Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental PEÇAS TÉCNICAS RELATIVAS A PLANOS MUNICIPAIS DE SANEAMENTO BÁSICO MINISTÉRIO DAS CIDADES SECRETARIA NACIONAL DE SANEAMENTO AMBIENTAL PEÇAS TÉCNICAS RELATIVAS A PLANOS MUNICIPAIS DE SANEAMENTO BÁSICO book_livro_tecnico.indb 1 20/07/2011 17:28:54 República Federativa do Brasil Presidenta da República Dilma Vana Rousseff Ministro das Cidades Mário Silvio Mendes Negromonte Secretário Executivo do Ministério das Cidades Roberto de Oliveira Muniz Secretário Nacional de Saneamento Ambiental Leodegar da Cunha Tiscoski Chefe de Gabinete Yuri Rafael Della Giustina Diretora de Articulação Institucional Viviana Simon Diretor de Desenvolvimento e Cooperação Técnica Manoel Renato Machado Filho Diretor de Águas e Esgotos Johnny Ferreira dos Santos MINISTÉRIO DAS CIDADES SECRETARIA NACIONAL DE SANEAMENTO AMBIENTAL PEÇAS TÉCNICAS RELATIVAS A PLANOS MUNICIPAIS DE SANEAMENTO BÁSICO 1ª Edição Brasília 2011 book_livro_tecnico.indb 3 20/07/2011 17:28:54 Copyright © 2011 – Ministério das Cidades Permitida a reprodução sem fins lucrativos, parcial ou total, por qualquer meio, se citados a fonte e o sítio da Internet no qual pode ser encontrado o original em http//:www.cidades.gov.br Disponível também em: http://www.cidades.gov.br/planosdesaneamento Tiragem desta edição: 8.500 exemplares Impresso no Brasil 1ª Edição: 2011 Diretoria de Articulação Institucional/Secretaria Nacional de Saneamento Básico/Ministério das Cidades Pesquisa realizada com o apoio de: Ministério das Cidades/ Secretaria Nacional de Saneamento Básico Editoração eletrônica: Vinícius Gomes Impressão: Êxito Gráfica e Editora CIP – Brasil. Catalogação-na-fonte ________________________________________________________________ Brasil. Ministério das Cidades. Peças Técnicas Relativas a Planos Municipais de Saneamento Básico Brasília: Ministério das Cidades, 2011. 1ª edição. 244 p.: il. ISBN 978-85-7958-024-6 I. Política. II. Planejamento. III. Saneamento. IV Publicações oficiais. V. Título. CDU 33.021:628(061)(81) Índices para catálogo sistemático: 1. Política. Planejamento 2. Saneamento. 3. Publicações oficiais book_livro_tecnico.indb 4 332.021 628 (061) 20/07/2011 17:28:54 APRESENTAÇÃO GERAL A Lei nº 11.445/2007 orienta os municípios a implementarem suas políticas e a elaborarem os seus Planos Municipais de Saneamento Básico. A este instrumento de planejamento é dada grande importância na nova organização e estruturação da gestão dos serviços de saneamento. Esta publicação faz parte do conjunto de materiais técnicos que a Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental – SNSA está publicando: Guia para Elaboração de Planos de Saneamento Básico Participativos, Política e Plano Municipal de Saneamento Ambiental: Experiências e Recomendações, Cartilha “Plano de Saneamento Básico Participativo”. Aborda aspectos relativos ao planejamento e à gestão, aos pressupostos e à metodologia para a elaboração de planos, ao conteúdo mínimo definido para o diagnóstico, à participação e ao controle social, ao uso de tecnologias apropriadas e aos novos paradigmas tecnológicos, à avaliação de políticas públicas e a atividades de regulação, fiscalização e do financiamento das ações. Após a publicação, esses materiais serão utilizados para a divulgação e sensibilização dos municípios, titulares do serviço e responsáveis por formular a política e elaborar o plano de saneamento básico, ações indelegáveis a outro ente, quanto à importância do planejamento e da participação. Essas ações ilustram a preocupação da SNSA e do Ministério das Cidades em contribuir e apoiar os municípios brasileiros no processo de reorganização do saneamento básico no país, orientado pela nova lei do saneamento - uma conquista da sociedade brasileira. Leodegar da Cunha Tiscoski Secretário Nacional de Saneamento Ambiental book_livro_tecnico.indb 5 20/07/2011 17:28:54 book_livro_tecnico.indb 6 20/07/2011 17:28:54 DOCUMENTO CONCEITUAL book_livro_tecnico.indb 7 Elaboração de Plano de Saneamento Básico: Pressupostos, Princípios, Aspectos Metodológicos e Legais Patrícia Campos Borja 20/07/2011 17:28:56 Revisado e atualizado por: Clênio Argolo João Batista Peixoto João Carlos Machado Tatiana Santana Timóteo Pereira Alexandre Araújo Godeiro Carlos Otávio Silveira Gravina Gabriella Pereira Giacomazzo Brasília - 2011 book_livro_tecnico.indb 8 20/07/2011 17:28:56 SUMÁRIO 1 Gestão e Planejamento da Prestação dos Serviços de Saneamento Básico no Brasil: Contexto Atual e Desafios...........................................................................................................................11 9 2.1 A natureza pública das ações de saneamento básico.....................................................................................................13 2.2 Os princípios da política de saneamento básico...........................................................................................................19 2.3 A intersetoralidade......................................................................................................................................................21 2.4 Gestão associada e o papel dos diferentes entes da federação....................................................................................26 3 Plano de Saneamento Básico: Aspectos Metodológicos ..........................................................................................32 3.1 Ação de planejamento: conceitos e abordagens...........................................................................................................32 3.1.1 Quais são os sujeitos do processo de planejamento?..................................................................................................34 3.1.2 Sob quais pressupostos o planejamento será realizado?..........................................................................................36 3.1.3 Qual o objetivo do Plano?...........................................................................................................................................37 3.1.4 Qual a metodologia que será utilizada?...................................................................................................................37 3.2 Etapas do planejamento..............................................................................................................................................40 ELABORAÇÃO DE PLANO DE SANEAMENTO BÁSICO: PRESSUPOSTOS, PRINCÍPIOS, ASPECTOS METODOLÓGICOS E LEGAIS 2 Elaboração de Plano de Sane amento Básico: Pressupostos.......................................................................................13 3.3 O planejamento e os diferentes territórios...................................................................................................................42 3.4 Plano de Saneamento Básico, Plano Diretor e Plano de Bacia Hidrográfica: o diálogo necessário.................................42 4 Planos Municipais de Saneamento Básico: Aspectos Legais....................................................................................46 5 Referências..................................................................................................................................................................48 book_livro_tecnico.indb 9 20/07/2011 17:28:58 book_livro_tecnico.indb 10 20/07/2011 17:28:58 1. GESTÃO E PLANEJAMENTO DA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS DE SANEAMENTO BÁSICO NO BRASIL: CONTEXTO ATUAL E DESAFIOS Segundo essa norma, cabe ao titular dos serviços formular a respectiva política pública de saneamento básico, ação indelegável a outro ente, devendo para tanto elaborar o Plano de Saneamento Básico (art. 9º, BRASIL, 2007a). A Lei nº 11.445/2007, ao regular a prestação dos serviços, define quatro funções de gestão: o planejamento, a prestação dos serviços, a regulação e a fiscalização. Segundo o art. 8º dessa Lei, o titular pode delegar a organização, a regulação, a fiscalização e a prestação dos serviços, exceto o planejamento, que é indelegável. Por outro lado, a mesma lei prevê que o exercício de todas as funções de gestão deve atender ao princípio fundamental de controle social estabelecido no inciso X, do art. 2º, cabendo ao titular dos serviços estabelecer os mecanismos e procedimentos para essa função, conforme determina o inciso V, do art. 9º, visando garantir à sociedade informações, representações técnicas e participações nos processos de formulação de políticas, de planejamento e de avaliação relacionados aos serviços públicos de saneamento básico. Nessa lei, o Plano de Saneamento Básico assume caráter central e condição indispensável para a gestão dos serviços. É por essa razão que estabelece, entre outras diretrizes, que: • a validade dos contratos de prestação dos serviços depende da existência do Plano (inciso I, do art. 11); • os planos de investimentos e projetos dos prestadores devem ser compatíveis com as diretrizes do Plano (§ 1º, do art. 11); • a entidade reguladora e fiscalizadora deve verificar o seu cumprimento (parágrafo único, do art. 20); • a alocação de recursos públicos federais e os financiamentos com recursos da União ou geridos por órgãos ou entidades da União ficam condicionados à existência do Plano (art. 50). 11 ELABORAÇÃO DE PLANO DE SANEAMENTO BÁSICO: PRESSUPOSTOS, PRINCÍPIOS, ASPECTOS METODOLÓGICOS E LEGAIS A aprovação da Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007, que estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico e para a política federal de saneamento básico (BRASIL, 2007a), produto de amplos debates ao longo das duas últimas décadas, inaugurou uma nova e desafiadora fase na história da área de saneamento no Brasil: a exigência legal da ação de planejamento. Nesse novo cenário, o poder local – o município – é confirmado como o grande protagonista do saneamento básico no Brasil, que, com a Lei nº 11.445/2007, passa a contar com o suporte legal para exercer a titularidade na gestão dos serviços, restabelecendo o que preconizou a Constituição Federal, há 20 anos, quando definiu a competência municipal para “legislar sobre assuntos de interesse local” e para “organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre por meio de licitação, os serviços públicos de interesse local” (BRASIL, 1988, s.p). Esse novo ambiente jurídico da área de saneamento vem ao encontro de antigos anseios de segmentos organizados da sociedade, no entanto, traz no seu bojo uma série de desafios que deverão ser enfrentados e superados por todos os atores envolvidos. Até o momento, dos 5.564 municípios brasileiros, poucos dispõem de Planos de Saneamento Básico. Ou seja: a grande maioria dos municípios ainda necessita elaborar seus Planos, de forma participativa. O fato do acesso a recursos da União e de fundos federais estar condicionado à existência de Planos de Saneamento Básico e à regularização dos instrumentos de outorga para prestação dos serviços, incluídos contratos de delegação, aponta para preocupações prementes em torno da elaboração desses Planos. book_livro_tecnico.indb 11 20/07/2011 17:29:00 A fragilidade do poder público municipal no Brasil faz com que o desenvolvimento de estratégias e mecanismos de capacitação e de apoio institucional e financeiro aos municípios, por parte dos governos federal e estaduais, tanto para a elaboração dos Planos como para o aprimoramento da gestão, seja condição necessária e urgente para o alcance dos princípios fundamentais e o cumprimento das diretrizes estatuídos na Lei nº 11.445/2007. 12 Segundo dados do IBGE (2007), 72% dos municípios brasileiros têm população menor que 20.000 habitantes, o que, somados, correspondem a cerca de 20% da população do país. Por outro lado, em torno de 43% da população encontra-se em municípios com população entre 50.000 e 1.000.000 de habitantes, correspondendo a 9,6% dos municípios. Esses dados revelam desafios diferenciados para municípios que possuem populações menores, a maioria, e para os municípios de maior população, a minoria, que guardam em seus territórios os maiores déficits sociais do país, o que inclui as regiões metropolitanas. Essa realidade traz dois elementos para análise: o primeiro diz respeito às condições organizacionais, institucionais e de recursos dos municípios de menor população para elaborarem seus Planos; o segundo relaciona-se à maior complexidade das condições socioambientais e da prestação dos serviços nos municípios de maior porte populacional, o que também requer esforços adicionais de planejamento e, consequentemente, capacidade institucional. Embora a experiência e a literatura evidenciem que políticas públicas construídas e implementadas no nível local tenham mais chances de obterem êxitos, em face de sua proximidade à realidade local e de sua permeabilidade a processos participativos e democráticos, a fragilidade atual dos movimentos sociais é um fator limitador para a elaboração de Planos mais realistas e transformadores. Aliado a esse fator, a lógica clientelista que ainda vigora nas relações entre os poderes públicos municipais e a sociedade privilegia a manutenção do poder e, consequentemente, o status quo. A superação desse cenário implica estimular o protagonismo do poder local e o empoderamento dos movimentos sociais, com vistas a estabelecer um pacto social entre governo e sociedade capaz de promover as transformações necessárias. Ciente desses desafios, o Ministério das Cidades, por meio da Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental – SNSA vem empreendendo esforços no sentido de apoiar os municípios na elaboração dos seus Planos de Saneamento Básico e o presente ensaio busca contribuir neste processo. book_livro_tecnico.indb 12 20/07/2011 17:29:02 2. ELABORAÇÃO DE PLANO DE SANEAMENTO BÁSICO: PRESSUPOSTOS 2.1 A natureza pública das ações de saneamento básico Justifica-se, assim, a necessidade de se discutir o saneamento básico como objeto de planejamento, seus conceitos, a forma como foi entendido ao longo do tempo e como foi apropriado pelos diversos segmentos da sociedade; elementos que, em última instância, irão influenciar na definição dos pressupostos sob os quais o planejamento se sustentará. Ou seja, a ação de planejamento não envolve procedimentos meramente técnicos, neutros, a partir dos quais são feitos diagnósticos e prognósticos, mas, sobretudo, implica debate de ideias, das diversas formas de reconhecer a realidade e interpretá-la para projetá-la. Foucault nos ensina que os conceitos e as teorias são limitados e aproximados, construídos pelo homem tomando-se por base uma cultura, e que a produção do conhecimento não se dá de forma neutra, estando inserida no contexto político e social onde está se processando. O autor esclarece que todo o pensamento se estrutura a partir de um espaço de ordem que se vincula à cultura. Essa ordem se expressa segundo épocas, vincula-se ao espaço onde é produzida, sendo constituída a cada instante pelo impulso do tempo. Foucault acredita que a experiência da ordem em cada lugar e tempo é mais fundamental que as teorias gerais e o conhecimento reflexivo, desempenhando sempre um papel crítico (FOUCAULT, 1992). Assim, o reconhecimento da realidade presente pressupõe reconhecer a experiência nua da ordem e seus modos de ser. Nesse debate Marx diria: todo saber sobre o real se dá a partir do pensar criticamente a base material. Pedro Demo diz: para compreender a realidade é preciso vivenciá-la (DEMO, 1996). No campo do planejamento, a vivência do fenômeno, do objeto a ser planejado, pressupõe a participação ativa dos agentes sociais. 13 ELABORAÇÃO DE PLANO DE SANEAMENTO BÁSICO: PRESSUPOSTOS, PRINCÍPIOS, ASPECTOS METODOLÓGICOS E LEGAIS A ação de planejamento envolve uma avaliação do estado presente do objeto a ser planejado para, a partir daí, definir o estado futuro. Para isso, é necessário ter certo domínio sobre esse objeto a ser planejado. No caso desse ensaio, o saneamento básico. Portanto, planejar pressupõe reconhecer e debater os conceitos, as visões de mundo sob as quais o objeto é percebido e interpretado. Caso contrário, o plano se constituirá em mais uma peça estéril, tecnoburocrática e cartorial, incapaz de promover transformação social. O domínio sobre o objeto a ser planejado requer o reconhecimento de sua história, de forma a entender como, ao longo do tempo, a sociedade o apreendeu. Esse domínio envolve a distinção das diferentes compreensões, que muitas vezes convivem e se contrapõem, e que, em última instância, se constituem em disputas de visões de mundo diferentes de atores sociais, as quais irão influenciar a execução do Plano, reforçando umas ideias e rechaçando outras. O não entendimento desse processo implica não reconhecer que existem projetos sociais em disputa, que necessitam ser visualizados e discutidos pela sociedade, para que o Plano possa se constituir em um pacto social capaz de promover a transformação da realidade. Assim, elaborar um Plano de Saneamento Básico pressupõe discutir o entendimento dos atores envolvidos sobre esse objeto, implica discutir conceitos e a história de sua constituição. O presente texto não tem a pretensão de promover ampla discussão sobre o tema, e sim indicar alguns pontos que merecem destaque e que poderão auxiliar o processo de planejamento. A construção de um conceito tem um caráter multicor, que reflete a complexidade e as diversas formas de pensar o real. Nesse sentido, o conceito de saneamento vem sendo socialmente construído ao longo da história, de acordo com as condições materiais e sociais de cada época. book_livro_tecnico.indb 13 20/07/2011 17:29:04 Em uma tentativa esquemática e fazendo um recorte de tempo e lugar, no Brasil, entre a década de 40 do século XX e os nossos dias, pode-se dizer que o saneamento assumiu diferentes perspectivas. Pelo menos quatro visões podem ser destacadas ao longo do tempo: a que prevaleceu entre os anos de 40 e 60; a dos anos 60-70; a existente entre os anos 80 e 90; e a da primeira década do século XXI. 14 Entre os anos 40 e 60, a noção de saneamento sofreu duas influências principais: a do século XVIII, vinculada à higiene pública, e a do início de século XIX, relacionada com a insalubridade das cidades e a saúde da classe trabalhadora. Existia relação íntima entre produção da cidade, condições de saneamento e nível de saúde da população. Prevalecia a noção de que era necessário sanear a cidade para promover a saúde do trabalhador e garantir a reprodução social e produção de capital. Assim, no Brasil, em 1942, no rastro da cooperação com os Estados Unidos, datada do início de século XX, é criado o Serviço Especial de Saúde Pública – SESP. Esse serviço visava a melhoria das condições sanitárias em que viviam os trabalhadores, de forma a aumentar a produtividade no trabalho. Pretendia-se criar condições para a integração do país ao modelo de desenvolvimento pautado em uma economia de mercado subalterna, produtora de matéria-prima e consumidora de produtos industrializados da metrópole. Para Rezende e Heller (2002), a verdadeira razão para essa cooperação era a demanda por recursos minerais e vegetais, durante e após a Segunda Guerra Mundial. Interessava aos Estados Unidos as fontes produtoras do Vale do Amazonas, do estado de Goiás e do Vale do Rio Doce, o que conduziu ao acordo de cooperação desse país com o Brasil, com a criação do Instituto de Assuntos Interamericanos – IAIA, ao qual o SESP ficou subordinado. Nesse período, o saneamento era entendido como uma medida de saúde pública, necessário para prevenir doenças e garantir a produção de capital. As ações de saneamento voltavam-se, prioritariamente, para o controle de endemias, a exemplo da malária e febre amarela. No campo da saúde, o saneamento vinculava-se à ideia de prevenção, constituindo-se em uma medida capaz de interromper o ciclo da doença. A saúde, então, seria a ausência de doenças. Entre os anos 60 e 70, o saneamento assume outros contornos. O modelo desenvolvimentista, pautado na indústria de transformação, exigiu uma nova cidade, com infraestrutura capaz de dar suporte ao emergente ciclo produtivo. A modernização do setor saneamento torna-se uma exigência e a prestação dos serviços de água e esgoto é vista como uma atividade que deve ser submetida à lógica empresarial, com a recuperação dos custos via tarifa, inclusive o retorno do capital investido. Os serviços autônomos e as empresas de economia mista colocam-se como alternativas mais viáveis para as novas exigências. Nessa época, inicia-se o esvaziamento das ações de saneamento no âmbito do Ministério da Saúde e, consequentemente, da FSESP1, que passa a contar com parcos recursos. Já na década de 70, o governo brasileiro, com forte influência de instituições internacionais e com financiamento do Banco Interamericamo de Desenvolvimento – BID, consolida Nacional de Saneamento – Planasa, por meio das companhias estaduais (REZENDE e HELLER, 2002; MERCEDES, 2002). Nesse período, predomina a visão do saneamento como infraestrutura urbana necessária para a estruturação das cidades industriais que se constituem naquele momento no lócus da produção de capital. As ações de abastecimento de água e de esgotamento de esgoto são priorizadas em face da possibilidade de cobrança desses serviços e, portanto, da viabilidade econômica e financeira da sua prestação. Os investimentos são direcionados para as cidades situadas em regiões produtivas ligadas ao setor industrial, e os serviços são ofertados para os segmentos da população com capacidade de pagamento. Com 1 Em 1960, o convênio com os Estados Unidos expira e o Sesp passa a ser chamado de Fundação Sesp – FSESP, ligada ao Ministério da Saúde. Mais informações em: http://www. funasa.gov.br/internet/museuFsesp.asp book_livro_tecnico.indb 14 20/07/2011 17:29:06 Essa limitação ao acesso por meio das leis de mercado indica outro aspecto restritivo da política pública para o setor: o saneamento foi encarado como um investimento financeiro que devia ser remunerado a preços de mercado. Obviamente que essa não deve ser a lógica para o setor, caso ele possa ser pensado não só como mais um investimento em infraestrutura rentável à reprodução do capital, mas como um item da política social (ibid., p. 3). Para Kowarick (1979), a periferia passa a ser a forma da força de trabalho se reproduzir nas cidades, sendo consequência direta do tipo de desenvolvimento econômico que se processou no Brasil. Segundo o autor, tal desenvolvimento possibilitou altas taxas de exploração do trabalho e forjou formas de espoliação que foram traduzidas nas condições de existência da classe trabalhadora. Assim, as casas precárias, os cortiços e as favelas sem serviços urbanos, infraestrutura e saneamento passam a expressar a precariedade do salário e da qualidade de vida do trabalhador, passam, em última instância, a refletir um desenvolvimento desigual e excludente. Além do setor imobiliário, é também desse período o surgimento de uma forte indústria de equipamentos, materiais e da construção civil. Tais setores passam a influenciar as políticas públicas de habitação e saneamento, ambas sob o comando do então Banco Nacional de Habitação – BNH. No seio desses segmentos, são forjados projetos de uso intensivo de capital. No campo da moradia, surgem os programas habitacionais para a classe trabalhadora e investimentos públicos em infraestrutura colocados a serviço do setor imobiliário. 15 ELABORAÇÃO DE PLANO DE SANEAMENTO BÁSICO: PRESSUPOSTOS, PRINCÍPIOS, ASPECTOS METODOLÓGICOS E LEGAIS isso, os segmentos populacionais e as regiões mais pobres são excluídos do acesso aos serviços. Na mesma direção, a questão da moradia passa a ser resolvida pelas relações econômicas do mercado imobiliário, que detém o controle da terra urbana, favorecendo a especulação imobiliária e o surgimento das periferias urbanas. O processo de urbanização caótico e desigual faz surgir um contingente cada vez maior de espoliados urbanos (KOWARICK, 1979). Naquele momento, na perspectiva governamental, prevalecia a visão do saneamento como medida de infraestrutura das cidades, como investimento necessário à reprodução do capital, como serviço que deveria ser submetido à lógica empresarial, tendo a autossustentação um pressuposto fundamental. As palavras de Costa e Fiszon (1989) deixam clara a polarização, existente desde o final da década de 80 em torno da natureza das ações de saneamento. No campo do saneamento, grandes investimentos focalizados são realizados a exemplo do Saneamento da Grande São Paulo – Sanegran; do Sistema Guandu, no Rio de Janeiro; e o Complexo Pedra do Cavalo, que inclui sistema adutor para a região metropolitana de Salvador, na Bahia; todos sob o comando das companhias estaduais de água e esgoto. Na década de 90, esses segmentos vão se organizar em torno do Sindicato da Indústria da Construção Civil – Sinduscon, Associação dos Fabricantes de Materiais para Saneamento – Asfamas, o Sindicato dos Fabricantes de Equipamentos e a Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base – ABDIB, somando-se à Associação das Empresas de Saneamento Básico Estaduais – Aesbe, constituída nos anos 80, e, mais tarde, à Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto – Abcon, constituindo-se em uma significativa força política e econômica. Nesse mesmo período, outro segmento social também começa a se organizar na esteira das comunidades eclesiásticas de base da Igreja Católica e do movimento sindical que, no início dos anos 80, vai formar o Movimento pela Reforma Urbana. Para esse segmento, o saneamento vincula-se às condições de moradia dos espoliados urbanos. O período entre os anos 80 e 90 vai ser marcado por uma nova inflexão e por disputas em torno das questões de saneamento, disputas essas que vão influenciar o tratamento desse objeto – o saneamento –, no âmbito das políticas públicas. Nesse momento, o Brasil vivia um ambiente de abertura política e de liberdades democráticas, o que fez emergir diversos segmentos organizados na sociedade. book_livro_tecnico.indb 15 20/07/2011 17:29:08 16 A reestruturação produtiva exigia novo papel do Estado de forma a integrar os estados-nações no capitalismo mundial. A elite dirigente nacional, os setores produtivos e, ainda, os segmentos conservadores da sociedade filiam-se aos ideais neoliberais disseminados por instituições internacionais como Banco Mundial, BID e FMI (BORJA, 2004). Entre os pressupostos, previa-se a Reforma do Estado com vistas a alterar o seu papel no campo das políticas sociais. Tal projeto começou a ser colocado em prática no Brasil no governo do presidente José Sarney, em 1985, mas só assumiu sua forma mais acabada nos dois governos do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995 a 2002). Os avanços e recuos do projeto neoliberal no país tiveram influência de um forte movimento social que emergiu no novo cenário político. Esse movimento também passou a influenciar as políticas públicas. Assim, o Partido dos Trabalhadores; a Central Única dos Trabalhadores – CUT; o Movimento pela Reforma Urbana, que congregava diversas entidades como associações de moradores, associações profissionais, a Pastoral da Terra, entre outros; o Movimento pela Reforma Sanitária, que reunia intelectuais ligados à Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva – Abrasco; além das entidades diretamente vinculadas à área de saneamento, a exemplo da Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento – Assemae e da Federação Nacional dos Urbanitários – FNU; e, por fim, a Frente Nacional pelo Saneamento Ambiental vão formar um bloco progressista que vai defender um projeto social pautado em pressupostos do Estado do Bem-Estar Social, e, portanto, um projeto antagônico ao neoliberal. Foi no bojo dessa disputa de projetos sociais que a Constituição de 1988 foi aprovada. No campo do saneamento, a chamada Constituição Cidadã traz diversas concepções que, naquele momento, estavam colocadas para a sociedade. Nos dispositivos da Carta Magna, podem ser apreendidas diversas concepções de saneamento. O saneamento é visto como: ação de competência municipal, uma vez que é “assunto de interesse local” (inciso I, art. 30 da CF); “serviço público de interesse local” (inciso V, art. 30 da CF), além de ser um “componente do desenvolvimento urbano” (art. 20 da CF), ao lado da habitação e do transporte. É compreendido também como ação de saúde pública, vez que se torna competência do Sistema Único de Saúde “participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico” – inciso IV, art. 200 (BRASIL, 1988). Constitui-se, ainda, em direito social, uma vez que a Constituição estabelece como direitos sociais, entre outros: a saúde, o trabalho, a segurança, a moradia e a proteção à infância (BRASIL, 2000). O saneamento aparece implicitamente nesse dispositivo no âmbito do direito à saúde e à moradia. Pode-se dizer ainda que os dispositivos constitucionais sobre meio ambiente e recursos hídricos colocam o saneamento como medida de controle ambiental. Assim, o saneamento passa a ser apropriado por diversos segmentos da sociedade, caracterizando-se como ação de saúde pública, de interesse local, direito do cidadão vinculado à moradia digna, direito social, ação de controle ambiental, estando, consequentemente, mais voltado para o campo das políticas sociais. Por ouro lado, o saneamento, além de se constituir em medida de infraestrutura das cidades, de desenvolvimento urbano, passa a ser a própria mercadoria, capaz de ser adquirida no mercado de serviços públicos privatizados. Por um lado, defendem-se políticas universalistas típicas do Estado do Bem-Estar Social, e por outro, políticas focalizadas nos espaços produtivos, capazes de possibilitar a remuneração do capital, tais como as regiões metropolitanas e as grandes cidades, consideradas atrativas para o capital privado. book_livro_tecnico.indb 16 20/07/2011 17:29:10 No campo do direito social, o saneamento assume definição mais ampla – saneamento ambiental, que é definido como: O conjunto de ações socioeconômicas que tem por objetivo alcançar níveis crescentes de salubridade ambiental, por meio do abastecimento de água potável, coleta e disposição sanitária de resíduos líquidos, sólidos e gasosos, promoção da disciplina sanitária do uso e ocupação do solo, drenagem urbana, controle de vetores e reservatórios de doenças transmissíveis e demais serviços e obras especializados, com a finalidade de proteger e melhorar as condições de vida, tanto nos centros urbanos, quanto nas comunidades rurais e propriedades rurais mais carentes (BRASIL, 1991, p. 1). As visões de mundo do saneamento como mercadoria e como direito representam, minimamente, dois projetos sociais antagônicos e em disputa (COSTA e FISZON, 1989; CORDEIRO, 2002; MERCEDES, 2002; COSTA, 2003; BENJAMIN, 2003; BORJA e MORAES, 2006). Tal disputa foi cristalizada nos projetos de lei que tramitaram no Congresso Nacional durante o período em análise, visando instituir um marco legal para o saneamento, mas não obtiveram consenso. Podem ser citadas as discussões em torno do Projeto de Lei nº 053/1991 e do Projeto de Lei da Câmara nº 199/1993, quando os princípios de uma política pública de saneamento começam a ser delineados. Esse último chegou a ser aprovado pelo Congresso Nacional Federal, mas foi vetado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso. Houve também o Projeto de Lei do Senado nº 266/1996 e o Projeto de Lei do Poder Executivo nº 4.147/2001, que tinham entre os seus objetivos criar ambiente favorável para a privatização dos serviços de saneamento no Brasil. Assim, nesse período, não houve uma visão de saneamento predominante. Essa característica fez emergir diversas práticas governamentais que estimularam experiências em ambas as direções. Em diversos municípios, a exemplo de Porto Alegre, Santo André, Guarulhos e Recife, foi possível verificar avanços em direção à ampliação do conceito de saneamento para além das ações e serviços de água e esgoto, incorporando, entre outros, os princípios da democratização do acesso aos serviços; da melhoria da qualidade da prestação e da implementação de processos participativos na definição de políticas. No contraponto, surgem experiências de privatização dos serviços como em Limeira/SP, Manaus/AM, Região dos Lagos/RJ e no estado do Paraná. ELABORAÇÃO DE PLANO DE SANEAMENTO BÁSICO: PRESSUPOSTOS, PRINCÍPIOS, ASPECTOS METODOLÓGICOS E LEGAIS 17 O período que vai do início da década atual até os nossos dias, as visões antagônicas sobre o saneamento se mantêm. Mas, no âmbito das políticas públicas, pode-se dizer que, nessa década, as elites dirigentes e econômicas estabeleceram um pacto social. Assim é que, já no primeiro governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a privatização dos serviços é posta em plano secundário; reestrutura-se o aparato estatal com a criação do Ministério das Cidades e a Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental; os investimentos são retomados e o projeto de uma política pública de saneamento passa a ser discutido com a sociedade (PL nº 5296/2005). Por outro lado, novas modalidades de concessão de serviços públicos são apresentadas sob o rótulo de parcerias público-privadas, as quais, embora concebidas no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, não deixaram de ser estimuladas no novo período, culminando na aprovação da Lei nº 11.079/2004, que as regulamentou. Com a criação do MCidades, o direito a cidades sustentáveis e ao saneamento ambiental, para as gerações presentes e futuras, passa a ser considerado em atendimento à Lei nº 10.257/2001 – o Estatuto da Cidade, que estabelece diretrizes gerais da política urbana. Em 2007, no dia 5 de janeiro, é sancionada a Lei nº 11.445/2007, que estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico e para a Política Federal de Saneamento Básico. Escreve-se, assim, o mais importante capítulo da história contemporânea do saneamento no país. Fruto de pactos e de intensas negociações, inegavelmente, a lei representa grande avanço do marco legal. book_livro_tecnico.indb 17 20/07/2011 17:29:12 Essa lei, ao estabelecer os princípios da universalidade, da integralidade, da qualidade e regularidade dos serviços, da transparência das ações, do controle social e da integração de políticas, coloca o saneamento no campo das políticas públicas de referenciais universalistas. Esse marco legal, somado ao Estatuto das Cidades e à Lei Orgânica da Saúde nº 8.080/1990, circunscreve o saneamento como direito social e as suas ações como serviços públicos essenciais e recobra a responsabilidade do Estado na sua promoção. 