AVALIAÇÃO DOS EFEITOS DO TEOR DE UMIDADE DE
COMPACTAÇÃO E VARIAÇÕES DE UMEDECIMENTO E
SECAGEM NA RESISTÊNCIA AO CISALHAMENTO DE UM
SOLO ARGILO-SILTOSO
Matheus Ferreira Matuella
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil, [email protected]
Washington Peres Núñez
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil, [email protected]
Wai Ying Yuk Gehling
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil, [email protected]
Rodrigo Carreira Weber
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil, [email protected]
RESUMO: Nos pavimentos, as camadas de suporte são compactadas na umidade ótima, estando,
portanto, na condição não saturada, na qual está presente a sucção. As características do solo sobre
o qual está situado o pavimento interferem diretamente na vida útil da rodovia. Segundo a norma
DNIT 137/2010 e levando em consideração a importância do estado de saturação, este trabalho
busca relacionar a umidade do solo na compactação e em trajetórias de umedecimento e secagem
após a compactação, a fim de avaliar a resistência ao cisalhamento, para os intervalos aceitos na
norma. O solo analisado provém de uma jazida situada próxima a BR116, na região metropolitana
de Porto Alegre, e pode ser caracterizado como material siltoso, quando analisado sem o uso de
defloculante, e argilo-siltoso, quando utilizado o defloculante. O material apresenta umidade ótima
de 16%, peso específico aparente seco máximo de 16,43 kN/m³ e Índice de Plasticidade de 9%. Os
corpos de prova foram compactados com três teores de umidade: 14%, 16% e 18%. Foi realizado o
ensaio de Cisalhamento Direto inundado e não-inundado (condições saturada e não-saturada,
respectivamente) para os tres diferentes teores de umidade de compactação. O ensaio foi também
realizado sem inundação para amostras que foram submetidas a variação de umidade. Observou-se
que a resistência ao cisalhamento variou em função da umidade de compactação e das trajetórias de
umedecimento e secagem. O umedecimento causou uma redução maior da tensão de cisalhamento
nas amostras compactadas abaixo da umidade ótima do que nas demais umidades. O umedecimento
na umidade ótima causou pouca variação com relação à compactada acima da ótima. A secagem
gerou um aumento considerável de resistência em todos os casos. Com estes resultados, tem-se um
melhor entendimento de como o solo reage às variações climáticas, conforme seu estado de
saturação. A pesquisa mostra que a resistência do solo é significativamente influenciada pelo teor
de umidade de compactação e pelas variações de umidade decorrentes das trajetórias de
umedecimento e secagem.
PALAVRAS-CHAVE: Pavimento, Resistência ao Cisalhamento, Sucção.
1
INTRODUÇÃO
No princípio, a Mecânica dos Solos clássica
teve seus conceitos baseados principalmente em
solos sedimentares na condição saturada,
devido à relativa facilidade de interpretação de
resultados e à abundancia desse tipo de solo nas
regiões onde se desenvolveram esses estudos.
Com o passar do tempo, em decorrência da
divergência de comportamento observada,
verificou-se a necessidade de expandir esses
estudos para diferentes materiais e estados de
saturação (FREDLUND; RAHARDJO, 1993),
encontrados principalmente em regiões de clima
tropical; desta forma, começou a se desenvolver
a Mecânica dos Solos aplicada a solos não
saturados. Nesse panorama, encontra-se a área
de pavimentação, na qual pesquisas com esse
escopo estão em crescimento, dadas as
implicações da preterição desses fatores em
certos casos.
Nos pavimentos, as camadas de suporte são
compactadas na umidade ótima do solo,
estando, portanto, na condição não saturada,
onde está presente a sucção. Sabe-se que as
características do solo sobre o qual está situado
o pavimento interferem diretamente na sua vida
útil e, segundo a norma DNIT 137/2010, a
tolerância máxima admitida para a umidade
higroscópica do material a ser compactado é de
±2% em relação à umidade ótima.
