CNS/ATM - Passado e Futuro em rumos divergentes nos céus Brasileiros Histórico Já no início dos 80, a comunidade aeronáutica internacional debruçava-se com perplexidade e preocupação, ante uma realidade que se tornava evidente já àquela época – diferentemente da perspectiva dos astrônomos, dos poetas e dos amantes, para a indústria do transporte aéreo, o céu não era infinito! Já àquela época, previa-se que, em alguns anos mais, espremida entre as baixas altitudes, onde o alto consumo de combustível torna economicamente proibitiva a operação de aeronaves, e o teto operacional das aeronaves (altitude máxima de voo, determinada por de variáveis aerodinâmicas) a atividade to transporte aéreo, principalmente em espaços aéreos mais movimentados (ex: Europa, Estados Unidos) ou desprovidos de infra-estrutura para instalação de sistemas de suporte ao controle de tráfego (ex: rotas oceânicas), enfrentaria graves restrições, sob a ótica das tecnologias existentes e do modelo então vigente de controle de tráfego aéreo. Tudo isto agravado pelo processo de desregulamentação gradual da atividade, que a tornaria cada vez menos tolerante à ineficiência das empresas aéreas. Em resposta a esta crescente preocupação, em 1983 a ICAO (Internacional Civil Aviation Organization) criou um grupo de estudos denominado - Comitê FANS (Future Air Navigation System), encarregado de desenvolver novos conceitos e novas tecnologias de suporte à atividade do transporte aéreo, com base nos quais deveria conceber-se um novo modelo de gestão do espaço aéreo, compatível com a demanda prevista para o futuro. Estavam criadas as bases para o que viria a ser então, em 1993 o CNS/ATM (Communications, Navigation, Surveillance / Air Traffic Management) - um novo ambiente de controle do espaço aéreo, concebido especificamente para acomodar o futuro volume de tráfego aéreo. O Conceito CNS/ATM Em linhas gerais, o ambiente CNS/ATM idealizado apoiava-se no uso da transmissão da dados ar/terra (datalink) como uma alternativa mais eficiente do que a comunicação de voz, para a comunicação de rotina entre pilotos e controladores de tráfego aéreo e na utilização de satélites de posicionamento (GNSS - Global Navigation Satellite Ssystems) entre os quais destaca-se o GPS, como mecanismo de determinação pelas aeronaves, de sua posição no espaço aéreo. Dois novos procedimentos de Controle de Tráfego Aéreo foram então concebidos, como embrião do novo modelo de gestão do espaço aéreo: • CPDLC (Controler-Pilot Datalink Communucation) Autorizações emitidas pelos Controladores de Tráfego Aéreo aos pilotos por meio da transmissão de dados (datalink) • ADS (Automatic Depentant Surveillance) Envio automático (via datalink) de reportes de posição das aeronaves (obtidas via GNSS) aos centros de controle de tráfego aéreo Adicionalmente, o conceito CNS/ATM previa o desenvolvimento de uma grande rede de comunicação ar/terra - terra/terra, de alta performance, orientada a bits - a ATN (Aeronautical Telecommunications Network), como plataforma de comunicação entre os diversos componentes do novo sistema - aeronaves, centros de controle, empresas aéreas, etc, que viria a substituir as redes de comunicação ar/terra (acars) e terra/terra (AFTN) utilizadas à época. Ao mesmo tempo, entre diversos padrões propostos como alternativos à tradicional comunicação acars (orientada a caracteres), consagrou-se como tecnologia recomendada pela ICAO para suportar os procedimentos CPDLC e ADS sobre espaços aéreos continentais, o VDL modo 2 (VDL-2) - uma evolução da comunicação VHF, transmitida de forma digitalizada, através da rede ATN. As Primeiras Dificuldades: Por questões associadas à complexidade do conceito da “rede ATN”, o fato concreto foi que os fabricantes de aeronaves (Boeing e Airbus) e as empresas de desenvolvimento de consoles de serviços de tráfego aéreo, foram capazes de viabilizar a