ANÁLISE DO CÁLCULO DO BALANÇO HÍDRICO E SUA COMPARAÇÃO COM UM CASO DE
ANOMALIA EXTREMA
Claudinéia Machado Brazil
Aluna da Fac. de Meteorologia – UFPel
E-mail: [email protected]
Rogério de Lima Saldanha
Meteorologista, Aluno de Pós Graduação em Oceanografia Física – FURG
E-mail: [email protected]
Cristiane Barbosa Botelho
Aluna da Fac. de Meteorologia – UFPel
ABSTRACT
The water balance was calculated for two different periods. The first corresponding to a period of 30 year
data (1967-1996), and the second corresponding to the period of duration of the event El Niño 1982/83.
The results showed that so much the deficiencies as the excesses of water in the soil, for the first
swinging, don't get to provoke drastic effects for the population and for the agriculture. Water balance
results accomplished for the event El Niño 1982/83, showed high values of excess of water in the soil,
what caused serious upset to the agriculture and the local population.
INTRODUÇÃO
A estimativa da disponibilidade de água no solo é de grande importância, não só para a agricultura, como
também para diversos outros setores. Um bom conhecimento desta estimativa torna possível a realização de um
controle de intervalo de irrigação, do cálculo de vazão, da previsão de enchentes, dentre outros problemas
referentes ao manejo de água. Para que se faça esse tipo de estimativa, além de dispor de dados de precipitação, ou
seja, da quantidade de umidade que determinado lugar recebe da atmosfera, é necessário também saber a
quantidade de água perdida do solo para a atmosfera. Esta perda se dá pela evaporação e transpiração das plantas,
ou seja, pela evapotranspiração. Através da comparação desses dois processos meteorológicos (precipitação e
evapotranspiração) torna-se possível, através de um sistema de balanço hídrico, ter uma boa estimativa sobre a
disponibilidade de água no solo.
A técnica para o cálculo do balanço hídrico utilizada neste trabalho foi a de THORNTHWAITE-MATHER
(1955), a qual difere da técnica anterior, proposta por THORNTHWAITE (1948), por levar em conta a
profundidade, o tipo e a estrutura do solo para o cálculo da capacidade máxima do armazenamento d’água pelo solo
e da taxa de utilização da umidade do solo para a evapotranspiração (VIANELLO & ALVES, 1991).
Um dos principais obstáculos para o cálculo do balanço hídrico é, sem dúvida, a determinação da
evaporação e evapotranspiração. Diverso método tem sido usado para a estimativa dessas variáveis, dentre os quais
o de THORNTHWAITE (1948), PENMAN (1948) e MORTON (1965), sendo, ainda hoje, o método de PENMAN
amplamente utilizado por diversos pesquisadores, devido principalmente a sua precisão nos resultados.
Por outro lado, eventos anômalos, como o efeito El Niño Oscilação Sul (ENSO), podem modificar
consideravelmente o balanço hídrico de uma determinada região, tornando-se necessário um estudo mais especifico
sobre este tipo de evento.
Neste trabalho realizou-se o cálculo do balanço hídrico para a cidade de Pelotas, situada na região sul do
estado do Rio Grande do Sul, durante um período de 30 anos. Também se realizou o mesmo sistema de balanço
hídrico para o tempo de duração do evento El Niño de 1982/83, que segundo DINIZ et alii (1998), foi o que mais
contribuiu para a precipitação na região.
MATERIAL E MÉTODOS
Para a realização deste trabalho foram utilizados dados mensais de precipitação (mm), temperatura média
do ar (°C), umidade relativa (%), vento (m/s) e insolação média mensal (horas e décimos) para um período de 30
1428
anos (1967 a 1996). Os dados foram obtidos junto a Estação Agroclimatológica da Embrapa de Pelotas, situada a
31°86’ de latitude sul e 52°21’ graus de longitude oeste, e que é representativa da região.
Para o cálculo do balanço hídrico, utilizou-se o método proposto por THORNTHWAITE-MATHER
(1955), com exceção da evapotranspiração potencial, que foi calculada pelo método proposto por PENMAN
(1948), que utiliza um modelo associativo aero-energético no calculo da estimativa de evapotranspiração. A
capacidade de água disponível (CAD) utilizada foi de 100 mm, o que para diversos autores é representativo para as
plantas agrícolas em geral.
Os períodos referentes à duração do evento El Niño de 1982/83 foi proposto por TRENBERTH (1997), que
classifica os eventos em função da temperatura da superfície do mar na região do niño 3.4.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Neste trabalho realizou-se o balanço hídrico para a cidade de Pelotas, RS, utilizando-se uma média de
dados de 30 anos (1967 a 1996). Também foi realizado o balanço hídrico para o caso especifico do evento El Niño
de 1982/83, que segundo DINIZ et alii (1998), foi o mais intenso a atingir a região.