18 Assim, nesse período, no âmbito legal e na visão dos setores mais progressistas da sociedade, prevalece a noção de saneamento como medida de saúde pública, como ação de infraestrutura das cidades, como direito do cidadão e como medida de proteção ambiental. No campo do conhecimento, mais recentemente o saneamento tem sido colocado como ação de promoção à saúde, havendo descolamento em relação à noção de prevenção de doenças. O ideário da promoção da saúde, ainda em construção, compreende a saúde de forma mais ampla, para além da prevenção de doenças e agravos. Envolve abordagem dos macrodeterminantes do processo de saúde-doença (SOUZA e FREITAS, 2007), a exemplo da alimentação, nutrição, habitação, saneamento, saúde mental, entre outros. Essa concepção conduz ao conceito de saúde da OMS, a saber: “A saúde é o completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doenças”. Assim, se por um lado a definição restringe a possibilidade de se ter saúde na sua plenitude, principalmente considerando os estilos de vida contemporâneos, por outro retira a saúde do campo estrito da doença. Souza e Freitas (2006), ao estudarem as diversas percepções sobre saneamento, fazem um esforço de discuti-lo na perspectiva da promoção da saúde. Os resultados revelaram que existem dois discursos: o que considera o saneamento como medida de prevenção e o que avança para o campo da promoção. Para os autores, o saneamento promocional tem uma natureza multidimensional, que ultrapassa a estrutura física e assume um significado mais amplo não só na dimensão da saúde na perspectiva de ausência de doenças, mas incorporando as dimensões social, econômica, política, cultural e ambiental. Nessa visão, o saneamento também incorpora um conjunto de ações de educação e participação social que pressupõe cidadãos ativos e críticos para que as intervenções possam atingir a efetividade necessária para a garantia da qualidade de vida. Os autores fazem importante contribuição ao distinguirem as diferentes práticas do saneamento visto como promoção e como prevenção (Quadro 1). Quadro 1 – Diferenças práticas entre o saneamento como promoção da saúde e como prevenção de doenças. CATEGORIAS SANEAMENTO COMO PROMOÇÃO DA SAÚDE SANEAMENTO COMO PREVENÇÃO DE DOENÇAS Implantação de sistemas com vistas a contribuir para mudanças na situação dos indivíduos e de seu ambiente e, com isso, erradicar a doença, melhorando a performance de indicadores sociais, de saúde e ambientais, ou seja, a qualidade de vida. Implantação de sistemas com vistas a obstaculizar a interação agente-suscetível e, com isso, impedir a manifestação da doença, melhorando a performance de indicadores epidemiológicos e ambientais. Preocupação quanto à sustentabilidade das ações Sustentabilidade dos sistemas para alcançar os objetivos dos projetos. Sustentabilidade dos sistemas para alcançar os objetivos dos projetos. Articulação entre políticas, instituições e ações Articulação institucional e interinstitucional para empoderamento. Articulação institucional e interinstitucional para implantação de sistemas. Modelo de intervenção Participativo, adaptativo; intersetorial (entre técnicos e população). Adaptativo; tecnicista; intersetorial (entre setores técnicos). Objetivos dos projetos book_livro_tecnico.indb 18 20/07/2011 17:29:14 Quadro 1 – Continuação SANEAMENTO COMO PROMOÇÃO DA SAÚDE SANEAMENTO COMO PREVENÇÃO DE DOENÇAS Educação sanitária e ambiental voltada para o empoderamento. Negociação entre todos os atores envolvidos. Educação sanitária e ambiental voltada para ensinar novos hábitos e costumes. Convencimento da população-alvo. Executores dos projetos Órgão responsável compartilhando com outros órgãos oficiais e organizações da sociedade. Órgão responsável (engenheiros e sua equipe de educação ambiental). Modelo de gestão Participativo; intersetorial; contextualizado adaptativo; inclusivo. Impositivo; tecnicista; adaptativo (em termos técnicos). Estratégias 19 Fonte: SOUZA e FREITAS, 2006. Do exposto, pode-se constatar que o processo de formulação de políticas e planos é fortemente influenciado por fatores políticos, sociais, econômicos, culturais, entre outros. As visões de mundo de cada época, a correlação de poder entre os segmentos sociais, a situação econômica e social e, no campo epistemológico, o conteúdo do saber produzido formam uma malha complexa de elementos que vão compor o cenário sobre o qual as ações do Estado são definidas. No campo do saneamento, a última década fez emergir visões de mundo e saberes, socialmente construídos ao longo dos últimos 20 anos, e que vão compor os pressupostos sob os quais, hoje, o planejamento das ações pode se sustentar. Tais pressupostos vinculam-se à noção de saneamento como um direito social, como um serviço público de interesse local, como uma medida de promoção à saúde e de proteção ambiental, como uma ação de infraestrutura que promove o desenvolvimento urbano e a habitação salubre e, ainda, como meta social de responsabilidade do Estado, que pressupõe a universalidade, a equidade, a integralidade, a intersetorialidade, a qualidade e regularidade da prestação, a transparência das ações, a participação e o controle social. ELABORAÇÃO DE PLANO DE SANEAMENTO BÁSICO: PRESSUPOSTOS, PRINCÍPIOS, ASPECTOS METODOLÓGICOS E LEGAIS CATEGORIAS Planos de Saneamento Básico que visem transformações substanciais, que sejam inclusivos e pautados em princípios de justiça social, devem estar embasados nos pressupostos enunciados, para que, mediante processos participativos capazes de estabelecerem pactos junto aos diferentes segmentos sociais, possam se constituir no meio de garantir saneamento de qualidade para todos. 2.2 Os princípios da política de saneamento básico Os princípios de uma política pública de saneamento no Brasil vêm sendo construídos na história recente do setor, principalmente a partir do meado da década de 1980, recebendo influência de seis fatos que merecem destaque: (a) a discussão em torno da Reforma Sanitária, que culminou com a realização da 8ª Conferência Nacional de Saúde; (b) o colapso do Planasa, quando a discussão sobre uma política pública de saneamento mobilizou diversos setores da sociedade; (c) a promulgação da Constituição de 1988, em que as teses democráticas tomaram a cena da política; (d) as discussões em torno do Projeto de Lei nº 053/1991 e do Projeto de Lei da Câmara nº 199/1993, quando os princípios de uma política pública de saneamento começaram a ser delineados; (e) a proposição e debate em torno do Projeto de Lei do Senado nº 266/1996 e do Projeto de Lei do Poder Executivo nº 4.147/2001, que tinham como um dos objetivos criar condições atrativas para a privatização dos serviços de saneamento no Brasil; e (f) a I Conferência Nacional de Saneamento Ambiental, realizada em 1999, a partir da qual os princípios fundamentais de uma política pública de saneamento passaram a ser formulados e discutidos. Das discussões, pode-se sistematizar como princípios de uma política pública de saneamento: book_livro_tecnico.indb 19 20/07/2011 17:29:16 • Universalidade As ações e serviços de saneamento, além de serem fundamentalmente de saúde pública e de proteção ambiental, são também essenciais à vida, direito social básico e dever do Estado. Assim, o acesso aos serviços de saneamento ambiental deve ser garantido a todos os cidadãos mediante tecnologias apropriadas à realidade socioeconômica, cultural e ambiental. 20 • Integralidade das ações As ações e serviços de saneamento devem ser promovidos de forma integral, em face da grande inter-relação entre os seus diversos componentes, principalmente o abastecimento de água, o esgotamento sanitário, a drenagem de águas pluviais, o manejo de resíduos sólidos, o controle ambiental de vetores e reservatórios de doenças. Muitas vezes, a efetividade, a eficácia e a eficiência de uma ação de saneamento dependem da existência dos outros componentes. • Igualdade2 A igualdade diz respeito a direitos iguais, independentemente de raça, credo, situação socioeconômica; ou seja, considera-se que todos os cidadãos têm direitos iguais no acesso a serviços de saneamento de boa qualidade. • Participação e controle social A participação social na definição de princípios e diretrizes de uma política pública de saneamento, no planejamento das ações, no acompanhamento da sua execução e na sua avaliação se constitui em ponto fundamental para democratizar o processo de decisão e implementação das ações de saneamento. Essa participação pode ocorrer com o uso de diversos instrumentos, como conferências e conselhos. • Titularidade municipal Uma vez que os serviços de saneamento são de interesse local, pois são tipicamente urbanos e suas infraestruturas são equipamentos urbanos básicos3, e o poder local tem a competência para organizá-los e prestá-los, o município é o titular desses serviços. Uma política de saneamento deve partir do pressuposto de que o município tem autonomia e competência para organizar, regular, controlar e promover a realização dos serviços de saneamento de natureza local, no âmbito de seu território, podendo fazê-lo diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, associado com outros municípios ou não, respeitando as condições gerais estabelecidas na legislação nacional sobre o assunto. A gestão municipal deve se basear no exercício pleno da titularidade e da competência municipal para instituir instâncias e instrumentos de participação e controle social sobre a prestação dos serviços em âmbito local, qualquer que seja a natureza dos prestadores, tendo como objetivo maior promover serviços de saneamento justos do ponto de vista social. • Gestão pública Os serviços de saneamento são, por sua natureza e definição legal4, considerados serviços públicos em sentido estrito, de caráter essencial e universal. São vitais para a preservação e evolução da espécie humana, em face da sua capacidade de promover a saúde pública e a salubridade ambiental. São indispensáveis para a elevação da qualidade de vida das populações urbanas e rurais. Contribuem também para o desenvolvimento social e econômico. Por tudo isso e, principalmente, por se constituírem em ações e serviços de saúde pública, de obrigação-dever do Estado e direito de todos os cidadãos, a gestão dos serviços de saneamento deve ser de responsabilidade do poder público. 2 Aqui, optou-se em resgatar o termo igualdade, usado na Constituição de 1988 e no PLC 199/1993, em vez de equidade. Segundo Fonseca (1998), no modelo neoliberal, a equidade adquiriu a noção mais relacionada à “capacidade individual” de agir diante das circunstâncias adversas, sendo a desigualdade resultado dos efeitos naturais das circunstâncias em que os indivíduos estão inseridos. Dessa forma, a garantia dos direitos sociais passaria pela “ação individual”, debilitando o papel do Estado como provedor de políticas de garantia de justiça social. 3 Conforme o art. 2º, § 5º, da Lei nº 6.766/1979. 4 Lei nº 11.445/2007, arts. 2º e 3º. book_livro_tecnico.indb 20 20/07/2011 17:29:18 • Articulação ou integração institucional As ações dos diferentes componentes e instituições da área de saneamento são geralmente promovidas de forma fragmentada no âmbito da estrutura governamental, gerando, na maioria das vezes, pulverização de recursos financeiros, materiais e humanos. Na Lei Nacional de Saneamento Básico, são considerados princípios fundamentais para a prestação dos serviços públicos de saneamento básico: • universalização do acesso; • integralidade, compreendida como o conjunto de todas as atividades e componentes de cada um dos diversos serviços de saneamento básico, propiciando à população o acesso na conformidade de suas necessidades e maximizando a eficácia das ações e resultados; • abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo dos resíduos sólidos realizados de formas adequadas à saúde pública e à proteção do meio ambiente; • disponibilidade, em todas as áreas urbanas, de serviços de drenagem e de manejo das águas pluviais adequados à saúde pública e à segurança da vida e do patrimônio público e privado; • adoção de métodos, técnicas e processos que considerem as peculiaridades locais e regionais; • articulação com as políticas de desenvolvimento urbano e regional, de habitação, de combate à pobreza e de sua erradicação, de proteção ambiental, de promoção da saúde e outras de relevante interesse social voltadas para a melhoria da qualidade de vida, para as quais o saneamento básico seja fator determinante; • eficiência e sustentabilidade econômica; • utilização de tecnologias apropriadas, considerando a capacidade de pagamento dos usuários e a adoção de soluções graduais e progressivas; • transparência das ações, baseada em sistemas de informações e processos decisórios institucionalizados; • controle social; • segurança, qualidade e regularidade; • integração das infraestruturas e serviços com a gestão eficiente dos recursos hídricos (BRASIL, 2007, p. 1). 21 ELABORAÇÃO DE PLANO DE SANEAMENTO BÁSICO: PRESSUPOSTOS, PRINCÍPIOS, ASPECTOS METODOLÓGICOS E LEGAIS A articulação e integração institucional se constituem em importantes mecanismos de implementação da política pública de saneamento, uma vez que permitem compatibilizar e racionalizar a execução de diversas ações, planos e projetos, ampliando sua eficiência, efetividade e eficácia. A área de saneamento tem interface com as de saúde pública, desenvolvimento urbano, habitação, meio ambiente e recursos hídricos, entre outras. A conjugação de esforços dos diversos organismos que atuam nessas áreas oferece grande potencial para a melhoria da qualidade de vida da população. 2.3 A intersetoralidade A multideterminação dos fenômenos sociais tem exigido a formulação e implementação de políticas públicas intersetoriais. No campo do saneamento, essa abordagem é mais evidente pela própria natureza das ações e serviços. Sendo o saneamento direito social, serviço público de interesse local, medida de promoção à saúde e de proteção ambiental, e, ainda, ação de infraestrutura para a salubridade do meio urbano e da habitação, a efetividade das ações requerem esforço de integração de diversos setores da administração pública. Tais setores envolvem as áreas de saúde, educação, meio ambiente, planejamento urbano, habitação, recursos hídricos, educação, administração, direito, entre outros. A intersetorialidade é, portanto, uma abordagem intrínseca às ações de saneamento. Essa premissa foi considerada na Lei nº 11.445/2007, no inciso VI, do art. 2º, que estabelece, como um dos princípios fundamentais da prestação dos serviços públicos de saneamento no Brasil: articulação com as políticas de desenvolvimento urbano e regional, de habitação, de combate à pobreza e de sua erradicação, de proteção ambiental, de promoção da saúde e outras de relevante interesse social voltadas para a melhoria da qualidade de vida, para as quais o saneamento básico seja fator determinante (BRASIL, 2007, p. 1). book_livro_tecnico.indb 21 20/07/2011 17:29:20 No entanto, a tradição da administração pública brasileira é marcada por ações setoriais que têm origem na própria forma de produzir conhecimento. 22 O conceito de intersetorialidade surgiu no âmbito do debate da produção do saber dos anos 60/70 quando a concepção de mundo ocidental, pautada na fragmentação, no reducionismo e no mecanicismo, é colocada em questão. A ideia de dividir para conhecer a realidade é substituída pela noção de totalidade, do todo orgânico. “O todo é maior que a soma das partes” (BERTALANFFY, 1975). Surgem as noções de interdisciplinaridade, transdisciplinaridade. Conceitos como holismo, visão sistêmica entram em cena. Para Comerlatto e outros (2007, p. 270), A intersetorialidade deve representar um espaço de compartilhamento de saber e de poder, de estruturação de novas linguagens, de novas práticas e de novos conceitos e que, atualmente, não se encontram estabelecidos ou suficientemente experimentados em meio aos conselhos municipais gestores. Sua construção, que se manifesta em inúmeras iniciativas, é parte de um processo transformador no modo de planejar, realizar e avaliar as ações intersetoriais [...]. Minayo (2002) prefere tratar essa questão como “enfoque ecossistêmico”. Para a autora, esse enfoque busca superar o paradigma antropocêntrico e mecanicista e aponta para a aproximação entre sociedade e natureza. E, ainda, a abordagem ecossistêmica estaria vinculada à sustentabilidade ecológica, à democracia, aos direitos humanos, à justiça social e à qualidade de vida. Inojosa (2001) prefere tratar essa abordagem com o conceito de transdisciplinaridade, cujas raízes se fincam na teoria da complexidade, que trabalha com a compreensão da diversidade. A autora acredita que o prefixo “trans” expressa melhor a ideia de inter-relação, enquanto o “inter” aponta para a ideia de proximidade de saberes isolados, sem gerar novas articulações. A autora esclarece que, na literatura, termos como intersetorialidade e transetorialidade são usados com o mesmo sentido: a articulação de saberes e experiências para a solução sinérgica de problemas complexos. Para Leite e Duarte (2005), o conceito de intersetorialidade visa romper com uma visão fragmentada da ação pública, o que exige a integração de objetivos, metas, procedimentos de diversos órgãos governamentais, implicando a necessidade de mudanças de estratégias de ação, formas de destinar recursos públicos, estrutura organizacional e burocrática. Almeida Filho (2000) apresenta as definições dos três conceitos correlatos: • Multidisciplinaridade: é um sistema que funciona por meio da justaposição de disciplinas em um único nível, estando ausente uma cooperação sistemática entre os diversos campos disciplinares. • Interdisciplinaridade: para além da disciplinaridade, a noção de interdisciplinaridade implica uma axiomática comum a um grupo de disciplinas científicas conexas, cujas relações são definidas a partir de um nível hierárquico superior, ocupado por uma delas; essa última, geralmente determinada por referência à sua proximidade a uma temática unificada, atua não somente como integradora e mediadora da circulação dos discursos disciplinares, mas principalmente como coordenadora do campo disciplinar. • Transdisciplinaridade: indica a integração de disciplinas de um campo particular sobre a base de uma axiomática compartilhada e implica a criação de um campo novo que idealmente seria capaz de desenvolver uma autonomia teórica e metodológica perante as disciplinas que o originaram. A complexidade da realidade contemporânea e a problemática socioambiental são fatores que impulsionam uma abordagem interdisciplinar dos fenômenos. Esse ambiente influencia o campo das políticas públicas e das organizações. A intersetorialidade book_livro_tecnico.indb 22 20/07/2011 17:29:22 passa a ser uma estratégia de tornar a ação pública mais efetiva e eficaz. Segundo Inojosa (2001, p. 105), a “intersetorialidade é a articulação de saberes e experiências com vistas ao planejamento, para a realização e a avaliação de políticas, programas, com o objetivo de alcançar resultados sinérgicos em situações complexas”. Assim, interdisciplinaridade seria mais que juntar setores, seria criar nova dinâmica para a execução das ações públicas. Para Gaetani (1997), as áreas governamentais não dialogam entre si, não buscam compatibilização de ações e construção de sinergias e complementaridades. Para o autor, mesmo no contexto da descentralização, a verticalização é a tônica, em vez de uma atuação pautada em inter-relações e conexões como nas “redes” (idem p. 10). Segundo Inojosa (1999), a ideia de rede tem aparecido como instrumento de gestão, visando ampliar os resultados e impactos das políticas. Esse termo sugere a ideia de articulação, conexão, vínculos, ações complementares, relações horizontais entre parceiros, interdependência de serviços para garantir a integralidade da atenção aos segmentos sociais vulnerabilizados ou em situação de risco social e pessoal (BOURBOGUIGNON, 2001). Para Junqueira e outros (1997), as políticas públicas têm se pautado na segmentação de áreas de intervenção independente, com estrutura organizacional verticalizada e setorizada que corresponde mais à lógica da especialização do saber e às corporações profissionais do que às necessidades da população. Para Carneiro e Costa (2002, citado por LEITE e DUARTE, 2005), a lógica setorial se expressa tanto na cultura organizacional, estruturada em secretarias de governos e programas, quanto nos mecanismos de destinação dos recursos. Junqueira e outros (1997) observam que as dificuldades para a promoção da intersetorialidade envolvem a concepção de Estado, cujo campo de disputas ideológicas impacta a modelagem do seu aparato. Para os autores, a promoção de mudanças de paradigma administrativo e de concepção de política relaciona-se a projetos políticos e ao estado da arte das teorias organizacionais. Para Santos (2002, p. 175), uma das dificuldades para as novas abordagens refere-se à necessidade de “juntar disciplinas e articular teoria e prática; e colocar à mesma mesa cientistas, atores do mundo da vida e gestores do Estado“. 23 ELABORAÇÃO DE PLANO DE SANEAMENTO BÁSICO: PRESSUPOSTOS, PRINCÍPIOS, ASPECTOS METODOLÓGICOS E LEGAIS Do ponto de vista teórico-conceitual, a necessidade de ações intersetoriais é um consenso, como também é consenso as dificuldades e desafios para a sua implementação. A promoção de ações intersetoriais, além de demandar tempo, recebe resistências diversas em função: a) do deslocamento de poder e do lócus das deliberações, da oposição do saber hegemônico, dos interesses corporativos, da necessidade de mudanças nos processos de trabalho, os valores vigentes, e das concepções arraigadas na administração pública (MENICUCCI, 2002). Além do esforço da integração de diferentes conhecimentos, a ação intersetorial envolve o diálogo entre profissionais de diferentes formações, entre estes os burocratas, os políticos e os cidadãos (PARSONS, 1995 citado por CKAGNAZAROFF e MOTA, 2007). Um dos limites apontados por Gaetani (1997) refere-se ao modelo organizacional da administração pública, que não responde, mesmo com o desejo do governo, devido à situação de incapacitação estrutural em que se encontra e do declínio das perspectivas de superá-la. O autor chama a atenção para o fato de que grupos dos três níveis de governo costumam competir entre si, promovendo uma concorrência intergovernamental, e não a desejada convergência sinergética. Além desses obstáculos para a ação intersetorial, pode-se acrescentar: • o aparato governamental ainda sofre forte influência do clientelismo, do loteamento político-partidário; • a crise do Estado e a revisão de seu papel no campo das políticas sociais; • ambiguidade do contexto histórico da sociedade “pós-industrial”, que estimula a excessiva especialização, ao mesmo tempo em que, no campo da administração pública e da política pública, coloca a intersetorialidade como perspectiva de atuação; • a precarização do trabalho no setor público, com terceirização excessiva e falta de capacitação e reciclagem, o que dificulta a adesão a projetos de mudança. Do ponto de vista legal, além da Lei nº 11.445/2007, o esforço de promover ações intersetoriais está em outros dispositivos, que, inclusive, são anteriores a essa lei. book_livro_tecnico.indb 23 20/07/2011 17:29:24 24 A Lei nº 8.080/1990, que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, define como atribuições do Sistema Único de Saúde: • a integração das ações de saúde, meio ambiente e saneamento; • a articulação de políticas e programas a cargo das comissões intersetoriais entre outras das atividades de saneamento e meio ambiente; • o acompanhamento, avaliação e divulgação do nível de saúde da população e das condições ambientais; • a participação na definição de mecanismos de controle de agravos sobre o meio ambiente que tenham repercussão na saúde; • colaboração do município na fiscalização das agressões ao meio ambiente que tenham repercussão sobre a saúde humana e atuar, junto aos órgãos municipais, estaduais e federais competentes, para controlá-las (BRASIL, 1990). A Lei nº 9.433/1997, que institui a Política Nacional de Recursos Hídricos (BRASIL, 2007), dispõe de uma série de dispositivos que visam à integração intersetorial, entre eles, pode-se citar: • adequação da gestão de recursos hídricos às diversidades físicas, bióticas, demográficas, econômicas, sociais e culturais das diversas regiões do país de integração da gestão de recursos hídricos com a gestão ambiental; de articulação do planejamento de recursos hídricos com o dos setores usuários e com os planejamentos regional, estadual e nacional; de articulação da gestão de recursos hídricos com a do uso do solo; e de integração da gestão das bacias hidrográficas com a dos sistemas estuarinos e zonas costeiras (art. 3º); • articulação dos estados tendo em vista o gerenciamento dos recursos hídricos de interesse comum (art. 4º); • implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos pelos poderes executivos do Distrito Federal e dos municípios mediante integração das políticas locais de saneamento básico, de uso, ocupação e conservação do solo e de meio ambiente com as políticas federal e estaduais de recursos hídricos (art. 31). • articulação do planejamento de recursos hídricos com os planejamentos nacional, regional, estaduais e dos setores usuários (art. 35). O Estatuto das Cidades, Lei nº 10.257/2001, que estabelece diretrizes gerais da política urbana, embora não trate especificamente sobre a integração de ações e políticas públicas, para fins de ordenamento do desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, estabelece entre outras diretrizes gerais: • a garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações (inciso I, art. 2º); • a integração e complementaridade entre as atividades urbanas e rurais, tendo em vista o desenvolvimento socioeconômico do município e do território sob sua área de influência (inciso VII, art. 2º); • a proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico (inciso XII, art. 2º). A Lei n. 9.795/1999, que institui a Política Nacional de Educação Ambiental, do ponto de vista da intersetorialidade, estabelece: • promoção, por parte dos órgãos integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente – Sisnama, de ações de educação ambiental integradas aos programas de conservação, recuperação e melhoria do meio ambiente (inciso III, art. 3º); • definição pelo poder público de políticas públicas que incorporem a dimensão ambiental (inciso I, art. 3º); • compreensão integrada do meio ambiente em suas múltiplas e complexas relações, envolvendo aspectos ecológicos, psicológicos, legais, políticos, sociais, econômicos, científicos, culturais e éticos (inciso I, art. 5º); • fomento e fortalecimento da integração com a ciência e a tecnologia (inciso VI, art. 5º); • desenvolvimento de prática educativa integrada, contínua e permanente em todos os níveis e modalidades do ensino formal (art. 10). O estabelecimento, pela Lei nº 11.445/2007, do princípio fundamental da articulação da política de saneamento básico com as políticas de desenvolvimento urbano e regional, de habitação, de combate à pobreza e de sua erradicação, de proteção ambiental, de promoção da saúde, entre outras, envolve a concepção e implementação de ações intersetoriais entre diversos ministérios, secretarias e órgãos da administração pública dos três níveis de governo (União, estados e municípios), respeitadas as competências legais de cada ente federativo. Tal articulação representa grande desafio para a área de saneamento, pois, book_livro_tecnico.indb 24 20/07/2011 17:29:26 além de contar com as dificuldades inerentes a qualquer processo de intersetorialidade, conta ainda com a falta de prática de planejamento e pouca experiência em trabalhos intersetoriais. Inegavelmente essas propostas ainda são atuais, podendo servir de referência para a definição de estratégias governamentais de ações intersetoriais, tão necessárias para a eficácia e efetividade das intervenções em saneamento básico, possibilitando que a intersetorialidade saia do campo das ideias e passe a se construir em prática. Com a Lei nº 11.445/2007 e a exigência da prática do planejamento – ação de responsabilidade do titular dos serviços, indelegável a outro ente e concretizada no Plano Municipal de Saneamento Básico –, os caminhos para ações intersetoriais estão abertos. A elaboração do Plano pressupõe abordagem intersetorial da problemática do saneamento básico em face das multidimensões envolvidas na sua promoção. Aliando-se ao Plano a existência de um conselho municipal que tenha como competência participar da elaboração e acompanhar a execução do Plano e exercer o controle social da gestão dos serviços de saneamento, conforme previsto no art. 47 da Lei, criar-se-ão condições para a prática da intersetorialidade. 25 ELABORAÇÃO DE PLANO DE SANEAMENTO BÁSICO: PRESSUPOSTOS, PRINCÍPIOS, ASPECTOS METODOLÓGICOS E LEGAIS O maior esforço oficial de integração das ações de saúde e saneamento que se tem registro foi realizado em 1995 com o Plano Nacional de Saúde e Ambiente, no Desenvolvimento Sustentável: Diretrizes para Implementação (BRASIL, 1995). Naquele ano, avaliava-se que as integrações intersetorial e intrassetorial eram incipientes, havendo descompasso entre as políticas de saneamento, de saúde, de recursos hídricos, de meio ambiente, de desenvolvimento urbano e habitação (BRASIL, 1995). Entre as propostas constantes no Plano quanto às ações intersetoriais, é importante destacar: • implementação de mecanismos para a integração da política e das ações de saneamento com as de saúde, de recursos hídricos, de meio ambiente, de desenvolvimento urbano e habitação. Participação do setor de saneamento nos conselhos com interface com ele e participação de profissionais daqueles setores nos conselhos de saneamento, assim como criação de mecanismos de articulação entre os diversos conselhos (idem, p. 47); • utilização de critérios epidemiológicos no planejamento e na execução das ações de saúde, meio ambiente, saneamento e recursos hídricos e institucionalização de sistemas de informações que reúnam bases de dados das áreas de saúde, meio ambiente, saneamento e recursos hídricos (idem, p. 48); • desenvolvimento de mecanismos institucionalizados de cooperação ou parcerias na área de saúde, meio ambiente, saneamento e recursos hídricos, entre instituições públicas, ONGs, sindicatos e outras formas de organização social (idem, p. 40). A elaboração dos Planos Diretores dos municípios, exigência definida no § 1o do art. 182, da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 2007), para cidades com população maior que 20 mil habitantes, também se constitui em oportunidade não só de realizar o planejamento integrado, mas também de implementar projetos e programas que considerem a ação intersetorial. Além disso, a participação de representantes da área de saneamento nos conselhos que definem e acompanham a política urbana, de meio ambiente, de recursos hídricos e de saúde, também se coloca como alternativa a ser perseguida para o exercício da intersetorialidade. No nível federal, a atuação da Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental, do Ministério das Cidades, e do Conselho Nacional das Cidades constitui-se em importante meio para implementar políticas públicas que contemplem a intersetorialidade. Inclusive, durante o primeiro governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi criado, sob liderança e coordenação da SNSA, um grupo de trabalho interministerial com vistas a formular a minuta da Política Nacional de Saneamento e racionalizar os programas e projetos do governo federal na área de saneamento. Tal comissão adotou diversas medidas para diminuir a superposição de ações e promover a integração de iniciativas de ministérios e órgãos da administração federal, notadamente, do Ministério da Saúde/ Funasa, do Ministério do Meio Ambiente, Ministério da Integração Nacional, Ministério da Fazenda, Ministério do Planejamento e Caixa Econômica Federal. Embora a atuação do grupo tenha aberto o caminho para a intersetorialidade, no segundo governo do presidente Lula, houve a sua desmobilização. Tal fato evidencia a fragilidade das iniciativas governamentais nesse campo e a necessidade de se repensar quais os mecanismos que devem ser adotados para que esse tipo de atuação seja mais duradouro. Certamente, a garantia de gestão coordenada da Política Federal de Saneamento Básico, sob único comando, o que pressupõe uma ação intersetorial, book_livro_tecnico.indb 25 20/07/2011 17:29:28 será fator imprescindível para o seu êxito e efetividade das diretrizes e dos princípios estabelecidos na Lei nº 11.445/2007, em especial a universalização dos serviços. 26 Por fim, é importante observar que o êxito de ações intersetoriais envolve a promoção de nova forma de pensar, pautada numa visão de totalidade. Para tal, é importante resgatar e fortalecer o papel do Estado no âmbito das políticas públicas. Assim, as instituições públicas devem buscar se adequar às novas exigências do mundo contemporâneo, onde não existe mais espaço para ações fragmentadas, descontextualizadas da realidade, que, na sua essência, é complexa. No entanto, é importante ressaltar, não existem fórmulas para o exercício da intersetorialidade. Os contextos locais de ordem política, econômica, cultural, social e ambiental devem se constituir em pontos de partida para se pensar e agir de forma intersetorial. A materialização das ações intersetoriais, inegavelmente, se realizará no nível local, por meio de ações coletivas, de troca de saberes e experiências dos diversos atores socais. É nesse nível que a complexidade se expressa nas suas similaridades, nas suas contradições e nas suas possibilidades. 