implantação de procedimentos ADS e CPDLC (orientados a bit), antes que os provedores de serviço de telecomunicações pudessem dar vida ao conceito da “rede ATN”. Isto foi possível, graças ao desenvolvimento pela Boeing e pela Airbus, do conjunto de sistemas de bordo conhecidos como FANS-1/A (“1” para aeronaves Boeing e “A” para aeronaves Airbus). Estes sistemas viabilizaram a utilização da rede acars existente (orientadas a caracteres) transmissão de mensagens orientadas a bit por meio de um processo de encapsulamento. A grande conseqüência que este fato causou à indústria do transporte aéreo internacional foi a disponibilidade às empresas aéreas, de aeronaves equipadas com o sistema FANS-1/A, muitos anos antes de que o conceito da “rede ATN” viesse a materializar-se, para então justificar o investimento em aeronaves equipadas para comunicação VDL-2. Tecnicamente, o chamado ATN/VDL-2 mantém o status de padrão recomendado pela ICAO para procedimentos ADS/CPDLC sobre espaços aéreo continentais. Entretanto, já há vários anos, empresas aéreas e prestadores de serviço de tráfego aéreo operam procedimentos ADS/CPDLC em rotas oceânicas, com grandes benefícios operacionais e econômicos às empresas aéreas, em função da utilização de rotas preferenciais, inviáveis às aeronaves equipadas com sistemas tradicionais de navegação e comunicação ar/terra. Dentro deste cenário é fácil compreender que o materialização da rede ATN, ocorrida apenas em fins dos anos 90, tornando justificável o investimento das empresas aéreas na transformação de suas plataformas de bordo dedicadas à transmissão de dados via VHF em sistemas VDL-2, veio colocar a comunidade aeronáutica frente a um grande dilema, já que durante muitos anos as empresas vinham investindo pesadamente no padrão FANS-1/A. Vale ressaltar que a especificação de aeronaves e o planejamento estratégicos de empresas aéreas são processos de prazo extremamente longo (5 a 10 anos). Sendo assim, as autoridades de serviço de tráfego aéreo interessadas na implantação de procedimentos ADS/CPDLC sobre espaços aéreos continentais, nos moldes preconizados pela ICAO, deveriam então iniciar processos de negociação de longo prazo com as empresas aéreas, no sentido de estimular uma mudança de direcionamento no processo de especificação das futuras aeronaves. Tornava-se evidente que somente um processo de desenvolvimento coordenado entre autoridades de controle de tráfego aéreo, empresas aéreas e prestadores de serviço de comunicação poderia viabilizar a criação de um cronograma factível de implantação de serviços ADS e CPDLC via ATN/VDL-2. Tal esforço coordenado deveria garantir que a instalação da infra-estrutura de terra, a implantação das consoles de serviço e a compatibilidade de frota operando no respectivo espaço aéreo, ocorressem em períodos coincidentes. Um Exemplo bem Sucedido Um exemplo bem sucedido de implantação em curso é o programa Link2000+ em andamento no espaço aéreo europeu, sob a coordenação do EUROCONTROL. Mesmo levando-se em conta a abundância histórica da cobertura VHF Datalink disponível no espaço aéreo Europeu, que fez com que as aeronaves operando exclusivamente sobre o continente, contassem com cobertura datalink global através de VHF, dispensando então qualquer investimento em comunicação via satélite (SATCOM), um enorme esforço foi feito no sentido de estimular as empresas aéreas a investirem na tecnologia VDL-2, em coordenação com a disponibilização da infra-estrutura ATN e da implantação dos serviços ADS/CPDLC. Para ilustrar a magnitude de tais esforços, durante o período denominado “Pioneers” (2000 a 2008), 15 empresas aéreas aderindo ao programa Link2000+ receberam subsídio integral para a instalação VDL-2 em 350 aeronaves. Posteriormente, durante o período “Incentives” - em andamento (2008 a 2011) as empresas aéreas aderindo ao programa tem recebido importantes incentivos, que