-se uma representação gráfica dos limites para a faixa de tensão 220/127 V. Figura 1. Limites de tensão para a faixa de 220/127 V Da Figura 1 é possível observar que a faixa considerada adequada para 127 V varia entre 117 V e 133 V e a correspondente para 220 V varia entre 202 V e 231 V. Para valores fora da faixa considerada adequada, a concessionária passa a ser monitorada em tempo de transgressão, tanto para tensão crítica, quanto para precária. Além dos limites, no Módulo 8 são definidos os indicadores individuais e as regras de compensação dos consumidores atendidos fora da faixa adequada. Sobre os indicadores individuais, para a tensão precária é o DRP que é o índice de duração relativa da transgressão e para a tensão crítica é o DRC, que é o índice de duração relativa da transgressão para tensão crítica. Para esses indicadores são definidos os valores máximos: DRPM e DRCM. Quando DRP ou DRC superarem DRPM e DRCM, as concessionárias devem compensar os consumidores ligados nesse ponto de conexão. A compensação é mantida até a regularização da não conformidade, ou seja, quando os indicadores DRP e DRC ficarem inferiores aos valores máximos. Os limites das faixas de tensão passaram por revisão e esses valores estão vigentes desde janeiro de 2015. Nessa revisão, houve um estreitamento das faixas de tensão e excluíram-se os prazos para as concessionárias regularizarem a não conformidade. Essas alterações exigem que as concessionárias atuem de forma preventiva para que a tensão de regime permanente fique dentro dos valores adequados. 2.2 Análise estatística para determinação de requisitos de regulação da tensão Em função de características da rede é frequente ocorrerem setores de distribuição onde a tensão de fornecimento encontra-se em faixa não adequada impondo à concessionária débitos referentes à compensação financeira, prevista na legislação. Para se determinar o número e o degrau de tensão de cada derivação dos transformadores foram analisados 8334 registros de clientes de baixa tensão. A Figura 2 representa um diagrama esquemático simplificado de como estão representados os clientes de baixa tensão, bem como a origem das medições. Figura 2. Diagrama esquemático representando a origem das medições Figura 3. Função densidade de probabilidade acumulada O período de análise abrangeu de 2007 a 2012. Na Figura 3 é possível observar que em 40% das medições a tensão mínima ficou abaixo de 116 V, e em 20% das medições a tensão máxima ficou acima de 133 V. Outra análise, disponível na Figura 4, mostrou que 0.4% dos consumidores estão em permanente subtensão, ao passo que 0.3% dos consumidores estão em permanente sobretensão. A Figura 5 relaciona a tensão medida nos clientes BT com a medição obtida no secundário do transformador de distribuição, separado em tensão máxima, média e mínima. Dessa figura é possível verificar que para cada variação de 1% na tensão secundária dos transformadores de distribuição pode-se ter uma variação de 7% da tensão mínima, 4% da tensão média e 3% da tensão máxima. 238,0/137,1 229,0/132,0 220,0/126,8 211,0/121,6 X1B, X2B e X3B X1C, X2C e X3C X1D, X2D e X3D X1E, X2E e X3E TAP B TAP C TAP D TAP E A tensão nominal é a denominada por TAP D de forma que existem, 3 derivações para atender condições de subtensão, TAP A, TAP B e TAP C, e uma derivação para atender condições de sobretensão, TAP E. Nas derivações entre o TAP B e o TAP E, inclusive, o degrau de tensão adotado fora de 4% da tensão nominal. Na derivação TAP A o degrau foi de 2%, aproximadamente. Na Figura 6 tem-se a visualização de dois dos protótipos, 45kVA e 75kVA de núcleo amorfo, com as designações das derivações de cada fase de forma consonante com o apresentado por meio da Tabela 1. Figura 4. Avaliação do resumo das campanhas de medição Figura 6. Protótipos de 45 kVA e 75 kVA com núcleo amorfo 3 Métodos Para se realizar o controle de tensão no lado de baixa tensão dos transformadores de distribuição considerou-se o modelo elétrico equivalente do transformador, representado esquematicamente por meio da Figura 7. Figura 5. Tensão no PAC em função da tensão secundária 2.3 Transformadores Pilotos Tendo como base os resultados das análises estatísticas, optou-se pela construção de 3 transformadores sendo que 2 com potência nominal de 75 kVA e 1 de 45 kVA. Um dos transformadores de 75 kVA fora construído com núcleo amorfo e os demais com núcleo de aço silício. As derivações de tensão foram especificadas em número de 5 com tensões nominais iguais as apresentadas por meio da Tabela 1 Tabela 1. Características das Derivações dos Transformadores Tensão nominal (V) Designação dos terminais Nomenclatura da derivação 242,0/139,7 X1A, X2A e X3A TAP A Figura 7. Modelo equivalente do transformador Verifica-se que os transformadores são modelados por meio da resistência e da reatância equivalente em cada derivação, cujos dados encontram-se na Tabela 2 e 3. Tabela 2. Parâmetros do Modelo Elétrico Equivalente Transformador Derivação 45 kVA 75 kVA 75 kVA amorfo TAP A TAP B TAP C TAP D TAP E 16,9 + j40,2 Ω 18,5 + j42,2 Ω 19,8 + j46,6 Ω 19,3 + j51,6 Ω 19,4 + j57,1 Ω 9,1 + j28,1 Ω 9,6 + j30,8 Ω 10,9 + j38,0 Ω 12,5 + j46,1 Ω 14,1 + j54,1 Ω 10,5 + j29,5 Ω 11,0 + j32,4 Ω 12,3 + j40,3 Ω 13,6 + j49,4 Ω 15,3 + j58,4 Ω 7. Comutar para o TAP com tensão com menor desvio da tensão nominal dentro de um intervalo de tempo. 