A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO BARREIRAS CONCEITUAIS NA GEOGRAFIA: O PROBLEMA VISUAL DA PAISAGEM. TARSO GERMANY DORNELLES RUTH E. NOGUEIRA Resumo As pessoas com deficiência sofrem limitações de barreiras ocasionadas pela sociedade. As quais impedem que estas pessoas executem suas necessidades diárias independentemente. Os conceitos acadêmicos também podem ser limitadores da compreensão do mundo tanto para pessoas com deficiência quanto para pessoas que são definidas como “normais”. Pois estes conceitos não contemplam a todos. O exemplo de barreira que nos propomos a discutir nesse artigo é a barreira conceitual ocasionada pelo conceito de paisagem na perspectiva da Geografia. O qual por vezes pode excluir pessoas cegas e pessoas que vêem diferente das ditas “normais”. Palavras-chave: Paisagem; Barreiras conceituais; deficiência; Modelo social; Abstract The people with disability suffer limitations caused by barriers imposed by society and preventsto do their daily needs independently. The academic concepts also can be limiters of the understandingof the world to "normal" people and to the people with disability. These concepts do not include all of them.The example of barriers that we are going to propose in this article is the conceptual caused by the conceptof landscape from the perspective of geography that can exclude blind people and the others that see different from the usually said "normal". key words: landscape; conceptual barriers; disability; social model. 1- Introdução A discussão que pauta este artigo surgiu na disciplina Deficiência e Contemporaneidade, ministrada pelos professores Adriano Henrique Nuernberg e Marivete Gesser no segundo semestre de 2014 no programa de pós graduação em psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina. Durante uma das aulas onde 5139 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO cegueira e deficiência visual foram o foco do debate, o professor comentou que um tipo de barreira que pessoas com deficiência enfrentam são as barreiras conceituais, as quais ainda não possuem uma definição do que as caracterizam. Portanto como nossa pretensão é de discutir em nossa dissertação a barreira que por vezes o conceito de paisagem ocasiona para pessoas cegas e pessoas que não vêm como as outras, faremos uso desta idéia e discutiremos o por que o conceito de paisagem pode ser uma barreira e também buscaremos compreender estas barreiras e suas características. Para isso realizaremos uma revisão bibliográfica com objetivo de apresentar a discussão de alguns temas. Inicialmente revisaremos a mudança de paradigma referente o significado de deficiência, passando pelo modelo biomédico, pelo modelo social da deficiência e por fim a discussão mais recente do modelo social,. Também buscaremos conceituar os tipos de barreiras que a sociedade produz para as pessoas com deficiência, estas barreiras podem ser: físicas, comunicacionais, sociaise atitudinais, podendo também ocorrer duas ou mais simultaneamente. Assim compreendendo o significado e o que constitui os tipos de barreiras buscaremos compreender o conceito de paisagem e o porque este pode caracterizar uma barreira conceitual. A partir disso mostraremos brevemente algumas formas que se conceitua paisagem para que haja uma compreensão dos limites e das possibilidades deste conceito. Nossa revisão passou principalmente pela geografia crítica de Milton Santos e pelas novas propostas que a Geografia cultural trouxe fazendo uso dos sentidos na compreensão da paisagem. 2- Uma importante explicação do que compreendemos como deficiência As pessoas com deficiência durante muito tempo foram vistas em nossa sociedade como doentes, sendo que estas pessoas até metade do século XX no Brasil eram afastadas das pessoas “normais”, portanto sua participação na sociedade passou a tomar força mais para o fim do século passado. Esta crença de que pessoas deficientes são doentes provem de um paradigma nomeado como modelo biomédico da deficiência. Este modelo caracteriza-se pela busca constante da “normalização” de todas as pessoas que não seguem um padrão proposto 5140 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO socialmente, alem disso a cura dessa “diferença” é um de seus objetivos, seja através de tratamentos psicológicos ou de intervenções cirúrgicas. Como demonstra (MARTINS 2012) neste modelo as pessoas com deficiência eram definidas como passivas e necessitavam de cuidados constantes, com isso o foco da reabilitação era na pessoa, pois a deficiência era um fator do individuo. Ainda acreditava-se que o processo de decisão destas pessoas deveria partir dos profissionais da área, retirando o poder decisório de suas mãos, o