2.4 Gestão associada e o papel dos diferentes entes da federação A República Federativa do Brasil, segundo a Constituição de 1988, é formada pela união indissolúvel dos estados e municípios e do Distrito Federal, e constitui-se em estado democrático de direito (art. 2º, da CF, Brasil, 2007). A cada ente da Federação é garantida a autonomia quanto à organização político-administrativa (art. 18, Capítulo I, da CF). Segundo Dallari (2005), a Constituição Brasileira de 1988 reafirmou o federalismo como princípio fundamental e norma pétrea da Constituição. Além disso, como tem sido assinalado pelos teóricos do federalismo brasileiro, foi mantido o tradicional tripé federativo, ou seja, a existência de três esferas de poder político, com o poder central fixado na União e com estados membros e municípios, tendo todos eles os atributos da autonomia (idem p. 15). Em razão da particularidade do modelo federativo brasileiro, a Carta Magna estabelece, de forma extensiva, as competências da União, estados, municípios e Distrito Federal, nos âmbitos legislativos, administrativos, inclusive o tributário. Para a repartição das competências, o legislador constituinte observou o princípio da predominância de interesse – cabendo à União as matérias de predominante interesse geral ou nacional; aos estados os assuntos de predominante interesse regional; aos municípios os assuntos de interesse local; e ao Distrito Federal a somatória das competências estaduais e municipais. Quanto às espécies, as competências dos entes federativos são classificadas: no âmbito administrativo, em exclusivas ou comuns; e, no âmbito legislativo, em exclusivas, privativas, concorrentes ou suplementares. No campo da política urbana, cabe exclusivamente à União instituir, no âmbito legislativo, as diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos (inciso XX, art. 21 da CF), no qual se insere a Lei nº 11.445/2007. No âmbito administrativo, é competência comum dos entes da federação, entre outras: cuidar da saúde; proteger o meio ambiente e combater à poluição; promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico (art. 23 da CF). Também no âmbito legislativo, é de competência concorrente entre a União, os estados e o Distrito Federal legislar sobre a proteção do meio ambiente e o controle da poluição; e sobre a proteção e defesa da saúde (art. 24 da CF), sendo que, nesse caso, a competência da União limita-se a estabelecer normas gerais (§ 1º, art. 24 da CF). Ainda no âmbito legislativo, a Constituição Federal confere aos estados competência facultativa para instituir “regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamentos de municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum” (§ 3º, do art. 25, grifo nosso). No campo das políticas urbanas, após a Constituição de 88, o poder local saiu fortalecido. Os dispositivos constitucionais conferem aos municípios competência para: legislar sobre assuntos de interesse local; suplementar a legislação federal e a estadual no que couber; organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local; promover, no que couber, o adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano (art. 30 da CF). book_livro_tecnico.indb 26 20/07/2011 17:29:30 No Capítulo II, do Título VII, da política urbana, a Constituição estabelece ao poder público municipal a obrigação-dever de executar a política de desenvolvimento urbano, conforme diretrizes gerais fixadas em lei5, com o objetivo de ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes (art. 182), tendo como instrumento básico o Plano Diretor. No campo da saúde, os municípios integram o Sistema Único de Saúde, ao qual a Constituição conferiu, entre outras, competência para participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico (inciso IV, art. 200). A repartição das competências dos entes da federação, exclusivas e comuns, aliada aos grandes desafios para o resgate do déficit social do país, suscitou a necessidade do regramento de novos instrumentos e mecanismos de gestão que possibilitassem a instituição de organizações administrativas interfederativas capaz de garantir o cumprimento dos preceitos constitucionais. Assim, em 1998, a Emenda Constitucional nº 19 altera o conteúdo do art. 241 da Constituição para estabelecer que “a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios disciplinarão por meio de lei os consórcios públicos e convênios de cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos”. Porém, só em 2005 é que foram instituídas as normas gerais que permitem materializar, jurídica e administrativamente, os instrumentos e os organismos de cooperação federativa previstos nesse dispositivo constitucional, com a edição da Lei nº 11.107/2005, regulamentada pelo Decreto nº 6.017/20076. A situação dramática e necessidades de toda a ordem, além da incapacidade de investimento da grande maioria dos municípios brasileiros, para fazer frente às demandas sociais, são fatores que exigiram o estabelecimento dessas novas formas de gestão. Para Dallari (2006), o Estado ampliou consideravelmente sua participação nas atividades sociais, que, por sua vez, se tornaram mais complexas e custosas, exigindo modificações na estrutura administrativa e fazendo emergir novos tipos de organização. Assim, ao lado da administração direta, passou-se a contar com as autarquias, concessões de serviço público, sociedades de economia mista, empresas estatais, fundações públicas e, ainda, organismos regionais, regiões metropolitanas, cada um com seu regime jurídico, com maior ou menor grau de subordinação às autoridades governamentais. A gestão associada vem ampliar o leque de possibilidades da prestação dos serviços públicos. 27 ELABORAÇÃO DE PLANO DE SANEAMENTO BÁSICO: PRESSUPOSTOS, PRINCÍPIOS, ASPECTOS METODOLÓGICOS E LEGAIS Por fim, ao estabelecer as diretrizes nacionais para o saneamento básico, a Lei nº 11.445/2007 reafirma a competência exclusiva do titular dos serviços para formular a política pública de saneamento básico, devendo para isso elaborar o Plano de Saneamento Básico, ação indelegável a outro ente, sendo-lhe facultado delegar a organização, a regulação, a fiscalização e a prestação desses serviços (arts. 8º e 9º). Para Silva (2004), o consórcio público no ordenamento jurídico brasileiro é um marco histórico para o direito público, em especial o direito administrativo, caracterizando-se como figura jurídica inovadora que exigirá algum esforço dos operadores do direito quanto à reformulação de conceitos ligados à teoria dos contratos administrativos. Para Alves (2006), os consórcios surgem como novo paradigma do direito público quanto aos rumos do federalismo brasileiro. O Decreto nº 6.017/2007 garantiu maior clareza e segurança jurídica para os consórcios que já estão em funcionamento e para os que vão ser formados. A Lei nº 11.107/2005 confere aos consórcios públicos personalidade jurídica própria, que pode ser de direito público ou de direito privado, podendo, assim, ser sujeito de direitos e obrigações. Quando constituído como entidade de direito público, o consórcio público integra a administração indireta de todos os entes consorciados. No caso de se revestir de personalidade jurídica de direito privado, o consórcio público observará as normas de direito público no que concerne à realização de licitação, celebração de contratos, prestação de contas e admissão de pessoal (art. 6º, §§ 1º e 2º, da Lei nº 11.107/2005) 5 As diretrizes da política de desenvolvimento urbano estão consubstanciadas na Lei nº 6.766/1979, que trata do parcelamento do solo urbano, e, especificamente, na Lei nº 10.257/2001 (Estatuto das Cidades). 6 A Lei nº 11.107/2005 e o Decreto nº 6.017/2007 tratam das normas gerais para constituição de consórcios públicos e para a celebração de convênios de cooperação entre entes federados, para a realização de objetivos de interesse comum, bem como estabelecem a exigência e as normas gerais do contrato de programa, instrumento necessário para regulamentar “as obrigações que um ente da Federação constituir para com outro ente da Federação ou para com consórcio público no âmbito de gestão associada em que haja a prestação de serviços públicos ou a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal ou de bens necessários à continuidade dos serviços transferidos” (art. 13, da Lei nº 11.107/2005). book_livro_tecnico.indb 27 20/07/2011 17:29:32 28 Segundo a Lei nº 11.107/2005, os consórcios poderão: • firmar convênios, contratos, acordos de qualquer natureza, receber auxílios, contribuições e subvenções sociais ou econômicas de outras entidades e órgãos do governo; • ser contratados pela administração direta ou indireta dos entes da federação consorciados, dispensada a licitação; • emitir documentos de cobrança e exercer atividades de arrecadação de tarifas e outros preços públicos pela prestação de serviços; • outorgar concessão, permissão ou autorização de obras ou serviços públicos mediante autorização prevista no contrato de consórcio público. A gestão associada também é prevista na Lei nº 11.445/2007, cujo Capítulo III estabelece as diretrizes para a prestação regionalizada dos serviços. Nesse caso, a prestação dos serviços é feita por um único prestador, que atende vários municípios, contíguos ou não, e as atividades de regulação, fiscalização e remuneração dos serviços devem ser uniformes entre os consorciados. As atividades de regulação e fiscalização podem ser exercidas por órgão ou entidade de ente da federação, constituída dentro dos limites do respectivo estado, a que o titular tenha delegado o exercício dessas competências por meio de convênio de cooperação, ou, ainda, por consórcio público de direito público que integre os titulares dos serviços. Existem diversos modelos de gestão associada (RIBEIRO, 2005), como: • Contratação individual da Companhia Estadual de Água e Esgoto por cada município para os serviços de água e esgoto. Nesse caso, o estado e o município celebrarão convênio de cooperação autorizando e disciplinando a gestão associada, e a prestação dos serviços será regulada por meio de contrato de programa assinado entre a companhia ou autarquia estadual responsável e o município. • Contratação de um prestador municipal dos serviços por outro município. Aqui, o convênio de cooperação será celebrado pelos dois municípios, e o contrato de programa assinado entre o órgão ou entidade municipal (autarquia ou empresa) e o município interessado na prestação de seus serviços. • Contratação coletiva da Companhia Estadual de Água e Esgoto por consórcio público. Nessa variante, municípios e estado constituirão um consórcio público, que firmará contrato de programa com a companhia estadual. • Contratação coletiva de um prestador municipal por consórcio público. Nesse caso, os municípios interessados constituirão um consórcio público, que firmará contrato de programa com a autarquia ou empresa municipal ou intermunicipal que prestará o serviço. • Contratação de um consórcio público como prestador do serviço. Nesse último exemplo, os municípios constituirão um consórcio público e cada um deles firmará contrato de programa com o consórcio. No que se refere ao planejamento, tema objeto deste texto, a Lei nº 11.445/2007 estabelece a necessidade da compatibilidade entre os planejamentos dos municípios consorciados. A lei prevê, ainda, a possibilidade da elaboração de Plano de Saneamento Básico do serviço regionalizado para o conjunto de municípios consorciados (art. 17). Essa possibilidade, apesar de pertinente e recomendável, implica cuidados adicionais no processo de planejamento, principalmente para não alijar as populações locais dos processos de decisão e, ainda, para evitar planos que não levem em consideração as peculiaridades e demandas de cada município. O Plano de Saneamento elaborado de forma conjunta deve ser criteriosamente conduzido pelos titulares dos serviços consorciados. Assim, é recomendável que o processo de elaboração desse Plano parta de amplas discussões com os segmentos sociais, devendo ser assegurada a autonomia política do titular dos serviços, ente da federação com competência de atuar em assuntos de interesse local. É importante ressaltar, contudo, que o Plano de Saneamento conjunto do serviço regionalizado não exime os consorciados titulares de elaborar o Plano Municipal para os quatro segmentos do saneamento básico. Ou seja, a edição e aprovação do Plano de Saneamento Básico englobando os quatro segmentos e integrando sua parte do plano do serviço regionalizado devem ser feitas individualmente por cada titular. A referida lei determina, no seu art. 9º, que o titular dos serviços deve formular a respectiva política pública de saneamento básico, devendo, para tanto, elaborar os Planos de Saneamento Básico, e, no § 1º do art. 19, que os Planos de Saneamento Básico serão editados pelos titulares, podendo ser elaborados com base em estudos fornecidos pelos prestadores de cada serviço. Dessa forma, serão resguardados os preceitos constitucionais quanto à autonomia municipal e a book_livro_tecnico.indb 28 20/07/2011 17:29:33 determinação da Lei nº 11.445/2007, que identifica a função de planejamento como prerrogativa exclusiva do titular e, portanto, indelegável a outro ente. Para os autores, são duas as principais tendências para a organização de consórcios: a livre associação de municípios, que se organizam segundo características políticas próprias e, de outro lado, uma forte indução governamental, segundo as preferências do poder executivo estadual, com ambas incluindo a participação do governo estadual. Entre as características consideradas para o êxito de um consórcio, pode-se citar: • forte continuidade política e administrativa, que possibilita ambiente político favorável; • otimização e economia em escala; • necessidade de alto grau de coalizão política e confiabilidade entre os participantes (NEVES e outros, 2006). A organização local de cada um dos municípios é apontada pelos autores como um ponto importante para o êxito da parceria intermunicipal via consórcio. Alves (2006), ao compartilhar com essa visão, afirma que o exercício da autonomia política é requisito indispensável para que o poder local esteja apto a se consorciar. Como um dos problemas identificados, os autores ressaltaram a falta de participação na instância de decisão dos consórcios dos secretários municipais de saúde e também dos usuários e representantes de associações locais (NEVES e outros, 2006). O estudo de Neves e outros (2006) evidenciou que, no âmbito do setor saúde, o consórcio é um modelo de organização e de cooperação típico de cidades de pequeno porte que tem sido utilizado para a superação de problemas comuns. Certamente, as dificuldades dos municípios de pequeno porte quanto aos aspectos de planejamento, regulação e prestação podem explicar essa tendência (SOUZA, 2001). Bonatto (2004) compartilha com essa ideia e ressalta a possibilidade do uso do consórcio na gestão de resíduos sólidos, viabilizando a limpeza pública com a integração e qualificação gerencial e com compartilhamento de infraestruturas operacionais e respectivos custos, especialmente as unidades de destino final, entre outras. 29 ELABORAÇÃO DE PLANO DE SANEAMENTO BÁSICO: PRESSUPOSTOS, PRINCÍPIOS, ASPECTOS METODOLÓGICOS E LEGAIS As experiências de consórcios municipais, sob a nova ordem legal, têm estimulado diversos estudos sobre seus limites e possibilidades. Neves e outros (2006), estudando os consórcios de saúde, ressaltam que essa modalidade de gestão se constitui em uma alternativa de governança regional, favorecendo novas soluções para a execução de políticas públicas. No entanto, segundo os autores, os consórcios de saúde têm sido objeto de avaliação quanto a seus resultados, impacto e mecanismos, sendo alvo frequente de polêmicas no âmbito da comunidade acadêmica. Os estudos têm apontado as vantagens para os municípios consorciados, mas também a necessidade de aprofundar a discussão sobre as razões de sua indução por parte dos agentes governamentais e a sua real viabilidade, pontos que vêm sendo motivo de controvérsias. Para Alves (2006), os consórcios terão aplicação em regiões formadas por grupo de municípios ou por municípios e estados que enfrentam carência de recursos humanos, financeiros e materiais. Por outro lado, o autor acredita que as regiões metropolitanas vêm requerendo o aperfeiçoamento da cooperação interfederativa de forma a possibilitar a execução de políticas públicas, sendo o consórcio uma possibilidade de modelo eficiente de governança metropolitana. Para Cunha (2004), diferentes mecanismos de cooperação e coordenação intergovernamental podem ser instrumento poderoso para o enfrentamento da nova agenda federativa, em especial a agenda das cidades e do desenvolvimento regional. A regulamentação dos consórcios públicos pela Lei nº 11.107/2005 e Decreto nº 6.017/2007, aliada à nova conjuntura do saneamento marcada pela reestruturação institucional, via Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental do Ministério das Cidades, pela retomada dos investimentos e pela promulgação da Lei nº 11.445/2007, tem estimulado o uso dos consórcios públicos como alternativa para a racionalização da prestação dos serviços e economia de escala. Entre os consórcios na área de saneamento, pode-se citar: Consórcio Público Intermunicipal de Saneamento Ambiental do Vale do Rio Sinos, com 32 municípios; Consórcio Intermunicipal de Saneamento de Serra de Santana – Conisa Serra de Santana/RN, com o estado e sete municípios; Cisam Meio Oeste SC – Consórcio Intermunicipal de Saneamento Ambiental do Meio Oeste de book_livro_tecnico.indb 29 20/07/2011 17:29:35 SC, formado por oito municípios; Cisam Sul SC – Consórcio Intermunicipal de Saneamento Ambiental do Sul de SC, formado por 17 municípios; Consórcio Intermunicipal de Serviços Municipais de Água e Esgoto do Paraná – Cismae/PR com 20 municípios; Consórcio no Ceará no Maciço do Baturité, envolvendo 14 municípios; Consórcio Regional de Saneamento do Sul do Piauí – Coresa Sul, com 36 municípios mais o governo estadual. 30 O governo federal, por meio do Programa da Modernização do Setor Saneamento – PMSS e da Funasa, tem estimulado o uso de consórcio público, por compreender que os desafios da área de saneamento passam pela cooperação intermunicipal, em face da fragilidade do poder público municipal no Brasil. A carência de recursos financeiros e humanos, a baixa capacidade institucional e o desafio da universalização do saneamento são fatores que justificam essa estratégia. Se, por um lado, a gestão associada ou, dita de outra forma, a parceria público-público, se mostra promissora, principalmente em um ambiente legal e de disponibilidade de recursos, por outro, a temática merece reflexão, uma vez que as parcerias também exigem novas posturas institucionais, como o compartilhamento de decisões e de poder, fatores que podem interferir no sucesso ou fracasso dessa iniciativa. A herança da cultura autoritária nas relações entre o nível federal e estadual com o município, associada ao clientelismo, tem colocado os municípios reféns de sua própria condição. Alves (2006), ao discutir as fragilidades dos municípios brasileiros, cita Damião Alves de Azevedo, para quem a tradição centralizadora comprometeu a capacidade dos municípios de exercerem sua autonomia. Assim, a falta do exercício da autonomia municipal é fator limitador para a prática da parceria e do compartilhamento. Por outro lado, a gestão associada ou regionalizada de serviços de interesse local, como o saneamento, também exige a adoção de estratégias para garantir o exercício da cidadania. O deslocamento dos níveis de decisão para esferas mais distantes do cidadão, do cotidiano da população beneficiária dos serviços, implica perdas para a cidadania local, que passa a ter dificuldades para interferir nos processos de planejamento, regulação e fiscalização dos serviços. Essa discussão remete ao debate entre regionalização, descentralização, poder local e democracia, fruto de intensos debates e controvérsias. Muitos autores têm defendido que, para assuntos de interesse local como a moradia, a escola, a saúde e o saneamento, o poder local é mais permeável às demandas da população e a participação cidadã. Essa tese também vem sendo defendida pelos teóricos da Reforma Sanitária e, mais recentemente, da Reforma Urbana, ao ressaltarem a importância do fortalecimento da autonomia municipal. Para Leite e Duarte (2005), a descentralização permite a transferência do poder de decisão para níveis mais próximos e permeáveis à influência dos cidadãos. Para os autores, estruturas governamentais descentralizadas possibilitam a participação cidadã, uma vez que o centro decisório está mais próximo das populações que serão beneficiadas pelos investimentos públicos. Os autores citam Crouch (1999) para evidenciar que, “enquanto a elite pode se organizar e participar de decisões em nível nacional, as massas populares somente podem fazê-lo localmente”. Assim, a descentralização, de forma democrática, favorece a participação e a identificação das reais necessidades da população, sendo estratégia de inclusão social. No início da década de 70, a descentralização se colocou como alternativa à crise do Estado do Bem-Estar Social, pois se acreditava que reduzir o tamanho do aparato organizacional implicaria ganhos em agilidade e maior eficiência na gestão de políticas sociais compensatórias. Para os neoliberais, o estímulo à descentralização significava promover a redução do papel do Estado no campo das políticas públicas. Na América Latina dos anos 80, a descentralização era vista como alternativa para reestruturar o Estado e a gestão das políticas públicas de corte social, tese disseminada em face da exclusão social gerada pelos governos autoritários, cujas políticas eram impressas pelo governo central (JUNQUEIRA e outros, 1997). A descentralização passa a ser vista como meio de democratizar e promover a participação social. No entanto, apesar do fortalecimento do poder local, a transferência de responsabilidades não foi acompanhada com respaldo fiscal e financeiro. Junqueira e outros (1997) afirmam que é preciso melhorar as condições de governabilidade do nível local, para que seja possível prestar serviços públicos de qualidade. Portanto, pode-se concluir que o preceito constitucional que estabelece a competência municipal para assuntos de interesse local, como o saneamento básico, mostra-se importante na promoção de políticas públicas que visem à universalização do acesso book_livro_tecnico.indb 30 20/07/2011 17:29:37 a esse serviço essencial. Assim, os processos de regionalização, de formação de consórcio, devem ser conduzidos com cautela, de forma que não ocorra o atropelamento do poder público municipal e, consequentemente, o afastamento das populações dos processos de decisão. É desejável que a gestão associada seja o produto de pactos e negociações legítimos dos atores sociais para que possam se constituir em uma estratégia de inclusão social e de fortalecimento da cidadania. A identificação de redes sociais constitutivas da localidade leva a indagações sobre o espaço político local, sobre as pautas de convivência e cooperação, competição e conflito, sobre a memória política local e as formas de exercício do poder. Como objeto de investigação, o local não é, portanto, apenas fisicamente localizado, mas socialmente construído. A regionalização, portanto, pressupõe considerar os diferentes territórios em suas diversas dimensões, devendo-se reconhecer a base social e cultural que se sustentam, para que as identidades sejam preservadas e, consequentemente, a alteridade, elemento importante para a garantia de processos democráticos e de cidadania. A regionalização não pode ser uma “união compulsória de alguns municípios limítrofes”, deve-se garantir que as especificidades de cada região sejam consideradas. Por outro lado, é importante reconhecer o diálogo necessário entre territórios, principalmente no estado federativo, uma vez que os processos locais, regionais, nacionais e internacionais estão interligados, havendo conexões do local para os níveis superiores e destes para o nível local. Essas inter-relações, para Fischer (1993, p. 13), envolvem levar em consideração os espaços políticos locais em si mesmos e sua articulação com o poder mais global “não como simples relação de dominação, [...], mas como um conjunto de articulações entre coletividades e espaços diversificados”. Santos (2000), ao distinguir o espaço banal e o espaço das redes e as suas inter-relações, esclarece que o espaço banal é aquele onde se realiza a vida coletiva, a vizinhança, a coabitação, a coexistência do diverso, onde os ricos, os pobres, os que mandam e os que não mandam estão presentes, é o que ele define como horizontalidade. Já o espaço de redes representa a verticalidade, de vetores, que se instalam nos lugares e que pouco se importam com o que está no seu entorno. O local, o espaço banal busca um sentido e o espaço das redes busca um resultado. Para Santos, será o entendimento dessa dialética dos espaços em que os movimentos sociais poderiam se inspirar para maior entendimento de suas conexões e determinações. 31 ELABORAÇÃO DE PLANO DE SANEAMENTO BÁSICO: PRESSUPOSTOS, PRINCÍPIOS, ASPECTOS METODOLÓGICOS E LEGAIS Milton Santos, grande pensador do território, nos ensina ao afirmar que [...] “é o lugar que dá conta do mundo. Há nele uma empirização do mundo” [...] (SANTOS, 2000, p. 52). O que nos suscita a pensar que qualquer projeto que busque atuar na transformação social não pode prescindir do local. Para esse autor, os territórios não são simples recortes de espaços físicos, são uma construção social, produto de uma história, devendo ser visto na sua totalidade, o que envolve aspectos políticos, sociais, econômicos, culturais, naturais, institucionais, entre outros (SANTOS, 1992). Fisher (1993, p. 11), discutindo poder local, governo e cidadania, acrescenta que: Brandão (2004), ao realizar análise sobre as teorias, estratégias e as políticas regionais, observa que tem existido um entusiasmo em todo o mundo pelas questões territoriais, entusiasmo intitulado por ele de “arrebatador”. Para o autor, apesar da pertinência do retorno do território como objeto de análise, as questões socioespaciais têm sido “vulgarizadas e reduzidas, nesse contexto de verdadeiro deslumbramento, em que parece que tudo se tornou territorial” (BRANDÃO, 2004, p. 58), sendo solução para todos os problemas do desenvolvimento. Segundo sua concepção, o território passa a ser o regulador autônomo de relações, com poder de implementar projetos sociais e políticos, a partir do estabelecimento de consensos que se constituem em pressupostos, e não como um propósito a ser construído segundo interesses comuns. O autor chama a atenção para a necessidade de aprofundar o debate teórico sobre os impactos sociais, políticos, institucionais e econômicos do capitalismo atual no território, com enfoque para as rupturas produzidas e os elementos que persistiram do período anterior. Na análise de Brandão, ocorreu rebaixamento teórico das abordagens sobre o território. As análises pautadas na história, na produção social do espaço, nas estruturas e modelos de desenvolvimento, típicas da sociologia e da economia política, deram lugar a estudos pautados na gestão empreendedora, no marketing municipal, na competitividade entre cidades, na administração (privada), na economia de escala, entre outros. Vainer (2003), realizando reflexão sobre a cidade, aponta para a existência de duas utopias que inspiram e orientam projetos e políticas urbanas: a utopia da cidade-empresa, dirigida pelos empresários, e a utopia da cidade democrática, dirigida pelos citadinos. Para o autor, book_livro_tecnico.indb 31 20/07/2011 17:29:39 A era que vivemos é marcada pelo embate entre duas utopias urbanas. De um lado tem-se a utopia da cidade-empresa, da cidade-mercadoria, da cidade-negócio. Com essa utopia afirma-se a cidade do marketing, a cidade consensual que repudia qualquer debate aberto e teme o conflito. De outro, tem-se a utopia da cidade democrática. Em vez de dominada pelo mercado e pela mercadoria, é dirigida pela política. [...] Seus habitantes são pensados como cidadãos em construção, que, ao se construírem, constroem também a cidade (VAINER, 2003, p. 30). 32 Conforme apontam os urbanistas e pensadores do espaço, o ideal moderno promulgado por pensadores de diversas vertentes teóricas de que o novo lugar, a cidade-nova, ou o planejamento da periferia, ou ainda uma nova racionalidade espacial, seria capaz de criar uma nova ordem social não passa de uma quimera. Colocando nesses termos, tanto os limites do planejamento como dos processos de regionalização e de racionalização da gestão ficam devidamente situados em suas reais possibilidades de transformação da realidade. 3. PLANO DE SANEAMENTO BÁSICO: ASPECTOS METODOLÓGICOS 3.1 Ação de planejamento: conceitos e abordagens Planejar faz parte de nosso cotidiano. É uma atividade inerente à racionalidade humana, sendo usada implícita ou explicitamente pelos indivíduos, organizações e governos, com o fim de atingir um objetivo, um alvo. O ato de planejar envolve uma série de decisões marcadas por visões sociais de mundo7, muitas vezes antagônicas e em disputa entre os diversos atores/protagonistas sociais. Assim, o ato de planejar não é neutro, mas carregado de subjetividades intrínsecas aos sujeitos que participam do processo de planejamento. Isso significa dizer que planejar, principalmente em uma sociedade marcada por intensas desigualdades sociais, implica desenvolver a capacidade de lidar com conflitos de interesse. Dessa forma, o planejamento, antes de tudo, é uma ação política. Planejar pressupõe avaliar o estado presente do objeto para definir o estado futuro desejado (Figura 1). VISÃO SOCIAL DE MUNDO TRANSFORMAÇÃO Estado presente Estado futuro VISÃO SOCIAL DE MUNDO 7 Lowi (1987), ao discutir a questão da ideologia e ciências sociais no mundo contemporâneo, prefere o conceito de “visão social de mundo” ao de “ideologia”, em face das controvérsias que a chamada pós-modernidade trouxe a esse conceito. book_livro_tecnico.indb 32 20/07/2011 17:29:42 O “estado presente” é avaliado por meio de um diagnóstico do objeto do planejamento, devendo envolver os diferentes sujeitos: técnicos, gestores e sociedade civil organizada. Para definir o “estado desejado”, devem ser estabelecidos os princípios, diretrizes, objetivos, metas e programas capazes de promover a transformação desejada. O planejamento é um processo dinâmico e, portanto, deve ser bem diferenciado do plano, fruto de um processo político-social, dos programas e projetos, que são documentos na forma de relatórios, ou outra forma material de registro, contendo todas as informações necessárias à implantação, execução e controle das proposições feitas (AMBIENTE BRASIL, 2007). O processo de planejamento deve considerar a viabilidade política, técnica, econômica, social, ambiental e institucional de sua própria realização e dos seus produtos, de forma que as ações propostas sejam factíveis e condizentes com a realidade concreta do município. A viabilidade política envolve considerações sobre o contexto político em que se insere o plano e as possibilidades concretas de sua execução, a sua capacidade de dialogar e de tratar os diferentes interesses dos protagonistas da cena urbana, ou seja: políticos, movimentos sociais, ONG, funcionários do aparato estatal e interesses privados. Na viabilidade técnica, deve-se considerar a disponibilidade de matéria-prima e equipamentos para execução das intervenções; a adequação das tecnologias propostas à realidade cultural, social e ambiental; e a existência de pessoal capacitado para desenvolver as ações planejadas. Na viabilidade econômica, devem ser considerados os custos das intervenções propostas, tanto os de implantação (investimentos) como os de operação e manutenção posterior (despesas de custeio), os recursos disponíveis e as condições de financiamento desses custos, inclusive a capacidade de geração de receitas próprias e outras fontes e formas de sustentabilidade ao longo do tempo. A viabilidade social corresponde ao estudo da compatibilidade dos custos dos programas e projetos a serem implementados com a realidade socioeconômica local e da população beneficiária, incluída sua capacidade de pagamento. Refere-se ainda à análise dos impactos sociais da implementação do Plano, principalmente quanto à gentrificação8 que projetos de requalificação urbana normalmente produzem em face do aumento dos custos das tarifas, taxas e impostos a serem pagos. Na viabilidade ambiental, são avaliados os impactos do Plano sobre o ambiente físico, o natural e o patrimônio artístico, histórico e cultural. A viabilidade institucional diz respeito à capacidade de governar, de dispor das estruturas e condições administrativas e legais para realizar e executar a ação de planejamento (Figura 2). 33 ELABORAÇÃO DE PLANO DE SANEAMENTO BÁSICO: PRESSUPOSTOS, PRINCÍPIOS, ASPECTOS METODOLÓGICOS E LEGAIS A palavra planejamento tem o sentido de empreendimento, projeto, sonho e intenção. O planejamento revela a vontade de intervir sobre uma dada realidade em uma determinada direção, a fim de se concretizar alguma intenção. A intenção em si carrega subjetividades que se relacionam com as visões sociais de mundo, os valores, a cultura, entre outros aspectos. ECONÔMICA SOCIOCUL TURAL TÉCNICA POLÍTICA ESTUDO DE VIABILIDADE DO PLANO AMBIENTAL INSTITUCIONAL 8 Refere-se ao fenômeno urbano de expulsão da população local após ações de requalificação urbana em face do aumento do valor da terra urbana, do aumento de impostos, taxas e tarifas que impossibilitam que as populações se mantenham no local requalificado. book_livro_tecnico.indb 33 20/07/2011 17:29:44 Para Góis (2003, p. 1), planejar é um ato “político, dialógico, de construção e realização de uma vontade coletiva de superação, de humanização e de convivência profunda com a cidade”, e não um ato de submeter tecnicamente a cidade aos interesses de grupos e classes. Para o autor, o planejamento deve ser discutido como um processo da consciência frente às suas necessidades e exigências da realidade, e como um pensar coletivo e um agir metódico, direcionados para a construção de uma realidade desejável e possível (futuro), seja para um indivíduo, grupo, coletividade, seja para uma nação, sempre visando à humanização (GÓIS, 2003, p. 1). 