Os Fazeres Jornalísticos em Juiz de Fora: Apontamentos sobre a
construção da realidade em jornais impressos e emissoras de TV locais1
COUTINHO, Iluska2 com Bianca Alvim, Lívia Fernandes e Mariana Pellegrini3
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Resumo: Os jornais impressos e telejornais são a forma principal de (re)conhecimento
da realidade pela maioria da população. Mas como os jornalistas constróem as
notícias? Quais os métodos e recursos empregados pelos repórteres para coletar
dados, apurar os fatos, em Juiz de Fora? Essas são as questões centrais do artigo que
apresenta os resultados de uma investigação preliminar sobre os procedimentos
adotados para apuração de dados em quatro veículos de comunicação: Jornal
Panorama; Tribuna de Minas; TV Alterosa e TV Panorama. A metodologia utilizada foi
a Análise do conteúdo jornalístico veiculado no período de 09 a 15 de outubro de 2004.
Entre as variáveis investigadas se destacam o número de fatos noticiados; as
evidências de presença dos repórteres no local de ocorrência do fato; a identidade e o
número de fontes de informação consultadas; o acesso a documentos e pesquisas
científicas. A partir das informações levantadas há uma reflexão sobre os limites do
jornalismo realizado atualmente em Juiz de Fora para a construção social de
conhecimento.
Palavras-chave: Apuração, Conhecimento, Jornalismo local, Fontes, Reportagem
Diariamente os jornais impressos são distribuídos e lidos, os telejornais
veiculados e consumidos como um produto que se apresenta como a reprodução fiel da
realidade, ou pelos menos como o registro de seus fatos mais importantes e/ou
relevantes para seu público leitor. Nos processos cada vez mais acelerados que marcam
as rotinas de jornalistas e leitores/ telespectadores, na maioria das vezes não há espaço
para a reflexão sobre como se daria a (re)construção da realidade nos meios noticiosos.
Esse artigo surgiu exatamente dessa proposta, de questionar de que maneira os fatos são
recuperados pelos repórteres e editores, para depois ser apresentados aos receptores de
informação jornalística. A reflexão sobre os fazeres jornalísticos tem como foco a
produção de notícias na região da Zona da Mata mineira, e de forma mais específica no
município de Juiz de Fora. A pesquisa se dirige desta forma ao jornalismo praticado nos
1
Trabalho apresentado ao GT1: “Jornalismo” – IX Celacom (2005)
Jornalista, mestre em Comunicação e Cultura (UnB) e Doutora em Comunicação Social (Umesp), com estágio
doutoral na Columbia University (NY). Professora do Departamento de Jornalismo da FACOM-UFJF.
3
Estudantes de Comunicação Social/ Jornalismo, bolsistas de Iniciação Científica (PIBIC-UFJF), participantes do
grupo de pesquisa Comunicação, Identidade e Cidadania (Cnpq).
2
jornais Panorama e Tribuna de Minas e nas emissoras de TV locais, TV Panorama e TV
Alterosa-JF.
Esses primeiros apontamentos integram um projeto maior que tem como aspecto
central a investigação, acompanhada de reflexão teórica, sobre os mecanismos e
estratégias utilizados no processo de produção de notícias na região de Juiz de Fora. De
forma mais específica, o problema de pesquisa se constitui na compreensão das rotinas e
práticas dos profissionais do jornalismo, em nível local, no que diz respeito aos recursos
utilizados para a coleta de dados que serão convertidos posteriormente na forma
preferencial de acesso a realidade, ou de seu conhecimento, por significativa parcela da
população.
Os estudos identificados como teorias do jornalismo têm origem nos Estados
Unidos, já em 1947, quando Kurt Lewin elabora o conceito de gatekeeper, ou
selecionador, como responsável pela decisão ou filtragem dos assuntos que seriam
convertidos em notícias. O conceito é aplicado ao jornalismo por David Manning White
em um artigo publicado pela primeira vez em 1950, “originando assim uma das
tradições mais persistentes e prolíferas na pesquisa sobre as notícias.” (Traquina, 2001,
p.54).