Para o cálculo da evapotranspiração potencial utilizou-se o modelo de PENMAN (1948), cujos resultados
mostraram-se de acordo com a bibliografia encontrada para a região.
No cálculo do balanço hídrico foi adotado o modelo de THORNTHWAITE-MATHER (1955), sendo,
porém, feita uma alteração no cálculo da evapotranspiração potencial, a qual foi calculada pelo modelo de
PENMAN (1948) ao invés da fórmula de THORNTHWAITE (1948). A capacidade de água disponível (CAD)
utilizada foi de 100 mm.
Na tabela 1 está representado o balanço hídrico para a cidade de Pelotas durante o período de 1967 a 1996
(30 anos).
Tabela 1. Balanço Hídrico segundo THORNTHWAITE & MATTER (1955) para a cidade de Pelotas / RS. Capacidade de
Campo 100 mm.
Balanço Hídrico para 30 anos (67-96) de dados
Coluna
MÊS
Janeiro
Fevereiro
Março
Abril
Maio
Junho
Julho
Agosto
Setembro
Outubro
Novembro
Dezembro
Total
1
2
3
4
P
ETP
P-ETP
NEG.AC.
118
140
102
86
91
100
147
114
120
100
95
96
1309
149
163
111
95
58
10
36
152
74
120
77
176
1223
-31
-23
-10
-9
34
90
111
-37
46
-21
18
-80
86
5
-112
-136
-145
-155
-58
0
0
-37
0
-21
-1
-81
ARM
32
25
23
20
54
100
100
68
100
81
99
44
6
7
8
9
ALT
ETR
DEF
EXC
-12
-7
-2
-3
34
46
0
-32
32
-19
18
-55
0
130
147
104
89
58
10
36
146
74
119
77
151
1141
19
16
7
6
0
0
0
6
0
1
0
25
81
0
0
0
0
0
44
111
0
14
0
0
0
169
Observa-se que não existe uma sazonalidade quanto a variável precipitação, sendo esta bem distribuída
durante todos os meses do ano. Já a deficiência de água no solo ocorre principalmente nos meses de dezembro a
abril, ou seja, durante o período de verão e inicio de outono, com seu maior valor atingindo 25 mm durante o mês
de dezembro. Durante os meses de inverno (junho, julho e setembro), pode-se observar excesso de água no solo,
principalmente no mês de julho, onde o excesso atinge 111 mm.
No gráfico 1 está a representação do balanço hídrico para a cidade de Pelotas no período de 1967 a 1996.
1429
Observa-se que durante os meses de dezembro a abril há uma deficiência de água no solo, devido à retirada
de água do mesmo. De abril até o final de maio, ocorre à reposição de água no solo, que atinge seu armazenamento
máximo (100 mm) a partir do mês de junho, permanecendo este excesso até o meio do mês de julho, onde passa a
ocorrer uma pequena retirada de água do solo, que, por sua vez, é compensada pelas precipitações mais fortes do
final de agosto e inicio de setembro, que provocam um novo excedente de água no solo. No final de setembro até o
meio do mês de outubro, há retirada de água do solo, ocorrendo uma curta reposição entre o final de outubro e o
inicio de novembro, voltando, a partir de dezembro, a ocorrer a retirada de água do solo.
A tabela 2 mostra o balanço hídrico da cidade de Pelotas durante o forte evento El Niño de 1982/83.
1430
Tabela 2. Balanço Hídrico segundo THORNTHWAITE & MATTER (1955) para a cidade de Pelotas / RS durante o evento El Niño
de 1982/83. Capacidade de Campo 100 mm.
Balanço Hídrico para o evento El-Niño de 1982-1983
Coluna
MÊS
Abr/82
Mai/82
Jun/82
Jul/82
Ago/82
Set/82
Out/82
Nov/82
Dez/82
Jan/83
Fev/83
Mar/83
Abr/83
Mai/83
Jun/83
Jul/83
Total
1
2
3
4
5
6
7
8
9
P
ETP
P-ETP
NEG. AC.
