NUTRIÇÃO
No meio do caminho
Da prescrição ao consumo, o fluxo do alimento está
cheio de armadilhas à segurança do paciente
Por Daniela Dias
Apoio técnico: Lia Buschinelli, nutricionista
T
odos os dias, centenas de prescrições dietéticas saem das mãos dos nutricionistas
para chegar às cozinhas hospitalares. Nelas,
uma grande equipe prepara, separa e identifica
corretamente os alimentos que serão encaminhados aos diferentes pacientes, respeitando os
distintos graus de complexidade em seus quadros
de saúde. E essa é apenas uma parte de um longo
caminho que vai desde a linha de montagem nas
bandejas até a distribuição nos leitos.
Esta é a segunda matéria de uma série espe-
cial sobre nutrição clínica. Na edição anterior,
falou-se sobre triagem nutricional e prescrição
dietética. Agora, serão abordadas as principais
barreiras de segurança no processo de distribuição da dieta. À continuação da edição passada, a
nutricionista convidada pela Melhores ­Práticas,
Lia Buschinelli, visitou duas instituições com
acreditações de excelência, o Instituto do Câncer
do Estado de São Paulo (ICESP) e o Hospital
Moinhos de Vento, em Porto Alegre, para descobrir como trabalham.
1. SAINDO DA COZINHA
Bandejas individualizadas por paciente e sinalizadas com etiquetas de acordo
com a prescrição dietética. Estão evidenciados: identificação do paciente, tipo
de dieta e eventuais adaptações no cardápio (exemplo: dieta geral para diabético sem sal e sem carne vermelha).
ATENÇÃO: Para reforçar
segurança, os carrinhos já
abastecidos nos andares
devem ser revisados pelos
copeiros antes de chegarem aos respectivos leitos
– além de passarem pela
conferência dos pacientes
e seus acompanhantes no
momento da entrega.
BARREIRA: Algumas instituições trabalham no sistema de linha de
montagem. No Moinhos de Vento, uma técnica de nutrição e uma nutricionista supervisionam essa etapa. Para reforçar o cuidado, está sendo
testado um modelo em que os nutricionistas clínicos também realizam
checagem ainda na cozinha, antes que sejam direcionadas às unidades
de internação, criando mais uma barreira contra o erro. “É muito importante a conferência na linha de montagem, por isso estamos trabalhando
esse projeto-piloto. Assim redobramos o cuidado antes que o carrinho
suba com as refeições”, explica Amanda Rimolo, assistente nutricional da
UTI adulta do Hospital Moinhos de Vento. No que se refere à identificação
do paciente, costuma-se usar, pelo menos, dois identificadores
simultâneos, como nome completo e data de nascimento.
Na edição anterior:
Triagem nutricional e
prescrição dietética
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Melh res Práticas
ILUSTRAÇÃO: Bruno Prado FOTOS: Divulgação Alban
RISCO: Variáveis e possibilidades de combinação não
faltam. Assim, os hospitais costumam adotar etiquetas
com cores e siglas diferentes para cada tipo de dieta. Isso
exige forte treinamento dos profissionais da cozinha na
interpretação de tantas informações codificadas ao mesmo tempo, para evitar erros na montagem das bandejas.
Outro risco é o de falha na identificação de pacientes.
2. TRANSPORTE
Como norma de segurança
sanitária, as refeições só podem
ser consumidas em até 2 horas
após a entrega, devendo ser
descartadas logo após, devido
ao risco de contaminação e
proliferação de micro-organimos.
BARREIRA: A falha de comunicação está entre as razões mais comuns
dos descartes. No ICESP, um estudo apontou que as causas mais
frequentes de refeições não aproveitadas eram o jejum para exames,
cirurgias e óbitos não comunicados à Nutrição em tempo de suspender
a entrega. Com o levantamento, os exames passaram a ser ajustados
com a equipe de Enfermagem e coordenados para que fossem realizados, de preferência, em horários alternativos aos das refeições, além de
comunicação prévia de jejuns e possíveis ausências. Para evitar que o
paciente fique sem se alimentar após o retorno do exame, sua bandeja
fica armazenada num resfriador dentro da cozinha.
RISCO: Atrasos na entrega
ou no consumo, quando o
paciente está dormindo ou
fora do leito, em exames,
por exemplo. O jejum
prolongado dificulta a recuperação, causa desconforto
ao paciente e insatisfação
com o serviço. Há casos
em que o paciente foi
transferido de unidade de
internação e o alimento é
desperdiçado. A temperatura dos alimentos também
precisa ser controlada para
evitar contaminações.
3. CONSUMO
Diferentemente das refeições, que são distribuídas pelos copeiros a cada
paciente, as dietas enterais são entregues todas juntas à Enfermagem,
que é a responsável pela sua administração aos pacientes, nos horários
estipulados. Em geral, os frascos são administrados 5 vezes ao dia.
RISCO: Eventos relacionados à administração inadequada do produto, como gotejamento rápido, que pode
provocar vômitos e diarreia no paciente. A sobrecarga de trabalho da equipe, falta de pessoal, paciente fora
do leito ou intercorrências na unidade podem levar ao atraso da administração ou aumento do intervalo entre
os frascos. Para se ter uma ideia, a falta de um único frasco pode resultar em déficit de 20% das necessidades
nutricionais do paciente no dia. Em relação às dietas orais, há riscos de disfagia e baixa aceitação relacionada
à preferência do cliente, dificultando que sejam atingidas as metas calórico-proteicas estimadas.
BARREIRA: Uma alternativa aos frascos de dieta enteral é o chamado sistema fechado, que funciona por meio
de bomba de infusão. Os enfermeiros
regulam a administração da dieta apenas uma vez, e ela vai sendo infundida
de forma contínua ao longo do dia.
“Apenas usamos o sistema aberto
quando não há o produto disponível no
sistema fechado”, explica a nutricionista do hospital. Outra vantagem: o
prazo de validade da dieta em sistema
fechado também é maior do que no
sistema aberto (frascos).
ATENÇÃO: Outro risco é a suspensão da
alimentação enteral pela Enfermagem,
sem avaliação prévia do nutricionista,
quando o paciente apresenta diarréia.
Sem contar o desperdício, sobretudo no
caso de produtos em sistema aberto, que
têm prazo de validade limitado.
Para combater o problema, o ICESP implantou protocolos de diarreia e constipação intestinal que norteiam as ações a
serem seguidas pelas equipes.
Já no Moinhos de Vento, a Enfermagem
é orientada a entrar em contato com
o nutricionista imediatamente.
Um desafio que persiste são os casos
noturnos, em que não há um
nutricionista presente.
Leia na próxima edição:
Terceirização da
produção de alimentos
Melh res Práticas
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