que segundo o autor levou as desigualdades sociais que as pessoas com deficiência sofrem hoje, estas desigualdades são centrais por que a relação de poder existente entre pessoas com deficiência e estes profissionais ocasionou uma desqualificação das perspectivas destes indivíduos. O que mais evidenciou a concepção que este modelo transmitia para a sociedade foi o catálogo internacional de classificação da deficiência elaborado pela organização mundial de saúde em 1980, a OMS propunha uma classificação em três partes, onde segundo (diniz, 2003) em primeiro plano estava a lesão, em segundo a deficiência e por fim as limitações sociais impostas ao individuo. Este documento desde seu principio foi duramente criticado, pois como (DINIZ 2003) e (MARTINS 2012) apontam, existia a individualização da deficiência, onde o “problema” provinha do corpo, da pessoa. Estes autores também demonstram que neste documento existia uma comparação do corpo com deficiência a partir de uma perspectiva de normalidade, o que levava a acreditar que as pessoas deveriam ser mais adaptáveis que a sociedade e do que os ambientes. Este paradigma ganha concorrência na década de setenta, onde alguns teóricos do reino unido mostram uma nova forma de se pensar a deficiência. Esta nova forma é chamada de modelo social da deficiência. A discussão destes pesquisadores partia do principio de que a deficiência ao invés de ser um problema do individuo era uma forma de opressão social, onde deficientes constituíam uma minoria, assim como mulheres, negros, etc. Dois argumentos são trazidos por (DINIZ 2003) para contextualizar o que foi construído pelos autores do modelo social. O primeiro aponta que a lesão corporal não determina, nem explica os motivos da ocorrência de pessoas com deficiência serem subalternas socialmente e politicamente. Aqui uma questão conceitual se apresenta, pois para estes teóricos, 5141 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO lesão é uma expressão biológica no corpo do individuo, já a deficiência é uma expressão sociológica onde a deficiência parte de uma definição social que torna a pessoa deficiente. Por isso que uma limitação corporal do individuo não pode explicar qualquer forma de diferenciação social, assim como apontam os debates feministas, que segundo a autora retiraram a culpa de sub alternidades da natureza com a criação dos conceitos de sexo e gênero, onde o modelo social se baseou. Onde lesão se aproxima do conceito de sexo, ou seja, uma definição biológica “isenta de sentido.” (Diniz 2003, p. 2). Enquanto deficiência se aproxima de gênero, que se consiste apenas em construções da sociedade. O segundo argumento que Diniz apresenta trata que se a deficiência não é um problema biológico, mas sim social, as soluções não estão no individuo ou no tratamento, mas sim estão em ações políticas. Pois o que estes teóricos propunham os posicionava contra qualquer forma de direcionar o problema para o individuo, retirando a idéia de tragédia pessoal, principalmente porque a deficiência é resultado de construções sociais. Diniz reforça que os teóricos do modelo social não eram a favor de estudos médicos e tecnológicos relacionados a deficiência, mas sim não concordavam com estas serem as únicas medidas tomadas frente as desigualdades, pois como visto para eles o individuo não era mais o deficiente, a sociedade é quem deficientiza as pessoas. Estas críticas que cresceram constantemente a partir da difusão do modelo social e a importância que a forma de se ver a deficiência tiveram na luta destas pessoas levou a OMS lançar um novo documento em 2001 modificando os parâmetros de compreensão do que seria deficiência. O próprio nome Classificação Internacional de Funcionamento Deficiência e Saúde - já evidencia uma mudança, onde antes o ponto de partida era o individuo e seu corpo, agora existe a busca pela compreensão da relação do que é a deficiência e quais as limitações e dificuldades que esta pessoa enfrenta no seu ambiente diário. (DINIZ 2003) mostra que esta nova classificação permite uma maior compreensão entre lesão e funcionalidade, ela menciona o exemplo que existe a possibilidade de se avaliar desde as limitações de idosos, até crianças com paralisia cerebral, e isso só é permitido por uma mudança de paradigma da deficiência. Outra vitória importante é que a lesão pode estar separada da deficiência, o exemplo que a autora utiliza é 5142 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO de que um cadeirante em um ambiente adaptado não será deficiente neste ambiente. “O conceito de deficiência passa a ser uma classificação neutra frente à diversidade corporal humana e, não mais um destino da natureza imposto pela lesão.” (Diniz 