Este tipo de abordagem, que evidencia ou concentra suas investigações e
reflexões científicas nas etapas de elaboração da pauta e edição jornalística, também
pode ser encontrada nos estudos de matriz sociológica voltados a análise do processo de
produção das notícias, corrente de estudos preponderante nos anos 70, conhecida como
sociologia dos emissores. Autores como Gaye Tuchman (1978), Herbert Gans (1980) e
Altheide (1976) constituem referência importante para o (re)conhecimento dos
chamados critérios de noticiabilidade, a definição de valores compartilhados pelos
jornalistas e utilizados na transformação da realidade, ou de alguns de seus fragmentos
em notícia. Além disso, as etapas do fazer jornalístico ganham relevo: “As rotinas de
produção englobam e são constitutivas da ideologia” (Schlesinger, 1980, p.3673).
No Brasil a investigação sobre o jornalismo tem reservado espaço reduzido para
a compreensão efetiva no processo de produção das notícias, entendidas como forma de
construção social da realidade, ou ainda como produção social de conhecimento
(Meditsch, 1992). Referência importante nesta área é a obra de Adelmo Genro Filho,
que oferece suporte teórico a essas reflexões sobre o fazer jornalístico em Juiz de Fora.
Apesar disso é forçoso reconhecer que as pesquisas realizadas até hoje também
privilegiam a análise da seleção de temas a serem cobertos pelos meios de comunicação
(pauta) e de sua edição final. Este é o caso por exemplo das obras de Temer (2002) e
Pereira (2000) que tem como foco o telejornalismo. O primeiro livro se dedica a análise
do impacto do chamado jornalismo de serviços na seleção das notícias a serem
veiculadas nos telejornais da Rede Globo, enquanto o outro tem como foco as decisões
e rotinas de edição do telejornal RJTV 1ª Edição, veiculado pela TV Globo-Rio de
Janeiro.
Os processos de apuração jornalística, as atividades de coleta e avaliação de
dados que integram a chamada reportagem, entendida aqui como instrumento de
descobrimento da realidade, são abordados por Kovach e Rosenstiel (2003) como
aspectos centrais ou elementos do jornalismo, definidores da própria identidade
profissional dos jornalistas, e ainda da credibilidade de seu trabalho para a população.
Apesar disso há nesta área, especialmente no Brasil, uma lacuna acadêmica
significativa. As atividades que envolvem a reportagem e os saberes que possibilitam a
(re)construção do mundo no produto jornalístico são tema de publicações produzidas
por profissionais de sucesso que misturam uma narrativa de caráter pessoal, com relato
de experiências, ao oferecimento de dicas, espécie de guia a ser seguido pelos
jornalistas iniciantes como em Esteves (1993), Kotscho (1989) e Noblat (2002). Há
desta forma uma carência de aprofundamento, conceitual e teórico, sobre as etapas
percorridas pelos profissionais do jornalismo na construção social da realidade.
A inexistência de uma reflexão teórica sobre a apuração da notícia, dos
procedimentos para coleta de informações nos jornais, e das modificações sofridas neste
processo em função da democratização do acesso à tecnologia, tem contribuído para a
perpetuação de lacunas também no que se refere a própria formação universitária de
futuros jornalistas. Assim, sem referencial teórico adequado, é comum ocorrerem
limitações no próprio ensino superior, que no que se refere a apuração jornalística teria
um caráter mais tecnicista. É com a perspectiva de suprir uma lacuna teórica, que esse
projeto de pesquisa, voltado inicialmente a realidade local, é desenvolvido no âmbito do
grupo de pesquisa Comunicação, Identidade e Cidadania (UFJF-MG).
Após a realização de pesquisa bibliográfica sobre a temática da apuração
jornalística, etapa que privilegiou a produção científica recente reunida em bases de
dados digitais, tais como bibliotecas virtuais e anais de congressos científicos nacionais
e regionais, foi realizado um levantamento preliminar sobre os recursos utilizados pelos
jornalistas locais para reconstruir a realidade, a partir da leitura e análise dos próprios
relatos oferecidos aos leitores e telespectadores da região da Zona da Mata mineira.
