COMPORTAMENTO ELEITORAL E IDEOLOGIAS EM SANTA CRUZ DO SUL:
O NAZISMO, O INTEGRALISMO E A ESQUERDA
João Pedro Schmidt
Introdução
O recorte ideológico continua sendo um importante viés nas análises
sobre
o
comportamento
eleitoral.
Mesmo
considerando
que
no
Brasil
o
eleitorado não se orienta na sua maioria por fidelidade partidária ou
adesão estrita a alguma ideologia, parte-se aqui do pressuposto de que a
referência
às
ideologias
revela
traços
importantes
da
motivação
dos
eleitores nas suas escolhas.
Um olhar panorâmico sobre o período de cerca de 120 anos da história
política de Santa Cruz do Sul (1878-2002) aqui estudado revela que do
ponto de vista ideológico o comportamento político e eleitoral tendeu
fortemente à direita, e que a esquerda só começa a ter expressão nas duas
últimas décadas do século XX.
A presença do Nazismo no período que antecede a Segunda Guerra, a
relativa
força
do
Integralismo
em
diversas
eleições
e
a
quase
inexistência da esquerda clássica no município em boa parte da trajetória
política do município são aspectos realçados neste texto.
1. Ideologias: nazismo, integralismo e a esquerda
1 Nazismo
A presença do nazismo em Santa Cruz, conforme análise desenvolvida
por Olgário Vogt (2001), restringe-se a alguns poucos anos da década de
1930 e deve ser entendida no contexto peculiar daquele momento histórico.
Uma
célula
nazista
estrutura-se
na
cidade
a
partir
de
1933,
à
semelhança de grande parte das cidades gaúchas. Santa Cruz, à época, era
uma pequena cidade do interior do Rio Grande do Sul, com cerca de 6.000
moradores urbanos,
constituída
por
e 90% da população de cerca de 45.000 habitantes
agricultores,
relativamente
isolada
em
função
das
2
dificuldades
de
transporte
e
deslocamento,
em
que
se
falava
corriqueiramente o alemão em toda parte, cultivava-se o hábito de leitura
de obras produzidas na Alemanha, as escolas na sua grande maioria eram
mantidas
pelas
próprias
comunidades
e
boa
parte
das
crianças
era
alfabetizada na língua alemã, ou na língua alemã e portuguesa. Maria
Kipper (1979) destaca que o apego à Alemanha, expresso na manutenção de
usos e costumes, tinha um viés eminentemente sentimental e não político.
Esse vínculo afetivo dos teuto-descendentes com a terra natal dos pais
era alimentado pela chegada de novos imigrantes e também pela escuta de
programas radiofônicos da Alemanha. De lá chegavam notícias do entusiasmo
popular
provocado
pelo
Nacional-Socialista
ascendente
(NSDAP),
no
líder
contexto
Adolf
da
Hitler,
grave
crise
do
Partido
em
que
se
encontrava a Alemanha após a derrota na 1ª Guerra Mundial.
A simpatia pelo nazismo alimentou-se do germanismo existente no sul
do
país.
Boa
compartilhava
parte
da
dos
idéia
descendentes
germanista
de
de
que
imigrantes
a
cidadania
possivelmente
brasileira
não
significava uma ruptura com a nação alemã. O êxito da propaganda nazista
entre a população das colônias alemãs se deveu ao terreno fértil criado
pelo germanismo.
A
tolerância
e
mesmo
simpatia
dos
governantes
gaúchos
e
brasileiros em relação ao governo do Führer alemão, também facilitou a
expansão das simpatias pelo nazismo entre a população local. Ninguém se
sentia constrangido em Santa Cruz por fazer a saudação Heil Hitler, nem
de assistir filmes culturais alemães no Cine Apolo, promovidos pelo viceconsulado, claramente favoráveis ao nacional-socialismo.