Considerando a importância do estado de
saturação do solo para a execução de
pavimentos, este trabalho busca avaliar a
resistência deste material, relacionada à
umidade de compactação do solo e às trajetórias
de umedecimento e secagem após o processo. A
partir de ensaios de Cisalhamento Direto
convencional, foi possível mensurar o aumento
da resistência proveniente da perda de umidade
do material, assim como o decréscimo, quando
umedecido. Os dados obtidos nessa pesquisa
evidenciam a importância e os efeitos da sucção
em trabalhos futuros e aplicações práticas de
engenharia geotécnica.
2
MATERIAIS E MÉTODOS
2.1 Características do Material e Área de
Estudo
A área foi escolhida em virtude de sua
proximidade à rodovia BR116, e estava sendo
estudada como possível jazida de materiais a
serem utilizados na duplicação da rodovia
(WEBER, 2013). Para o estudo em questão, foi
utilizado solo coletado próximo aos municípios
de Eldorado do Sul e Guaíba, na região
metropolitana de Porto Alegre, no Rio Grande
do Sul. Esse material apresenta umidade ótima
(wot) de 16%, peso específico aparente seco
máximo de 16,43 kN/m³, Índice de Plasticidade
de 9% e, quando caracterizado sem
defloculante, pode ser considerado como um
material siltoso; quando analisado com
defloculante, pode ser considerado argilosiltoso.
2.2
Ensaio de Cisalhamento Direto
O ensaio de Cisalhamento Direto é a técnica
mais utilizada na determinação dos parâmetros
de resistência ao cisalhamento de solos por ser
um ensaio rápido, relativamente simples e de
baixo
custo.
Consiste
em
romper
horizontalmente uma amostra de solo
comprimida verticalmente por uma tensão
normal, resultando na tensão cisalhante máxima
que o solo suporta nessa condição.
Para a preparação de cada corpo de prova
(CP), primeiramente fez-se a separação de uma
porção de solo. Os corpos de prova foram então
compactados com umidades de 14%, 16% e
18%. Estes valores foram escolhidos em
decorrência da variação do teor de umidade
permitida por norma; desta forma, almeja-se
alcançar os valores máximos e mínimos que
podem ser atingidos e analisar as implicações
da variação da umidade após a compactação,
para a tensão de ruptura desse material.
Após a verificação da umidade, o solo foi
compactado
na
energia
Normal
e
posteriormente esculpido em forma de disco, de
6 cm de diâmetro e 2 cm de altura, com ajuda
de um anel metálico. Com o CP devidamente
esculpido, foi realizado o umedecimento, a
secagem ou diretamente o ensaio, quando não
houve variação de umidade após a
compactação.
Nos casos em que o ensaio foi realizado em
umidade distinta à de compactação, a variação
dessa umidade se deu com adição de água
destilada (no caso de aumento de umidade) e
com secagem feita ao ar livre (quando as
amostras perderam umidade). O controle da
umidade foi feito verificando-se o peso do
corpo de prova. Quando se alcançava o teor de
umidade desejado, os CPs eram envoltos em um
filme de PVC, e mantidos embalados até que a
umidade fosse homogênea em todo o corpo de
prova, para então serem ensaiados.
Quando realizados na condição saturada, os
corpos de prova foram compactados nas
umidades desejadas, dispostos no equipamento
da Wykeham Farrance para medição da
resistência ao cisalhamento direto e então foi
realizada a inundação da caixa de cisalhamento,
conforme mostrado na Figura 1, para posterior
rompimento da amostra.
também fosse possível determinar o ângulo de
atrito interno (φ) e coesão (c) dessa amostra de
solo.
Como critério de ruptura, adotou-se a tensão
cisalhante máxima nos ensaios, uma vez que
grande partes destes apresentarem um pico
evidente. Já como critério de finalização do
ensaio, foram adotadas duas situações: (a)
quando a tensão de cisalhamento atingia um
valor constante ou (b) quando o deslocamento
horizontal atingia 10% do diâmetro do CP valor máximo permitido pelo equipamento.
3
RESULTADOS
Após romper 30 corpos de prova, foram obtidos
os resultados apresentados nas tabelas 2 e 3
dispostas abaixo.