Assim o objeto empírico se constituiu pelos jornais Tribuna de Minas e Panorama e
pelos programas televisivos MGTV1ª Edição e Jornal da Alterosa-Edição Regional.
Tendo como opção metodológica a utilização da análise de conteúdo,
estabeleceu-se como recorte temporal o período de uma semana completa, e desta forma
foram gravados os telejornais veiculados e coletados os jornais distribuídos entre os dias
09 e 15 de outubro de 2004.
Além disso outra delimitação foi feita a partir do conteúdo, origem das
informações veiculadas. Assim, como o objetivo central era refletir sobre as técnicas e
recursos utilizados para a apuração e (re)construção da realidade no jornalismo
praticado em Juiz de Fora, no caso dos dois jornais impressos objeto desse estudo,
Tribuna de Minas e Panorama, foram analisadas as matérias publicadas nas editorias de
Geral e Cidade, respectivamente. Essa delimitação se deu pelo fato de que esses são os
espaços editoriais que mais concentram conteúdos produzidos localmente e não a
utilização de material proveniente de agências de notícias. No caso do jornal Panorama
a editoria Cidade inclui ainda matérias das áreas de Política e Economia, que foram
desconsideradas na análise, de forma a possibilitar uma correlação com os conteúdos da
editoria Geral do jornal concorrente, a Tribuna de Minas.
No caso do produto veiculado pelas emissoras de TV foi necessário realizar
nova seleção/ delimitação apenas na análise do telejornal MGTV1ª Edição. Isso porque,
por se tratar de uma edição regional, o Jornal da Alterosa apresenta apenas material
produzido pela equipe de Juiz de Fora, enquanto o outro telejornal, veiculado em uma
emissora afiliada à Rede Globo de Televisão, possui um bloco estadual e matérias
produzidas em outras emissoras da rede que se localizam no estado de Minas Gerais.
Assim, na análise do telejornal da TV Panorama foram selecionados os conteúdos
(notas, entrevistas e matérias ou VT’s) produzidos no âmbito do jornalismo local, isto é,
pelos profissionais de Juiz de Fora.
O objetivo da análise das matérias publicadas, a tentativa de identificar os
recursos de apuração utilizados pelos jornalistas de Juiz de Fora, foi a principal diretriz
na definição das categorias a serem observadas. Assim, entre os aspectos que orientaram
a leitura se destacam: a existência de evidências de observação extensiva do fato pelo
repórter; o uso do recurso de personificação; a contextualização nas matérias; o número
de notícias com registros fotográficos e também com referência à pesquisas; o número e
característica das fontes de informação utilizadas. É importante destacar que foram
objeto de análise todos os fatos (re) construídos pelos jornais, independente da
dimensão ou do formato noticioso utilizado, de forma que a amostra investigada incluiu
notas, matérias e ainda reportagens.
A reconstrução da realidade nas páginas dos jornais em Juiz de Fora
A partir da análise do material jornalístico publicado, durante o período
analisado é possível dizer que o jornal Panorama reconstruiu em suas páginas um total
de 49 fatos, número inferior ao apresentado por seu concorrente direto, o jornal Tribuna
de Minas que, na mesma semana, apresentou aos seus leitores 80 notícias sobre a região
da Zona da Mata. A diferença de aproximadamente 39% no número de assuntos
noticiados talvez pudesse ser relacionada ao formato ou tamanho de impressão, standart
no caso da Tribuna e tablóide no Panorama, não tanto por qualidades intrínsecas aos
formatos gráficos, mas pelas características que essa diferenciação assumiu no caso
juizforano.
Lançado em dezembro de 2003 o jornal Panorama era inicialmente impresso em
formato standart, e se anunciava como “um jornal que obrigue a refletir, a pensar”. Para
colocar em prática essa proposta audaciosa foi montada uma redação que contava com
nomes de destaque, inclusive nacional, como Fritz Utzeri, que assumiu sua vice-direção.