4 Resultados O ajuste do sistema inteligente para controle de tensão e o acompanhamento das comutações foram realizados em laboratório, sendo que na Figura 8 tem-se a visualização da tela de supervisório do software de calibração desenvolvido. Já na Figura 9 tem-se o acompanhamento das efetivas operações de comutações realizadas pelo transformador. Tabela 3. Resultados de ensaios a vazio e em curto circuito Transformador Características 45 kVA 75 kVA 75 kV amorfo Perdas a vazio 195 W 295 W 75 W Perdas: curto-circ. 750 W 1100 W 1320 W Corr. magnetização 3,2 % 2,7 % 2,7 W Impedância 3,5 % 3,5 % 3,5 % Figura 8. Sistema supervisório para calibração Tendo como base o modelo elétrico do transformador, o sistema de tomada de decisão é responsável pela escolha do melhor tap de operação do transformador. Para o desenvolvimento desse sistema, utilizou-se de sistemas inteligentes por considerar as diversas variáveis e grandezas que estão envolvidas com o processo do controle de tensão. Decidiu-se pelo Sistema Fuzzy. Esse sistema faz a estimativa da tensão considerando as grandezas elétricas medidas e calculadas (tensão, corrente e componentes de potência) e as impedâncias do transformador da Tabela 2. A seguinte sequência de operações é adotada para a tomada de decisão sobre a melhor derivação: 1. 2. 3. 4. 5. 6. Verificar qual TAP está em operação: o Selecionar seus parâmetros elétricos (Relação, Rj e Xj); Cálculos considerando a relação do TAP atual: o Calcular Vj; o Calcular Ij o Calcular Veq considerando a corrente Ij e os parâmetros Rj e Xj; Supor invariância da corrente: o Calcular as tensões nos demais TAP’s no lado de 220 V; Calcular corrente e tensão no lado de carga de cada TAP; Calcular a tensão no ponto de carga para cada TAP; Utilizar a tensão no ponto de carga para cada TAP; Figura 9. Acompanhamento das comutações dos taps Com os protótipos confeccionados e as ferramentas de controle ajustadas, os protótipos foram instalados em campo, tal como pode ser observado na Figura 10. utilizando sistemas inteligentes (lógica fuzzy). Essa solução de transformador com taps no lado secundário comutados automaticamente por meio de um sistema de controle de tensão torna possível a regulação da tensão mais próxima aos consumidores. Agradecimentos Figura 9. Protótipo instalado em campo Os resultados dos ensaios em laboratório e em campo foram satisfatórios, ou seja, essa solução é capaz de realizar o controle da tensão mais próximo aos clientes, através das comutações dos taps no lado secundário do transformador. 5 Discussões As soluções convencionais para a regulação da tensão estão na média tensão e podem não ser suficientes para corrigir a tensão em todos os clientes ligados na baixa tensão. A solução desenvolvida torna possível a regulação da tensão mais próxima aos consumidores. Os resultados dos ensaios mostraram que a solução é eficiente para realizar o controle automático da tensão por meio da comutação automática dos taps do transformador de distribuição em qualquer ponto de instalação no lado de baixa tensão, melhorando a satisfação dos clientes e as expectativas das concessionárias de energia elétrica que são cobradas e penalizadas pelos órgãos reguladores a fornecerem tensão dentro dos limites adequados. É uma opção prática para os setores de transformação com não conformidade de tensão, onde os métodos convencionais não são suficientes para garantir níveis adequados no lado de baixa tensão. Basta substituir o transformador atual por essa solução. 5 Conclusão Nesse artigo foram apresentados os estudos necessários para especificação das derivações na baixa tensão de transformadores de distribuição. Esses estudos se basearam na análise estatística da tensão no secundário de transformadores de distribuição e na tensão aferida no ponto de acoplamento dos clientes. Essa análise permitiu a especificação do número e do degrau de cada derivação dos transformadores que foram construídos. Ainda, foram apresentados o funcionamento do sistema de controle de tensão e o método para a escolha do melhor tap de operação, Esse desenvolvimento faz parte do Projeto de P&D: Desenvolvimento de Dispositivo Automático Para Regulação de Tensão no Sistema Elétrico de Distribuição de Baixa Tensão da ELEKTRO realizado em parceria com as entidades USP/UNESP/RTA/M.Fap. Desenvolvimento Experimental/ Distribuição de energia elétrica; R$1.316.064,00. Os agradecimentos são para todos os participantes desse projeto que se dedicaram e contribuíram para o desenvolvimento dessa solução. Referências Bibliográficas ANEEL, Procedimentos de Distribuição de Energia Elétrica no Sistema Elétrico Nacional (PRODIST) - Módulo 8 - Qualidade da Energia Elétrica. Revisão 5, 76 pp., 2014. CONTI et. al. Local Voltage Regulation in LV Distribution Networks with PV Distributed Generation. SPEEDAM 2006 International Symposium on Power Electronics,Electrical Drives, Automation and Motion, pp. 23-28, 2006. KULKARNI, D. B., UDUPI, G.R. ANN-Based SVC Switching at Distribution Level for MinimalInjected Harmonics. IEEE Transactions on Power Delivery, vol, 25, no. 3, pp. 1978-1985, 2010. MCQUEEN, D.H.O., HYLAND, P.R., WATSON, S.J.(2005), Application of a Monte Carlo Simulation Method for Predicting Voltage Regulation on Low-Voltage Networks. IEEE Transactions on Power Systems, vol. 20, no. 1, pp. 279-285, 2005. O´GORMAN, R., REDFERN, M.A., AL-NASSERI, H. 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