2003, p. 3). A partir deste documento é constituído segundo (MARTINS 2012) um novo modelo denominado de biopsicossocial da deficiência. Este acredita que as categorias utilizadas para análise da nova classificação são suficientes na explicação do que é a lesão, a deficiência e suas relações com a sociedade, as categorias são: funções do corpo, estruturas do corpo, atividades e participação, e fatores ambientais. Mas teóricos do modelo social da deficiência continuam as críticas referente a OMS, onde agora o principal ponto de choque segundo (MARTINS 2003) é de que ainda é priorizado o modelo médico, pois os aspectos sociais são apontados apenas como ambientais,enquanto para estes autores que fazem a crítica estes aspectos sociais vão muito alem. Um outro paradigma que através de criticas trouxe evolução aos debates do modelo social da deficiência é a critica feminista. Pois como é sabido os primeiros teóricos do modelo social eram homens, cadeirantes e que faziam parte de uma elite dentre os deficientes. Segundo (Diniz 2003) mesmo estes sendo baseados no materialismo histórico para fazer sua critica frente ao modo que a sociedade reconhecia as pessoas com deficiência, sua principal discussão partia do principio da inclusão destas pessoas no mercado de trabalho. Por isso nos ateremos em uma das criticas apontada pela autora ao modelo social, o principio de que a igualdade parte da independência. Como o discurso fazia crer que a autonomia levaria as pessoas com deficiência a entrarem no mercado produtivo, as autoras feministas acreditam que apenas uma parcela dos deficientes eram contemplados nesta perspectiva. A grande valorização da independência poderia vir a ser uma idéia perversa para muitas pessoas com deficiência que talvez nunca pudessem vir a ser independentes. O exemplo que a autora utiliza é de que não importa o tamanho dos ajustes que fossem realizados algumas pessoas nunca viriam a ser produtivos no contexto social onde vivemos. A crítica feminista faz uso do conceito de interdependência como oposição ao conceito de independência. Este argumento 5143 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO parte do ponto que todos em algum momento da vida somos dependentes de outro e isso que nos torna iguais. Neste trabalho buscamos mostrar uma área da academia que esquece da importância de diferentes formas de sentir o mundo. A construção conceitual vem a partir da forma que as pessoas reconhecem o mundo, se essas pessoas que tem a hegemonia acadêmica vêem, elas construirão conceitos a partir da sua visão, e assim pessoas que não vem são excluídas das diferentes discussões acadêmicas que poderiam vir a ser mais diversificadas e constituídas de outros pontos de vista que não só o hegemônico, isto vale para outras diversidades como deficiências variadas e outros grupos de pessoas que são oprimidas socialmente, como mulheres, negros, entre outros. Para isso buscaremos construir uma investigação emansipatória onde é deixada de lado a neutralidade da ciência e busca-se a libertação das pessoas através do reconhecimento de suas necessidades. Martins define investigação emancipatória como “a capacitação das pessoas com deficiência através da transformação das condições materiais e sociais de produção da investigação" ( Martins apud Barnes, 2012, p. 48). O autor ainda indica a necessidade da politização dos trabalhos científicos, para que haja um maior compromisso com as pessoas e como dito anteriormente, suas necessidades. A partir disso teremos necessidade de fazer uso do modelo social da deficiência, de forma a compreendermos as diferensas e respeita-las para que nosso artigo parta do pressuposto que todos somos dependentes uns dos outros e que em algum momento todos somos deficientes. Já que constantemente a sociedade reproduz e evidencia a exclusão, seja nas suas formas, impedimentos físicos, ou em ações que geram barreiras de conteúdo, este trabalho utilizará o modelo social com idéia de tentar subverter alguns pensamentos constituídos na academia para apontar sua hegemonia dos iguais. 