Oito meses depois o jornal chegava às bancas com um novo formato, tablóide, e
simultaneamente com uma redação mais enxuta. Segundo o editorial Forma e
Conteúdo, assinado pelo presidente das Organizações Panorama Omar Resende Peres
no dia 30 de julho de 2004, a mudança daria a Juiz de Fora “(...) o direito de inserir-se
numa linha de vanguarda da imprensa das grandes cidades do mundo (...) O jornal, ao
contrário do que podem sugerir avaliações apressadas, não reduz seu volume”. Apesar
da promessa, à redução do tamanho de impressão não correspondeu um aumento no
número de páginas, o que resultou efetivamente na existência de um espaço menor para
a publicação das notícias, o que talvez pudesse se relacionar à diminuição do número de
jornalistas contratados, uma vez que a redação do diário também foi enxugada.
A mudança de rumos na gestão e produção do jornal foi admitida em entrevista
realizada durante a pesquisa pelo presidente das Organizações Panorama, a que pertence
o informativo, o ex-secretário de Indústria e Comércio de Minas Gerais Omar Peres
(governo Itamar Franco):
“Infelizmente não houve uma resposta de mercado, não ao jornal Panorama, na
realidade o que se mostra hoje é que não há leitores em Juiz de Fora. A venda
em banca hoje é de 5 mil exemplares e as assinaturas alcançam mais 5 mil
exemplares talvez. Esses dados são fornecidos pelos próprios distribuidores.
Então esse projeto importante foi demolido totalmente em seis meses. Vimos
que esse projeto era descomunal, pois tinha como objetivo vender 10 mil
exemplares por dia, e vendeu 2 a 4 mil. Fizemos uma consultoria de jornal
tablóide no Brasil e lançamos um projeto de um jornal mais objetivo,
condensado...” (Peres, 2005).
Apesar da diferença significativa no número de fatos que são relatados, pautas
apuradas, com relação à forma de reconstrução das histórias apresentadas, isto é, ao
sistema de apuração das informações impressas como notícias, os dois jornais
apresentaram uma característica comum, e preocupante. Isso porque um dos aspectos
que mereceu destaque durante a análise foi o baixíssimo índice de matérias em que era
possível identificar a observação extensiva do repórter sobre o tema retratado. Em
raríssimos casos foi evidenciado o contato direto do jornalista com a realidade que (re)
contava como verdade nas páginas do jornal.
Em termos numéricos, em apenas quatro matérias publicadas na Tribuna de
Minas (o que representa 5% do total) era possível dizer que a informação repassada aos
leitores havia sido verificada, pessoalmente pelo repórter, ou em outras palavras, era
possível receber do jornal um dado de primeira mão, sem a mediação de uma fonte de
informação relacionada ao caso. No jornal Panorama, de acordo com o texto impresso, o
número de situações em que ficava evidenciada a ida do repórter à campo é um pouco
maior, mas não atinge sequer ¼ das matérias publicadas. Relacionando esse dado ao de
número de fatos noticiados seria possível inferir que, apesar de oferecer mais notícias
aos seus leitores, a apuração dos fatos na Tribuna é feita de forma mais distanciada, ou
mediada pela tecnologia (telefone, reportagem assistida por computador, recebimento
de e-mail e releases). Apesar de ser possível identificar a presença do repórter em 12 das
60 matérias analisadas (24,49% do total), o distanciamento dos profissionais do Jornal
Panorama da realidade que contam em suas matérias ainda é muito alto.
A presença de fotografias sobre o fato abordado seria um outro recurso para
identificar uma relação direta dos profissionais do jornal com a apuração direta do fato
ou tema retratado. Nos dois jornais porém nem metade das matérias contou com o
registro do trabalho dos repórteres fotográficos. O índice de notícias publicadas com
fotos, durante a semana analisada, foi de 27,5% na Tribuna de Minas e 36,73% no caso
do Panorama.
Entre as técnicas tradicionais de apuração de uma informação também estariam a
consulta de documentos, o acesso a dados de pesquisa. Também esse recurso seria
pouco utilizado nos dois jornais, atingindo um pequeno índice dos fatos reconstruídos,
de acordo com a análise feita a partir de suas matérias. Apenas em 2,5% do material
publicado na Tribuna de Minas e 15,79% do conteúdo oferecido no jornal Panorama há
referências à utilizadas de pesquisas realizadas por instituições de reconhecimento
científico ou profissional, para além do próprio veículo.