Tabela 2. Resultados do ensaio de Cisalhamento Direto
na condição saturada.
Tensão
T rupt
Amostra Normal
W0(%)
(kPa)
(kPa)
Figura 1. Detalhe da caixa de cisalhamento.
Visando obter resultados que incluam os
limites permitidos pela norma DNIT 137/2010
(Pavimentação – Regularização do subleito –
Especificação de serviço) para os ensaios de
Cisalhamento direto, os CPs foram então
moldados e ensaiados conforme mostrado na
tabela 1.
25
14
22,9
50
14
41,1
100
14
62,4
25
16
31,3
50
16
52,8
100
16
84,8
25
18
36,8
50
18
44,5
100
* umidade ótima
18
83,2
14%
16%*
18%
Tabela 1. Umidades de compactação e ensaio dos CPs.
Umidade de
Umidade de
Tipo de Variação
Compactação
Ensaio
(%)
Alcançada (%)
Sem variação
14
14
Sem variação
16
16
Sem variação
18
18
Umedecimento
14
16
Umedecimento
16
18
Secagem
16
14
Secagem
18
16
Para cada situação mostrada na tabela 1, três
CPs foram montados e ensaiados com tensões
normais líquidas de 25, 50 e 100 kPa, de modo
que a partir dos dados obtidos no experimento
Durante a execução do experimento, foram
também gerados os gráficos de Tensão
Cisalhante versus Tensão Normal, apresentados
nas figuras 2 à 5.
16%*
18%
16%-2%
16%+2%
14%+2%
18%-2%
14
14
117,3
50
14
14
138,4
100
14
14
161,5
25
16
16
71,8
50
16
16
90,5
100
16
16
129,0
25
18
18
58,6
50
18
18
78,2
100
18
18
103,7
25
16
14
167,0
50
16
14
286,2
100
16
14
392,8
25
16
18
39,3
50
16
18
61,4
100
16
18
112,4
25
14
16
50,3
50
14
16
61,8
100
14
16
103,2
25
18
16
105,6
50
18
16
135,6
100
18
16
173,3
Tensão de Ruptura (kPa)
120
100
80
60
40
175
150
125
100
75
50
25
14%
0
0
14%
0
0
25
50
16%
75
100
50
75
Tensão Normal (kPa)
100
18%
125
500
400
300
200
100
16%
0
0
25
50
16+2%
75
Tensão Normal (kPa)
100
16-2%
125
Figura 4. Variação da Tensão Cisalhante em função da
Tensão Normal das amostras compactadas em 16% e
submetidas a umedecimento e secagem.
200
180
160
140
120
100
80
60
40
20
0
14+2%
0
20
25
16%
Figura 3. Variação da Tensão Cisalhante em função da
Tensão Normal das amostras ensaiadas na condição não
saturada sem trajetórias de umadecimento e secagem.
Tensão de Ruptura (kPa)
* umidade ótima
Tensão de Ruptura (kPa)
14%
25
200
Tensão de Ruptura (kPa)
Tabela 3. Resultados do ensaio de Cisalhamento Direto
na condição não saturada.
Tensão
T rupt
Wf(%)
Amostra Normal
W0(%)
(kPa)
(kPa)
25
50
75
16%
Tensão Normal (kPa)
100
18-2%
125
18%
125
Tensão Normal (kPa)
Figura 2. Variação da Tensão Cisalhante em função da
Tensão Normal das amostras ensaiadas na condição
saturada.
Figura 5. Variação da Tensão Cisalhante em função da
Tensão Normal das amostras ensaiadas na condição não
saturada e umidade final de ensaio de 16%.
Ao compararmos os resultados apresentados
nesses gráficos, nota-se que quando as amostras
são submetidas a trajetórias de umedecimento, a
coesão do solo é significativamente reduzida. Já
quando essas amostras sofrem o processo de
secagem, ocorre um acréscimo na coesão e no
ângulo de atrito interno do material. Este
comportamento é facilmente percebido na
figura 4, na qual podemos ver um grande
aumento de coesão e ângulo de atrito para as
amostras compactadas na umidade ótima e
submetidas à secagem.