Pelas ruas da capital do fumo não era raro ouvir-se a saudação Heil
Hitler! Na Deutsches Heim (Casa Alemã), eram corriqueiras as reuniões dos
integrantes da célula local do NSDAP. Naquele local, por exemplo, eram
projetados filmes alemães, entoadas canções – entre as quais
Wessel
Lied
realizadas
e
o
Deutschland
confraternizações.
Über
As
Alles
–
atividades
promovidas
dos
o Horst
conferências
nazistas
não
e
eram
clandestinas. Os jornais locais anunciavam as reuniões e as programações
desenvolvidas pelo partido e pelo Deutsche Arbeitsfront (Frente Alemã de
Trabalho).
Nesses
encontros,
além
dos
filiados,
podiam
participar
simpatizantes e convidados.
Nos jornais locais, eram comuns anúncios como este, publicado no
Kolonie (17/02/1937):
3
NSDAP e Frente Alemã de Trabalho – Grupos locais. Sábado,
dia 20, para comemoração do dia dos heróis alemães
acontecerá à noite pontualmente às 9h, na Casa Alemã, uma
cerimônia que é obviamente uma obrigação de honra de todos
os companheiros do partido e camaradas do trabalho. Exparticipantes de guerras e soldados com seus familiares, bem
como todos os companheiros do povo e amigos, estão
sinceramente convidados. No domingo à noite ouviremos em
conjunto, da Alemanha, da estação de ondas curtas, a
transmissão do transcurso da solenidade do dia do herói
alemão, na Casa Alemã.
Os militantes da célula do NSDAP em Santa Cruz do Sul conseguiram uma
forte repercussão de suas atividades e de sua propaganda pró-Hitler. Sua
presença
em
organização
organizações
masculina,
sociais
havia
locais
a
das
era
expressiva.
mulheres,
Além
através
da
da
Arbeitsgemeinschaft der deustschen Frauen (União das Mulheres Alemãs) e
dos
jovens,
através
da
Hitlerjugend
(Juventude
Hitlerista).
Entre
as
atividades de cunho social, os nazistas organizaram em 1937 uma bemsucedida campanha denominada Winterhilfswerk (socorro de inverno), para
arrecadar recursos destinados às vítimas do forte inverno da Alemanha,
através de listas de contribuição e de uma espécie de sopão comunitário
(Eintopfessen).
Mas, o núcleo do NSDAP manteve-se pequeno. Vogt destaca que dos
lideres célula nazista a grande maioria era formada por alemães natos
(nascidos na Alemanha), sendo conhecidos apenas dois nomes de cidadãos
brasileiros - o do vice-cônsul honorário da Alemanha em Santa Cruz e o de
um engenheiro formado na Alemanha. Pelo seu pequeno porte, a extinção da
célula do NSDAP foi rápida, a partir da publicação do Decreto-Lei nº 383,
de 18 de abril de 1938, que proibia a atividade política a estrangeiros
radicados no Brasil. “Quando da dissolução da célula do partido, não
houve reclamações nem reações. Imperou a lei do silêncio. Isso é um
sintoma evidente de que estava pouco enraizado.” (Vogt, 2001)
O núcleo santa-cruzense do NSDAP nunca participou de qualquer eleição
realizada em Santa Cruz, como de resto em outras cidades brasileiras.
2 Integralismo
O
integralismo
europeu.
foi
Organizou-se
uma
espécie
de
versão
inicialmente
em
torno
brasileira
da
Ação
do
fascismo
Integralista
Brasileira (AIB), na década de 1930, e ressurgiu no período democrático
4
de 1945 a 1964 através do Partido de Representação Popular (PRP), tendo
como líder nacional Plínio Salgado.