O levantamento realizado indica que as entrevistas, informações repassadas por
uma ou mais fontes de informações, e em seguida (re)elaboradas por repórteres e
redatores no produto a ser apresentado cotidianamente aos leitores, seriam a forma
prioritária de apuração e (re)construção da realidade nos jornais de Juiz de Fora. Esse
procedimento recebeu de Kovach e Rosenstiel a denominação Jornalismo de
Afirmação, um tipo de fazer jornalístico oposto à forma de levantar informações, de
interesse público, que contaria com a verificação dos repórteres, com a checagem dos
dados pelos profissionais da notícia. Checar os dados, ir à campo e estar em contato
direto com os fatos a serem repassados aos leitores, seria uma das formas de praticar um
dos “elementos do jornalismo”, de fazer Jornalismo de Verificação.
Nos dois jornais analisados porém as informações partem, prioritariamente, de
declarações de fontes entre as quais se destacam as chamadas fontes oficiais, ligadas ao
Governo e ainda fontes policiais, e também aquelas diretamente relacionadas ao fato,
aqui chamadas de “Populares”. Também merece destaque e reflexão outro dado extraído
da análise de conteúdo dos dois jornais; a média de fontes por matéria: 1,95 fontes/fato
reconstruído na Tribuna e 1,79 no Panorama. O fato de nos dois diários a média de
fontes ouvidas ao longo da semana ser inferior a dois, significa que a premissa
fundamental de que o jornalista deve sempre “ouvir os dois lados da questão”, ou
quantos houver, é na apuração realizada em Juiz de Fora uma recomendação não
cumprida.
Com um projeto editorial aparentemente dirigido a conquistar seu público e se
consolidar no mercado, o jornal Panorama tem como fonte de informação prioritária os
cidadãos comuns, diretamente envolvidos com fato ou apenas conhecedores da situação
retratada, que representam 38,63% das 88 fontes ouvidas pelo veículo durante o período
de análise. As fontes da polícia correspondem a 30,68% do total, seguidas por
representantes do Governo (10,22%), Iniciativa Privada e Especialistas, os dois últimos
tipos de fonte constituem 4,54% das fontes consultadas, cada um.
Na Tribuna de Minas há uma concentração menor, mas polícia e população
continuam sendo as fontes de informação mais freqüentes, com 28,2% e 27,56%,
respectivamente. Um grupo que ganha destaque nesse jornal é o das organizações não
governamentais e grupos civis (14,74%), seguido pelas fontes do Governo (8,33%) e da
Iniciativa Privada (5,76%).
Esses dados podem se relacionar ao perfil do público desse jornal, que começou
a circular em setembro de 1981, tendo como proprietário Juracy Neves, médico,
empresário, dono da gráfica Esdeva. De acordo com Christina Musse, em artigo
apresentado no I Encontro Regional de Comunicação, o perfil do leitor da Tribuna de
Minas seria pertencente a classe média, 35 anos, renda mensal de três a dez salários
mínimos, homens e mulheres com nível de formação universitário. Ainda segundo o
trabalho, violência e consumo seriam os assuntos que mais atrairiam esse leitor, e o
jornal teria um enfoque mais regional.
Musse partiu da análise de 10 exemplares do jornal, publicados em janeiro de
2003, e de entrevistas com seus então editor Geral e editora chefe, Paulo César Magella
e Lílian Pace, respectivamente. Após uma reforma editorial a proposta seria não buscar
tanto pela instantaneidade, mas pela contextualização, sem que as matérias ficassem
presas ao factual. Outra mudança seria na forma de apuração da realidade, “Antes da
reforma o jornal usava muito releases. Hoje as principais fontes são e-mails,
telefonemas, cartas de leitores” (Musse, 2003). Apesar do discurso dos profissionais,
registrado pela pesquisadora, ela reconhece na Tribuna uma característica de jornal mais
funcionalista, que oferece informações de mais fácil consumo, sem grandes
preocupações com aprofundamento ou visão analítica dos fatos. Essa carência por
aprofundamento da informação foi reafirmada por meio da análise da forma de
(re)construção ou apuração da realidade. Isso porque, tendo as entrevistas como forma
de coleta de dados prioritária, em que pesem os aspectos anteriormente ressaltados, é
muito pouco provável que os jornalistas consigam oferecer aos leitores conteúdo
aprofundado e com análises.