34 No campo das políticas públicas e do planejamento urbano, algumas questões são essenciais para o processo de planejamento, a saber: 1. Qual o objeto a ser planejado? Isso implica certo domínio, saber, conhecimento, sobre o objeto. Suas características, sua história, formas de apropriação pelos diversos segmentos da sociedade, entre outros. Significa conceituar o objeto, identificando as diversas formas de apropriação pelos atores sociais, suas similaridades, aproximações e distanciamentos. Significa tomar partido sobre uma concepção em detrimento de outra. A depender dos pressupostos metodológicos do processo de planejamento, a demarcação do objeto a ser planejado pode ser tecnocrática, e, portanto, autoritária; ou participativa, ou seja, democrática. Uma vez que o presente ensaio trata do planejamento no campo do saneamento, o objeto a ser planejado é o saneamento básico, cuja definição está expressa na Lei nº 11.445/2007 como sendo o conjunto de serviços, infraestruturas e instalações operacionais de: • abastecimento de água potável: constituído pelas atividades, infra-estruturas e instalações necessárias ao abastecimento público de água potável, desde a captação até as ligações prediais e respectivos instrumentos de medição; • esgotamento sanitário: constituído pelas atividades, infraestruturas e instalações operacionais de coleta, transporte, tratamento e disposição final adequados dos esgotos sanitários, desde as ligações prediais até o seu lançamento final no meio ambiente; • limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos: conjunto de atividades, infraestruturas e instalações operacionais de coleta, transporte, transbordo, tratamento e destino final do lixo doméstico e do lixo originário da varrição e limpeza de logradouros e vias públicas; • drenagem e manejo das águas pluviais urbanas: conjunto de atividades, infraestruturas e instalações operacionais de drenagem urbana de águas pluviais, de transporte, detenção ou retenção para o amortecimento de vazões de cheias, tratamento e disposição final das águas pluviais drenadas nas áreas urbanas (BRASIL, 2007, p. 2). É importante observar três pontos: • o conceito de saneamento vem sendo socialmente construído ao longo da história, principalmente nos últimos 20 anos, e o expresso na lei representa o resultado de intensas negociações e consensos, que levaram em consideração o preceito constitucional, o conhecimento técnico e seus paradigmas norteadores e as demandas sociais; e • o conceito de saneamento definido na Lei no 11.445/2007 foi ratificado e melhor detalhado pelo decreto que a regulamenta, Decreto nº 7.217, de 21 de junho de 2010. Entre outros aspectos, o decreto determina que os planos de saneamento básico devem conter prescrições para o manejo de resíduos originários de construção e demolição e dos serviços de saúde (art 13). Determina, também, que, a partir do exercício financeiro de 2014, a existência de plano de saneamento básico, elaborado pelo titular, será condição para o acesso a recursos da União, quando destinados a serviços de saneamento básico (art 26, § 2º); e • uma vez que o saneamento básico é assunto de interesse local, de competência do titular dos serviços, os municípios, quando da elaboração dos seus Planos de Saneamento Básico, têm autonomia para, a partir do conceito definido na lei, incorporar outros temas considerados pertinentes à realidade socioambiental local. Caso contrário, o processo de planejamento teria caráter rígido do ponto de vista conceitual, desconsiderando as peculiaridades locais e a autonomia dos atores sociais, e estaria, inclusive, em desacordo com os princípios fundamentais definidos na lei. 3.1.1 Quais são os sujeitos do processo de planejamento? Ou seja, envolve a definição de quem vai participar do planejamento das ações. No Brasil, a herança autoritária e patrimonialista9, 9 Patrimonialismo é um conceito utilizado por Max Weber que visa associar a forma como a autoridade trata a coisa pública como se privada fosse. No Brasil, essa prática social das elites é marcada pela não demarcação entre a esfera pública e a privada. book_livro_tecnico.indb 34 20/07/2011 17:29:46 os próprios interesses das elites e, ainda, a forte crença na técnica implicaram a prática do planejamento tecnocrático, autoritário e voltado para garantir os interesses hegemônicos dos grupos políticos e econômicos, então sujeitos do processo de planejamento. A abertura política, o crescimento e fortalecimento do movimento social fizeram emergir novos atores e novas concepções de planejamento. A participação da população, da sociedade civil organizada, passou a ser uma exigência legal, registrada em diversos mecanismos, como na Lei Orgânica da Saúde, no Estatuto das Cidades, na Lei de Recursos Hídricos e, mais recentemente, na própria Lei Nacional de Saneamento Básico (Lei nº 11.445/2007). Também a participação e o controle social no processo de planejamento estão previstos naquela lei, a qual define o controle social como um dos princípios fundamentais da prestação dos serviços de saneamento básico (art. 2º, inciso X) e assegura a ampla divulgação do Plano e de seus estudos, prevendo-se a realização de audiências ou consultas públicas (art. 19, § 5º, inciso V). O Capítulo VIII da referida lei foi dedicado à participação de órgãos colegiados no controle social, sendo definido que o controle social pode incluir a participação de órgãos colegiados de caráter consultivo, com representação dos titulares dos serviços, órgãos governamentais do setor, dos prestadores de serviços, usuários e entidades técnicas, organizações da sociedade civil e de defesa do consumidor (art. 47)10 . É importante registrar que a participação e o controle social nas políticas públicas é o resultado de conquistas da sociedade em nível mundial, a partir da década de 70, no rastro dos movimentos emancipatórios dos anos 60, o que permitiu às democracias ocidentais incorporar pressupostos da democracia direta, além da representativa. No Brasil, nos anos 80, o fortalecimento dos movimentos sociais, a abertura política, entre outros fatores, criaram as condições para a aprovação da Constituição Cidadã de 1988 e, a partir daí, a instituição de diversos mecanismos legais que passaram a incorporar a participação dos cidadãos nas políticas públicas. A Constituição Federal estabelece, no art. 298, como uma das diretrizes do Sistema Único de Saúde, a participação da comunidade, o que veio a ser regulamentado pela Lei nº 8.142/1990. A Lei Orgânica da Saúde, confirmando o dispositivo constitucional, também define a participação da comunidade como um dos princípios do Sistema Único de Saúde (inciso VIII, art. 7º, da Lei nº 8.080/1990). A lei que institui a Política Nacional de Recursos Hídricos colocou como um dos seus fundamentos a gestão dos recursos hídricos descentralizada e a participação do poder público, dos usuários e das comunidades (inciso VI, art. 1º, da Lei nº 9.433/1997). O Estatuto das Cidades definiu como uma das diretrizes gerais da política urbana a: 35 ELABORAÇÃO DE PLANO DE SANEAMENTO BÁSICO: PRESSUPOSTOS, PRINCÍPIOS, ASPECTOS METODOLÓGICOS E LEGAIS Essa lei é clara quanto aos sujeitos do processo de planejamento das ações de saneamento básico. No art. 9º está definido que o “titular dos serviços formulará a respectiva política pública de saneamento básico, devendo, para tanto, elaborar os Planos de Saneamento Básico” [...] (BRASIL, 2007, p. 3). Tal definição está em consonância com a Constituição Federal (art. 30 da CF) e com o Estatuto das Cidades (art. 40 da Lei nº 10.257/2001). gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano (inciso II, art. 2º, da Lei nº 10.257/2001 (BRASIL, 2008, p. 1). O Estatuto das Cidades define o Plano Diretor como o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana, e no processo de sua elaboração e fiscalização está prevista a promoção de audiências públicas e debates com a participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade (inciso I, art. 40, da Lei nº 10.257/2001). Assim, o ambiente legal que passa a regular as políticas públicas no Brasil, após os anos 80, prevê a participação cidadã na elaboração e acompanhamento das políticas públicas, e a Lei Nacional de Saneamento Básico (Lei nº 11.445/2007) não poderia deixar de estar em consonância com esse pressuposto. 10 Cabe observar que esse foi um dos pontos de discussão quando da apreciação do Projeto de Lei do Poder Executivo Federal pelo Congresso Nacional. A expectativa era de que a lei criasse um sistema de saneamento, aos moldes dos existentes nos campos da saúde, dos recursos hídricos e do meio ambiente, com a instituição de conselhos. No entanto, o processo de negociação no Congresso Nacional fez com que essa intenção fosse abortada. Assim, foi aprovada a indicação, no art. 47, de que o Distrito Federal, os estados e os municípios poderiam criar conselhos de caráter consultivo. Sendo o saneamento básico assunto de interesse local e tendo o município autonomia para legislar sobre essa temática, conforme define o art. 30, inciso I, da CF, os municípios podem instituir conselhos, inclusive de caráter deliberativo, o que não infringe a Lei nº 11.445/2007, visto que, nesta matéria, cabe à União apenas definir as diretrizes gerais sobre as questões de saneamento básico. book_livro_tecnico.indb 35 20/07/2011 17:29:48 Nesse cenário, os sujeitos do processo de planejamento são os titulares dos serviços de saneamento básico, a população e os diversos segmentos da sociedade civil organizada, entre eles, associações de moradores, de profissionais, sindicatos, ONG, entidades representativas dos setores econômicos privados e outros. Caberá a tais sujeitos, com suas visões sociais de mundo, travar discussões em torno de seus projetos no campo do saneamento de forma a vir a compor o Plano Municipal de Saneamento Básico. Com isso, nesse momento, o poder local torna-se o grande protagonista das políticas públicas de saneamento básico no Brasil. 36 3.1.2 Sob quais pressupostos o planejamento será realizado? Além da definição do objeto a ser planejado e dos sujeitos que participarão do processo de planejamento, o estabelecimento dos pressupostos, dos princípios sob os quais o planejamento dar-se-á, é tarefa imprescindível para que o Plano seja factível, realizável e não se torne mais uma peça esquecida na prateleira da burocracia. São os pressupostos que orientam a elaboração do Plano, eles apontam a direção. A partir deles é que as bases para a promoção das transformações necessárias são definidas. Os pressupostos se constituem em um conjunto de elementos que conformam um projeto social. Tal projeto é o produto de disputas de hegemonias e de construção de consensos no seio da sociedade. O debate sobre os pressupostos que devem sustentar a elaboração do Plano evidencia o caráter político do planejamento. Nessa perspectiva, a técnica passa a ser um instrumento do planejamento capaz de identificar os meios que serão utilizados para garantir o êxito do Plano. No processo de planejamento é desejável que os pressupostos do Plano sejam resultados de discussões com os diversos segmentos da sociedade. A equipe que coordena o processo de planejamento deve ter a habilidade para conduzir discussões transparentes e democráticas, considerando as proposições e projetos de cada segmento social. É desejável, ainda, que tais projetos ganhem visibilidade e fundamentação e sejam avaliados à luz da realidade concreta a ser transformada. Borja (2002), ao tratar da sustentabilidade no campo do saneamento, identifica a existência de uma disputa pelo conceito de saneamento que traduz o embate em torno de, no mínimo, dois projetos antagônicos de sociedade. O primeiro acredita nas capacidades individuais, no mercado, na iniciativa privada, na própria comunidade em promover uma sociedade realista, eficiente, autossustentável e regulada pelo mercado, tendo como matriz teórica o liberalismo. O segundo projeto aposta na possibilidade de construir uma sociedade mais ética, solidária, igualitária, pautada em novas relações entre sociedade-natureza, tendo o Estado, por meio da democracia direta e representativa, a missão de promover a justiça social, cuja matriz teórica se apoia nas teses do Estado do Bem-Estar Social. Lima (1997) observa que existem três visões básicas relacionadas às responsabilidades, estratégias e métodos para se atingir a sustentabilidade do desenvolvimento: • A visão estatista, que considera a qualidade ambiental um bem público que deve ser normatizado, regulado e promovido pelo Estado, com complementaridade das demais esferas sociais, em plano secundário (o mercado e a sociedade civil). • A visão comunitária, que considera que as organizações da sociedade civil devem ter o papel predominante na transição rumo a uma sociedade sustentável. Fundamenta-se na ideia de que não há desenvolvimento sustentável sem democracia e participação social, e que a via comunitária é a única que torna isso possível. • A visão de mercado, que afirma que os mecanismos de mercado e as relações entre produtores e consumidores são os meios mais eficientes para conduzir e regular a sustentabilidade do desenvolvimento (VIOLA e LEIS, 1995, citados por LIMA,1997). Tais visões se sustentam em pressupostos diferenciados que conduzem a estratégias diferenciadas de políticas públicas, principalmente as de cunho social. Assim é que, na visão do mercado, os problemas sociais são fruto das externalidades negativas do modo de produção capitalista, cabendo ao Estado implementar políticas focalizadas e compensatórias para os segmentos sociais excluídos. A visão estatal aposta em princípios de justiça social, no dever do Estado de regular a sociedade por meio de ações planificadas e na implementação de políticas públicas universalizantes e igualitárias. A visão comunitária não acredita na capacidade do Estado de promover as políticas públicas e confere essa tarefa para a sociedade. book_livro_tecnico.indb 36 20/07/2011 17:29:50 Espera-se que um plano que visa transformar a realidade seja voltado para o interesse da maioria, maioria esta que deve estar representada nas instâncias de discussão. Ao se sentir contemplada, ao participar das discussões e decisões, essa maioria tende a se apropriar do plano, dando-lhe a possibilidade de se reverter em um projeto político coletivo, para além de governos, constituindo-se em uma política de Estado. A análise dos princípios citados e do próprio conteúdo da referida lei, aliada à criação do Ministério das Cidades e da Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental, à retomada dos investimentos em ações de saneamento, à aprovação da Lei nº 11.107/2005, também identificada como a Lei da Parceria Público-Público, e, de outro lado, o incentivo à parceria público-privada com a aprovação da Lei nº 11.079/2004, sugerem certo pacto social no governo do presidente Lula, no campo do saneamento. Nesse ambiente, as políticas e seus respectivos Planos de Saneamento Básico podem assumir diversas e até divergentes orientações. Será o debate no seio da sociedade, principalmente no nível municipal, que dará a tônica dos projetos sociais para o saneamento no Brasil. 3.1.3 Qual o objetivo do Plano? Todo o processo de planejamento envolve a definição de objetivos, que devem estar em consonância com os pressupostos sob os quais o Plano será elaborado. 3.1.4 Qual a metodologia que será utilizada? 37 ELABORAÇÃO DE PLANO DE SANEAMENTO BÁSICO: PRESSUPOSTOS, PRINCÍPIOS, ASPECTOS METODOLÓGICOS E LEGAIS No campo do saneamento, a Lei nº 11.445/2007, produto de pactos de segmentos da sociedade brasileira construído ao longo de quase duas décadas de discussão, define como princípios fundamentais dos serviços públicos de saneamento básico: a universalização, a integralidade, serviços adequados à saúde pública e à proteção do meio ambiente; adoção de tecnologias que considerem as peculiaridades locais e regionais; articulação de políticas relacionadas com a área de saneamento básico; eficiência e sustentabilidade econômica; uso de tecnologias apropriadas, condizentes com a capacidade de pagamento dos usuários e com soluções graduais e progressivas; transparência das ações; controle social; segurança, qualidade e regularidade; e integração das infraestruturas e serviços com a gestão eficiente dos recursos hídricos (art. 2º). A metodologia envolve a definição do método, do caminho a ser adotado para a elaboração do Plano, o que significa a filiação ou aproximação a alguma das vertentes teóricas do planejamento urbano. Há diversas vertentes teóricas de planejamento urbano. Para permitir a compreensão dessa diversidade, essas diferentes visões são apresentadas de forma resumida no Quadro 2. book_livro_tecnico.indb 37 20/07/2011 17:29:52 Quadro 2 – Vertentes teóricas do planejamento. Vertente Globalista (anos 30 a 50) 38 Características Busca a raiz do problema, a totalidade do fenômeno. Pensamento filosófico pautado no idealismo. A realidade é vista como um conjunto ordenado de regularidades. O argumento científico prevalece sobre o político. Idealiza que o Estado busca o bem comum. A meta é o equilíbrio de interesses. Diagnósticos exaustivos. São genéricos, com previsões de longo prazo. Incrementalista (EUA) Visão pragmática. Não visa o ótimo, e sim o possível. Aceita a realidade existente. A realidade é imperfeita, assim como o homem. Não acredita em um plano de consenso. O Estado não é neutro, considera o domínio de classe. Centrado na ação, e não no todo. Buscam-se as condições políticas reais para a execução do plano mais específico, com horizontes precisos. Privilégio aos planos setoriais. Estruturalista (Europa) Pensa o todo em relação às partes do ponto de vista dialético. Considera as desigualdades entre as partes. O mundo é ordenado por uma estrutura, cujas partes devem ser conhecidas para que o todo possa ser modificado. O planejamento é realizado segundo variáveis estruturais. O planejamento não é neutro, interage com o objeto a partir da visão social de mundo. Os planos e projetos são expressão da realidade estruturada. Prevê a regulação do Estado com conteúdos sociais, embora admita influência de classe e grupos. Tenta alinhar os grupos que têm preocupações com questões estruturais. Não afasta o longo prazo. A meta pode ser adaptada no percurso. Baseia-se na práxis, e não na utopia. Adapta-se à noção de tempo e de recursos. Viável é o que é desejável, e não o que é possível. Planejamento setorial na perspectiva do planejamento estratégico. Limite: ideia de que o plano pode controlar a realidade (autores de referência: MARX, ENGELS). Advocacional (comunitário) Crítica ao globalismo e incrementalismo. Planejamento feito pelo próprio interessado, pela comunidade, em nível local e encaminhado pelo Estado. O planejador funciona como advogado da comunidade. Limites: organização comunitária e acesso a recursos (anos 60). Sistêmico Influência da Teoria Geral dos Sistemas (TGS). O todo é maior que a soma das partes. Visão de totalidade, das inter-relações. Incorpora a interdisciplinaridade. Aproxima-se da visão estruturalista: em vez de estrutura, o sistema. Limites: trata os fenômenos da cultura segundo a mesma lógica da natureza. Ambiental Influenciada por diversas vertentes do planejamento, tendo maior aproximação com a visão sistêmica. Inter e transdisciplinar. No final dos anos 80, incorpora a perspectiva da sustentabilidade. Busca pensar em termos locais e globais. Visão para as presentes e futuras gerações. Já no século XIX, em plena primeira revolução industrial, foi vislumbrada a escassez de recurso, motivo pelo qual esta vertente do planejamento defendia a proteção de florestas e rios, a preservação da pureza das águas, do ar e do solo (FRANCO, 2000). Com a emergência do movimento social nos anos 80, surge um novo protagonista no processo de planejamento a sociedade civil organizada (movimentos sociais, sindicatos, ONG, grupos ambientalistas, Participativo associações profissionais). Busca a participação crítica e ativa em todas as fases do planejamento (diagnóstico, análises, elaboração de objetivos, planos e avaliação). Ação de parceria com o Estado. Fonte: Adaptado de Sampaio (1995). No Brasil a experiência do planejamento participativo iniciou nos anos 80, quando essa forma passa a ser um referencial de atuação da administração pública. Tal planejamento prevê a abertura de diálogos entre os diversos atores que produzem a cidade, superando a abordagem tecnicista. No entanto, esse tipo de planejamento foi e vem sendo praticado de forma restrita e pontual, pois, além de fragilidades metodológicas, existem ainda dificuldades para a sua implementação efetiva devido a interesses antagônicos em relação à cidade. book_livro_tecnico.indb 38 20/07/2011 17:29:54 Nos anos 90, com o fortalecimento do ideário neoliberal no Brasil, o planejamento, com seu legado de ser incapaz de solucionar as questões sociais, econômicas e urbanas, passa para segundo plano, enquanto que a ideia de “gestão” toma a cena. Para Souza (2002, p. 31), o hiperprivilegiamento da ideia de gestão em detrimento de um planejamento consistente representa o triunfo do imediatismo e da miopia dos ideólogos ultraconservadores do “mercado livre”. Em outras palavras ele representa a substituição de um “planejamento forte”, típico da era fordista, por um “planejamento fraco” (muita gestão e pouco planejamento), o que combina bem com a era-pósfordismo, da desregulamentação e do Estado mínimo [...] Nesse período, convive-se com duas abordagens de planejamento. Uma baseada nas experiências de planejamento participativo e outra fundamentada no planejamento estratégico – que sai do âmbito empresarial e chega à administração pública. O surgimento do planejamento estratégico é creditado à pesquisa tecnológica e ao gerenciamento científico desenvolvidos pelas Forças Armadas pós-Segunda Guerra Mundial. A partir daí, são formuladas regras básicas da administração, como a competência, racionalização, informatização, clareza dos objetivos e o pensamento positivo. Assim, inspirado nas experiências militares, no começo dos anos 70, o planejamento estratégico passou a ser o instrumento mais utilizado pelas empresas. Essa ideia de planejamento estratégico é transportada para as cidades, que passam a ser encaradas como uma empresa. Para Kotler (1975), “o planejamento estratégico é uma metodologia gerencial que permite estabelecer a direção a ser seguida pela Organização, visando maior grau de interação com o ambiente”. Para Ferreira (2003), as ideias que embasam essa forma de planejar foram disseminadas sob o argumento de que a sobrevivência das cidades ao ambiente competitivo e globalizado da economia atual estaria condicionada ao atendimento do receituário neoliberal, condicionado a “novas” técnicas de urbanismo, como o planejamento estratégico. A experiência de Barcelona passa a ser o ícone dessa vertente do planejamento. Esse modo de planejar vem dar sustentação ao pleno desenvolvimento econômico do mercado, em que a cidade se torna mais uma mercadoria a ser vendida, em um mercado de extrema competitividade. Em contrapartida, o planejamento participativo surge com base em algumas experiências de administrações municipais alinhadas com o ideário de construção de uma cidade mais democrática e justa para todos. Tal planejamento busca incluir a população nas decisões governamentais, com vistas a superar o caráter excludente do neoliberalismo. Essa prática aumenta o envolvimento, nos processos de decisão, dos excluídos do direito à cidade, possibilitando a definição de prioridades de cunho mais social. Com a experiência do planejamento participativo, os papéis entre sociedade e Estado estão sendo reelaborados a partir da cooperação, para que se estabeleçam pactos que busquem resolver conflitos de interesses. ELABORAÇÃO DE PLANO DE SANEAMENTO BÁSICO: PRESSUPOSTOS, PRINCÍPIOS, ASPECTOS METODOLÓGICOS E LEGAIS 39 [...] a constituição de redes plurais, embora torne mais complexo o trabalho de coordenação do debate e dos processos decisórios, é um elemento que contribui para uma gestão pública mais democrática. Além do que permite evidenciar os conflitos latentes que perpassam o Estado e sociedade civil, possibilitando uma abordagem mais condizente com essa perspectiva (MOURA, 1997, p. 178). Os anos 2000 podem ser considerados o marco na construção da Reforma Urbana, com a aprovação do Estatuto das Cidades (Lei nº 10.257/2001), que estabelece diretrizes gerais da política urbana. O Estatuto cria as condições para a gestão democrática da cidade, ao estabelecer a instituição dos órgãos colegiados de política urbana e a realização debates, audiências, consultas públicas e conferências com instâncias e mecanismos de discussão e apreciação dos assuntos de interesse urbano, nos níveis nacional, estadual e municipal (BRASIL, 2001). A experiência na implementação do Estatuto das Cidades ainda é muito recente, mas já podem ser identificados problemas, principalmente quanto à capacidade das administrações municipais superarem a prática do planejamento tecnicista e burocrático e incorporarem as diretrizes nele previstas quanto à necessidade da abertura de diálogo com a sociedade. Como tratar os conflitos entre os diferentes projetos para as cidades e os diversos interesses em jogo desponta como um dos grandes desafios. book_livro_tecnico.indb 39 20/07/2011 17:29:56 Os segmentos que detêm o poder sobre as cidades, os donos das terras e os empreendedores imobiliários têm mantido suas práticas de cooptação para influir nos rumos dos planos diretores, ou seja, das cidades. Por outro lado, os movimentos sociais urbanos encontram-se fragilizados e com uma atuação extremamente débil, considerando as oportunidades da nova lei para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. 40 Por fim, com a crise da ciência moderna, surgem as dúvidas sobre a possibilidade de esse instrumento – o planejamento – ser capaz de dar conta da problemática das cidades. O modelo tecnicista, que se pautava no poder da ciência e se ancorava em amplos diagnósticos e dados estatísticos, se mostrou incapaz de tratar a realidade complexa da cidade contemporânea (FABIANO, 2005). A crença no controle racional e centralizado dos destinos das políticas públicas urbanas, no molde keyneisiano, é posta em questão (FERRARI JÚNIOR, 2004). A cidade ideal dos urbanistas e planejadores estava distante da realidade concreta do território desigual, da política e das contradições de uma sociedade de mercado. Para Ferreira (1999, p. 50), o legado do planejamento “era uma falácia asséptica, distanciada da práxis e da realidade, ou seja, da política”. A autora observa que o processo de planejamento possui duplo movimento de alienação: “técnico em relação à realidade, ao vivido, e do político em relação ao planejamento em si” (FERREIRA, 1999, p. 52). O resultado é a descrença no planejamento e na sua capacidade de dar respostas aos anseios da sociedade. Ferrari Júnior (2004) avalia que a função do planejamento pode ser entendida pelo intervencionismo e regulacionismo estatal, com o intuito de tentar manter as condições favoráveis ao status quo capitalista. Tal interpretação sobre o papel do planejamento na produção da cidade capitalista toma fôlego com os autores Henri Lefebvre, David Harvey e Manuel Castells. Para Harvey (1980, p. 174), o urbanismo é uma forma social, um modo de vida, ligado, entre outras coisas, a uma certa divisão do trabalho e a uma certa ordem hierárquica de atividades, que é amplamente consistente com o modo de produção dominante. Embora já esteja claro que nem a prática nem a execução de planos podem garantir uma sociedade mais justa, uma vez que ambas dependem de uma ação coletiva mais ampla para a revisão do modelo de reprodução social, certamente, a execução de planejamento que envolva os diversos atores sociais, que esteja pautado em um diálogo crítico e aberto com a realidade e que seja elaborado considerando aspectos políticos, ideológicos, culturais e econômicos pode contribuir para a construção de uma sociedade mais justa. 3.2 Etapas do planejamento As etapas de um planejamento dependem muito das dinâmicas locais, da capacidade técnica do município, do nível de organização social, dos recursos disponíveis para o processo, dos interesses que estão em jogo e da própria escolha da administração local em relação às abordagens de planejamento. É importante observar que o planejamento não se encerra no plano, ele se constitui um processo dinâmico que deve ser periodicamente revisto e reorientado com vistas a atingir os objetivos ou até revê-los. Um bom planejamento deve estar articulado com as transformações da sociedade, não é uma coisa pronta, imutável, e sim dinâmica, como a própria sociedade. No entanto, em linhas gerais, podem-se identificar etapas no processo de planejamento, conforme apresentado no Quadro 3. book_livro_tecnico.indb 40 20/07/2011 17:29:58 Quadro 3 – Etapas do processo de planejamento. Definição de equipe técnica multidisciplinar Definição de Comitê Técnico de acompanhamento Enfoque A equipe técnica deve estar preparada para trabalhar com conflitos de interesses e ser capaz de estabelecer pactos, sendo importante ter uma composição multidisciplinar. Quem deve compor a equipe técnica multidisciplinar? O Comitê Técnico (CT) deve ser composto pelos diversos segmentos da sociedade e do aparato estatal, a exemplo da composição dos Conselhos das Cidades. O CT tem a atribuição de dar as diretrizes para a elaboração do Plano, analisar documentos preliminares, entre outros. Deve também manter o diálogo com o Conselho Municipal das Cidades ou similar. Que segmentos organizados da sociedade e representantes governamentais devem compor o Comitê? Definição do objeto do planejamento O CT deve promover discussões, com apoio da equipe técnica, no sentido de delimitar o objeto a ser planejado. Definição da área objeto de planejamento Deve ser definida a área a ser planejada. Formulação preliminar dos princípios, diretrizes, objetivos e metas Levantamento de dados Diagnóstico e análise Prognóstico Conferência Elaboração do Plano book_livro_tecnico.indb 41 Pergunta-chave Com base em ampla discussão com os diversos segmentos da sociedade, deve-se buscar o debate intersetorial. Uma instância de planejamento, como o conselho, deve assumir a liderança do processo. Nesse momento, deve-se discutir o cenário atual e o desejado a partir das visões socais de mundo de cada segmento social envolvido no processo. Coleta de dados primários e secundários, tais como: clima, topografia, geologia, fauna, flora, recursos hídricos, qualidade ambiental existente (solo, ar, água), aspectos institucionais e legais, saneamento básico (água, esgoto, manejo dos resíduos sólidos e das águas pluviais), uso ocupação do solo, organização social, aspectos culturais sociais e econômicos, posse da terra, áreas de conservação, entre outros. Deve ser elaborado e discutido o diagnóstico, que poderá conter, além de uma parte analítica, o georreferenciamento das informações. Deve ser elaborado e discutido o prognóstico onde são colocadas as propostas de programas e projetos que garantirão a consecução dos objetivos. 41 Qual o objeto a ser planejado? Qual a área territorial objeto do planejamento? Planejar para quê? Planejar considerando quais princípios? Com que objetivo? Visando atingir o quê? Onde se deseja chegar? Quais são as informações relevantes? De quais informações se dispõe? Onde os dados podem ser obtidos? Como esses dados estão se comportando? ELABORAÇÃO DE PLANO DE SANEAMENTO BÁSICO: PRESSUPOSTOS, PRINCÍPIOS, ASPECTOS METODOLÓGICOS E LEGAIS Etapa Qual o cenário da realidade atual? O que deve ser feito para transformar a realidade? Realização de conferência para a discussão do diagnóstico e definição coletiva dos princípios, diretrizes, objetivos, metas, programas e projetos do Plano. Qual a opinião dos diferentes segmentos da sociedade? Elaboração do Plano segundo diagnóstico e conferência, com estabelecimento de mecanismos legais, institucionais e financeiros para a sua implementação. Qual a estratégia, o plano necessário para se alternar o cenário atual? 20/07/2011 17:30:00 Etapa Execução Enfoque Pergunta-chave Execução do Plano com acompanhamento do conselho e da sociedade organizada. O que realizar, quando, a que custo? Como está indo a execução do plano? 42 Avaliação Avaliação crítica, participativa e democrática do Plano. Qual a efetividade do plano ocorreram as transformações desejadas? Qual a eficácia do plano as metas e objetivos foram atingidos? Qual a eficiência do plano as atividades foram realizadas com custos compatíveis e nos prazos definidos? 3.3 O planejamento e os diferentes territórios O saneamento, como objeto de planejamento, guarda certa complexidade. Uma das questões que merece discussão relacionase ao território. Se, por um lado, o espaço local é o lócus privilegiado do planejamento, por outro, o nível local muitas vezes não oferece condições para circunscrever a resolução dos problemas de saneamento básico em seus limites. Tomando como exemplo o abastecimento de água, existem diversos sistemas implantados no Brasil que usam mananciais de suprimento de água fora dos limites administrativos dos municípios atendidos por eles. No caso, por exemplo, de projeto de esgotamento sanitário que vise despoluir um recurso hídrico, às vezes, pode ser necessário executar ações em município situado a montante. Pode-se citar, ainda, o sistema de resíduos sólidos municipal, cujas exigências para a localização do destino final podem indicar a seleção de área fora do município. Do ponto de vista social, a execução de ações de saneamento, ao melhorar a salubridade ambiental e as condições de saúde da população, pode desencadear migrações intermunicipais que irão implicar aumento da demanda de serviços. Ou seja, o planejamento requer considerar o território municipal e a sua relação com outros territórios, municípios. Assim, é que, em determinadas situações, o consórcio público entre municípios e/ou plano regional, elaborado considerando as prerrogativas municipais, mostra-se importante para construir soluções tecnológicas que atendam a mais de um município. 