Segundo Noll e Trindade (1995), a penetração do integralismo foi
maior nas regiões de imigração alemã e italiana e naquelas caracterizadas
pela forte influência da Igreja. Com seu lema “Deus, Pátria, Família”
atraiu o apoio de bispos e arcebispos católicos de vários estados, entre
eles o gaúcho Dom João Becker. O clero católico impulsionou a expansão
dos
ideais
integralistas
especialmente
entre
os
em
muitos
pequenos
municípios
agricultores.
das
zonas
Todavia,
coloniais,
não
se
pode
generalizar o vínculo entre Igreja Católica e integralismo, conclui-se do
estudo de Veridiana Tonini (2002, p. 133) sobre a principal liderança do
PRP gaúcho – Wolfram Metzler. Segundo a autora, é preciso levar em conta
que “as especificidades estão presentes em nível regional e que não
podemos tomar uma região, a etnia, a religião como um todo homogêneo”.
Na década de 1930, existia um número significativo de adeptos do
integralismo
em
Santa
Cruz.
Segundo
Vogt
(2001),
há
registros
da
existência de seis núcleos no interior do município – localidades de
Ferraz, Formosa, Linha Bernardino, Rio Pequeno, São Martinho e Linha
General Osório – e um, o mais ativo, na cidade. Existiam ainda subnúcleos
em São João da Serra, Herval de São João, Pinhal, Linha Saraiva, Linha
Formosa,
Trombudo,
Ponte
Rio
Pardinho,
Rio
Pardinho
e
Sinimbu.
Os
camisas-verdes locais possuíam organização masculina, feminina e juvenil.
As lideranças eram formadas por jovens urbanos em ascensão social e
“agricultores fortes” das localidades do interior. A posição favorável de
parcela do clero local possivelmente contribuiu para a receptividade aos
ideais integralistas na população.
Os resultados eleitorais obtidos pelos integralistas na década de
1930, contudo, não condizem com a possível receptividade da população e a
organização em núcleos em diversas localidades. Concorrendo à eleição
para prefeito de 1935, o candidato integralista Dario Bittencourt obteve
apenas 51 votos, em torno de 1% do total. A AIB não fez nenhum vereador.
As atenções do eleitorado dividiram-se entre o PRL e a Frente Única.
O golpe de estado de 1937, patrocinado por Getúlio Vargas, tirou a
AIB da cena política, e jogou o integralismo na ilegalidade durante o
regime autoritário do Estado Novo.
Com a redemocratização do país, em 1945, os adeptos de Plínio Salgado
reapareceram no PRP, declarando publicamente sua opção pela democracia
5
representativa. No Rio Grande do Sul, o PRP estabeleceu-se como uma das
forças partidárias influentes até 1964.
Em Santa Cruz do Sul, o PRP teve uma presença política expressiva.
Eis alguns dos resultados obtidos pelos integralistas:
-
em 1945, o PRP obteve 400 votos para deputado federal;
-
em 1947, 555 votos para vereador e 1947 votos para deputado estadual,
tendo sido eleito o santa-cruzense Carlos Maurício Werlang para a
Assembléia Legislativa;
-
em 1950, o chefe nacional dos integralistas, Plínio Salgado, obteve
5.678 votos para senador, sendo o mais votado no município para o
cargo (é importante assinalar que concorria pela coligação PRP-PSDUDN); para deputado federal, o PRP totalizou 1.441 votos, a maior
parte
dos
candidatos
quais
a
para
deputado
o
deputado
estadual
eleito
Metzler1;
Wolfran
conseguiram
cifra
ainda
já
superior
os
–
1.883 votos;
-
em 1951, o candidato a vice-prefeito Alfonso Koehler alcançou 6.225
votos, concorrendo em coligação com o PTB; os candidatos a vereador
somaram 1.464 sufrágios, tendo sido eleito para a Câmara Municipal o
ex-deputado Carlos Maurício Werlang;
-
em 1954, o candidato ao governo do estado pelo PRP, Wolfran Metzler,