3- Barreiras Para conceituarmos barreiras necessitamos compreender o que é acessibilidade, a NBR 9050/2004, define como a possibilidade de alcance, percepção e entendimento para a utilização com autonomia de espaços, edificações, equipamentos urbanos, entre outros. Estes devem permitir o alcance acionamento, uso e vivencia de qualquer pessoa. É importante observarmos que esta 5144 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO acessibilidade não trata apenas de uma perspectiva física, o acesso a comunicação e a informação também são necessários para a utilização dos lugares e serviços. Com isso a compreensão do que são barreiras nos fica evidente, é qualquer impedimento que limite alguma pessoa de circular, se informar, participar, etc. Desta forma (Elali 2010) conceituou os tipos de barreiras existentes na sociedade, ela as define como: físicas, comunicacionais, sociais e atitudinais. Importante observarmos que uma forma não impede a outra de existir, portanto a simultaneidade entre barreiras é possível. As barreiras físicas se definem em impedimentos ocasionados pelo meio físico, como calçadas sem rampas de acesso para cadeirantes, diferença de nível em calçadas, entre outros. A autora classifica barreiras comunicacionais como as que não permitem a pessoa ter acesso a informação, bons exemplos são a falta de áudio descrição na televisão, a não existência de mapas táteis em prédios. Esta barreira também traz dificuldades nas tecnologias, por exemplo um site com fotos onde as fotos não possuem descrição. Estas barreiras alem de tudo podem trazer dificuldades na comunicação, onde pessoas com algum tipo de deficiência deixam de receber informações, por não ouvirem, não enxergarem ou qualquer outra dificuldade. Barreiras sociais são aquelas que alguma diferença que não é considerada “normal” em nosso modelo de sociedade leva a pessoa a situação de exclusão, um ótimo exemplo são as pessoas com deficiência que até hoje em alguns lugares são vistos como incapazes e por isso tem dificuldade de serem incluídos no mercado de trabalho assim sua lesão, já o leva a uma condição de deficiência, e sua deficiência leva a dificuldades financeiras. Por fim, a ultima forma de barreira que apresentamos que foi exposta por (Elali 2010) são as barreiras atitudinais, aonde de forma intencional ou não, indivíduos ou grupos impedem alguma forma de acesso a outras pessoas. Um bom exemplo é quando camelôs montam suas bancas sobre o piso podotátil dificultando a passagem de pessoas cegas e por vezes até de outras pessoas. Um exemplo que é grave é quando pessoas acreditam que por alguma deficiência alguém não tem condições de realizar algo e não permitem que ela tente, como pais não permitirem 5145 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO que seus filhos cegos saiam na rua na adolescência por julgarem que eles não são capazes. Muitas das vezes estas barreiras não estão sozinhas, o que com certeza traz mais problemas. Um exemplo disso são sites sem descrição nas fotos como mencionado antes, é ocasionada uma barreira comunicacional, pois quem não vê não tem acesso aquela informação, mas também é uma barreira atitudinal, pois é uma questão de atitude dos construtores dos sites de colocar ou não uma descrição em suas imagens. 3.1. Uma proposta de barreira conceitual Com nossa idéia do que são barreiras mais consolidada, buscamos identificar o que poderia vir a ser uma barreira conceitual. Este termo foi utilizado pelo professor Adriano Nuernberg na aula do dia 07 de outubro de 2014, onde ele apontou a necessidade de se pensar as formas que um conceito construído por pessoas que vêem podem limitar a compreensão de pessoas que não enxergam. Como mencionamos anteriormente as ciências são construídas por poucas pessoas, na maior parte das vezes estas fazem parte de um grupo onde existe uma aparente “normalidade”. Poucos “diferentes” conseguem romper esta padronização, sejam eles negros, mulheres, deficientes, entre outras minorias que por diversos motivos tem dificuldade de formação e principalmente para alcançarem níveis superiores de ensino e pós graduação. Então como estas pessoas na maior parte das vezes não são convidadas a fazerem ciência, os conceitos que constituem as relevâncias metodológicas e epistemológicas das ciências não contempla estas pessoas. Assim sendo o autor que é cego se propôs em indicar as barreiras que o conceito de paisagem provindo da Geografia pode ocasionar nos estudos de uma pessoa cega. 4. A paisagem: por que eu não vejo o que tu vê? Este conceito foi escolhido por ser um tanto caricato, a primeira coisa que se relaciona a paisagem são imagens, dessa forma a primeira coisa que se acredita é que um cego não pode ver a paisagem. Se assim é realmente, a paisagem se caracteriza em uma barreira conceitual e poderíamos terminar o artigo por aqui. Mas a Geografia trouxe para o conceito de paisagem a ação antrópica, por isso todos de uma forma ou de outra trazem diferentes formas de ver a paisagem. 