Resolução 23.396/13 do TSE: limitação do poder investigatório do MP
Ainda se consegue enxergar a poeira deixada na estrada pelos defensores da PEC 37
que, em coro pelas ruas, apresentaram cartão vermelho para aqueles que pretendiam
coibir o poder investigativo do Ministério Público. Quando se pensava que a situação já
se encontrava consolidada, num repente, surge novo fato jurídico, agora proveniente do
Tribunal Superior Eleitoral, que limitou os poderes da polícia e do Ministério Público
Eleitoral para instaurar, de ofício, inquérito policial com a finalidade de apurar crimes
eleitorais. Pela Resolução nº 23.396/2013 (TSE) o “inquérito policial eleitoral somente
será instaurado mediante determinação da Justiça Eleitoral, salvo a hipótese de prisão
em flagrante”.
Quer dizer, em caso de ocorrência de delitos da lei eleitoral, os delegados e promotores
terão que pedir autorização à Justiça Eleitoral para instaurar inquéritos policiais para a
correta apuração dos fatos. Há uma inversão nas regras constitucional e processual
penal, que pregam exatamente o contrário. Não se pode alegar que o crime eleitoral seja
diferenciado de qualquer outro ou que haja alguma recomendação legal que o exclua da
regra geral. Mas a incoerência da Resolução vai desde sua aplicação restrita às eleições
de 2014, circunstância que, por si só, desconfigura a natureza permanente e prevalente
da norma até sua revogação, até a obstrução das comportas democráticas asseguradas no
regime constitucional brasileiro.
A Constituição Federal, com o espírito voltado para o alargamento das franquias
democráticas, estabeleceu as funções do Ministério Público em seu artigo 129 e incisos,
norma esta editada pelo Poder Constituinte Originário e em plena vigência. Usa a
seguinte expressão no caput: “São funções institucionais do Ministério Público”. Tratase do cumprimento de um dever distribuído a uma Instituição, uma obrigatoriedade de
ação, com a consequente autoridade para realizar todos os atos necessários para
desempenhar a contento a tarefa determinada. Quando o Poder Público, para a
realização de sua missão, outorga poderes a uma instituição, transformando-a em longa
manus, confere a ela todos os poderes inerentes para a realização das atribuições, desde
o ato de iniciativa até o ato final visando a persecução dos objetivos. Dentre os poderes
nomeados, ressaltam-se para a oportunidade, a função de promover privativamente a
ação penal pública, na forma da lei e requisitar diligências investigatórias e a
instauração de inquérito policial (incisos I e VIII).
Como absoluto titular da ação penal pública, o MP pode e deve investigar o fato em tese
considerado criminoso, para que sejam satisfeitos os dois requisitos do oferecimento da
denúncia: prova da existência do crime (materialidade delitiva) e indícios suficientes de
autoria. Ora, ao autor da ação deve ser conferida a possibilidade de colher todos os
elementos que possam embasar sua exordial (onus probandi incumbit ei qui dicit). E,
ninguém melhor para elaborá-la estrategicamente do que o órgão responsável pela
coleta investigativa.
O Ministério Público, assim como a Polícia e o próprio Judiciário, é também
destinatário da notitia criminis e, qualquer pessoa do povo, na mais abrangente
legitimidade, quando se tratar de ação penal pública, poderá provocar a iniciativa do
parquet, fornecendo a ele por escrito as informações sobre o fato e autoria, segundo a
regra do artigo 27 do Código de Processo Penal.
Tal fato, por si só, faz ver que a intenção do legislador processual foi a de conferir ao
cidadão a oportunidade de levar o fato delituoso ao órgão ministerial que irá, de
imediato, intentar a competente ação penal, desde que receba todas as informações
necessárias para tanto. E o próprio Código Eleitoral, em seu artigo 356 § 2º, confere ao
parquet o direito de requisitar diretamente de quaisquer autoridades ou funcionários os
esclarecimentos necessários para a elucidação do fato considerado ilícito. Assim, sob
este aspecto, os informes do particular substituem o procedimento investigativo policial.
Sem falar ainda da Resolução de 2010 que permitia a requisição de inquérito policial
pelo Ministério Público e Justiça Eleitoral, salvo as hipóteses de flagrante delito.
Ora, nesta linha de raciocínio e agora focando a Resolução questionada, no caso
específico de notitia criminis levada a efeito pelo particular, com os elementos
suficientes para poder exercer na esfera penal o jus persequendi in juditio, deverá o
representante do Ministério Público agir prontamente e apresentar o libelo acusatório
sem qualquer respaldo policial. Com tal estratégia livrar-se-á da desagradável situação
imposta pela medida administrativa do Tribunal Eleitoral, que exerce uma opinio delicti
confrontante com o texto processual penal. Faz lembrar a Lei 4611/1965, embora com
certa distância, que introduziu o arbitrário processo judicialiforme, pelo qual o juiz
baixava a portaria inaugural da ação penal, fazendo as vezes de acusador e julgador, nos
crimes de lesão e homicídio culposos.
Ora, a tendência do processo penal moderno é fazer com que o juiz se distancie com a
margem de segurança necessária das investigações que nortearão uma ação penal, a não
ser que seja chamado para decretar alguma medida cautelar específica para o caso. Daí
que, com urgência, o próprio Tribunal Superior Eleitoral pode rever sua posição em
pedido de reconsideração por parte do Procurador Geral da República, pois, caso
contrário, inevitável será a ação por inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal
Federal.
Eudes Quintino de Oliveira Júnior, promotor de justiça aposentado S/P, mestre em
direito público, pós-doutorado em ciências da saúde, advogado, reitor da Unorp/São
José do Rio Preto.
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