obteve 2.990 votos; para deputado federal, os integralistas chegaram a
2.133 votos e para deputado estadual a 1.775 votos;
-
em
1955,
república;
Plínio
dois
Salgado
alcançou
vereadores
1.781
votos
integralistas
para
foram
presidente
eleitos
para
da
o
Legislativo municipal – Henrique Becker e José Gassen;
-
em 1958, os integralistas obtiveram 575 votos para deputado estadual e
565 para deputado federal; o senador eleito Guido Mondin chegou à
considerável cifra de 7.661 votos no município;
-
em 1959, o PRP elegeu 1 vereador – Guilherme Dorfey;
-
em 1962, 2.220 votos foram conferidos a candidatos integralistas a
deputado estadual, quase a totalidade dos quais ao candidato local,
Guilherme Dorfey;
1
Wolfran Metzler foi uma liderança fortemente identificada com os anseios dos imigrantes
alemães e italianos. Marcou presença na região através da fundação de uma escola de
treinamento agrícola em Venâncio Aires e por ser vice-presidente estadual da União Popular,
a mais importante das cooperativas instaladas em Santa Cruz. (Tonini, 2003, p. 74)
6
-
finalmente,
em
1963,
dois
vereadores
foram
eleitos
pelo
PRP
–
Guilherme Dorfey e Milton Bencke;
Esses números mostram que o PRP teve uma força bastante significativa
no cenário político municipal no período 1945 a 1964, constituindo-se
como terceira força, atrás do PSD e do PTB, com os quais esteve coligado
em
momentos
diferentes.
Esse
êxito
eleitoral
só
ocorreu
quando
os
integralistas já haviam rejeitado as idéias totalitárias dos anos 1930 e
feito a opção pela democracia. Este êxito foi potencializado pelo fato
das lideranças integralistas terem assumido as bandeiras de luta dos
descendentes
dos
imigrantes
e
possivelmente
favorecido
pela
simpatia
despertada entre parcela do clero católico.
3 A esquerda
Enquanto a direita, inclusive a extrema-direita, teve uma presença
importante no cenário político de Santa Cruz em certas fases de sua
história, a esquerda socialista não teve nenhuma expressão anterior ao
final da década de 1980, quando o PT começou seu processo de afirmação.
Nem
o
Partido
Brasileiro
Comunista
(PSB),
nem
do
Brasil
movimentos
(PCB),
ou
nem
lideranças
o
Partido
Socialista
socialistas
exerceram
papel de destaque no município entre as décadas de 1930 e 1970.
Alguns fatos e números comprovam essa avaliação.
-
O PCB nunca teve candidato local concorrendo à Prefeitura ou à Câmara
de Vereadores. Não há registros de que tenha tido em alguma ocasião
diretório
municipal
organizado.
Sua
votação
para
cargos
da
esfera
estadual e federal sempre foi inexpressiva. Em 1945, por exemplo, o
candidato comunista à Presidência da República fez apenas 50 votos e
os candidatos a senador – Luis Carlos Prestes e Álvaro Moreyra –
fizeram
31
votos,
cada
qual.
Para
deputado
federal,
a
soma
dos
candidatos comunistas chegou a 38 votos. Em 1947, o PCB conseguiu 30
votos para deputado estadual. São apenas essas as votações encontradas
para o PCB no município.
-
O PSB (fundado em 1947) no período democrático de 1945-1964 também não
conseguiu
apresentar
candidatos
às
eleições
municipais.
Só
foram
localizados votos em Santa Cruz para o PSB na eleição de 1950, a
deputado estadual - 43 votos (não há registros para a candidatura a
presidente da república e a governador do estado) - e 1954, quando o
7
PSB
alcançou
21
votos
para
deputado
federal
e
22
para
deputado
estadual.
O PCB foi jogado na clandestinidade pelo Superior Tribunal Eleitoral
em maio de 1947, o que levou à cassação dos mandatos dos parlamentares
eleitos
pelo
partido.