3.4 Plano de Saneamento Básico, Plano Diretor e Plano de Bacia Hidrográfica: o diálogo necessário A forte tradição de planejamentos setoriais tem se mostrado inadequada não só por não dar conta de problemas complexos, mas também por se mostrar imprópria para o novo marco legal, tanto da área de saneamento como de outras da administração pública, a exemplo de recursos hídricos e saúde. O esforço da interdisciplinaridade envolve promover o diálogo entre os diversos mecanismos de planejamento existentes. Na área de saneamento, implica considerar o Plano Diretor Municipal, os Planos de Bacias Hidrográficas, Planos de Manejo de Áreas de Preservação Permanente, Plano Municipal de Saúde e outros que tenham inter-relação com a área de saneamento. Tais planos devem ser cuidadosamente avaliados e criticados, considerando a adequação de suas proposições aos pressupostos, diretrizes e metas definidas para o Plano de Saneamento Básico. book_livro_tecnico.indb 42 20/07/2011 17:30:02 Tal estratégia mostra-se pertinente uma vez que a falta da prática da intersetorialidade em geral produz estratégias de planejamento voltadas para a própria área, havendo dificuldades de incorporação de outras perspectivas e implicações na eficácia e efetividade das políticas. No campo do saneamento, a bacia hidrográfica é um território de extrema importância uma vez que o seu uso e ocupação determinam as condições de disponibilidade da quantidade e qualidades dos recursos hídricos. Para promover a gestão dos recursos hídricos no Brasil, a Lei nº 9.433/1997 estabelece como um dos instrumentos a elaboração de Planos de Recursos Hídricos por bacia hidrográfica, estado e país, e a bacia hidrográfica é a unidade territorial de planejamento. O diálogo entre os Planos de Bacias e de Saneamento Básico mostra-se extremamente necessário. Uma importante tarefa para a elaboração do Plano de Saneamento Básico é avaliar as condições presentes e futuras dos mananciais de fornecerem água para suprimento humano em qualidade e quantidade e, ainda, a capacidade dos recursos hídricos de receberem cargas poluidoras de resíduos provenientes de estações de tratamento de água e de esgotos sanitários ou de aterros sanitários. Tais elementos são essenciais para a seleção das alternativas para o Plano de Saneamento Básico com vistas à universalização dos serviços. É importante ressaltar, também, que tal diálogo implicará facilidades ou dificuldades na implementação do Plano de Saneamento Básico, por exemplo, nos processos de solicitação de outorga dos direitos de uso de recursos hídricos, tanto para captação de água como para lançamentos de efluentes líquidos. 43 ELABORAÇÃO DE PLANO DE SANEAMENTO BÁSICO: PRESSUPOSTOS, PRINCÍPIOS, ASPECTOS METODOLÓGICOS E LEGAIS A preocupação com a necessidade de integrar as políticas fez com que a Lei nº 11.445/2007 incorporasse dispositivo que estimulasse essa integração (inciso VI, art. 2º). Em relação aos recursos hídricos, a lei é mais precisa ao estabelecer, no § 3º do art. 19, que trata do planejamento, que “os Planos de Saneamento Básico deverão ser compatíveis com os Planos das Bacias Hidrográficas em que estiverem inseridos” (BRASIL, 2007, p. 8). Ciente da necessidade da integração entre essas áreas, a Lei de Recursos Hídricos, além de definir o uso prioritário dos recursos hídricos para consumo humano, quando em situações de escassez, prevê a articulação do “planejamento de recursos hídricos” com o dos setores usuários e com os planejamentos regional, estadual e nacional (inciso IV, art. 3º). Assim, os prestadores dos serviços de saneamento, como usuários dos recursos hídricos, devem participar da gestão dos recursos hídricos, participação essa que se dá via Comitê de Bacia, que têm a competência para aprovar os Planos de Bacias e cuja composição conta com representantes de usuários. Outro diálogo imprescindível envolve o campo do planejamento urbano, atividade prevista na Constituição Brasileira de 1988, por meio da elaboração de Planos Diretores. O Plano Diretor é o instrumento básico da política urbana e deve assegurar a função social da cidade com o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida e à justiça social (BRASIL, 2001). O direito ao saneamento ambiental se constitui em uma das diretrizes da política urbana, expressa na Lei nº 10.257/2001. O Plano Diretor, que deve propor um cenário para o município para um horizonte de dez anos, envolve definições quanto ao uso e ocupação do solo, o que implica projetar, para espaços da cidade: densidades demográficas; tipologias de ocupação e uso do solo; além de infraestruturas urbanas, sistema viário e de transporte; e as próprias demandas de serviços de saneamento. Os Planos Diretores permitem avaliar as demandas em todo o território do município, inclusive de setores das cidades, e verificar a capacidade da infraestrutura sanitária em água e esgoto instalada, de forma a identificar alternativas de atendimento à população. book_livro_tecnico.indb 43 20/07/2011 17:30:04 Por outro lado, o sistema viário é um dos subsídios para a avaliação das formas e tecnologias para a coleta, transporte, transbordo e destino final dos resíduos sólidos, assim como para projetar o sistema de limpeza urbana municipal. 44 No campo da drenagem, a ocupação do solo, os níveis de impermeabilização, o sistema viário, estratégias e normas para a proteção das áreas de preservação permanentes e para o manejo das águas pluviais ou o amortecimento de cheias, a proteção de áreas de recarga de aquíferos, entre outros, são pontos de extrema relevância para o manejo das águas pluviais. Assim, a compatibilidade do Plano de Saneamento Básico com o Plano Diretor, e vice-versa, é exigência para o processo de planejamento que tenha como objetivo garantir o direito à cidade para todos, o que implica saneamento de qualidade com acesso universal. No campo da saúde, a Constituição Federal de 1988 estabelece que é competência do Sistema Único de Saúde – SUS a participação na formulação da política e da execução das ações de saneamento básico (inciso IV, art. 200). A Lei nº 8.080/1990 define a necessidade de articulação das políticas e programas de saúde e saneamento, via Comissões Intersetoriais (inciso II, art. 13). Está também prevista a integração, em nível executivo, das ações de saúde, meio ambiente e saneamento básico (inciso X, art. 7º). No nível local, a lei define como competência da direção municipal a execução de serviços de saneamento básico (inciso IV, art. 18)11. O planejamento das ações do SUS se dá por meio da elaboração de Planos de Saúde municipais, estaduais e federal. Diante desses mecanismos legais, a área de saúde vem desenvolvendo diversas atividades relevantes para a área de saneamento. Nesse sentido, o Ministério da Saúde, por meio da Coordenação de Vigilância em Saúde Ambiental, da Secretaria de Vigilância em Saúde, com respaldo da Instrução Normativa nº 1/2005, regulamentou o Subsistema Nacional de Vigilância Ambiental – SINVSA, extremamente importante para respaldar as ações de planejamento da área de saneamento. Entre as ações de vigilância, a de maior interesse para a área de saneamento refere-se à qualidade da água para consumo humano. É competência do Ministério da Saúde estabelecer normas e padrões para a qualidade da água de consumo humano. O mecanismo legal mais recente que regula essa questão é a Portaria nº 518/2004, do Ministério da Saúde. Assim, cabe às Secretarias Municipais de Saúde implementar a vigilância da qualidade da água de consumo humano. Para tanto, as secretarias, com recursos da Programação Pactuada, vêm sendo estruturadas para realizar a capacitação de pessoal; o cadastramento de sistemas de abastecimento de água; a montagem de laboratórios de analises de água; a realização de coletas e análises de amostras de água de consumo humano; a alimentação do Sistema de Informação da Qualidade da Água de Consumo Humano – Sisagua, que também recebe informações do controle da qualidade da água realizado pelos prestadores dos serviços, uma exigência da Portaria nº 518/2004. Tal sistema possibilita a identificação, via indicadores produzidos, de áreas de risco, para fins de selecionar as ações mais relevantes e priorizar investimentos no campo da qualidade da água de consumo humano. Outra atividade relevante da área de saúde vem sendo realizada historicamente pela Fundação Nacional de Saúde – Funasa. Atualmente, a Fundação vem apoiando os municípios com financiamento de sistemas de abastecimento de água, esgotamento sanitário, resíduos sólidos e melhorias sanitárias, para municípios com população de até 50.000 habitantes, e drenagem de águas pluviais em áreas endêmicas de malária. Mais recentemente, tem apoiado a constituição de consórcios intermunicipais e dado suporte à elaboração de Planos de Saneamento Básico nas regiões em que atua. Nesse sentido, a interlocução dos municípios com as atividades da Funasa também se mostra estratégica para os processos de planejamento na área de saneamento. 11 Aqui entendido, no sentido mais amplo, tanto da execução quanto da natureza dos serviços de saneamento básico, não se confundindo com a competência para a prestação (gestão) dos serviços de saneamento básico conforme definido nas diretrizes da Lei nº 11.445/2007, que segue a disposição constitucional do art. 30, inciso V, da CF. book_livro_tecnico.indb 44 20/07/2011 17:30:06 Do exposto, pode-se perceber que a integração das ações da área de saneamento com as de saúde também é estratégica, o que recomenda o diálogo permanente entre essas áreas, em especial quando da elaboração do Plano de Saneamento Básico. Com a Lei nº 11.445/2007 e a definição da integralidade como um dos princípios fundamentais, são dadas as condições para que seja superada a era dos Planos Diretores Setoriais. A integralidade das ações envolve a promoção do conjunto e de todas as atividades e componentes de cada um dos serviços de saneamento básico (inciso II, art. 2º). Assim, o Plano de Saneamento Básico deverá contemplar e integrar todos os seus componentes, ainda que na fase de sua elaboração esta tenha sido originalmente feita para cada serviço (§ 2º, inciso V, art. 19). book_livro_tecnico.indb 45 45 ELABORAÇÃO DE PLANO DE SANEAMENTO BÁSICO: PRESSUPOSTOS, PRINCÍPIOS, ASPECTOS METODOLÓGICOS E LEGAIS Também na própria área de saneamento, a abordagem setorial deverá ser superada. A prática da área até então tem sido a de produção de Planos Diretores de abastecimento de água, de esgotamento sanitário, de drenagem urbana ou de resíduos sólidos e limpeza urbana que não dialogam mesmo entre si. A prioridade dada ao planejamento das ações de água e esgoto, em detrimento das de drenagem e de resíduos sólidos, legado insidioso do Planasa, também deverá ser superada. 20/07/2011 17:30:08 4. PLANOS MUNICIPAIS DE SANEAMENTO BÁSICO: ASPECTOS LEGAIS A Lei nº 11.445/2007 inaugurou no Brasil um período importante marcado pela exigência do planejamento público das intervenções do Estado no campo do saneamento básico. 46 O grande protagonista da formulação da política pública de saneamento e, consequentemente, do planejamento é o titular dos serviços, sendo então reafirmado12 o preceito estabelecido no art. 30 da Constituição Federal, a saber: Art. 30. Compete aos municípios: .................................................................................................... V – organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o transporte coletivo, que tem caráter essencial [...] (BRASIL, 1988, p. 11). A lei estabelece a competência do titular dos serviços para a formulação da política pública de saneamento básico, que deverá envolver: • a elaboração do Plano de Saneamento Básico; • a prestação direta ou delegada dos serviços, esta mediante autorização legal e instrumentos contratuais; • definição do ente responsável pela sua regulação e fiscalização, bem como os procedimentos de sua atuação; • adoção de parâmetros para a garantia do atendimento essencial à saúde pública, inclusive quanto ao volume mínimo per capita de água para abastecimento público, observadas as normas nacionais relativas à potabilidade da água; • fixação dos direitos e deveres dos usuários; • estabelecimento de mecanismos de controle social; • estabelecimento de sistema de informações sobre os serviços, articulado com o Sistema Nacional de Informações em Saneamento Básico – Sinisa; • intervenção e retomada da operação dos serviços delegados, por indicação da entidade reguladora, nos casos e condições previstos em lei e nos documentos contratuais. Conforme o art. 19º da referida lei, a prestação dos serviços de saneamento básico observará plano que poderá ser específico para cada serviço e abrangerá, no mínimo: • diagnóstico da situação e de seus impactos nas condições de vida, utilizando sistema de indicadores sanitários, epidemiológicos, ambientais e socioeconômicos e apontando as causas das deficiências detectadas; • objetivos e metas de curto, médio e longo prazos para a universalização, admitidas soluções graduais e progressivas, observando a compatibilidade com os demais planos setoriais; • programas, projetos e ações necessárias para atingir os objetivos e as metas, de modo compatível com os respectivos planos plurianuais e com outros planos governamentais correlatos, identificando possíveis fontes de financiamento; • ações para emergências e contingências; • mecanismos e procedimentos para a avaliação sistemática da eficiência e eficácia das ações programadas. 12 Como a Constituição também prevê, no § 3º do art. 25, que os estados, mediante lei complementar, podem fixar normas para a integração das funções públicas de interesse comum, ao instituir regiões metropolitanas, microrregiões e aglomerações urbanas, passou a haver um conflito na interpretação da titularidade dos serviços em áreas metropolitanas, aglomerados urbanos e microrregiões. Atualmente, o Supremo Tribunal Federal - STF está analisando duas Ações de Inconstitucionalidade que deverão dirimir tal conflito de interpretação. Uma vez que as referidas ações ainda não tinham sido votadas no STF, a estratégia adotada foi tratar na Lei nº 11.445/2007 apenas do titular, que pode ser lido como município, estado ou Distrito Federal. book_livro_tecnico.indb 46 20/07/2011 17:30:10 O mesmo dispositivo estabelece ainda, em seus parágrafos, que os Planos de Saneamento Básico serão editados pelos titulares, podendo ser elaborados com base em estudos fornecidos pelos prestadores de cada serviço. E que a consolidação e compatibilização dos planos específicos de cada serviço serão efetuadas pelos respectivos titulares. Visando possibilitar o pleno exercício da titularidade na gestão dos serviços e a consonância entre titular e prestador dos serviços, a Lei nº 11.445/2007 condiciona a validade dos contratos de prestação de serviços públicos de saneamento básico à existência de Plano de Saneamento Básico (art. 11). A validade dos contratos também está condicionada à existência de estudo comprovando a viabilidade técnica e econômico-financeira da prestação universal e integral dos serviços, nos termos do Plano de Saneamento Básico. Da mesma forma, os planos de investimentos e os projetos relativos ao contrato deverão ser compatíveis com o respectivo Plano de Saneamento Básico. Os planos deverão estar compatíveis com os Planos das Bacias Hidrográficas em que estiverem inseridos. E, em consonância com o princípio da transparência das ações e do controle social, as propostas dos Planos de Saneamento Básico e dos estudos que as fundamentam deverão ser amplamente divulgadas, inclusive com a realização de audiências ou consultas públicas (§ 5º, art. 19). A Lei nº 11.445/2007 determina ainda que: • a divulgação das propostas dos Planos de Saneamento Básico e dos estudos que as fundamentarem dar-se-á por meio da disponibilização integral de seu teor a todos os interessados, inclusive por meio da internet e por audiência pública, devendo também ser previsto o recebimento de sugestões e críticas por meio de consulta ou audiência pública e, quando previsto na legislação do titular, análise e opinião por órgão colegiado (art. 51); • o serviço regionalizado de saneamento básico poderá obedecer a Plano de Saneamento Básico elaborado para o conjunto de municípios atendidos (art.17); 47 ELABORAÇÃO DE PLANO DE SANEAMENTO BÁSICO: PRESSUPOSTOS, PRINCÍPIOS, ASPECTOS METODOLÓGICOS E LEGAIS A programação das ações e dos investimentos necessários para a prestação universal, integral e atualizada dos serviços deve ser definida com base no estado de salubridade ambiental e nos níveis de prestação dos serviços públicos. • os Planos de Saneamento Básico deverão ser revistos periodicamente, em prazo não superior a quatro anos, antes da elaboração do Plano Plurianual, devendo englobar integralmente o território do ente da federação que o elaborou, exceto quando ele for regional (art. 19, §§ 4º e 8º); e • cabe à entidade reguladora e fiscalizadora dos serviços a responsabilidade da verificação do cumprimento dos Planos de Saneamento Básico por parte dos prestadores de serviços, na forma das disposições legais, regulamentares e contratuais. E, assim, tem-se bem clara a importância do Plano de Saneamento Básico no novo ordenamento legal, que, além de ser instrumento importante para o planejamento, a organização, a regulação, a fiscalização e a prestação dos serviços, torna-se também elemento essencial de avaliação da gestão dos serviços e instrumento indispensável para o acesso a financiamentos com recursos da União ou com recursos geridos ou operados por órgãos ou entidades da União (art. 50, da Lei nº 11.445/2007). Conforme Decreto nº 7.217/2010, que regulamenta a Lei nº 11.445/2007, a partir do exercício financeiro de 2014, o acesso a tais recursos, quando destinados a serviços de saneamento básico, estará condicionado à existência de plano de saneamento básico elaborado pelo titular dos serviços. book_livro_tecnico.indb 47 20/07/2011 17:30:12 5. REFERÊNCIAS ALAGOINHAS. Lei nº 1.460/01, de 03 de Dezembro de 2001. Dispõe sobre a Política Municipal de Saneamento Ambiental de Alagoinhas. 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Introdução...........................................................................................................................................................................59 2. A Ação de Planejamento.....................................................................................................................................................61 2.1 O processo de planejamento................................................................................................................................................62 2.1.1 Objeto a ser planejado......................................................................................................................................................62 2.1.2 Sujeitos do processo de planejamento..............................................................................................................................63 2.1.3 Pressupostos do planejamento.........................................................................................................................................63 2.1.4 Objetivos do Plano............................................................................................................................................................64 2.1.5 Metodologia de elaboração do Plano.................................................................................................................................64 3. Construção dos Fundamentos do Plano de Saneamento Básico......................................................................................65 3.1 Pressupostos.......................................................................................................................................................................65 3.2 Princípios.............................................................................................................................................................................66 3.3 Objetivos do Plano de Saneamento Básico...........................................................................................................................67 3.3.1 Objetivos gerais da Política e do Plano de Saneamento Básico..........................................................................................68 3.3.2 Objetivos específicos........................................................................................................................................................68 4. Aspectos metodológicos da elaboração do Plano de Saneamento Básico........................................................................71 4.1 Processos participativos......................................................................................................................................................71 4.2 Intersetorialidade das ações................................................................................................................................................71 4.3 Elaboração do diagnóstico...................................................................................................................................................71 4.4 Processo de aprovação........................................................................................................................................................72 4.5 Formulação do Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB)...........................................................................................72 5. Processo de elaboração do Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB).................................................................73 5.1 Atividades preliminares........................................................................................................................................................73 5.1.1 Organização administrativa do processo de elaboração do PMSB......................................................................................74 5.1.2 Instituição do processo de participação social e dos meios de disponibilização das informações.......................................75 5.1.3 Definição do objeto de planejamento................................................................................................................................77 5.1.4 Formulação preliminar dos princípios, diretrizes e objetivos do PMSB................................................................................77 5.1.5 Estruturação de Termo de Referência................................................................................................................................77 5.2 Elaboração do Plano............................................................................................................................................................78 5.2.1 Elaboração do diagnóstico da situação do saneamento básico e de seus impactos nas condições de vida da população.................................................................................................................................................................78 5.2.2 Prognósticos e alternativas para a universalização – Objetivos e metas............................................................................80 5.2.3 Programas, projetos e ações necessárias para atingir os objetivos e as metas..................................................................82 5.2.4 Ações para emergências e contingências..........................................................................................................................83 5.2.5 Mecanismos e procedimentos para a avaliação sistemática da eficiência, eficácia e efetividade das ações programadas.............................................................................................................................................................83 5.2.6 Elaboração do Sistema de Informações Municipal de Saneamento Básico.........................................................................83 5.3 Aprovação do PMSB.............................................................................................................................................................84 6. Referências..........................................................................................................................................................................85 20/07/2011 17:30:26 book_livro_tecnico.indb 56 20/07/2011 17:30:26 APRESENTAÇÃO A presente Peça Técnica se insere no esforço da Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental do Ministério das Cidades de apoiar os municípios brasileiros nos processos de elaboração de Planos de Saneamento Básico, hoje uma exigência da Lei nº 11.445/2007, que institui as diretrizes nacionais para o saneamento básico no Brasil. Ao longo de cinco itens, são abordados aspectos relativos à ação de planejamento, aos pressupostos e princípios que devem fundamentar a elaboração de um plano de saneamento, além de realizar orientações quanto aos aspectos metodológicos de elaboração de Planos. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS PARA ELABORAÇÃO DE PLANO MUNICIPAL DE SANEAMENTO BÁSICO 57 book_livro_tecnico.indb 57 20/07/2011 17:30:28 book_livro_tecnico.indb 58 20/07/2011 17:30:28 1. INTRODUÇÃO A aprovação da Lei Nacional de Saneamento Básico (Lei nº 11.445/2007), que estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico e para a política federal de saneamento básico, inaugurou uma nova fase na história do saneamento no Brasil com a exigência legal da ação de planejamento. Esta lei, ao regular a prestação dos serviços, define quatro funções de gestão: o planejamento, ação indelegável a outro ente; a prestação dos serviços; a regulação e a fiscalização, estas últimas passíveis de delegação (art. 8º). Em todas as funções de gestão deve haver o controle social, de forma a atender ao princípio fundamental estabelecido no inciso X, do art. 2º desta Lei (BRASIL, 2007). Diante do exposto, nota-se que o grande protagonista do cenário atual do saneamento básico no Brasil é o poder local, o município, que com a Lei nº 11.445/2007 passa a contar com o suporte legal para exercer a titularidade na prestação dos serviços, conforme preconizou a Constituição Federal, há 20 anos, ao definir a competência municipal para “organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre por meio de licitação, os serviços públicos de interesse local” (BRASIL, 1988, s.p). Segundo a lei (art. 9º), a política pública de saneamento básico deve envolver: • a elaboração do Plano de Saneamento Básico; • a prestação direta ou delegada dos serviços, esta mediante autorização legal e instrumentos contratuais; • efinição do ente responsável pela sua regulação e fiscalização, bem como os procedimentos de sua atuação; • adoção de parâmetros para a garantia do atendimento essencial à saúde pública, inclusive quanto ao volume mínimo per capita de água para abastecimento público, observadas as normas nacionais relativas à potabilidade da água; • fixação dos direitos e deveres dos usuários; • estabelecimento de mecanismos de controle social; • estabelecimento de sistema de informações sobre os serviços, articulado com o Sistema Nacional de Informações em Saneamento Básico – Sinisa; • definição das hipóteses de intervenção ou de extinção da delegação e das condições para retomada da operação dos serviços delegados, por indicação da entidade reguladora, nos casos e condições previstos em lei e nos documentos contratuais. O Plano de Saneamento Básico deve conter, no mínimo: • diagnóstico da situação e de seus impactos nas condições de vida, utilizando sistema de indicadores sanitários, epidemiológicos, ambientais e socioeconômicos e apontando as causas das deficiências detectadas; • objetivos e metas de curto, médio e longo prazos para a universalização, admitidas soluções graduais e progressivas, observando a compatibilidade com os demais planos setoriais; book_livro_tecnico.indb 59 59 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS PARA ELABORAÇÃO DE PLANO MUNICIPAL DE SANEAMENTO BÁSICO Segundo essa norma legal, cabe ao titular dos serviços formular a respectiva política pública de saneamento básico, devendo, para tanto, elaborar o Plano de Saneamento Básico, conforme a primeira diretriz do seu art. 9º. O Plano assume, assim, uma posição central na política para a prestação dos serviços, sendo sua existência condição indispensável para: • a validade dos contratos de delegação da prestação dos serviços (inciso I, do art. 11); • definição dos planos de investimentos e projetos dos prestadores, que devem estar compatíveis com as diretrizes do Plano (§ 1º, do art. 11); • o exercício das atividades da entidade reguladora e fiscalizadora, a quem cabe verificar o cumprimento do Plano por parte dos prestadores de serviços (parágrafo único, do art. 20); • o acesso a recursos públicos federais e aos financiamentos com recursos da União ou geridos por órgãos ou entidades da União (art. 50). 20/07/2011 17:30:30 • programas, projetos e ações necessárias para atingir os objetivos e as metas, de modo compatível com os respectivos planos plurianuais e com outros planos governamentais correlatos, identificando possíveis fontes de financiamento; • ações para emergências e contingências; • mecanismos e procedimentos para a avaliação sistemática da eficiência e eficácia das ações programadas (art. 19). 60 O processo de elaboração do Plano de Saneamento Básico deve, portanto, contemplar pelo menos os aspectos relativos a: • realização de diagnósticos e estudos específicos, se for o caso; • definição de princípios e diretrizes que o orientam; • definição e proposição dos objetivos e metas, que podem ser graduais e progressivas ao longo da execução do plano; • determinação das áreas e ações prioritárias para intervenção e dos investimentos necessários, considerando as diferentes componentes do saneamento básico; • formulação dos programas e projetos e das condições de sua execução para o atendimento universal e de qualidade; • organização institucional, administrativa e operacional para a prestação, regulação, fiscalização e avaliação da prestação dos serviços; • regulamentação legal e jurídico-administrativa da gestão1 , incluídos os atos normativos de regulação, os instrumentos de delegação da prestação e/ou da regulação e fiscalização, se o caso, e os procedimentos administrativos. A programação das ações e dos investimentos necessários para a prestação universal, integral e adequada dos serviços deve ser definida com base no estado de salubridade ambiental e nos indicadores quantitativos e qualitativos da prestação dos serviços públicos. Segundo a Lei nº 11.445/2007, os Planos de Saneamento Básico deverão ser revistos periodicamente, em prazo não superior a quatro anos, antes da elaboração do Plano Plurianual, devendo englobar integralmente o território do ente da Federação que o elaborou, exceto quando o mesmo for regional. Os planos deverão ser editados pelos titulares, podendo ser elaborados com base em estudos fornecidos pelos prestadores de cada serviço. No caso da elaboração de planos específicos para cada componente do saneamento, a consolidação e compatibilização devem ser efetuadas pelo titular. Mesmo no caso de delegação dos serviços, o prestador deverá cumprir o Plano de Saneamento Básico em vigor. Os Planos de Saneamento Básico deverão ser compatíveis com os planos das bacias hidrográficas em que estiverem inseridos. Em consonância com o princípio da transparência das ações e do controle social, as propostas dos planos e os estudos que as fundamentam devem ser amplamente divulgados, inclusive com a realização de audiências ou consultas públicas (§ 5º, art. 19). A referida lei determina ainda, no art. 51, que “o processo de elaboração ou de revisão dos planos deverá prever o recebimento de sugestões e críticas por meio de consulta ou audiência pública e, quando previsto na legislação do titular, a análise e opinião de órgão colegiado...” a que competir as atribuições de controle social. A divulgação do Plano e dos estudos deve ser feita por meio da disponibilização integral de seu teor a todos os interessados, inclusive por meio da internet e por audiência pública. Nos serviços regionalizados, ou seja, quando houver um único prestador do serviço para vários municípios, contíguos ou não, deverá haver compatibilidade de planejamento dos respectivos planos municipais. Neste caso, poderá ser elaborado um Plano para o conjunto de municípios atendidos (art. 17). Conforme a Resolução nº 33/2007, do Conselho Nacional das Cidades, os Planos de Saneamento Básico devem ser elaborados pelos municípios brasileiros até dezembro de 2010. Ciente do grande desafio, o Ministério das Cidades, por meio da Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental – SNSA, vem empreendendo esforços no sentido de apoiar os municípios na elaboração dos seus Planos de Saneamento Básico e a presente Peça Técnica visa contribuir neste processo. 1 Gestão aqui entendida como as funções de planejamento, organização, regulação, fiscalização e prestação dos serviços. 