ARM
ALT
ETR
DEF
EXC
12
117
110
150
199
196
127
108
81
136
469
42
49
94
139
144
2174
118
101
71
109
28
4
25
189
57
108
91
246
98
168
70
54
1536
-106
17
39
41
171
191
102
-81
24
28
378
-203
-49
-74
69
90
637
-106
65
10
0
0
0
0
-81
-38
-3
0
-203
-252
-326
31
0
34
51
90
100
100
100
100
44
68
97
100
12
8
4
73
100
-66
17
39
10
0
0
0
-56
24
28
3
-88
-4
-4
69
27
0
78
101
71
109
28
4
25
164
57
108
91
130
53
98
70
54
1241
40
0
0
0
0
0
0
25
0
0
0
116
45
70
0
0
295
0
0
0
31
171
191
102
0
0
0
375
0
0
0
0
63
933
Observa-se que durante a maioria dos meses do evento a precipitação ficou acima da média (tabela 1),
principalmente durante o mês de fevereiro de 1983, onde a precipitação atingiu 469 mm. Após este valor máximo,
houve três meses (março, abril e maio) de precipitações bastantes abaixo da média, voltando à mesma a aumentar
no final do evento (junho e julho). As deficiências de água no solo durante este evento foram registradas durante o
primeiro mês do mesmo (abril de 1982) com 40 mm, junho de 82, com 25 mm e, principalmente durante os meses
de março, abril e maio de 1983, com 116, 45 e 70 mm de deficiência de água no solo, respectivamente. Quanto ao
excesso de água no solo, este foi verificado durante os meses de julho a outubro de 1982 e principalmente no mês
de fevereiro de 1983. Em julho de 82, o excesso verificado foi de 31 mm, em agosto 171 mm, em setembro 191
mm e em outubro 102 mm. Já no mês de fevereiro de 1983, o excesso de água no solo chegou a 375 mm, o que
provocou uma série de transtornos tanto para a agricultura como para a população em geral. Após, somente no final
do evento (julho de 1983) é que voltou a ocorrer excesso de água no solo, atingindo 63 mm.
No gráfico 2 observa-se a representação do balanço hídrico para a cidade de Pelotas durante o evento El
Niño de 1982/83.
1431
Observa-se que no inicio do evento, ou seja, durante o mês de abril de 82, havia deficiência de água no solo,
devido à retirada de água do mesmo. A partir de maio até o final de junho de 82 ocorre, então, a reposição de água
no solo. Durante o mês de julho até o meio de outubro, ocorreu excesso de água no solo. A partir do meio de
outubro até o final de novembro observa-se à retirada de água do solo. No mês de dezembro de 82 e janeiro de 83,
ocorreu a reposição de água no solo, e em fevereiro de 83 houve, então, o maior excesso registrado durante o
evento. No final de fevereiro e início de março, com a diminuição acentuada da precipitação começa a haver
retirada de água do solo, e conseqüentemente, deficiência de água no mesmo. A partir de maio de 1983 volta a
haver reposição de água no solo, até que por volta da metade de junho ocorre um novo excesso, que perdura ate o
final do evento.
Na tabela 3 estão os valores totais de precipitação, evapotanspiração real, deficiência e excesso de água no
solo durante o tempo de duração do evento El Niño de 1982/83 e também os valores médios dessas variáveis
durante o mesmo número de meses.
Tabela 3 – Relação dos valores totais anuais de P, ETR, DEF e EXC para o período médio de
30 anos e para o período de duração do evento El Niño de 1982/83.
Totais anuais (média de 30 anos)
Totais do El Niño 82/83
P
ETR
DEF
EXC
1733
2174
1334
1241
86
295
324
933
Observa-se a grande diferença nos totais de precipitação que durante o evento El Niño chegou a 2174 mm,
enquanto que o total de precipitação média para este período é de 1733 mm. Já quanto ao elevado valor de
deficiência de água no solo observado durante o evento, deve-se a grande diminuição da precipitação observada
durante os meses de março e maio de 83. A maior diferença encontrada, contudo, foi no excesso de água no solo.
Durante o evento El Niño este excesso chegou a um total de 933mm, enquanto que o total médio para este mesmo
período é de apenas 324 mm.
CONCLUSÕES
Os resultados do balanço hídrico para a cidade de Pelotas/RS durante um período de 30 anos (1967 –1996)
mostraram que a deficiência de água no solo é baixa e ocorre principalmente durante os meses de verão (dezembro
a março). Já o excesso de água no solo, ocorre durante os meses de inverno, principalmente em julho.
Já os resultados do balanço hídrico realizado durante o forte evento El Niño de 1982/83 mostraram um
aumento tanto no déficit como no excesso de água no solo. O déficit foi maior próximo ao final do evento enquanto
que o excesso ocorreu durante o inverno de 82 e principalmente em fevereiro de 83.
1432
Apesar de não haver meios de evitar este tipo de evento, espera-se que com o conhecimento das
disponibilidades de água no solo possa-se encontrar meios para minimizar seus eventos, tanto para a agricultura
como para a população de modo geral.
BIBLIOGRAFIA
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VIANELLO, R.L. & ALVESA.R.1991. Meteorologia Básica e Aplicações. Universidade Federal de
Viçosa, Imprensa Universitária, 448p.
1433
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The water balance was calculated for two different periods. The first