O
anticomunismo
era
bandeira
não
apenas
dos
partidos liberal-conservadores. As Igrejas cristãs também faziam aberta
pregação contra o “perigo vermelho”, declarando o comunismo sinônimo de
ateísmo e perseguição à religião.2
A imprensa participava do clima de anticomunismo vigente em Santa
Cruz, como se vê na nota do Jornal Gazeta do Sul de 2 de dezembro de
1947, p. 1:
Depois do fechamento do Partido Comunista pelo Supremo
Tribunal Federal a cassação dos mandatos dos representantes
continua ocupando lugar de destaque nas crônicas e notícias
do país.
Entretanto, sabemos muito bem que o extinto Partido
Comunista do Brasil, desde sua origem, sempre representou,
primeiramente vedado e depois abertamente, os nefandos
interesses da Rússia Vermelha e Soviética em nossa terra.
Por isso no dizer do Senhor Arcebispo de Porto Alegre “a
cassação dos mandatos comunistas, nada mais é que um ato de
legítima defesa da comunidade nacional contra um agressor, o
comunismo soviético”.
O PSB também não teve melhor sorte. No contexto da “guerra fria”, o
rótulo
“socialista”
também
era
um
fardo
excessivamente
pesado
para
qualquer candidato viabilizar-se em Santa Cruz, assim como na maior parte
dos municípios interioranos do país. No Rio Grande do Sul, o PSB teve uma
presença inexpressiva no período anterior a 1964, tendo sido reorganizado
no final de década de 1980.
O que havia de mais próximo às bandeiras da esquerda no município era
o
PTB,
cujas
propostas
e
atuação
sensibilizavam
especialmente
os
operários e trabalhadores urbanos. Os trabalhistas, porém, faziam esforço
para se diferenciarem dos comunistas, sob pena de se inviabilizarem. Uma
nota publicada pelo PTB na Gazeta do Sul em 28 de outubro de 1947, p.1,
mostra tal preocupação: “O PTB orgulha-se em poder proclamar que foi um
deputado trabalhista o único que teve a iniciativa de requerer ao STE a
2
O autor, na sua infância, no final da década de 1960, ainda lembra das orações em sua
família contra a ameaça do comunismo.
8
cassação do registro do Partido Comunista do Brasil, colocando assim esse
partido fora da lei”.
Durante
esquerda
o
regime
estiveram
militar
inaugurado
abrigados
sob
em
o
1964,
MDB.
os
Com
militantes
de
retorno
do
o
pluripartidarismo no início dos anos 1980, surgiu uma nova alternativa
para a esquerda socialista – o Partido dos Trabalhadores. Organizado
inicialmente
por
vários militantes
estudantes,
professores,
das pastorais da
alguns
poucos
operários
e
Igreja Católica, o PT repetiu na
primeira eleição (1982) a trajetória anterior da esquerda em Santa Cruz:
uma
votação
inexpressiva.
Obteve
menos
de
1%
para
prefeito
e
para
vereador e 3,7% para governador. Para este baixo desempenho contribuiu o
“voto vinculado” (era forçoso votar em apenas um partido para todos os
cargos), criado casuisticamente pelo Regime Militar para aquela eleição.
Ao final da década de 1980 o PT começou a se fortalecer e a obter
importantes votações e vitórias. Esta é, talvez, a maior novidade trazida
pelo
período
democrático
atual
do
ponto
de
vista
do
comportamento
eleitoral e da cultura política de Santa Cruz do Sul. Os santa-cruzenses,
que já haviam votado em massa em candidatos de extrema-direita, como
Plínio
Salgado,
jamais
haviam
votado
maciçamente
em
candidatos
da
esquerda socialista. O voto em Lula, Olívio Dutra, Tarso Genro e nos
candidatos locais do PT a partir do final dos anos 1980 indica profundas
mudanças na cultura política local.