2 Conforme definição do PL nº 5.296/2005, do Executivo Federal, que resultou na Lei nº 11.445/2007, salubridade ambiental é entendida como: qualidade das condições (ou estado de higidez) em que vivem populações urbanas e rurais no que diz respeito à sua capacidade de inibir, prevenir ou impedir a ocorrência de doenças relacionadas com o meio ambiente, bem como de favorecer o pleno gozo da saúde e o bem-estar (BRASIL, 2005). A Lei nº 7.750/1992, do estado de São Paulo, define salubridade ambiental como: a qualidade ambiental capaz de prevenir a ocorrência de doenças veiculadas pelo meio ambiente e de promover o aperfeiçoamento das condições mesológicas favoráveis à saúde da população urbana e rural (SÃO PAULO, 1992). book_livro_tecnico.indb 60 20/07/2011 17:30:32 2. A AÇÃO DE PLANEJAMENTO Planejar pressupõe avaliar o estado presente do objeto para definir o estado futuro desejado (Figura 1). VISÃO SOCIAL DE MUNDO TRANSFORMAÇÃO 61 Estado futuro VISÃO SOCIAL DE MUNDO Figura 1 – O Planejamento: do Estado Presente para o Futuro. O estado presente é avaliado por meio de um diagnóstico do objeto a ser planejado, devendo envolver os diferentes sujeitos: técnicos, gestores e sociedade civil organizada. Para definir o estado desejado, devem ser estabelecidos os princípios, diretrizes, objetivos, metas e programas capazes de promover a transformação desejada. A palavra planejamento tem o sentido de empreendimento, projeto, sonho e intenção. O planejamento revela a vontade de intervir sobre uma dada realidade em uma determinada direção, a fim de se concretizar alguma intenção. A intenção em si carrega subjetividades que se relacionam com as visões sociais de mundo, os valores, a cultura, dentre outros aspectos. Assim, planejar é um ato “político, dialógico, de construção e realização de uma vontade coletiva de superação, de humanização e de convivência profunda com a cidade” (GÓIS, 2003, p. 1), e não um ato de submeter tecnicamente a cidade aos interesses de grupos e classes. O processo de planejamento deve considerar a sua viabilidade política, técnica, econômica, sociocultural, ambiental e institucional de sua própria realização e dos seus produtos, de forma que as ações propostas sejam factíveis e condizentes com a realidade concreta do município. A viabilidade política envolve considerações sobre o contexto político em que se insere o plano e as possibilidades concretas de sua execução, a capacidade de dialogar e de tratar os diferentes interesses dos protagonistas da cena urbana, ou seja: políticos, movimentos sociais, ONGs, funcionários do aparato estatal e interesses privados. Na viabilidade técnica, deve-se considerar a disponibilidade de matéria-prima e equipamentos para execução das intervenções; a adequação das tecnologias propostas à realidade cultural, social e ambiental; e a existência de pessoal capacitado para desenvolver as ações planejadas. Na viabilidade econômica, devem ser considerados os custos das intervenções propostas, tanto os de implantação (investimentos) como os de operação e manutenção posterior (despesas de custeio), os recursos disponíveis e as condições de financiamento desses custos, inclusive a capacidade de geração de receitas próprias e outras fontes e formas de sustentabilidade ao longo do tempo. A viabilidade sociocultural corresponde ao estudo da compatibilidade dos custos dos programas e projetos a serem implementados com a realidade socioeconômica local e da população beneficiária, incluída sua capacidade de pagamento. Refere-se ainda à book_livro_tecnico.indb 61 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS PARA ELABORAÇÃO DE PLANO MUNICIPAL DE SANEAMENTO BÁSICO Estado presente 20/07/2011 17:30:35 análise dos impactos sociais e culturais da implementação do Plano, principalmente quanto à gentrificação3 que projetos de requalificação urbana normalmente produzem em face do aumento dos custos das tarifas, taxas e impostos a serem pagos. Na viabilidade ambiental, são avaliados os impactos do plano sobre o ambiente físico, o natural e o patrimônio artístico, histórico e cultural. A viabilidade institucional diz respeito à capacidade de governar, de dispor das estruturas e condições administrativas e legais para realizar e executar a ação de planejamento (Figura 2). ECONÔMICA SOCIOCUL TURAL TÉCNICA 62 ESTUDO DE VIABILIDADE DO PLANO POLÍTICA AMBIENTAL INSTITUCIONAL Figura 2 – Enfoques do Estudo de Viabilidade do Plano. 2.1 O processo de planejamento O processo de planejamento envolve a resposta a cinco questões essenciais, a saber: 1. Qual o objeto a ser planejado? 2. Quais são os sujeitos do processo de planejamento? 3. Sob quais pressupostos o planejamento será realizado? 4. Quais os objetivos do Plano? 5. Qual a metodologia que será utilizada para a sua elaboração? 2.1.1 Objeto a ser planejado Considerando que não se planeja algo que não se conhece, o ato de planejar pressupõe certo domínio e conhecimento sobre o objeto. Isso não quer dizer apenas domínio das técnicas, mas também do seu conceito, da sua história, das políticas públicas que trataram do objeto, dos fatores políticos, econômicos, sociais, culturais e técnicos que determinaram o estado presente do objeto. Significa, ainda, tomar ciência do conhecimento prático, da vivência das populações frente ao objeto. No Brasil, o conceito de saneamento básico, o objeto de planejamento abordado neste texto, sempre foi tratado segundo as Refere-se ao fenômeno urbano de expulsão da população local após ações de requalificação urbana em face do aumento do valor da terra urbana, do aumento de impostos, taxas e tarifas que impossibilitam que as populações se mantenham no local requalificado. book_livro_tecnico.indb 62 20/07/2011 17:30:37 É importante ressaltar que, sendo o saneamento básico um assunto de interesse local, os municípios, quando da elaboração dos seus Planos de Saneamento Básico, têm autonomia para, a partir do conceito definido na referida lei, incorporar outros temas considerados pertinentes à realidade socioambiental local, como a disciplina sanitária do uso e ocupação do solo, o controle de vetores de doenças transmissíveis, melhorias sanitárias intradomiciliares, e outros. Caso contrário, o processo de planejamento teria um caráter rígido do ponto de vista conceitual, desconsiderando as peculiaridades locais e a autonomia dos atores sociais. 2.1.2 Sujeitos do processo de planejamento No Brasil, principalmente no nível municipal, ainda predomina a visão de que o ato de planejar é uma ação que está sob o domínio dos técnicos, que são capazes de avaliar a realidade e projetá-la para o futuro. Essa perspectiva, no entanto, desconhece um dado de realidade: as políticas, os projetos, as obras, as ações são definidas no campo da política, sendo a técnica o instrumento de realização. Sendo o planejamento um ato político, em um processo democrático o ato de planejar deve envolver os diversos atores sociais, entre eles, associações de moradores, entidades de profissionais liberais, sindicatos, ONGs e entidades representativas dos setores econômicos privados. Caberá a tais sujeitos, com suas visões sociais de mundo, travar discussões em torno de seus projetos no campo do saneamento básico de forma a vir a compor o Plano Municipal de Saneamento Básico. Com isso, nesse momento, o poder local torna-se o grande protagonista das políticas públicas de saneamento básico no Brasil. Considerando a necessidade de que os sujeitos do processo de planejamento ampliem o seu conhecimento sobre o objeto a ser planejado – o saneamento básico –, é importante que, durante a elaboração do Plano, sejam promovidas discussões, palestras e outros eventos educativos sobre saneamento. A realização de oficinas de capacitação de gestores, técnicos e de representantes da sociedade civil organizada, a exemplo das que vêm sendo realizadas pela Rede de Capacitação e Extensão Tecnológica em Saneamento Ambiental – ReCESA, se constitui em uma alternativa importante a ser considerada para a capacitação dos sujeitos envolvidos no processo de elaboração do Plano de Saneamento Básico. 63 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS PARA ELABORAÇÃO DE PLANO MUNICIPAL DE SANEAMENTO BÁSICO concepções de Estado e de políticas públicas dominantes no seu tempo. Após quase duas décadas de discussões, construiu-se um consenso sobre o conceito de saneamento básico estabelecido na Lei nº 11.445/2007, que o definiu como sendo o conjunto de serviços, infraestruturas e instalações operacionais de: • abastecimento de água potável: constituído pelas atividades, infraestruturas e instalações necessárias ao abastecimento público de água potável, desde a captação até as ligações prediais e respectivos instrumentos de medição; • esgotamento sanitário: constituído pelas atividades, infraestruturas e instalações operacionais de coleta, transporte, tratamento e disposição final adequados dos esgotos sanitários, desde as ligações prediais até o seu lançamento final no meio ambiente; • limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos: conjunto de atividades, infraestruturas e instalações operacionais de coleta, transporte, transbordo, tratamento e destino final do lixo doméstico e do lixo originário da varrição e limpeza de logradouros e vias públicas; • drenagem e manejo das águas pluviais urbanas: conjunto de atividades, infraestruturas e instalações operacionais de drenagem urbana de águas pluviais, de transporte, detenção ou retenção para o amortecimento de vazões de cheias, tratamento e disposição final das águas pluviais drenadas nas áreas urbanas (BRASIL, 2007, p. 2). 2.1.3 Pressupostos do planejamento São os pressupostos que orientam a elaboração do Plano, eles apontam a direção. A partir deles é que as bases para a promoção das transformações necessárias são definidas. Os pressupostos se constituem em um conjunto de elementos que conformam um book_livro_tecnico.indb 63 20/07/2011 17:30:39 64 projeto social. Tal projeto é o produto de disputas de hegemonias e de construção de consensos no seio da sociedade. No processo de planejamento, é desejável que os pressupostos do Plano sejam resultados de discussões com os diversos segmentos da sociedade. A equipe que coordena o processo de planejamento deve ter a habilidade para conduzir discussões transparentes e democráticas, considerando as proposições e projetos de cada segmento social. É desejável, ainda, que tais projetos ganhem visibilidade e fundamentação e sejam avaliados à luz da realidade concreta a ser transformada. Espera-se que um Plano que visa transformar a realidade seja voltado para o interesse da maioria, maioria esta que deve estar representada nas instâncias de discussão. Ao se sentir contemplada, ao participar das discussões e decisões, essa maioria tende a se apropriar do Plano, dando-lhe a possibilidade de se reverter em um projeto político coletivo, para além de governos, constituindo-se em uma política de Estado. Nesse ambiente, as políticas e seus respectivos Planos de Saneamento Básico podem assumir diversas e até divergentes orientações. Será o debate no seio da sociedade, principalmente no nível municipal, que dará a tônica dos projetos sociais para o saneamento no Brasil. 2.1.4 Objetivos do Plano Um item fundamental do processo de planejamento é a definição de seus objetivos. Ou seja, é preciso dar resposta às seguintes questões: qual o alvo do Plano? Para que o Plano será realizado? Onde se pretende chegar? Segundo a Lei nº 11.445/2007, o Plano de Saneamento Básico deve definir os “objetivos e metas de curto, médio e longo prazos para a universalização, admitidas soluções graduais e progressivas, observando a compatibilidade com os demais planos setoriais” (art. 19, II). Para tanto, devem ser definidos programas, projetos e ações compatíveis com os respectivos planos plurianuais e com outros planos governamentais correlatos. 2.1.5 Metodologia de elaboração do Plano A metodologia envolve a definição do caminho a ser adotado para a elaboração do Plano, o que significa a filiação ou aproximação a alguma das vertentes teóricas do planejamento urbano. Uma vez que a Lei nº 11.445/2007 estabelece o controle social como um dos princípios fundamentais da prestação dos serviços de saneamento básico, assegurando a ampla divulgação das propostas dos Planos de Saneamento Básico e dos estudos que as fundamentam, o recebimento de sugestões e críticas por meio de audiências ou consultas públicas e sua análise por órgão colegiado com representação da sociedade organizada, o enfoque no planejamento participativo para a elaboração do Plano é o mais indicado. O planejamento participativo no Brasil surge com base em algumas experiências de administrações municipais alinhadas com o ideário de construção de uma cidade mais democrática e justa para todos. Tal planejamento busca incluir a população nas decisões governamentais, com vistas a superar o enfoque tecnicista do planejamento tradicional. Essa prática aumenta o envolvimento das populações nos processos de decisão, possibilitando a definição de prioridades mais voltadas para as reais necessidades sociais. book_livro_tecnico.indb 64 20/07/2011 17:30:41 3. CONSTRUÇÃO DOS FUNDAMENTOS DO PLANO DE SANEAMENTO BÁSICO 3.1 Pressupostos A Figura 3 sintetiza a visão atual sobre a natureza das ações de saneamento básico. Saneamento básico Medida de promoção Medida de proteção ambiental Medida de infraestrutura e desenvolvimento Medida de cidadania Figura 3 – Natureza das Ações de Saneamento Básico. 65 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS PARA ELABORAÇÃO DE PLANO MUNICIPAL DE SANEAMENTO BÁSICO No campo do saneamento, a Lei nº 11.445/2007, produto de pactos de segmentos da sociedade brasileira construído ao longo de quase duas décadas de discussão, define como princípios fundamentais dos serviços públicos de saneamento básico: a universalização, a integralidade, serviços adequados à saúde pública e à proteção do meio ambiente; adoção de tecnologias que considerem as peculiaridades locais e regionais; articulação de políticas relacionadas com a área de saneamento básico; eficiência e sustentabilidade econômica; uso de tecnologias apropriadas, condizentes com a capacidade de pagamento dos usuários e com soluções graduais e progressivas; transparência das ações; controle social; segurança, qualidade e regularidade; e integração das infraestruturas e serviços com a gestão eficiente dos recursos hídricos (art. 2º). A análise dos princípios citados e do próprio conteúdo da referida lei, aliada à criação do Ministério das Cidades e da Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental, à retomada dos investimentos em ações de saneamento, à aprovação da Lei nº 11.107/2005, também identificada como Lei da Parceria Público-Público, e, de outro lado, o incentivo à Parceria Público-Privada com a aprovação da Lei nº 11.079/2004, sugerem certo pacto social no governo do presidente Lula, no campo do saneamento. No campo legal, teórico e das lutas sociais, o saneamento básico tem sido caracterizado como ação de saúde pública, medida de interesse local, direito do cidadão vinculado à moradia digna e à salubridade do meio e como ação de proteção ambiental, do que decorre sua identidade como um direito social e, portanto, como ação vinculada às políticas sociais. Além da visão do saneamento básico como medida de prevenção à saúde, atualmente essa ação tem sido vista como medida de promoção à saúde. O chamado saneamento promocional (SOUZA e FREITAS, 2006) tem uma natureza multidimensional, que ultrapassa a estrutura física e assume um significado mais amplo, não só na dimensão da saúde na perspectiva de ausência de doenças, mas incorporando as dimensões social, econômica, política, cultural e ambiental. Nessa visão, o saneamento também incorpora um conjunto de ações de educação e de participação social que pressupõe cidadãos ativos e críticos para que as intervenções possam atingir a efetividade necessária para a garantia da qualidade de vida. Por outro lado, o saneamento básico tem fortes vínculos com a infraestrutura e o desenvolvimento urbano. Uma cidade, ou município, que tenha desejo de empreender o desenvolvimento social não pode prescindir do saneamento básico como suporte aos serviços e atividades que darão sustentação a este desenvolvimento. Planos de Saneamento Básico que visem a transformações substanciais, que sejam inclusivos e pautados em princípios de justiça social, devem estar embasados nos pressupostos enunciados para que, mediante processos participativos capazes de estabelecer pactos junto aos diferentes segmentos sociais, possam se constituir no meio de garantir saneamento de qualidade para todos. book_livro_tecnico.indb 65 20/07/2011 17:30:43 3.2 Princípios4 A Política Pública de Saneamento Básico deve estabelecer os princípios que, no âmbito do Plano de Saneamento Básico, deverão orientar os objetivos, as metas, os programas e as ações e balizar as diretrizes e condições para a gestão dos serviços de saneamento básico (planejamento, prestação dos serviços, regulação e fiscalização) com controle social. Observadas as peculiaridades locais e regionais, devem ser considerados como referência para essa definição os princípios fundamentais estabelecidos na Lei nº 11.445/2007, no Estatuto das Cidades e em outras políticas, que direta ou indiretamente possam orientar a Política Pública Municipal de Saneamento Básico. São relevantes e devem ser considerados na construção dos Planos Municipais de Saneamento Básico os fundamentos, princípios, diretrizes e objetivos enumerados a seguir. 66 Da Constituição Federal (1988) • A cidadania e a dignidade da pessoa humana como fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1º); • A erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais, como objetivos fundamentais da Nação (art. 3º); • A saúde como direito de todos e dever do Estado, garantida mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (arts. 6º e 196). • A moradia digna, garantida pelo direito social ao trabalho e pelas políticas públicas de promoção da construção de moradias, da melhoria das condições habitacionais, do saneamento básico, do desenvolvimento urbano fundado no adequado ordenamento territorial e das funções sociais da cidade (arts. 6º, 23, 30 e 182); • A participação da comunidade na organização do Sistema Único de Saúde e, por meio deste, na discussão e planejamento das ações e serviços de saúde e na formulação da política e na execução das ações de saneamento básico (arts. 198 e 200); • O direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações (art. 225); e • A promoção da educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente (art. 225). Da Política Urbana (Lei nº 10.257/2001 - Estatuto das Cidades) • Garantia do direito a cidades sustentáveis, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana e aos serviços públicos, para as presentes e futuras gerações (art. 2º, I); • Gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano (art. 2º, II); e • O pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante a ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar a deterioração das áreas urbanizadas, a poluição e a degradação ambiental, e a adoção de padrões de produção e consumo de bens e serviços e de expansão urbana compatíveis com os limites da sustentabilidade ambiental, social e econômica do município e do território, com justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização (do art. 2º, VI, VII, IX). 4 Item retirado do Termo de Referência para Apoio à Elaboração de Planos Municipais e Regionais de Saneamento Básico, elaborado pelo Ministério das Cidades, sob a coordenação de João Carlos Machado. Da Política Urbana (Lei nº 10.257/2001 - Estatuto das Cidades) book_livro_tecnico.indb 66 20/07/2011 17:30:45 Da Lei Nacional de Saneamento Básico (Art. 2º da Lei nº 11.445/2007) Das políticas correlatas ao saneamento Política de Saúde (Lei nº 8.080/1990) • A saúde como direito universal com atendimento integral e igualitário; • Promoção da saúde pública; • Salubridade ambiental como um direito social, patrimônio coletivo que todos devem proteger e promover; e • Proteção e sustentabilidade ambiental. Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei nº 9.433/1997) • Água como um bem de domínio público, como um recurso natural limitado, dotado de valor econômico, cuja disponibilidade e qualidade devem ser asseguradas para a atual e as futuras gerações; • Direito ao uso prioritário dos recursos hídricos para o consumo humano e a dessedentação de animais em situações de escassez; • Gestão dos recursos hídricos voltada a garantir o uso múltiplo das águas; • Garantia da adequação da gestão de recursos hídricos às diversidades físicas, bióticas, demográficas, econômicas, sociais e culturais das diversas regiões do país; • Garantia da articulação do planejamento de recursos hídricos com o dos setores usuários e com os planejamentos regional, estadual e nacional; e • Promoção da percepção quanto à conservação da água como valor socioambiental relevante. Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social – SNHIS (Lei nº 11.124/2005) • Moradia digna como direito e vetor da inclusão social. 3.3 Objetivos do Plano de Saneamento Básico O processo de planejamento conduzido pela administração pública, no exercício da titularidade sobre os serviços de saneamento básico, tem como desafio formular a política pública e elaborar o respectivo Plano de Saneamento Básico. 67 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS PARA ELABORAÇÃO DE PLANO MUNICIPAL DE SANEAMENTO BÁSICO • Universalização do acesso (inciso I) com integralidade das ações (inciso II), segurança, qualidade e regularidade (inciso XI) na prestação dos serviços; • Promoção da saúde pública (incisos III e IV), segurança da vida e do patrimônio (inciso IV) e proteção do meio ambiente (inciso III); • Articulação com as políticas de desenvolvimento urbano e regional, de habitação, de proteção ambiental e outras de relevante interesse social (inciso VI); • Adoção de tecnologias apropriadas às peculiaridades locais e regionais (inciso V), adoção de soluções graduais e progressivas (inciso VIII) e integração com a gestão eficiente de recursos hídricos (inciso XII); • Gestão com transparência baseada em sistemas de informações, processos decisórios institucionalizados (inciso IX) e controle social (inciso X); e • Promoção da eficiência e sustentabilidade econômica (inciso VII), com consideração à capacidade de pagamento dos usuários (inciso VIII). A Política Pública de Saneamento Básico deverá dispor, entre outros temas, sobre as formas como serão exercidas as funções de gestão (planejamento, regulação, organização, prestação e fiscalização) dos serviços e, ainda, sobre os mecanismos de garantia do atendimento essencial à saúde pública, os direitos e deveres dos usuários, o controle social e o sistema de informação. book_livro_tecnico.indb 67 20/07/2011 17:30:47 Considerando os pressupostos e princípios fundamentais da Lei nº 11.445/2007 e o atual desafio para a universalização do saneamento básico com qualidade no Brasil, é possível identificar objetivos gerais e específicos que podem servir de base para a elaboração de um Plano Municipal de Saneamento Básico. É importante observar, contudo, que tais objetivos são indicativos, definidos a partir da história recente do setor de saneamento e da realidade brasileira, devendo ser objeto de discussão e reflexão no nível local. É de se esperar que, no processo de discussão no nível municipal, surjam objetivos mais voltados para as realidades locais, situação que deve ser estimulada, principalmente em um processo democrático. 3.3.1 Objetivos gerais da Política e do Plano de Saneamento Básico 68 • Definir os instrumentos da gestão5 , os objetivos, as diretrizes e as metas para a universalização do acesso aos serviços de saneamento básico com qualidade; os programas, os projetos e as ações; os investimentos correspondentes e sua inserção no PPA e no orçamento de programas municipais; os instrumentos e canais da participação e controle social e os mecanismos de monitoramento e avaliação do Plano. • Definir as diretrizes para prestação dos serviços de saneamento básico, conforme os princípios da universalização, da integralidade das ações, da segurança, qualidade e regularidade, das ações intersetoriais e da sustentabilidade ambiental, social e econômica. • Estabelecer os responsáveis e competências quanto ao planejamento, à prestação, à regulação e à fiscalização das ações de saneamento básico, com participação e controle social, atendendo aos princípios da Lei Nacional de Saneamento Básico (Lei nº 1.445/2007) e do Estatuto das Cidades (Lei nº 10.257/2001). • Definir as metas físicas e financeiras baseadas nos indicadores quantitativos e qualitativos das condições sanitárias, epidemiológicas, ambientais e socioeconômicas e nas características locais, resultantes dos diagnósticos da situação dos serviços de saneamento básico; definir os critérios para a priorização dos investimentos, em especial para o atendimento à população de baixa renda. • Promover a melhoria da saúde pública e da salubridade ambiental, o direito à cidade, a proteção dos recursos hídricos, a sustentabilidade ambiental e o desenvolvimento social local. 3.3.2 Objetivos específicos Conforme as características e condições locais, são objetivos específicos do Plano Municipal de Saneamento Básico, a serem buscados de forma gradual: • Estabelecer a adequada articulação institucional dos atores públicos, sociais e privados e demais segmentos organizados da sociedade que atuam nos quatro componentes dos serviços públicos do saneamento básico; • Estabelecer os mecanismos e instrumentos para a adequada articulação do planejamento e da prestação dos serviços de saneamento básico com: as estratégias e objetivos da política urbana, considerando o Plano Diretor, os Planos de Habitação e os Planos de Mobilidade Urbana; e 5 De acordo com a Lei nº 11.445/2007, as funções de gestão dos serviços de saneamento básico envolvem o planejamento, indelegável a outro ente, a prestação dos serviços, a regulação e a fiscalização, devendo-se assegurar o controle social de todas as funções. book_livro_tecnico.indb 68 20/07/2011 17:30:49 • • • • • • • • Conforme as especificidades locais, os Planos deverão incluir, ainda, os seguintes objetivos específicos: • Definir diretrizes e ações para promover a redução na geração de resíduos sólidos, orientadas para a adoção de práticas de reutilização e de reciclagem, e soluções de tratamento e disposição final adequada, bem como as ações para promover a inclusão social e econômica de catadores de materiais recicláveis; • Estabelecer as diretrizes e ações para o manejo sustentável das águas pluviais urbanas, considerando normas e critérios de uso e ocupação do solo; de minimização de áreas impermeáveis; de controle do desmatamento e processos de erosão e assoreamento; de criação de alternativas de infiltração das águas no solo; de recomposição da vegetação ciliar de rios urbanos; e da captação de águas de chuva para detenção e/ou reaproveitamento, com vistas a reduzir os riscos de enchentes, inundações, deslizamentos de encostas e erosões. Prever, conforme as necessidades locais, a elaboração do Plano Municipal de Redução de Riscos7;. • Estabelecer diretrizes para implantação de sistema de monitoramento hidrológico visando minimizar os riscos associados à 69 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS PARA ELABORAÇÃO DE PLANO MUNICIPAL DE SANEAMENTO BÁSICO • as políticas e os planos locais e regionais de saúde, recursos hídricos e bacias hidrográficas, meio ambiente e inclusão social; Estabelecer as estratégias e ações para promover a salubridade ambiental, a qualidade de vida e a educação ambiental, nos aspectos diretamente relacionados ao saneamento básico; Estabelecer os mecanismos institucionais e de acesso à informação para o efetivo controle e participação social no planejamento, monitoramento e avaliação do Plano e seus programas e nas atividades de regulação e fiscalização da prestação dos serviços; Estabelecer as diretrizes, os instrumentos normativos e os procedimentos administrativos da regulação e da fiscalização dos serviços de saneamento básico; Estabelecer diretrizes para o desenvolvimento e adoção de alternativas tecnológicas apropriadas orientadas para métodos, técnicas e processos eficientes, simples e de baixo custo que considerem as peculiaridades locais e regionais; Definir os instrumentos e soluções institucionais, administrativas e operacionais sustentáveis para a gestão e a prestação dos serviços de saneamento básico apara a população de áreas rurais e comunidades tradicionais; Orientar a identificação e avaliação da aplicação e o incentivo ao desenvolvimento de tecnologias sociais6 conforme a realidade socioeconômica, ambiental e cultural; Estabelecer diretrizes para a organização e implementação do Sistema Municipal de Informações em Saneamento Básico, em consonância com o Sistema Nacional de Informações em Saneamento Básico – Sinisa, e para a definição de indicadores de monitoramento e avaliação da situação de acesso, qualidade, segurança, eficiência, eficácia e efetividade na gestão e na prestação dos serviços e nas condições de saúde e de salubridade ambiental; Estabelecer as condições técnicas e institucionais para a garantia da qualidade e segurança da água para consumo humano, conforme estabelece a Portaria nº 518/2004 do Ministério da Saúde; orientar a elaboração dos Planos de Segurança da Água e estabelecer os procedimentos; e instrumentos para a informação da qualidade da água à população, atendendo ao Decreto Presidencial nº 5.440/2005; e Definir diretrizes para a elaboração dos estudos a serem realizados pelos prestadores de cada serviço e para a consolidação e compatibilização dos respectivos planos específicos. 6 Tecnologias sociais: são técnicas e metodologias transformadoras, desenvolvidas na interação com a população, que representam soluções para a inclusão social. Consultar o Guia para a Elaboração de Políticas Municipais de Prevenção de Riscos de Deslizamento de Encostas. Secretaria Nacional de Programas Urbanos do Ministério das Cidades. 7 Consultar o Guia para a Elaboração de Políticas Municipais de Prevenção de Riscos de Deslizamento de Encostas. Secretaria Nacional de Programas Urbanos do Ministério das Cidades. book_livro_tecnico.indb 69 20/07/2011 17:30:51 ocorrência de situações de seca, de cheia, de deslizamentos e de acidentes que possam vir a causar riscos à população ou a bens públicos ou particulares, poluição ou contaminação dos recursos hídricos e ambientais; • Orientar a instituição de diretrizes e ações integradas com as áreas de recursos hídricos, meio ambiente e habitação, para preservação e recuperação do meio ambiente, em particular do ambiente urbano, dos recursos hídricos e do solo, com especial atenção para as áreas de conservação ou mais vulneráveis; e • Definir diretrizes e indicar os limites e possibilidades para a gestão associada, parcial ou integral, de um ou mais serviço de saneamento básico, considerando as características e os interesses locais e regionais. 70 book_livro_tecnico.indb 70 20/07/2011 17:30:53 4. ASPECTOS METODOLÓGICOS DA ELABORAÇÃO DO PLANO DE SANEAMENTO BÁSICO São elementos relevantes a serem considerados na formulação e na condução do processo de elaboração do Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB): 4.1 Processos participativos 4.2 Intersetorialidade das ações • Promoção da integração das propostas do PMSB aos objetivos e diretrizes do Plano Diretor Municipal, no que couber. • Promoção da integração das propostas do PMSB aos demais planos locais e regionais das políticas de saúde, habitação, mobilidade, meio ambiente, recursos hídricos, prevenção de risco e inclusão social. • Quando não existirem quaisquer desses planos, promover no âmbito do PMSB as discussões dos temas comuns e vinculantes entre eles para a formulação e proposição das respectivas ações, visando inibir posteriores incompatibilidades e, ao mesmo tempo, induzir os atores envolvidos a elaborar os referidos planos. 4.3 Elaboração do diagnóstico • Elaboração do diagnóstico do saneamento básico do município (área urbana e rural), contemplando a perspectiva dos técnicos e da sociedade, devendo-se considerar os impactos da situação nas condições de vida da população, utilizando indicadores sanitários, epidemiológicos, ambientais, socioeconômicos e apontando as causas das deficiências detectadas. • O diagnóstico deve buscar avaliar a realidade local na perspectiva da bacia hidrográfica e da região na qual está inserida, por meio da análise de estudos, planos e programas voltados para a área de saneamento básico que afetem o município. • O diagnóstico deve reunir e analisar, quando disponíveis, informações e diretrizes de outras políticas correlatas ao saneamento básico. book_livro_tecnico.indb 71 71 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS PARA ELABORAÇÃO DE PLANO MUNICIPAL DE SANEAMENTO BÁSICO • Assegurar o controle social, um dos princípios fundamentais da Lei Nacional de Saneamento Básico, garantindo-se à sociedade informações, representações técnicas e participação nos processos de formulação de políticas, de planejamento e de avaliação. • Promoção de processo democrático e participativo de elaboração do PMSB, de forma que o Plano venha refletir as necessidades e anseios da sociedade local e ao mesmo tempo atingir sua função social. • Definição dos meios de divulgação e de acesso às informações do PMSB, com linguagem acessível a todos os segmentos sociais. • Definição de espaços, canais e instrumentos para a participação popular no processo de elaboração do Plano. • Garantia da ampla divulgação do diagnóstico e das propostas do Plano, além dos estudos que o fundamentam, inclusive com a realização de audiências ou consultas públicas. 20/07/2011 17:30:55 4.4 Processo de aprovação • Previsão no processo de elaboração do Plano de sua apreciação pelos conselhos municipais da cidade, da saúde, do meio ambiente, ou de saneamento, caso existam. • Previsão, no processo de elaboração do Plano, do acompanhamento e apreciação pelo Comitê de Bacia Hidrográfica onde o município estiver inserido, caso exista. • Previsão, no processo de elaboração do Plano, da sua formalização por decreto do Executivo municipal ou por lei discutida e aprovada na Câmara Municipal, conforme determinar a respectiva Lei Orgânica. 