5146 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO O que hoje entendemos por paisagem parte da idéia de paisagem do renascimento no século XV onde o homem começa a possuir tecnologia pra modificar a natureza, segundo (SCHIER 2003) isso passa primeiramente pelas artes, que faziam reprodução o mais fiel possível de paisagens naturais do planeta. Esse período também se caracterizava pela quebra do sagrado, onde se buscava outra explicação para as ocorrências naturais, que não fosse apenas divina. Desde o principio dos estudos geográficos o conceito de paisagem varia constantemente de importância e significação, isso se dá pelas mudanças de paradigmas que ocorreram e ocorrem ao longo do tempo nos estudos desta ciência. Por ter sido pensada durante o século XIX a Geografia sofreu muita influencia da ciência positivista, que predominava no período. Boa parte dos cientistas que idealizaram a Geografia eram naturalistas, assim importando alguns conceitos de suas ciências de origem, ou seja, a ciência neste período se dava principalmente por observação e comprovação de teses e a Geografia não era diferente, mas já que seus estudos diziam respeito ao homem e a natureza, seus estudos também se davam através de observação de paisagens. 4.1. Paisagem para Milton Santos A paisagem na proposta de Milton Santos parte da idéia de um recorte de um momento, que não pode representar a totalidade do espaço, pois não possui conteúdo, apenas a constituição das formas. Assim sendo por que no momento que se faz um recorte no tempo, no nosso entendimento, não existe movimentação, a ação não se constitui, assim por isso a paisagem chega a ser um pedaço do espaço que não é o espaço, pois ela pode representar a atualidade de um acumulo, mas não pode nos mostrar a construção dos objetos, seus significados e significantes. Santos esvazia o conceito de paisagem para reforçar e evidenciar seu conceito de espaço geográfico. Para (Santos 2006) o espaço é a paisagem, que é constituída de formas, mais a vida que a anima, ou seja, as ações. Um ponto importante trazido por Santos é a paisagem como resultado de relações no decorrer da história para constituí-la “A paisagem é o conjunto de formas que, num dado momento, exprimem as heranças que representam as sucessivas relações localizadas entre homem e natureza.“ (SANTOS 2006, P.66). 5147 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO Mas o ponto onde o autor inicia a caracterizar o choque que dificultaria a análise da paisagem por quem não vê é onde ele se refere que o melhor exemplo para a paisagem seria a utilização da bomba de nêutrons, que retiraria toda vida só preservando as formas. Acreditamos que a paisagem observada dessa forma não poderia se constituir, pois ela existiria apenas pra quem vê, quem não enxerga ficaria desprovido da capacidade de reconhecê-la. Pois quem traz sonoridade para paisagem são os seres vivos, muito dos cheiros que a paisagem carrega também são decorrentes dos seres vivos, então para nós apenas existiria um vazio, apenas os objetos com seus significados mas ninguém para compreendê-los. 4.2. Paisagem para a geografia cultural A geografia cultural trouxe força novamente para o conceito de paisagem na geografia brasileira. Mas em maior parte de seus estudos subdivide em categorias esta conceituação. Como as paisagens olfativas, sonoras, táteis entre outras. Ainda apontando uma maior significação para a paisagem visual, pois ela não possui o sufixo que a diferencia das outras. Portanto quando se fala em paisagem, estamos falando em paisagem visual. Cosgrove quando mencionado por Castro retoma a importância do simbolismo na paisagem, a importância dos sentimentos nessa análise, o que segundo o autor a geografia humana tem deixado de lado constantemente. Mas tem de ser ressaltado que este autor busca trazer as relações de poder em seus estudos, para ocorrer alem de uma análise simbólica ocorrer a compreensão critica da sociedade. O autor ainda diz que um grupo dominante poderá querer impor suas culturas como verdadeiras, colocando seus conhecimentos como fatos. Assim cosgrove colabora junto com Castro para que compreendamos melhor o que ocorre no caso da construção conceitual da paisagem, onde como nós demonstramos anteriormente, um grupo hegemônico torna sua realidade e modo de construir a ciência como verdade. Assim estas paisagens vem sendo utilizadas principalmente para analises culturais de áreas enquanto estas outras formas de se observar a paisagem deveriam partir de uma analise individual, onde o individuo não parte com o objetivo de analisar uma paisagem sonora que já se constitui como realidade, mas sim onde a paisagem existente vem até o individuo todos os dias, pois o individuo que não vê 5148 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO também pode compreender essa paisagem, mas partindo de outro sentido que não impede sua interpretação do mundo. A paisagem traz forte relação com o olhar como demonstra (Castro) mas para compreendê-la não basta ter visualidade, que Castro junto a Ferrara definem como o concreto, enquanto para compreender a paisagem é necessária a visibilidade,que é a imagem concreta transformada em relações para construir um significado. 