A realidade na tela das emissoras locais
Tomando o mesmo período como recorte, durante a semana pesquisada o
número de fatos noticiados pelas duas emissoras de TV objeto deste trabalho, TV
Alterosa-JF e TV Panorama, foi inferior ao daqueles reconstruídos nas páginas dos
jornais impressos. Essa constatação porém não é uma característica do jornalismo
realizado localmente, ou de sua forma de apuração da realidade, mas está ligada à
própria natureza diferenciada de Jornal impresso e Televisão como meios de
informação. Enquanto o primeiro tem as informações como principal atrativo, como
produto a ser consumido por seus leitores, no caso das emissoras de TV o jornalismo é
apenas um dos integrantes de sua grade de programação. Isso representa uma
delimitação de tempo para a apresentação dos conteúdos noticiosos, o que ocorre nos
horários destinados aos telejornais, em geral tornando necessária uma seleção mais
rigorosa dos fatos a serem noticiados.
Desta forma o Jornal da Alterosa-Edição Regional e o MGTV1ªEdição
apresentaram aos seus telespectadores durante a semana de 09 a 15 de outubro de 2004
a reconstrução de 44 e 47 fatos, respectivamente. A similaridade com relação ao número
de notícias produzidas nas duas emissoras, uma diferença de apenas 6,8%, também se
reproduz no conteúdo das informações, isto é, a pauta dos dois telejornais quase não
apresenta diferenças. Desta forma o telespectadora da região não conta, no vídeo, com
opções alternativas no que se refere ao tipo de informação oferecido, sendo informado
dos mesmos assuntos pelas duas emissoras.
Por outro lado, ainda que por meio dos telejornais locais os moradores da região
da Zona da Mata mineira tem acesso a um número reduzido de fatos ou acontecimentos,
pela análise do material veiculado é possível perceber uma aproximação maior dos
profissionais da emissora com o fato noticiado do que no caso da mídia impressa local.
No caso do material exibido nos telejornais é possível identificar a presença da emissora
no local onde o fato ocorreu por meio da presença de imagens. No caso do Jornal da
Alterosa-Regional isso ocorre em 21 matérias, 47,72% do total das notícias
apresentadas pelo programa na semana de análise. Entre os fatos relativos à Zona da
Mata reconstruídos no período pelo MGTV1ª Edição, também 21 (44,68%) contaram
com imagens do local, o que evidencia a presença de equipe da emissora no local.
Vale ressaltar que o registro de imagens, apesar de ser um dado importante, não
ofereçe garantias de que a coleta desse material foi acompanhado por um jornalista. Isso
porque é uma prática ainda comum nas pequenas emissoras o envio, para a cobertura de
alguns fatos, apenas de profissionais de radialismo (cinegrafista com ou sem auxiliar).
Neste caso a apuração das informações é feita por produtores, da redação da própria
emissora. Outras vezes esse trabalho de coleta de dados audiovisuais, e informações, é
realizado por um estagiário do setor de jornalismo. Esse tipo de prática ocorre na TV
Panorama, que mantém um programa de treinamento para alunos no último período do
curso, e que acabam por se tornar produtores de campo4.
Em função dessa peculiaridade outro dado destacado na análise das matérias foi
a presença do repórter no vídeo nas matérias apresentadas, por meio de passagens. No
caso do noticiário da TV Alterosa isso correu em 25% do conteúdo apresentado (11
matérias), enquanto na emissora concorrente o índice foi de 21% (10 matérias), o que
poderia reforçar a tese de utilização de pessoal sem registro profissional de jornalista
para a realização das matérias (estagiários).
O uso de fontes nas reconstruções apresentadas nos telejornais das duas
emissoras também é inferior a dois, como nos jornais. Como no caso das informações
recebidas via mídia impressa, também nos relatos veiculados pela TV as notícias são
com freqüência contadas a partir de apenas um ponto de vista, o que torna as narrativas
limitadas no que diz respeito à complexidade com que o tema é abordado, além de
suscitar dúvidas de ordem ética, já abordadas anteriormente, na análise dos jornais
impressos.