4.5 Formulação do Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB) 72 • Definição dos objetivos e das metas do PMSB para a universalização dos serviços de saneamento básico de forma adequada, admitidas soluções graduais e progressivas, devendo-se prever tecnologias apropriadas à realidade local. • Concepção de programas, projetos e ações para a universalização dos serviços. • Previsão de programas, projetos e ações que garantam a integração dos diferentes componentes do saneamento básico (abastecimento de água, esgotamento sanitário, manejo das águas pluviais e drenagem urbana e manejo dos resíduos sólidos e limpeza pública) e outras que se fizerem pertinentes. • Promoção de ações de educação ambiental e mobilização social em saneamento. • Previsão de ações para emergências e contingências. • Compatibilização das proposições do PMSB com os Planos das Bacias Hidrográficas onde o município estiver inserido ou promoção de sua discussão e formulação junto aos respectivos atores, quando esse Plano não existir. • Adoção de horizontes de planejamento de curto, médio e longo prazos para a definição dos objetivos e metas do PMSB. Prever a revisão do PMSB pelo menos a cada quatro anos (§ 4º, art. 19 da Lei nº 11.445/2007), de forma a orientar o Plano Plurianual do município. • Detalhamento de como, quando, com quem e com quais recursos orçamentários, materiais e técnicos serão implementados os programas, projetos e ações do PMSB. • Sistematização e consolidação das proposições, compatibilizando-as com os diagnósticos e prognósticos e outras análises realizadas. • Realização de análises de viabilidade técnica e econômico-financeira da prestação universal e integral dos serviços, conforme as proposições do PMSB visando à correção ou efetivação das mesmas, ou para o atendimento do disposto no inciso II do art. 11, da Lei nº 11.445/07. • Previsão de mecanismos e procedimentos para a avaliação sistemática da eficiência, efetividade e eficácia das ações programadas. • Sistematização e consolidação dos elementos que compõem o PMSB, edição dos instrumentos e publicações requeridos para sua formalização e aprovação pela autoridade competente. book_livro_tecnico.indb 72 20/07/2011 17:30:57 5. PROCESSO DE ELABORAÇÃO DO PLANO MUNICIPAL DE SANEAMENTO BÁSICO (PMSB) O processo de elaboração do PMSB depende das dinâmicas locais, da capacidade técnica do município, do nível de organização social, dos recursos disponíveis para o processo, dos interesses que estão em jogo e da própria escolha da administração local em relação às abordagens de planejamento. O planejamento do processo de elaboração do PMSB pode ser dividido em três fases8 , as quais, por sua vez, podem ser subdivididas em oito etapas, conforme mostra o quadro a seguir. Quadro 1 – Fases e Etapas do Processo de Elaboração do PMSB. Fases Etapas Descrição I Atividades preliminares 1 Organização administrativa do processo; instituição do processo de participação social; definição do objeto; formulação preliminar dos princípios, diretrizes e objetivos; e elaboração do Termo de Referência (TdR). 2 Elaboração de diagnóstico da situação do saneamento básico e de seus impactos nas condições de vida da população. 3 Elaboração de prognósticos e de alternativas para a universalização. Objetivos e metas. 4 Definição de programas, projetos e ações necessárias para atingir os objetivos e as metas. 5 Definição de ações para emergências e contingências. 6 Proposição de mecanismos e procedimentos para a avaliação sistemática da eficiência, eficácia e efetividade das ações programadas. 7 Proposição do Sistema de Informações Municipal de Saneamento Básico. 8 Aprovação do Plano. II Elaboração do PMSB III Aprovação do PMSB 5.1 Atividades preliminares Esta fase compreende uma única etapa formada pelas atividades preparatórias para a elaboração propriamente dita do PMSB, que podem ser resumidas nas seguintes ações: organização administrativa do processo de elaboração do PMSB, instituição do processo de participação social, formulação preliminar dos princípios, diretrizes e objetivos, e elaboração do Termo de Referência do PMSB (TdR). 73 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS PARA ELABORAÇÃO DE PLANO MUNICIPAL DE SANEAMENTO BÁSICO Portanto, a complexidade da formulação e condução desse processo requer o seu próprio planejamento, de forma metodológica e criteriosa, para que todos os aspectos tratados anteriormente sejam satisfatoriamente contemplados e também para facilitar a superação das dificuldades inerentes à sua realização. 8 Para efeito didático, o termo “fase” é utilizado aqui para designar a sequência temporal ou de encadeamento do fluxo de execução em que se divide o processo, cada fase pode conter uma ou mais etapas, ou mesmo uma só atividade. O termo “etapa” designa cada conjunto ou grupo de atividades que compõem o processo – o critério de agrupamento pode ser: por afinidade, interdependência, simultaneidade ou sequência das atividades ou tarefas, ou por outro critério característico de cada processo ou projeto. book_livro_tecnico.indb 73 20/07/2011 17:30:59 5.1.1 Organização administrativa do processo de elaboração do PMSB A primeira medida do poder público municipal para iniciar o processo de elaboração do PMSB é tomar as providências administrativas para a constituição da organização institucional e administrativa que dirigirá a sua execução. Para isso, sugere-se a criação de duas instâncias: o Comitê de Coordenação e o Comitê Executivo. 74 O Comitê de Coordenação é uma instância de gestão e deliberativa, formalmente institucionalizada por atos do Executivo municipal, responsável pela coordenação, condução e acompanhamento da elaboração do Plano, a ser constituída por representantes, com função dirigente, das instituições públicas e civis relacionadas ao saneamento básico, inclusive dos prestadores de serviços delegados. É recomendável que o Comitê inclua representantes dos Conselhos Municipais da Cidade, de Saneamento, de Saúde, de Meio Ambiente, caso existam, e representantes das organizações da sociedade civil atuantes no município (profissionais liberais, representantes sindicais e empresariais, movimentos sociais e ONGs), sendo desejável o acompanhamento de representantes da Câmara de Vereadores e do Ministério Público. Ao Comitê de Coordenação devem ser atribuídas, entre outras, as seguintes competências: • Definir o objeto e o escopo geral do planejamento (serviços, área territorial, abrangência, etc.) e formular os princípios e diretrizes que nortearão a elaboração do PMSB; • Formular, junto com o Comitê Executivo, os objetivos do PMSB e aprovar o TdR; • Definir o processo de participação social e os meios de disponibilização das informações (metodologia, mecanismos e procedimentos); • Deliberar sobre proposições do Comitê Executivo, inclusive estudos ou atividades específicas requeridas para a elaboração do PMSB e sua eventual contratação; • Acompanhar, discutir e avaliar os trabalhos realizados pelo Comitê Executivo; • Deliberar sobre as proposições e manifestar sobre as críticas recebidas nas audiências e consultas públicas ou por outros meios; • Convocar e conduzir as audiências e consultas públicas e outras formas de discussão pública do PMSB; • Articular-se com as demais áreas de interesse, local e regional, buscando promover a integração das ações de saneamento ambiental, em especial as de saúde, habitação, meio ambiente, recursos hídricos e outras infraestruturas urbanas. O Comitê de Coordenação deve ser constituído independentemente da forma como serão conduzidas e realizadas as funções executivas de elaboração do PMSB. Nos municípios em houver órgãos colegiados constituídos com atribuições de regulação de todos os serviços de saneamento básico, o Comitê de Coordenação pode ser o próprio órgão. O Comitê Executivo, por sua vez, é uma instância técnica responsável pela operacionalização do processo de elaboração do PMSB. Deve ter uma composição multidisciplinar e incluir técnicos dos órgãos e entidades municipais da área de saneamento básico e áreas afins ao tema (saúde, habitação, infraestrutura urbana, meio ambiente, educação, etc.), devendo suas atividades ser acompanhadas por representantes dos prestadores de serviços delegados e da sociedade civil organizada. Caso a administração municipal não disponha de técnicos qualificados em todas as áreas disciplinares e/ou em número suficiente para compor o Comitê, o mesmo poderá contar com a participação de profissionais contratados ou cedidos, especificamente para este fim, por instituições conveniadas, inclusive universidades, entidade reguladora delegada e outros entes da Federação. book_livro_tecnico.indb 74 20/07/2011 17:31:01 Se o município tiver criado entidade ou órgão administrativo próprio para o exercício das funções de regulação e fiscalização dos serviços de saneamento básico, o Comitê Executivo poderá ser essa entidade ou esse órgão, complementado, se for o caso, por técnicos das áreas afins. Compete ao Comitê Executivo conduzir ou realizar diretamente todas as atividades de elaboração do PMSB previstos nas respectivas etapas (Etapas 2 a 7 do Quadro 1). No assessoramento ao Comitê Executivo – conforme as especificidades e necessidades locais – poderão ser constituídos Grupos de Trabalho multidisciplinares compostos por profissionais com experiência nos temas do saneamento básico, como também em áreas correlatas (políticas públicas, planejamento urbano, saúde, economia, meio ambiente, participação, educação ambiental, recursos hídricos, etc.) e na realização de trabalhos correlacionados ao processo de elaboração do Plano. É recomendável a busca de cooperação junto a outros processos locais de mobilização e ação para assuntos de interesse convergente com o saneamento básico, tais como: Agenda 21 Local; Coletivos Educadores Ambientais; Conselhos Comunitários e Câmaras Técnicas de Comitês de Bacia Hidrográfica. É desejável que os Comitês, uma vez constituídos, passem por um processo de capacitação, de forma a ampliar, atualizar e equalizar os conhecimentos sobre o objeto a ser planejado – o saneamento básico (ver item 2). Essa estratégia mostra-se relevante para que os conteúdos históricos, políticos e técnicos sobre o saneamento básico possam ser discutidos, permitindo uma melhor qualificação da equipe que conduzirá o processo de elaboração do PMSB. As universidades e ONGs podem contribuir neste processo de capacitação, inclusive o Programa de Capacitação e Extensão Tecnológica em Saneamento Ambiental – ReCESA, do Ministério das Cidades. 5.1.2 Instituição do processo de participação social e dos meios de disponibilização das informações A metodologia de elaboração do Plano Municipal de Saneamento Básico deve buscar assegurar a participação social, atendendo ao princípio fundamental do controle social da Política Nacional de Saneamento Básico. Para isso, as propostas dos Planos de Saneamento Básico e dos estudos que os fundamentam devem ser amplamente divulgadas e, além disso, devem ser realizadas audiências e/ou consultas públicas, como previsto no § 5º, art. 19, da Lei nº 11.445/2007. A participação social se constitui em instrumento de democratização da gestão pública, propiciando o aperfeiçoamento contínuo das políticas e serviços públicos e a adequação destes às necessidades da sociedade. A participação pressupõe a busca da convergência de propósitos, a resolução de conflitos, o aperfeiçoamento da convivência social, a transparência dos processos decisórios e o foco no interesse da coletividade. book_livro_tecnico.indb 75 75 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS PARA ELABORAÇÃO DE PLANO MUNICIPAL DE SANEAMENTO BÁSICO As atribuições do Comitê Executivo não devem ser delegadas a instituições que não estejam diretamente vinculadas à administração municipal, independentemente de sua natureza, sem prejuízo da complementação da equipe do Comitê Executivo com profissionais contratados ou cedidos por estas instituições, tendo em vista que o processo de elaboração do PMSB se constitui na oportunidade ímpar de formação e/ou de qualificação de quadro próprio para o exercício das funções de gestão dos serviços de saneamento básico. 20/07/2011 17:31:03 Nessa fase preliminar do processo de elaboração do PMSB, deve-se definir a metodologia, os mecanismos e os procedimentos que garantam à sociedade informações, representações técnicas e participações no processo da formulação da política, do planejamento e da avaliação dos serviços de saneamento básico (inciso IV, art. 3º, da Lei nº 11.445/2007). A participação nos processos de elaboração do PMSB deve ocorrer a partir da mobilização social e incluir divulgação de estudos e propostas e a discussão de problemas, alternativas e soluções relativas ao saneamento básico, além da capacitação para a participação em todos os momentos do processo. Sem esgotar as possíveis formas, mas visando apresentar indicações básicas de atuação, são sugeridas quatro formas de participação social: 76 • Participação direta da comunidade por meio de apresentações, debates, pesquisas e qualquer meio que possibilite a expressão de opiniões individuais ou coletivas, cursos de capacitação, etc. • Participação em atividades coordenadas, como audiências públicas, consultas, conferências e seminários. • Participação em fases determinadas da elaboração do PMSB, por meio de sugestões ou alegações, apresentadas na forma escrita. • Participação por meio de representantes no Comitê de Coordenação e no Comitê Executivo. A participação não se limita a obter informações sobre “como funciona” o processo de elaboração do Plano ou a tomar conhecimento das propostas do executivo, mas deve permitir que a sociedade local se reconheça como parte integrante no processo de discussão sobre o saneamento básico; visa garantir o seu posicionamento quanto às temáticas objeto de discussão; visa, ainda, socializar experiências e saberes. A participação também deve proporcionar o registro de informações que geralmente não estão disponíveis nas fontes convencionais de dados e informação. A efetiva participação social pressupõe o envolvimento dos vários atores sociais e segmentos intervenientes durante toda a elaboração do Plano, devendo proporcionar o debate transparente e democrático sobre os múltiplos anseios na busca de consensos em torno dos interesses comuns da sociedade. As comunidades participantes da elaboração do PMSB podem ser classificadas em três grandes grupos: • Organizações sociais, econômicas, profissionais, políticas, culturais, etc.; • População residente no município, população exterior, mas próxima à área afetada pelo PMSB; • Poder público local e regional. Uma das condições para a participação é o conhecimento claro do objeto a ser planejado, dos princípios, dos objetivos, das diretrizes e das informações necessárias para a elaboração do PMSB. Devem ser previstos mecanismos de disponibilização, repasse e facilitação do acesso e compreensão das informações para que a sociedade possa contribuir e fazer suas escolhas nos trabalhos de elaboração do PMSB. Para concretização desses propósitos, deverá ser desenvolvido nesta etapa do processo um plano de comunicação com os seguintes objetivos: • Divulgar amplamente o processo de elaboração, informar os objetivos e desafios do Plano Municipal de Saneamento Básico e informar sobre as formas e canais de participação; book_livro_tecnico.indb 76 20/07/2011 17:31:05 • Disponibilizar as informações necessárias à participação qualificada da sociedade nos processos decisórios do Plano; • Estimular todos os segmentos sociais a participarem do processo de planejamento, fiscalização e regulação dos serviços de saneamento básico. 5.1.3 Definição do objeto de planejamento O Comitê de Coordenação deverá promover discussões no sentido de delimitar o objeto a ser planejado (ver item 2.1), bem como a área territorial objeto de planejamento, podendo o território ser o município, se o plano for exclusivo do mesmo, ou um conjunto de municípios, no caso de gestão associada por meio de consórcio público ou de prestação regionalizada, se o plano for elaborado em conjunto pelos municípios. 5.1.4 Formulação preliminar dos princípios, diretrizes e objetivos do PMSB Nessa etapa preliminar, além do objeto e da área de planejamento, também deverão ser discutidos e formulados os princípios e diretrizes que nortearão a elaboração do PMSB (ver item 2.1.3), bem como os objetivos gerais e específicos que deverão servir de base para a elaboração do Plano Municipal de Saneamento Básico (ver item 3.3). 5.1.5 Estruturação de Termo de Referência O próximo passo é a estruturação de um Termo de Referência (TdR) para orientar a elaboração do Plano. O TdR é um instrumento guia, um documento que expressa o que a administração municipal entende e espera de um Plano Municipal de Saneamento Básico. Ele deve tratar dos problemas a serem enfrentados e das situações que se pretende transformar; deve conter, ainda, as diretrizes e os objetivos. Quanto mais pessoas envolvidas na sua elaboração, diretamente no Comitê de Coordenação ou por meio da sociedade civil organizada, melhor será o TdR e maiores as possibilidades de se construir um bom conjunto de orientações do processo de elaboração do PMSB. O Termo de Referência, com os devidos ajustes e aperfeiçoamentos, também se constituirá no instrumento-base de eventual processo de contratação de serviços especializados para a elaboração do PMSB. Sendo esse Termo, guia de todo o processo, é importante que o mesmo contemple os seguintes itens (VALARELLI, 2008): a) Contexto/problema Neste item, apresenta-se de forma sintética uma descrição do contexto, do histórico e do(s) problema(s) que motiva(m) a elaboração do PMSB e cuja realidade se pretende transformar. b) Pressupostos e princípios Diz respeito aos pressupostos e aos princípios sobre os quais o PMSB será elaborado. Ou seja, refere-se aos conteúdos que, de antemão, devem respaldar a elaboração do Plano (os pressupostos) e a base ou os preceitos que o orienta (ver itens 2.1.3 e 3.1). 77 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS PARA ELABORAÇÃO DE PLANO MUNICIPAL DE SANEAMENTO BÁSICO O Plano de Saneamento Básico, exceto quando regional, deverá englobar integralmente o território do ente da Federação que o elaborou, devendo ainda ser compatível com os Planos das Bacias Hidrográficas em que estiver inserido (art. 19, §§ 3º e 8º, da Lei nº 11.445/2007). c) Objetivos Refere-se aos resultados que o poder público municipal espera alcançar após a realização do PMSB, às mudanças que se pretende atingir no município na área do saneamento básico. É uma descrição dos benefícios que se espera obter utilizando os produtos gerados durante o processo de elaboração do PMSB. book_livro_tecnico.indb 77 20/07/2011 17:31:07 d) Escopo do PMSB Relaciona-se ao conjunto de aspectos/temáticas que devem ser abordados no PMSB. Esse item é importante, pois delimita a abrangência temática e territorial do Plano. e) Metodologia Neste item, deve ser apresentada a metodologia do processo de elaboração do PMSB, ou seja: os caminhos, os passos, os instrumentos e as atividades que irão respaldar a elaboração do PMSB. Deve contar com a explicitação da abordagem teórica do planejamento, as formas de participação social, os temas e as técnicas de pesquisa e de análises que deverão ser contemplados no diagnóstico, os estudos a serem realizados e as temáticas a serem observadas no prognóstico. f) Prazo e período 78 Refere-se ao período de tempo em que o PMSB deverá ser realizado. g) Produtos esperados Diz respeito à definição dos produtos a serem elaborados pela equipe técnica, devendo ser descritos de forma bastante precisa em ternos de: número de produtos, título, objeto/temática de cada um, características e prazo para a elaboração. h) Equipe técnica Neste item, deve-se indicar a equipe técnica em termos de número, qualificação acadêmica e profissional, perfil e experiência profissional que será necessária para a elaboração do PMSB. i) Orçamento Diz respeito aos recursos necessários para a elaboração do PMSB, discriminando-se os valores por tarefa, produto ou por horas de trabalho, bem como os custos de material, deslocamento e hospedagem, quando for o caso. Devem ser indicados, separadamente, os valores (parciais ou integrais) das atividades que serão executadas por profissionais da equipe própria da administração e os das atividades que serão contratadas. Definem-se, também, os períodos ou prazos nos quais serão feitos os pagamentos, a moeda de referência e os impostos e descontos que serão efetuados, no caso dos serviços contratados junto a terceiros. 5.2 Elaboração do Plano Esta fase compreende as etapas e respectivas atividades de elaboração material do PMSB. 5.2.1 Elaboração do diagnóstico da situação do saneamento básico e de seus impactos nas condições de vida da população Inicialmente, deve-se definir o enfoque metodológico da elaboração do diagnóstico. Reconhecendo que a prática de planejamento não é uma ação meramente técnica, mas também política, atualmente, o processo de elaboração de diagnósticos e prognósticos tem buscado contemplar o olhar técnico e o dos agentes sociais, este através da participação dos diversos segmentos da sociedade. Assim, o diagnóstico deve contemplar métodos que atendam tanto à racionalidade técnica (objetivos) como às demandas sociais (subjetivos), devendo haver o diálogo entre essas duas abordagens, ou seja, as informações e dados técnicos devem alimentar book_livro_tecnico.indb 78 20/07/2011 17:31:09 as discussões com a sociedade e a sociedade deve fornecer elementos de sua vivência sobre a realidade socioambiental aos técnicos, em um diálogo contínuo, transparente e democrático. No caso dos métodos objetivos, são aplicadas técnicas de pesquisa que envolvem a coleta, tratamento e análise de dados, predominantemente quantitativos, gerados a partir de pesquisas de base amostral, medições de campo, base de dados da administração e dos prestadores dos serviços, entre outros. Os métodos subjetivos articulam-se com técnicas da pesquisa social, quando ocorre o envolvimento dos diversos segmentos da sociedade como sujeito do processo de investigação. Os grupos focais, as entrevistas com informantes-chaves e as pesquisas de opinião são exemplos de técnicas que podem ser utilizadas. Pode-se utilizar também informações extraídas de bases de dados de sistemas de atendimento aos cidadãos e aos usuários dos serviços mantidos pela administração municipal e/ou pelos prestadores dos serviços e pelos órgãos ou entidades de regulação e fiscalização dos serviços ou de proteção aos consumidores. Ao analisar os princípios fundamentais da referida lei e todo o seu escopo, percebe-se que a situação referida para o diagnóstico proposto não se restringe a aspectos da cobertura e qualidade dos serviços de saneamento básico. O diagnóstico, além de contemplar os quatro componentes do saneamento básico (abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos e drenagem e manejo das águas pluviais urbanas), deve prever uma a análise de áreas afins à de saneamento básico (habitação, saúde, meio ambiente, recursos hídricos), para garantir o tratamento intersetorial. Deve analisar as questões tecnológicas e sua adequação às realidades locais, principalmente quanto à capacidade de pagamento da população. Deve tratar da segurança, da qualidade e da regularidade dos serviços e do controle social. Outro ponto importante, que também deve ser contemplado no diagnóstico, são os aspectos da gestão dos serviços de saneamento básico, ou seja: o planejamento, indelegável a outro ente; a prestação dos serviços; a regulação e a fiscalização, e como está a questão do controle social em todas essas funções. O diagnóstico deve também definir a abrangência territorial e as unidades de análises sobre as quais as informações e dados serão levantados. É desejável que a área de abrangência do PMSB e, portanto, do diagnóstico, contemple todo o território do município, área urbana e rural. Em face das desigualdades no acesso e na qualidade dos serviços, principalmente entre as áreas rurais e urbanas e no interior destas, é recomendável o uso de unidades de análises que permitam apreender essas desigualdades. O diagnóstico deve reunir e analisar, quando disponíveis, informações, dados, análises e proposições de outras políticas correlatas ao saneamento básico. As técnicas de pesquisa que irão respaldar a realização do diagnóstico devem ser explicitadas. Três técnicas são comumente utilizadas: pesquisa documental e bibliográfica, pesquisa de dados secundários e pesquisa de dados primários. Espera-se que, ao final, o diagnóstico contemple os seguintes temas: • Situação físico-territorial e econômica. • Situação institucional. • Situação dos serviços de abastecimento de água. • Situação dos serviços de esgotamento sanitário. book_livro_tecnico.indb 79 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS PARA ELABORAÇÃO DE PLANO MUNICIPAL DE SANEAMENTO BÁSICO 79 A abrangência temática do diagnóstico deve também ser definida. Segundo a Lei Nacional de Saneamento Básico, no mínimo, o Plano deve abranger: (...) diagnóstico da situação e de seus impactos nas condições de vida, utilizando sistema de indicadores sanitários, epidemiológicos, ambientais e socioeconômicos e apontando as causas das deficiências detectadas (BRASIL, 2007, p. 7). 20/07/2011 17:31:11 • Situação dos serviços de manejo dos resíduos sólidos e limpeza pública. • Situação dos serviços de manejo das águas pluviais e drenagem urbana. • Situação dos setores que têm inter-relação com o saneamento básico, a saber: desenvolvimento urbano e habitação, ambiente, recursos hídricos e saúde. Deve ser prevista a preparação de resumos analíticos, em linguagem acessível, para a disponibilização e apresentação à sociedade, de forma a proporcionar o efetivo e amplo conhecimento dos dados e informações. Recomenda-se que todos os dados obtidos durante a pesquisa sejam organizados em uma base de dados de fácil acesso e de simples operação, devendo passar por adequado tratamento estatístico e análise crítica das informações, que poderá vir a compor o Sistema de Informações Municipais de Saneamento Básico, indicado na Etapa 8. 80 5.2.2 Prognósticos e alternativas para a universalização – Objetivos e metas Esta etapa envolve a formulação de estratégias para o atendimento das diretrizes e para alcançar os objetivos e metas definidas para o PMSB, incluindo a instituição ou adequação da organização municipal para o planejamento, a prestação dos serviços, a regulação, a fiscalização, o controle social ou, ainda, a assistência técnica e, quando for o caso, a promoção da gestão associada, via convênio de cooperação ou consórcio intermunicipal, para o desempenho de uma ou mais destas funções. Nesta etapa, são definidos os mecanismos de articulação e integração das políticas, programas e projetos de saneamento básico, com de outros setores correlacionados (saúde, habitação, meio ambiente, recursos hídricos, educação) visando à eficácia, eficiência e efetividade das ações preconizadas. Consiste, ainda, na análise e seleção das alternativas de intervenção visando à melhoria das condições sanitárias em que vivem as populações urbanas e rurais. Tais alternativas terão por base as carências atuais de serviços públicos de saneamento básico: abastecimento de água, esgotamento sanitário, manejo de resíduos sólidos e limpeza urbana e manejo de águas pluviais e drenagem urbana. Essas carências devem ser projetadas a partir da análise de cenários alternativos, considerando a evolução gradativa do atendimento – quantitativo e qualitativo –, conforme diferentes combinações de medidas efetivas e/ou mitigadoras que possam ser previstas no plano para o horizonte de 20 anos9 . Esta etapa deverá contemplar, no mínimo: Necessidades de serviços públicos de saneamento básico As projeções das demandas por estes serviços deverão ser estimadas para o horizonte de 20 anos10 , considerando as metas: • Curto prazo – anual ou até 4 anos. • Médio prazo – entre 4 e 8 anos. • Longo prazo – acima de 8 e até 20 anos. Nos casos de abastecimento de água e esgotamento sanitário, deverão ser realizadas projeções de demandas, considerando os estudos realizados na elaboração e/ou nas revisões dos planos diretores, caso existam. Existindo os referidos Planos, deve-se analisar a pertinência e a possibilidade de manutenção das metodologias, dos parâmetros, dos índices e das taxas de projeção adotados nos mesmos, em face das atualizações censitárias do IBGE e/ou do cadastro imobiliário ou de outros serviços públicos no município11 . 9 A Lei nº 11.445/2007 não estabelece o horizonte de vinte anos para os Planos Municipais de Saneamento Básico, sendo este prazo indicativo, por coerência com o Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab) (art. 52, §1). Nos casos em que houver delegação de um ou mais serviços por prazo superior, é recomendável que o PMSB adote o mesmo como horizonte. Idem. A integração dos cadastros dos serviços e das infraestruturas urbanas do município deve ser considerada na formulação do Sistema Municipal de Informações. 10 Idem book_livro_tecnico.indb 80 20/07/2011 17:31:13 Para os resíduos sólidos, as projeções de produção de resíduos devem se basear, prioritariamente, nas indicações dos planos diretores ou planos de gestão integrada de resíduos sólidos, caso existam, ou em metodologias simplificadas que possam ser desenvolvidas utilizando dados secundários. As projeções das necessidades de ações estruturais e não estruturais de manejo das águas pluviais e drenagem urbana deverão basear-se nos estudos realizados no diagnóstico, considerando o horizonte de planejamento. Cenários alternativos das demandas por serviços de saneamento básico Alternativas de compatibilização das carências de serviços públicos de saneamento básico com as ações decorrentes do Plano Esta atividade consiste em analisar as disponibilidades e demandas futuras de serviços públicos de saneamento básico no município, identificando as alternativas de intervenção, considerando a redução gradativa ou a mitigação transitória dos déficits e as deficiências na prestação dos serviços, de forma a se estabelecerem os cenários alternativos. A partir dos resultados das propostas de intervenção nos diferentes cenários, deve-se selecionar o conjunto de alternativas que promoverá a compatibilização quali-quantitativa mais eficaz entre demandas e disponibilidade de serviços. Tal conjunto se caracterizará como o cenário normativo objeto do PMSB. Definição de política de acesso a todos, sem discriminação por incapacidade de pagamento de taxas ou tarifas, considerando a instituição de taxa ou tarifa social ou de subsídios diretos para atender às populações de baixa renda. Identificação de alternativas de gestão dos serviços públicos de saneamento básico Envolve o exame das alternativas institucionais para o exercício das atividades de planejamento, prestação de serviços, regulação, fiscalização e controle social, com definição dos órgãos municipais competentes para criação ou reformulação dos existentes, considerando as possibilidades de cooperação regional (gestão associada) para suprir deficiências e ganhar em economia de escala. 81 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS PARA ELABORAÇÃO DE PLANO MUNICIPAL DE SANEAMENTO BÁSICO Devem ser construídos cenários alternativos de demandas por serviços que permitam orientar o processo de planejamento do saneamento básico, identificando-se as soluções que compatibilizem o crescimento econômico, a sustentabilidade ambiental, a prestação dos serviços e a equidade social nos municípios. Deve-se estabelecer uma amplitude de cenários que representem aspirações sociais factíveis de serem atendidas nos prazos estabelecidos. Em resumo, esses cenários têm por objetivo identificar, dimensionar, analisar e prever a implementação de alternativas de intervenção, considerando a incerteza do futuro e visando ao atendimento das demandas da sociedade, observando: • o sistema territorial e urbano; • os aspectos demográficos e de habitação; • as características socioambientais; • as demandas do setor industrial; e • as demandas do setor de irrigação e agrícola. 11 A integração dos cadastros dos serviços e das infraestruturas urbanas do município deve ser considerada na formulação do Sistema Municipal de Informações. book_livro_tecnico.indb 81 20/07/2011 17:31:15 Definição de objetivos e metas Coerente com o diagnóstico, os objetivos do PMSB devem ser definidos coletivamente a partir de discussões com os diversos segmentos da sociedade, com o Comitê Executivo e de Coordenação do PMSB. Devem ser elaborados de forma a serem quantificáveis e a orientar a definição de metas e dos programas, projetos e ações do PMSB. As metas do PMSB são os resultados mensuráveis que contribuem para que os objetivos sejam alcançados. Devem ser propostos de forma gradual e estar apoiados em indicadores. 