A tabela abaixo apresenta alguns resultados expressivos obtidos pelo
PT em Santa Cruz a partir do final dos anos 1980.
TABELA 1: Algumas votações expressivas do PT em Santa Cruz do Sul
(1988-2002)
Ano
Cargo
% de votos
1988
Prefeito
22,6
1988
Vereador
12,8
1989
Presidente da República / 2º
59,8
turno
1992
Prefeito
20,6
1994
Presidente da República (turno
31,4
único)
9
1994
Governador / 2º turno
39,4
1998
Governador / 2º turno
43,8
1998
Presidente da República (turno
38,5
único)
2002
Governador / 2º turno
49,8
2002
Presidente / 2º turno
67,3
Mesmo levando em conta que o PT já nos anos 1980 se distinguia dos
comunistas, seria impensável o sucesso de propostas como a do PT no
contexto das décadas de 1950 ou 1960. Santa Cruz mudou não apenas porque
o Brasil mudou. A tese aqui defendida é que houve uma ressocialização
política
ao
orientações
longo
da
história
democráticas
e
de
do
município
superação
em
do
direção
a
atitudes
anti-comunismo
e
e
anti-
socialismo.
O PSB também foi reorganizado na década de 1980. Em Santa Cruz, sua
trajetória recente foi marcada por um viés não ideológico. O vínculo com
o separatismo3, através de Irton Marx, candidato a prefeito pelo partido
em 1988, e o acolhimento em suas fileiras por algum tempo do então
vereador Sérgio Ivan Moraes, posteriormente prefeito pelo PTB, mostram
que o PSB não pode ser considerado uma clara opção de esquerda nos anos
1980 e 1990. Com o ingresso de novas lideranças no partido – oriundas de
outros
partidos
–
após
a
virada
do
século,
o
partido
tende
a
se
fortalecer no município, mas ainda sem um perfil político de esquerda.
Conclusão
A inclinação ideológica do eleitor santa-cruzense por agremiações
conservadoras e de direita é incontestável desde a criação do município
até o final da década de 1980. Neste longo percurso, opções de extrema
direita como o nazismo e o integralismo tiveram presença significativa no
3
O município de Santa Cruz do Sul tornou-se nacionalmente conhecido pela proposta de
separar o Rio Grande do Sul do restante do país, através da criação da República do Pampa
Gaúcho, formulada por Irton Marx, em função da divulgação proporcionada pela mídia
televisiva, particularmente a Rede Globo. Em Santa Cruz, o movimento separatista nunca
conseguiu levar mais do que uma ou duas dezenas de pessoas às suas atividades, mas, como no
Rio Grande do Sul em geral, a idéia separatista teve aceitação expressiva na população em
certos momentos da década de 1990, como revelaram diversas pesquisas de opinião. Irton Marx
conseguiu expressivas votações para a Câmara de Vereadores, não se elegendo na eleição de
2000 pelo fato de seu partido não ter atingido o quociente eleitoral.
10
cenário político local, ao passo que a esquerda socialista não teve
qualquer importância.
Esse
quadro
começou
a
mudar
no
final
da
década
de
1980,
com
o
fortalecimento do Partido dos Trabalhadores. A votação significativa para
prefeito em 1988 e a vitória expressiva de Lula no segundo turno da
eleição
presidencial
de
1989
foram
momentos
que
marcaram
a
ressocialização política em curso nas últimas décadas em Santa Cruz.
Emergiu
um
novo
eleitor
santa-cruzense
–
urbano,
etnicamente
heterogêneo, em grande parte oriundo de outros municípios da região e de
outras
regiões,
e
em
boa
parte
morador
da
periferia
urbana.
Este
eleitorado é receptivo a novas opções políticas, como as apresentadas
pela esquerda (PT) e pelo populismo (PTB e aliados). O anti-comunismo e
anti-socialismo já não constitui mais uma bandeira com potencial de votos
em Santa Cruz do Sul.
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