Os parâmetros de resistência para o solo
estudado, obtidos dos resultados do ensaio, e o
coeficiente de determinação R² das envoltórias
estão agrupados na tabela 4.
Tabela 4. Resumo dos parâmetros de resistência.
Condição
Amostra
φ
c (kPa)
do Ensaio
Saturado
Não
Saturado
R²
14%
27,1º
12,2
0,979
16%*
35,1 º
15,3
0,994
18%
32,6 º
17,5
0,968
14%
29,7 º
105,8
0,973
16%*
37,4 º
52,5
0,999
18%
30,5 º
45,8
0,987
16%-2%
70,9 º
113,7
0,951
16%+2%
44,5 º
13,8
0,999
14%+2%
35,8 º
29,6
0,985
18%-2%
41,4 º
86,8
0,985
* umidade ótima
4
representada na Figura 6 abaixo, sofrendo
trajetórias de umedecimento e secagem.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os experimentos desenvolvidos neste trabalho
permitiram avaliação do comportamento da
resistência ao cisalhamento de um solo
compactado em diferentes umidades, frente a
trajetórias de umedecimento e secagem.
Percebeu-se que quando se compacta um
material com umidade em torno da ótima e este,
após compactação, perde umidade, podemos
alcançar grandes incrementos de resistência ao
cisalhamento. Quando o efeito é oposto e a
umidade do material aumenta, podem ocorrer
grandes reduções de resistência, principalmente
para materiais compactados abaixo do teor de
umidade ótima.
Embora o equipamento utilizado não
permitia que fossem feitas medições relativas à
sucção durante o ensaio, Weber (2013, p. 82)
estudou a curva de retenção desse solo para
uma amostra compactada a 16% de umidade,
Figura 6. Curva de retenção da amostra com 16% de
umidade inicial em trajetórias de umedecimento e
secagem.
Tais observações são de grande relevância
para as aplicações práticas de engenharia
geotécnica. Com o devido controle da umidade
do solo, é possível promover economia de
recursos financeiros e obter benefícios em
relação à segurança.
Podemos, por exemplo, em obras de longa
duração, planejar que uma determinada
escavação ou corte de um talude, seja feito em
uma estação mais seca do ano, quando o solo
possivelmente estará menos úmido e,
consequentemente,
suportará
tensões
cisalhantes maiores, e se manterá estável em
inclinações mais acentuadas. Outro exemplo
que podemos ter é a construção de uma rodovia.
Se controlada a umidade das camadas suporte
do pavimento, com a instalação de dispositivos
que conduzam a água para fora do pavimento,
ou utilizando camadas que possibilitem a
percolação da água, não deixando que essa se
acumule no interior da estrutura, estaremos
evitando que essas camadas percam resistência
devido à elevação da umidade.
AGRADECIMENTO
Agradeço ao CNPq pelo auxílio, tornando
possível a realização dessa pesquisa.
REFERÊNCIAS
AMERICAN SOCIETY FOR TESTING AND
MATERIALS, ASTM D3080. Standard Test
Method for Direct Shear Test of Soils Under
Consolidated Drained Conditions. USA,
1998.
DEPARTAMENTO
NACIONAL
DE
INFRAESTRUTURA DE TRANSPORTE,
DNIT 137. Pavimentação – Regularização
do subleito – Especificação de serviço. Rio
de Janeiro. 2010.
FREDLUND, D.G.; RAHARDJO, H. Soil
Mechanics for unsaturated soils. Ed John
Wiley & Sons. New York, NY. 1993.
WEBER, R.C. (2013) Avaliação das trajetórias
de
umedecimento
e
secagem
na
deformabilidade elástica de solos compactos,
Dissertação de Mestrado, Programa de PósGraduação Engenharia Civil, Departamento
de Engenharia Civil, Universidade Federal
do Rio Grande do Sul, 139 p.
Download

avaliação dos efeitos do teor de umidade de