Merece registro aqui o fato de que foram consideradas fontes de informação não
apenas os entrevistados pelas duas emissoras, mas todas as referências feitas a pessoas,
instituições, documentos, órgãos que teriam sido consultados pela emissora de acordo
com o texto audiovisual apresentado. Desta forma, ainda que contatadas apenas por
telefone, as fontes de informação foram contabilizadas na análise realizada, sempre que
isso foi explicitado no texto de repórteres e apresentadores. Durante a semana de análise
a reconstrução da história narrada nos telejornais a partir da versão de apenas uma fonte
foi mais freqüente na TV Alterosa, cuja média de fonte por matéria é de apenas 1,36 (60
fontes ouvidas em 44 fatos narrados). O índice da TV Panorama também é inferior ao
mínimo desejado, com a apresentação de 1,91 fonte por fato reconstruído ao longo do
MGTV1ª Edição (90 fontes consultadas em 47 matérias).
Nas duas emissoras as fontes de informação, com freqüência, além de oferecer
dados também integram a narrativa apresentada. Nas matérias ou VT’s que compõem os
dois telejornais analisados, um índice superior a 60% conta com o recurso da entrevista
na edição apresentada ao público. Neste caso recortes das vozes das fontes são inseridos
em 67,78% das matérias veiculadas no Jornal da Alterosa-Edição Regional, enquanto no
caso do MGTV 1ª Edição há pelo menos uma entrevista por videoteipe (VT) exibido.
No que diz respeito ao tipo de fontes mais presentes nas narrativas apresentadas
nos dois programas jornalísticos, como nos jornais impressos há uma preponderância do
grupo populares. No caso das matérias veiculadas nas duas emissoras de televisão, mais
do que oferecer uma informação nova ou adicional para a reconstrução da realidade na
telinha esse tipo de fonte oferece sua vivência ou opinião sobre o tema coberto,
contribuindo para a edição de um relato mais emocional.
Na TV Alterosa um índice de 28,3% das fontes ouvidas pertence ao grupo
Populares, seguidas na ordem de preferência pelas fontes policiais (18,3%) e pelo grupo
Políticos/ Autoridades (13,3%). O telejornal apresentado pela emissora afiliada à Rede
Globo (TV Panorama) ao contrário, não recorre a esse grupo com freqüência,
registrando porém grande participação de especialistas (14,4%) e policiais (15,6%),
ainda que a participação das chamadas “fontes Populares” seja ainda mais significativa,
correspondendo a 38,9% do total de entrevistados.
Ao tentar se utilizar do recurso à consulta de especialistas, a TV Panorama busca
a legitimação do material apresentado, que em tese teria um caráter de aprofundamento
maior do que o veiculado pela emissora recorrente. Além disso, em suas matérias, a
emissora afiliada da Rede Globo ainda lança mão de pesquisas científicas, como forma
4
Em grandes centros também há a possibilidade de recebimento de material tipo release em vídeo,
de apuração/ reconstrução da realidade, desta vez com o auxílio do discurso da
“ciência”. Apesar disso a utilização das pesquisas no telejornal ainda é muito limitada;
ocorre em quatro matérias, cinco por cento do total apresentado ao longo da semana,
enquanto no Jornal da Alterosa não há nenhuma referência ou indício de utilização de
pesquisas.
Como no caso dos jornais impressos o uso de entrevistas parece ser a via
preferencial para a reconstrução dos fatos pelos jornalistas das TV’s em Juiz de Fora.
Em que pese um índice maior de presença das emissoras no local em que ocorrem os
fatos, com o registro de imagens por seus profissionais, isso não se converte porém em
um aprofundamento do material apresentado, além do fato de que as entrevistas editadas
muitas vezes não oferecem dado ou reflexão novos, mas sim possam ser consideradas
como mais como recurso utilizado em busca da identificação e/ou envolvimento
emocional do telespectador.