variam desde de aportes financeiros até a utilização de rotas preferenciais (mais econômicas). Finalmente, no âmbito de um processo denominado “Accomodation” todas as aeronaves fabricadas até 1 Jan 2011, equipadas com sistemas FANS-1/A estão dispensadas do requerimento da instalação de sistemas VDL-2, durante toda a vida útil da aeronave. Estes são exemplos que refletem claramente a necessidade de integração dos esforços de cada entidade participante de um projeto de implantação CNS/ATM, que torna-se absolutamente ineficiente, se não inviável, sem a efetiva participaçao de qualquer das entidades envolvidas, principalmente das empresas aéreas, usuárias finais e beneficiárias dos novos serviços. O Paradoxo Brasileiro Quando voltamos nosso olhar ao cenário Brasileiro, nos deparamos com uma realidade menos auspiciosa. O serviço VHF datalink somente foi oferecido no espaço aéreo Brasileiro a partir de 1998 - mais de 20 anos após o desenvolvimento do protocolo acars de comunicação ar/terra, quando da implantação do sistema Datacom, sob responsabilidade do Ministério da Aeronáutica – atual Comando da Aeronáutica. Por razões diversas, a cobertura do serviço é, até os dias de hoje, insuficiente, mesmo para algumas rotas de razoável densidade de tráfego, principalmente em função das características da região amazônica – comparável a um espaço aéreo oceânico, no que diz respeito às dificuldades de infra-estrutura para instalação de estações VHF datalink. Finalmente, o preço do serviço VHF datalink no Brasil é cerca de tres vezes superior ao preço médio aproximado do serviço nos demais espaços aéreos. Este cenário fez com que as empresas aéreas Brasileiras - mais afetadas pela desvantajosa relação custo/benefício do serviço VHF datalink no Brasil, em função do peso da operação nacional no conjunto de suas operações, iniciassem um processo de contínua migração à comunicação via satélite (SATCOM), ao longo da última década, e já projetado para os próximos 5 anos. O Comando da Aeronáutica está atualmente empenhado na concessão, em regime de exclusividade, do direito de prestação do serviço VHF/VDL-2 no Brasil, com a conseqüente descontinuidade do serviço Datacom. Adicionalmente, o Comando da Aeronáutica tem reiterado seu compromisso de implantação, em parceria com a Concessionária vencedora do processo de Licitação, da necessária infra-estrutura ATN/VDL-2, com vistas a implantação de serviços ADS/CPDLC no espaço aéreo Brasileiro. Há de se ressaltar portanto a necessidade URGENTE de uma estratégia de incentivo às empresas aéreas para a reversão do processo de direcionamento à comunicação SATCOM, já consolidado para os próximos 5 anos, na direção de uma plataforma VDL-2, de forma a garantir que existam usuários para os serviços que se prentende prestar. Paralela e conseqüentemente, se estará viabilizando uma justificativa econômica palpável para que as Concessionárias potencialmente interessadas na prestação do serviço VDL-2 no Brasil, aceitem a responsabilidade por investimentos em uma infraestrutura ATN/VDL-2, o que somente pode ocorrer, por meio de perspectiva concreta venda do serviços a seus usuários finais, garantindo assim a recuperação do investimento realizado. A LinkSMART tem buscado sensibilizar, de forma absolutamente neutra e independente, as empresas aéreas e o Comando da Aeronáutica, para a necessidade premente de uma maior integração entre ambos em seu planejamento de médio e longo prazo, já que no que tange à futura implantação de serviços CNS/ATM em céus Brasileiros, o passado e o futuro encontram-se ainda rotas divergentes que podem levar o país a experimentar um considerável atraso deste programa, que tanto benefício pode agregar na busca de soluções para os problemas de gestão do espaço aéreo Brasileiro, que tem atravessado períodos de grande turbulência, ao longo dos últimos anos. Sergio Martins LinkSMART