5. Considerações sobre o horizonte, onde está o nosso final? A cada passo que damos em direção ao horizonte, mais próximos ficamos a ele e mais distante ele fica de nós. Por tanto este artigo pretendeu ser apenas um primeiro passo para aproximarmos as discussões sobre deficiência a ciência Geográfica, mas ao abrirmos este debate que busca contemplar a compreensão da diferença na geografia, abrimos diversos campos que podem ser explorados para transformarmos o que hoje é hegemonia de normovisuais nesta ciência que, perdoem a redundância, poderia ser sentida com todos os sentidos. A paisagem é apenas um conceito que evidencia o problema das barreiras conceituais, alem de tudo é um tanto caricato para construir as evidencias de que é uma barreira. Pois como visto foi construída com o objetivo de conceituar imagens pintadas em quadros. Assim a geografia tomou apara si este conceito e perdeu a oportunidade de uma nova significação da paisagem a partir das relações que esta ciência se propõe a compreender. Santos de forma muito feliz indica que a Geografia não deve fazer uso dos conceitos provindos de outras disciplinas, pois tornam-se metáforas se não passarem por adequação, por isso a Geografia deve criar seus próprios conceitos,. “Conceitos em uma disciplina são frequentemente apenas metáforas nas outras, por mais vizinhas que se encontrem. Metáforas são flashes isolados, não se dão em sistemas e não permitem teorizações. “(Santos 2006, p. 56). Fazemos uso desta citação com intenção de apontarmos a qualidade de metáfora que o conceito de paisagem tem na Geografia para pessoas cegas. Para o autor deste artigo a paisagem da forma que se constitui hoje e provavelmente para todos os cegos não passa de uma metáfora, pois não é possível analisar uma paisagem de forma “completa” sem ver a constituição dessa paisagem. Por isso queremos indicar que ocorra a construção de um conceito que venha a 5149 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO contemplar todas as diferenças, seja a cegueira, a surdez, ou mesmo pessoas com todos os sentidos em funcionamento, mas que não conseguem apreender o que os teóricos propuseram como paisagem. Neste sentido nossa proposta é uma paisagem onde não se parta do principio do que se deve encontrar, mas sim do principio do que o sujeito deve sentir, esta idéia ainda está insipiente em nossas construções, mas acreditamos que a paisagem deve partir do individuo e seus sentidos, ao invés de ser algo que parta de fora pra dentro. Para que dessa maneira todos tenham possibilidade de compreender, seja com seus olhos, seja com seus ouvidos, ou ainda mais, seja com todos os sentidos que são o que constitui a percepção. Quando nos referimos a todos os sentidos buscamos a significação de que estes são todos que a pessoa tem acesso. Assim, buscando uma paisagem sensorial, contemplaremos todas as diferenças existentes na sociedade, cumprindo assim o compromisso de relacionarmos o modelo social da deficiência, que prega a celebração da diferença, para também construirmos uma ciência mais acessível. REFERÊNCIAS CASTRO, Demian Garcia. Significados do Conceito de Paisagem: Um Debate Através da Epistemologia da Geografia. UERJ http://www.pucsp.br/~diamantino/PAISAGEM.htm DINIZ, Debora. Modelo Social da Deficiência: A Crítica Feminista Conferência ministrada no VII Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva, em julho de 2003, Brasília. Doutora em Antropologia. Consultora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA)/Programa das Nações Unidas (PNUD) no Programa “Deficiência e Políticas Públicas no Brasil”. Diretora da ANIS: Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero. Do Conselho Diretor da Rede Internacional de Perspectivas Feministas para a Bioética (FAB) e da Associação Internacional de Bioética (IAB). [email protected]. ELALI, A. G.; de ARAÚJO, G. R.; PINHEIRO, Q. J. Acessibilidade Psicológica: Eliminar barreiras “físicas” não é o suficiente. In: Revista Crítica de Ciências Sociais98 (2012) Número não temático MARTINS, Bruno Sena, FONTES, Fernando, HESPANHA, Pedro e BERG, Aleksandra. A emancipação dos estudos da deficiência. http://www.acessibilidadenapratica.com.br/textos/tipos-de-barreiras/ SANTOS, Milton. A Natureza do Espaço: Técnica e Tempo, Razão e Emoção -4. ed. 2. reimpr. -São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2006. -(Coleção Milton Santos; 1) SCHIER Raul, Alfredo. Trajetórias do conceito e paisagem na geografia. Trajectories of the concept of landscape in geography 1 RA’E GA, Curitiba, n. 7, p. 79-85, 2003. Editora UFp 5150