Conclusões
Em busca de algumas conclusões preliminares no levantamento da forma de
reconstrução da realidade no Jornalismo Local é interessante relacionar os dados
encontrados na pesquisa
com a proposta de Adelmo Genro Filho, para quem o
Jornalismo deveria ser entendido como uma forma de conhecimento da realidade. O
autor critica o que considera as três concepções teóricas sobre o jornalismo. Na primeira
delas, que ele denomina de “generalidade abstrata”, a atividade de informar seria vista
apenas como uma forma de comunicação, o que em sua avaliação não seria capaz de
captar o que é específico ou concreto do Jornalismo. Genro Filho também critica as
perspectivas funcionalista e a abordagem crítica, está última por ver o jornalismo apenas
como um instrumento de reforço da ordem vigente.
Genro Filho vai buscar na filosofia as referências para a concepção do
Jornalismo como “uma forma social de conhecimento”. Por meio da apropriação das
categorias referência Singular, Particular e Universal, ele considera que a força do
Jornalismo seria precisamente a singularidade. Isso porque, de acordo com o autor, seria
por meio das características do fato, de seus detalhes que seriam recuperados pelos
distribuído pelas Assessorias de Comunicação, com informação impressa suplementar.
repórter, é que seria possível montar um quadro semelhante com a percepção imediata
dos indivíduos, construir narrativas próximas da maneira como os receptores da
informação veiculada pelos meios de comunicação de massa desvelam as coisas que
vêem ao seu redor, com que leitores e telespectadores conhecem a realidade à sua volta.
Como uma forma de conhecimento cristalizado no singular, numa época em que
o gênero humano se tornou um todo interdependente, formando um só sistema em
virtude do capitalismo e da globalização, o Jornalismo cumpriria um papel semelhante
ao papel que cumpre a percepção individual da singularidade dos fenômenos – em que
cada indivíduo conhece apenas o que acontece à sua volta – ampliando a visão dos
cidadãos, leitores, por meio do envolvimento dos repórteres, que presenciariam os
acontecimentos, e os multiplicariam depois por meio da redação de textos noticiosos.
Genro Filho salienta contudo que, como toda forma de conhecimento, o
Jornalismo pressupõe também um posicionamento do sujeito (repórter, projeto editorial
do veículo) diante do objeto (realidade a ser apurada). Pelas características levantadas
na análise de conteúdo realizada poderíamos avaliar que o tipo de conhecimento social
da realidade produzido por meio das técnicas de apuração e (re) construção dos fatos
nos veículos de comunicação de Juiz de Fora (Jornal Panorama e Tribuna de Minas, na
mídia impressa, e Jornal da Alterosa e MGTV1ªEdição, na TV) sugerem que o
jornalismo aqui praticado não cumpriria a essência dessa atividade, sendo incapaz de
oferecer ao público a singularidade das notícias.
Por meio do uso intensivo e quase exclusivo de entrevistas como forma de
apuração da realidade a ser noticiada, os repórteres não teriam condições de construir
uma narrativa informativa com tantos elementos quanto aqueles comuns à percepção da
realidade imediata pelos indivíduos. Desta
forma, ao invés de se constituir em
conhecimento social da realidade, o Jornalismo experimentado pelos leitores e
telespectadores de Juiz de Fora seria capaz apenas de apresentar alguns vozes e/ou
sinais de fontes que teriam participado do fato, sem a garantia de credibilidade ou
consolidação destas informações.
Para além dos elementos complicadores no que diz respeito ao aspecto ético
e/ou de isenção das informações apresentadas, como já destacado anteriormente, os
resultados obtidos reforçam a perspectiva de que haveria uma carência de
aprofundamento dos relatos apresentados. Em outras palavras, em um mundo
caracterizado cada vez mais pela complexidade, os produtos jornalísticos locais
disponíveis para os moradores da Zona da Mata mineira oferecem reconstruções dos
fato limitadas a um conhecimento superficial, do domínio do senso comum. Desta
forma, informados (será mesmo?) pelos mídia locais os cidadãos não teriam elementos
para (re)conhecer de forma crítica e autônoma o mundo ao seu redor.
Referências
BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1995.
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