5.2.3 Programas, projetos e ações necessárias para atingir os objetivos e as metas 82 Os programas, projetos e ações necessárias para atingir os objetivos e metas devem ser definidos coletivamente, devendo-se garantir a sua compatibilidade com os respectivos planos plurianuais e com outros planos governamentais correlatos, identificando possíveis fontes de financiamento e as formas de acompanhamento e avaliação e de integração entre si e com outros programa e projetos de setores afins. É desejável que a programação das ações do PMSB seja desenvolvida em duas etapas distintas: uma imediata, ao início dos trabalhos, chamada de Programação de Ações Imediatas, e a outra denominada Programação das Ações resultantes do próprio desenvolvimento do PMSB. Programação de Ações Imediatas Esse Programa deverá ser o instrumento de ligação entre as demandas de serviços e ações existentes nas administrações municipais e o PMSB. Todos os projetos e estudos existentes para minimizar os problemas de saneamento básico dos municípios deverão ser identificados, compilados e avaliados segundo a sua pertinência e aderência aos objetivos e princípios do PMSB, já na fase de diagnóstico. Dada a aderência ao PMSB e realizadas as compatibilizações, caso necessário, deve-se estabelecer uma hierarquia entre os programas, projetos e ações, priorizando as intervenções mais imediatas, conforme a disponibilidade orçamentária, devendo ser apresentado pelo menos o projeto básico de cada ação. Programação das Ações do PMSB Em termos de conteúdo, o PMSB a ser elaborado deverá conter, no mínimo: • Definição dos programas, projetos e ações com estimativas de custos, baseadas nos resultados dos estudos da etapa (Prognósticos e alternativas) e que dê solução de continuidade e consequência às ações formuladas. • Estabelecimento de objetivos e metas de longo alcance (8 a 20 anos) e de médio (4 a 8 anos) e curto (1 a 4 anos) prazos, de modo a projetar estados progressivos de melhoria de acesso e qualidade da prestação dos serviços de saneamento básico no município. • Hierarquização e priorização dos programas, projetos e ações, compatibilizados com as projeções orçamentárias das esferas governamentais e com as metas estabelecidas. • Formulação de mecanismos e procedimentos para a avaliação sistemática da eficácia, eficiência e efetividade das ações programadas e para a obtenção de assistência técnica e gerencial em saneamento básico ao município, pelos órgãos regionais (se existirem) e entidades estaduais e federais. Outro aspecto a destacar é que o Plano de Saneamento Básico a ser elaborado deverá considerar o desenvolvimento, a organização e a execução de ações, serviços e obras de interesse comum para o saneamento básico, respeitada a autonomia municipal. O plano de ação deve levar em conta a Lei nº 9.433/1997, a qual deverá subsidiar a gestão dos recursos hídricos da bacia hidrográfica onde o município encontra-se inserido, assegurando um processo de planejamento participativo. book_livro_tecnico.indb 82 20/07/2011 17:31:17 5.2.4 Ações para emergências e contingências O PMSB deve conter: • Planos de racionamento e atendimento a aumentos de demanda temporária. • Regras de atendimento e funcionamento operacional para situação crítica na prestação de serviços públicos de saneamento básico, inclusive com adoção de mecanismos tarifários de contingência. • Diretrizes para a articulação com os Planos Locais de Risco e para a formulação dos Planos de Segurança da Água. 5.2.5 Mecanismos e procedimentos para a avaliação sistemática da eficiência, eficácia e efetividade das ações programadas Deverão ser definidos indicadores do acesso, da qualidade e da relação com outras políticas de desenvolvimento urbano. Há também a necessidade de se instituir ou aprimorar os mecanismos de representação e participação da sociedade para o acompanhamento, monitoramento e avaliação do PMSB, formada por representantes (autoridades e/ou técnicos) das instituições do poder público municipal e das representações da sociedade em organismos colegiados, tais como: o Conselho das Cidades; os Conselhos Municipais de Saneamento Ambiental – caso exista; de Saúde; de Meio Ambiente; o Conselho Gestor do Fundo Local de Habitação de Interesse Social e o Comitê de Bacia Hidrográfica, caso existam, e de representantes de organizações da sociedade civil (entidades do movimento social, entidades sindicais, profissionais, grupos ambientalistas, entidades de defesa do consumidor e outras). 5.2.6 Elaboração do Sistema de Informações Municipal de Saneamento Básico O sistema de informações deverá ser concebido e desenvolvido no processo de elaboração do PMSB. O município deverá promover a avaliação do conjunto de indicadores inicialmente proposto, objetivando construir um Sistema Municipal de Informação de Saneamento Básico – Simisa. Esse sistema, uma vez construído, testado e aprovado, deverá ser alimentado periodicamente para que o PMSB possa ser avaliado, possibilitando verificar a sustentabilidade da prestação dos serviços de saneamento básico no município. O sistema deverá conter um banco de dados, podendo estar associado a ferramentas de geoprocessamento, para facilitar a manipulação dos dados e a visualização da situação de cada serviço ofertado no município. Com isso, será possível identificar os problemas e auxiliar a tomada de decisão em tempo hábil para a resolução dos problemas relacionados com os serviços de saneamento básico. O sistema de informação deverá ser composto por indicadores de fácil obtenção, apuração e compreensão, confiáveis do ponto de vista do seu conteúdo e fontes. Devem, ainda, ser capazes de medir os objetivos e as metas, a partir dos princípios estabelecidos no PMSB, e contemplar os critérios analíticos da eficácia, eficiência e efetividade da prestação dos serviços de saneamento básico. Este sistema também deverá contemplar as funções de gestão: planejamento, prestação, regulação, fiscalização e controle social. É de extrema importância que o Sistema Municipal de Informações seja construído atendendo às diretrizes do Sistema Nacional de Informação em Saneamento – Sinisa, do Ministério das Cidades, criado pela Lei Nacional de Saneamento Básico. book_livro_tecnico.indb 83 83 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS PARA ELABORAÇÃO DE PLANO MUNICIPAL DE SANEAMENTO BÁSICO Deverão ser definidos sistemas e procedimentos para o monitoramento e a avaliação dos objetivos e metas do PMSB e dos resultados das suas ações no acesso; na qualidade, na regularidade e na frequência dos serviços; nos indicadores técnicos, operacionais e financeiros da prestação dos serviços; na qualidade de vida; assim como o impacto nos indicadores de saúde do município e nos recursos naturais. 20/07/2011 17:31:19 Tendo em vista a dificuldade de acesso e utilização das modernas tecnologias da informação pela grande maioria de municípios – os de menor porte –, é recomendável que os municípios se articulem regionalmente, por meio de consórcios, associações de municípios ou associações setoriais de serviços, ou busquem o apoio de instituições estaduais ou federais, para a construção de sistemas de informações em saneamento básico que possam ser compartilhados coletivamente por meio de plataformas centralizadas (data centers)12. 5.3 Aprovação do PMSB 84 Uma vez elaborados o diagnóstico e o prognóstico, peças que conformarão o Plano Municipal de Saneamento Básico, é recomendável que seja realizado um evento formal, a exemplo de uma Conferência Municipal de Saneamento Básico, no qual se discutirá ampla e democraticamente o Plano com os diversos segmentos da sociedade, de forma a proceder à sua aprovação. Nessa oportunidade, é importante que exista um documento-síntese do Plano que será a base das discussões a serem travadas na Conferência. Uma vez aprovado o PMSB na Conferência, o mesmo deve ser encaminhado a uma instância colegiada para apreciação e aprovação, a exemplo do Conselho Municipal das Cidades ou de saneamento, meio ambiente ou, ainda, de saúde. Para que o PMSB passe a se constituir em um instrumento de política pública, é recomendável que o Executivo municipal o aprove por decreto ou o encaminhe para aprovação na Câmara Municipal, conforme determinar a respectiva Lei Orgânica ou a lei que tratar da Política Municipal de Saneamento (Lei do Plano Diretor, Lei de Políticas Urbanas ou outra). A execução do PMSB passa, então, para a responsabilidade das diversas instituições do município, inclusive as delegatórias da prestação e/ou da regulação e fiscalização dos serviços. O acompanhamento e avaliação continuada de sua execução ficam a cargo da instância ou organismo instituído ou designado para esse fim no próprio processo de construção do PMSB (ver item 5.2.5). 12 Com esta finalidade, o Ministério das Cidades, por meio do PMSS e em parceria com alguns prestadores, desenvolveu um sistema integrado de gestão dos serviços de água e esgotos (GSAN), com tecnologia moderna e com utilização de softwares livres, cuja evolução já vem sendo feita para suprir essa carência, possibilitando em futuro próximo a integração de todos os serviços de saneamento básico. O GSAN é um software público e está disponível para acesso e utilização no portal: www.softwarepublico.gov.br, mantido pelo Ministério do Planejamento. book_livro_tecnico.indb 84 20/07/2011 17:31:21 6. REFERÊNCIAS BRASIL. Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007. Estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico e para a política federal de saneamento básico. Brasília: Diário Oficial da União, 2007. MINISTÉRIO DAS CIDADES. Termo de Referência do Ministério das Cidades de Apoio à Elaboração de Planos Municipais e Regionais de Saneamento Básico. Brasília: MCIDADES, 2008. Organizado por João Carlos Machado. SOUZA, C. M. N.; FREITAS, C. M. O Saneamento na Ótica da Prevenção de Doenças e da Promoção da Saúde. In: Congreso de la Asociacón Interamericana de Ingenieria Sanitária Y Ambiental, XXX, 2006, Punta del Leste. Anais.... Punta Del Leste: AIDIS, 2006. 85 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS PARA ELABORAÇÃO DE PLANO MUNICIPAL DE SANEAMENTO BÁSICO VALARELLI, Leandro Lamas. Roteiro de Termos de Referência (TdR) para serviços de consultoria. Dicas Práticas. Disponível em: <http://www.rits.org.br/gestao_teste/ge_testes/ge_mat01_dicas04.cfm>. Acesso em: nov. de 2008. book_livro_tecnico.indb 85 20/07/2011 17:31:23 book_livro_tecnico.indb 86 20/07/2011 17:31:23 PEÇA TÉCNICA N 2 o book_livro_tecnico.indb 87 Elaboração de Diagnóstico da Situação de Saneamento Básico de um Município: Algumas Recomendações Patrícia Campos Borja 20/07/2011 17:31:25 Revisado e atualizado por: Clênio Argolo João Batista Peixoto João Carlos Machado Tatiana Santana Timóteo Pereira Alexandre Araújo Godeiro Carlos Otávio Silveira Gravina Gabriella Pereira Giacomazzo Brasília - 2011 book_livro_tecnico.indb 88 20/07/2011 17:31:25 SUMÁRIO Apresentação.....................................................................................................................................................91 1 Abrangência Temática do Diagnóstico..................................................................................................................................93 2 Abrangência Territorial e as Unidades de Análises..............................................................................................................97 3 Os Bancos de Dados Disponíveis........................................................................................................................................101 4 Enfoque Metodológico da Elaboração do Diagnóstico.......................................................................................................103 5 As Técnicas de Pesquisa.....................................................................................................................................................104 6 Enfoques do Diagnóstico do Saneamento Básico...............................................................................................................108 6.2 Situação institucional...........................................................................................................................................................108 6.3 Situação dos serviços de abastecimento de água...............................................................................................................109 6.4 Situação dos serviços de esgotamento sanitário.................................................................................................................109 6.5 Situação dos serviços de manejo de resíduos sólidos e limpeza urbana.............................................................................110 6.6 Situação dos serviços de manejo de águas pluviais e drenagem urbana............................................................................110 6.7 Diagnóstico dos setores que têm inter-relação com o saneamento básico..........................................................................111 6.7.1 Situação do desenvolvimento urbano e habitação............................................................................................................111 6.7.2 Situação ambiental e de recursos hídricos.......................................................................................................................112 89 Elaboração de Diagnóstico da Situação de Saneamento Básico de um Município: Algumas Recomendações 6.1 Situação físico-territorial e socioeconômica.........................................................................................................................108 6.7.3 Situação da saúde..........................................................................................................................................................112 7 Escopo Básico de um Diagnóstico.....................................................................................................................................114 8 Referências.........................................................................................................................................................................115 book_livro_tecnico.indb 89 20/07/2011 17:31:27 book_livro_tecnico.indb 90 20/07/2011 17:31:27 APRESENTAÇÃO O Ministério das Cidades, ciente do grande desafio para a elaboração de Planos Municipais de Saneamento Básico, vem, por meio deste documento, contribuir com os municípios brasileiros neste processo, fornecendo orientações para a elaboração do diagnóstico da prestação dos serviços de saneamento básico. Ao considerar a Lei Nacional de Saneamento Básico (Lei nº 11.445/2007), as orientações expressas no presente documento visam atender ao conteúdo mínimo definido para o diagnóstico e aos princípios fundamentais da lei, expressos em seu art. 2º. Elaboração de Diagnóstico da Situação de Saneamento Básico de um Município: Algumas Recomendações 91 book_livro_tecnico.indb 91 20/07/2011 17:31:29 book_livro_tecnico.indb 92 20/07/2011 17:31:29 1. ABRANGÊNCIA TEMÁTICA DO DIAGNÓSTICO Quadro 1 – Componentes do saneamento básico, conforme Lei nº 11.4452007. Componente Descrição Abastecimento de água potável Atividades, infraestruturas e instalações necessárias ao abastecimento público de água potável, desde a captação até as ligações prediais e respectivos instrumentos de medição. Esgotamento sanitário Atividades, infraestruturas e instalações operacionais de coleta, transporte, tratamento e disposição final adequados dos esgotos sanitários, desde as ligações prediais até o seu lançamento final no meio ambiente. Limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos Atividades, infraestruturas e instalações operacionais de coleta, transporte, transbordo, tratamento e destino final do lixo doméstico e do lixo originário da varrição e limpeza de logradouros e vias públicas. Drenagem e manejo das águas pluviais urbanas Atividades, infraestruturas e instalações operacionais de drenagem urbana de águas pluviais, de transporte, detenção ou retenção para o amortecimento de vazões de cheias, tratamento e disposição final das águas pluviais drenadas nas áreas urbanas. 93 Elaboração de Diagnóstico da Situação de Saneamento Básico de um Município: Algumas Recomendações Realizar um diagnóstico envolve o exame detalhado de um objeto de estudo, com a finalidade de conhecer sua natureza, características e comportamento, de forma a projetar ações futuras por meio de estratégias, planos, programas, para a transformação de uma dada realidade. Esse exame é feito pela coleta de dados e informações que podem ser obtidas por meio de diversas técnicas de investigação. Segundo a Lei Nacional de Saneamento Básico (Lei nº 11.445/2007), cabe ao titular dos serviços formular a política pública de saneamento básico, devendo, para tanto, elaborar o Plano de Saneamento Básico. Segundo esse dispositivo legal, no mínimo, o Plano deve abranger: I. diagnóstico da situação e de seus impactos nas condições de vida, utilizando sistema de indicadores sanitários, epidemiológicos, ambientais e socioeconômicos e apontando as causas das deficiências detectadas; II. objetivos e metas de curto, médio e longo prazos para a universalização, admitidas soluções graduais e progressivas, observando a compatibilidade com os demais planos setoriais; III. programas, projetos e ações necessárias para atingir os objetivos e as metas, de modo compatível com os respectivos planos plurianuais e com outros planos governamentais correlatos, identificando possíveis fontes de financiamento; IV. ações para emergências e contingências; V. mecanismos e procedimentos para a avaliação sistemática da eficiência e eficácia das ações programadas (BRASIL, 2007a, p. 7, grifo nosso). Assim, um Plano de Saneamento Básico deve contar com um diagnóstico e um prognóstico com objetivos, metas, programas, projetos e ações e, ainda, mecanismos de avaliação. De acordo com a Lei nº 11.445/2007, o diagnóstico necessita contemplar uma análise da situação de saneamento básico do município e de seus impactos nas condições de vida, devendo, para tanto, haver um exame das condições epidemiológicas, ambientais e socioeconômicas. O diagnóstico também precisa abordar as causas das deficiências encontradas. Do exposto, percebe-se que o diagnóstico proposto pela lei não se restringe a aspectos da cobertura e qualidade dos serviços de saneamento básico. A abordagem prevista vai além do tradicionalmente feito no campo do saneamento, o que pode ser constatado ao se analisar o espírito da lei como um todo, principalmente quanto ao conceito de saneamento básico, aos princípios fundamentais para a prestação dos serviços e as competências do titular quanto à gestão. A Lei nº 11.445/2007, ao conceituar o termo “saneamento básico”, incorpora uma necessidade antiga do setor de superar o entendimento de saneamento básico como apenas as ações de abastecimento de água e esgotamento sanitário. Segundo o art. 3º da lei, o saneamento básico envolve quatro componentes, conforme apresentado no Quadro 1. Fonte: BRASIL, 2007a, p. 2. book_livro_tecnico.indb 93 20/07/2011 17:31:31 94 Assim, quando a lei trata do conteúdo mínimo do Plano e define a necessidade de um “diagnóstico da situação”, implicitamente, tal situação refere-se ao saneamento básico e aos seus quatro componentes. Fica, dessa forma, delimitado o objeto a ser planejado. A análise dos princípios fundamentais da prestação dos serviços públicos de saneamento básico, estabelecidos no art. 2º da lei, também demarca a abrangência temática que um Plano deve incorporar. Entre outros, esse artigo define como princípios fundamentais: • integralidade das ações, o que exige uma abordagem do conjunto de todas as atividades e componentes de cada um dos serviços de saneamento básico – abastecimento de água, esgotamento sanitário, manejo das águas pluviais e drenagem urbana e manejo dos resíduos sólidos e limpeza urbana (inciso II); • articulação com as políticas de desenvolvimento urbano e regional, de habitação, de combate à pobreza e de sua erradicação, de proteção ambiental, de promoção da saúde e outras de relevante interesse social, trazendo a necessidade de o diagnóstico contemplar outros setores da ação governamental, abrangendo os aspectos da intersetorialidade (inciso VI); • utilização de tecnologias apropriadas, considerando a capacidade de pagamento dos usuários e a adoção de soluções graduais e progressivas (inciso VIII); • o controle social, que coloca como necessidade a participação social (inciso X); • segurança, qualidade e regularidade (inciso XI); • integração das infraestruturas e serviços com a gestão eficiente dos recursos hídricos, o que exige uma articulação do Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB) com o planejamento do setor de recursos hídricos, principalmente nos aspectos relacionados ao uso da água (inciso XII). Pode-se concluir, então, que o diagnóstico deve abordar os quatro componentes do saneamento básico e suas relações; deve incorporar a análise das políticas de áreas afins ao saneamento básico (habitação, saúde, meio ambiente, recursos hídricos e combate à pobreza), garantindo uma abordagem intersetorial; deve envolver a análise das questões tecnológicas e sua adequação às realidades locais, principalmente quanto à capacidade de pagamento da população; deve tratar da segurança, da qualidade e da regularidade dos serviços e do controle social. Outro ponto que também auxilia a demarcação da abrangência temática do Plano e, consequentemente, do diagnóstico, está explicitado nos art. 8º e 9º, da referida lei, que tratam de diretrizes relativas ao exercício da titularidade, que dizem respeito às funções de gestão dos serviços de saneamento básico. Destes dispositivos se traduz que a prestação dos serviços deve contemplar quatro funções de gestão, a saber: o planejamento, indelegável a outro ente; a prestação dos serviços; a regulação e a fiscalização, devendo ser garantido o controle social em todas essas funções, conforme afirmam estes e outros dispositivos da citada lei (art. 2º, X; art. 9º, V; art. 11, IV, caput e §2º, V - Brasil, 2007a). O Quadro 2 apresenta as definições de cada função citada. book_livro_tecnico.indb 94 20/07/2011 17:31:33 Quadro 2 – Funções de gestão dos serviços de saneamento básico. Competência Descrição Titular, ação indelegável a outro ente. Envolve as atividades de identificação, qualificação, quantificação, organização e orientação de todas as ações, públicas e privadas, por meio das quais um serviço público deve ser prestado ou colocado à disposição de forma adequada (BRASIL, 2007b); e deve atender aos princípios fundamentais da prestação dos serviços públicos de saneamento básico (art. 2º, da Lei nº 11.445/2007). Prestação dos serviços Titular, passível de ser delegada via contrato de programa, se ente público ou estatal, ou via licitação, se ente privado. Relaciona-se à execução de toda e qualquer atividade ou obra com o objetivo de permitir o acesso a um serviço público em estrita conformidade com o estabelecido no planejamento e na regulação (BRASIL, 2007b). Deve obedecer a um Plano Municipal de Saneamento Básico e atender a requisitos mínimos de qualidade, incluindo a regularidade, a continuidade e aqueles relativos aos produtos oferecidos, ao atendimento dos usuários e às condições operacionais e de manutenção dos sistemas. Regulação Titular, passível de ser delegada a entidade reguladora constituída dentro do mesmo estado. Envolve todo e qualquer ato, normativo ou não, que discipline ou organize determinado serviço público, incluindo suas características, padrões de qualidade, impactos socioambientais, direitos e obrigações dos usuários e dos responsáveis por sua oferta ou prestação e fixação e revisão do valor de tarifas e outros preços públicos (BRASIL, 2007b). Fiscalização Titular, passível de ser delegada a entidade reguladora constituída dentro do mesmo estado. Relaciona-se às atividades de acompanhamento, monitoramento, controle e avaliação no sentido de garantir a utilização, efetiva ou potencial, do serviço público (BRASIL, 2007b). Controle Social1 Sociedade civil organizada em seus diversos segmentos (movimentos populares, ambientalistas, ONGs, entidades profissionais, associações privadas etc.). Conjunto de mecanismos e procedimentos que garantem à sociedade informações, representações técnicas e participações nos processos de formulação de políticas, de planejamento e de avaliação relacionados aos serviços públicos de saneamento básico (BRASIL, 2007a). A participação e o controle social constam dos princípios e diretrizes nacionais para o saneamento básico, constituindo-se ponto fundamental para democratizar o processo de decisão e implementação das ações. Planejamento 95 Elaboração de Diagnóstico da Situação de Saneamento Básico de um Município: Algumas Recomendações Função de gestão Para permitir uma maior organicidade ao processo de elaboração do diagnóstico, uma estratégia usualmente utilizada e que pode facilitar o seu desenvolvimento é a definição de campos de análises. Esses campos devem contemplar os quatro componentes do saneamento básico, as áreas afins e as funções de gestão. São sugeridos os seguintes campos de análise (Quadro 3) 1Embora o controle social não seja propriamente uma função de gestão, optou-se por incorporá-lo no Quadro 2 pelo fato desta atividade se constituir em um dos princípios fundamentais da prestação dos serviços de saneamento básico (inciso X, do art. 2º da Lei nº 11.445/2007) e por esta lei estabelecer o controle social em todas as funções de gestão. book_livro_tecnico.indb 95 20/07/2011 17:31:35 Quadro 3 – Campos de análise do diagnóstico da situação dos serviços de saneamento básico. Campo de análise Descrição Ambiente físico-natural, socioeconômico, infraestruturas e outros serviços • Localização, demografia, economia local, características do ambiente físico e natural (topografia, solo e subsolo, clima, hidrografia, hidrologia, áreas de recarga e afloramento de aquíferos). • Áreas de preservação permanente. • Uso e ocupação do solo. • Disponibilidade de infraestruturas e outros serviços (energia elétrica, pavimentação das ruas, transportes, saúde, educação e habitação). • Abordagem da bacia hidrográfica e também de ordem local e regional para os aspectos da economia. Ambiente social e cultural • Caracterização geral de aspectos culturais da população, com enfoque para o uso e relações com o ambiente físico natural. • Caracterização da organização social no município, com enfoque para os movimentos sociais com atuação relacionada com o saneamento básico. • Análises dos níveis de participação e controle social nas políticas públicas. Ambiente institucional, legal e de gestão • Análise da legislação existente e dos instrumentos legais e de gestão pública relacionados ao saneamento básico e áreas afins (habitação, meio ambiente, recursos hídricos, saúde e educação), no âmbito local e regional. • Análise da gestão do saneamento básico (planejamento, prestação dos serviços, regulação, fiscalização e controle social) e, ainda, das ações intersetoriais existentes, incluindo programas relacionados ao saneamento básico nas áreas de desenvolvimento urbano, habitação, mobilidade urbana, gestão de recursos hídricos e conservação ambiental. • Análise do Plano Diretor do município, quando existente, e reflexo nas demandas e necessidades relativas ao saneamento básico. • Análise de planos e programas de habitação e seu reflexo nas demandas de saneamento básico. • Análise do sistema de comunicação social e possibilidades de difusão das informações e mobilização sobre o PMSB. • Análise das possibilidades de cooperação entre municípios e/ou estado para a gestão dos serviços. Prestação dos serviços de saneamento básico • Análise da relação demanda-oferta de serviços; de aspectos técnico-operacionais, econômicos e financeiros da prestação dos serviços; com caracterização da cobertura, qualidade, regularidade, frequência e segurança dos serviços; do consumo per capita de água, caracterização e produção per capita de resíduos líquidos e sólidos. • Análises dos sistemas existentes em todas as suas unidades e dos planos e programas; análises das áreas de risco de contaminação por esgotos domésticos e resíduos sólidos urbanos e de erosão, escorregamentos e alagamentos. • Análise do sistema de coleta seletiva, caso exista, das possibilidades de implantação e da existência de catadores de lixo. • Análise da situação da destinação dos resíduos de serviços de saúde e dos resíduos de construção e demolição. • Análise das ações estruturais e não estruturais para o manejo das águas pluviais. Saúde pública e de qualidade de vida • Análise das condições de saúde por meio de indicadores das doenças relacionadas com a falta de saneamento, buscando discutir a sua inter-relação, e por meio de informações sobre morbidade e estado nutricional de crianças. 96 book_livro_tecnico.indb 96 20/07/2011 17:31:37 2. ABRANGÊNCIA TERRITORIAL E AS UNIDADES DE ANÁLISES A área de abrangência do PMSB e, portanto, do diagnóstico, deve contemplar todo o território do município, área urbana e rural. Em face das desigualdades no acesso e na qualidade dos serviços, principalmente entre as áreas rurais e urbanas e no interior destas, é recomendável o uso de unidades de análises que permitam apreender essas desigualdades. As localidades rurais e os bairros da sede municipal podem se constituir em unidades de análises, desde que existam suas delimitações em mapa. Outra opção é o uso de agrupamento de setores censitários utilizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Tal agrupamento pode compor bairros ou localidades que tenham características socioambientais homogêneas. Essa estratégia seria a mais recomendável em face da existência de dados do IBGE e da própria prefeitura, embora possam ocorrer dificuldades de compatibilização dos setores com os bairros ou localidades. Um problema comum entre as instituições públicas tem sido os distintos zoneamentos utilizados para o planejamento e acompanhamentos de suas atividades. Assim, no caso do setor saneamento, por exemplo, o prestador dos serviços de água e esgoto possui zoneamento diferente do adotado pelo serviço de limpeza pública, e este também difere do utilizado pelo serviço de drenagem urbana. Geralmente, o zoneamento administrativo ou de planejamento do município também não utiliza o adotado pelo IBGE. Essa realidade dificulta a obtenção de dados e a integração dos mesmos. Caberá aos municípios buscar integrar os zoneamentos de serviços públicos, de forma a constituir um cadastro único e um sistema de informação que possa retratar as realidades espaciais do acesso aos serviços. Figura 1 – Vista de um Setor Censitário não Classificado. 97 Elaboração de Diagnóstico da Situação de Saneamento Básico de um Município: Algumas Recomendações Estudos realizados por Borja (2004) evidenciaram as dificuldades de se trabalhar com unidades intraurbanas. Em face da importância de avaliar as desigualdades na distribuição dos serviços de saneamento na cidade de Salvador e da necessidade da produção de informação de fácil manuseio, que permitisse um melhor diálogo entre administração pública e a sociedade, a autora optou pelo uso da unidade de análise “bairro”. A partir da divisão de bairros realizada pelo IBGE para o ano 2000 (CASTRO, 2002) e da divisão dos setores censitários dos Censos de 1991 e 2000, os setores censitários e subdistritos foram agrupados para formarem a nova unidade de análise “bairro”, comum entre os dois censos. No total, Salvador foi dividida em 220 bairros. Depois de todos os setores classificados nos bairros correspondentes, foi montado um banco de dados composto pelas variáveis: setor censitário, subdistrito e bairro. Esse banco foi associado a uma base cartográfica digital georreferenciada da cidade de Salvador, elaborada pela Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (Conder). Assim, foi possível gerar uma base cartográfica com a unidade de análise “bairro”. A partir daí, uma série de inconsistências foram identificadas. Pôde-se verificar, por exemplo, que alguns setores estavam sem classificação, por não estarem presentes no trabalho elaborado por Castro (2002), a exemplo do setor censitário 159 (Figura 1). Para solucionar esse problema, os setores foram localizados na base cartográfica, e, uma vez identificados os bairros a que pertenciam os setores vizinhos a eles, foi possível classificá-los no mesmo bairro ou naquele mais próximo, considerando suas características socioambientais. Fonte: BORJA e outros, 2003. book_livro_tecnico.indb 97 20/07/2011 17:31:39 Outro problema que ocorreu após a superposição das malhas de setores censitários de 1991 e 2000 foi a inconsistência na delimitação da área de alguns bairros (Figuras 2 e 3), sendo necessário o estabelecimento de estratégias para que os bairros tivessem os mesmos limites nos anos de 1991 e 2000, de forma que fosse possível comparar o comportamento dos indicadores entre os anos de 1991 e 2000. Figura 2 – Delimitação da Área do Bairro de Castro Neves e Pitangueiras em 1991. Figura 3 – Delimitação da Área do Bairro de Castro Neves e Pitangueiras em 2000. 98 Fonte: BORJA e outros, 2003. Com isso, foi possível elaborar mapas da situação de saneamento segundo bairros de Salvador para os anos de 1991 e 2000, de forma a avaliar a desigualdade na distribuição dos serviços e proceder às análises estatísticas do comportamento dos indicadores entre os anos dos Censos (Figura 4). Figura 4 - Índices de Saneamento de Bairros da Cidade de Salvador, 1991-2000. Fonte: BORJA , 2004. Uma unidade de análise de resultados satisfatórios em pesquisas no campo do saneamento básico é o logradouro, que é uma via pública – ruas e caminhos carroçáveis e não carroçáveis, inclusive vielas, becos, escadas e passagens de acesso. A partir dessa unidade de análise, é possível, por exemplo, realizar o Levantamento das Condições Sanitárias dos Logradouros (LCSL), pesquisa que permite a análise das características físicas do ambiente construído, fornecendo informações sobre o abastecimento de água, o esgotamento sanitário, a drenagem urbana, a pavimentação, a limpeza pública e a moradia, que são obtidas por meio da book_livro_tecnico.indb 98 20/07/2011 17:31:48 percepção de dois observadores previamente treinados e de informações de moradores. Para a identificação dos logradouros, é necessário que a área de estudo seja identificada e delimitada em mapa na escala de 1:2000. Cada via, agora intitulada trecho, é caracterizada como sendo o trecho entre dois cruzamentos de vias (Figura 5). Os trechos longos (+ de 130 metros)2 são subdivididos para possibilitar uma melhor qualidade da informação, os trechos menores que 20 metros são desconsiderados. O banco de dados é construído por trecho de via, que deve receber um código de referência, o mesmo que é informado no questionário de campo. A área de estudo, a sub-bacia ou setor censitário, a depender do zoneamento em que se está trabalhando, também deve possuir um código de referência. Figura 5 – Procedimento para Divisão de Trechos de Vias. Vista da Microárea 315 da Bacia de Trecho de via Trecho Tre via Esgotamento Sanitário de Tripas. Uma vez montado o banco de dados, é possível calcular alguns indicadores sobre a área de estudo. Os valores dos indicadores referem-se ao percentual de trecos de vias que apresentaram um determinado evento. Assim, por exemplo, no caso de uma microárea em que, dos 83 trechos investigados, 82 possuíam fornecimento de água 3 vezes na semana, o indicador de fornecimento de água é 98,8%. Esse indicador informa o percentual de trechos em situação crítica em termos de fornecimento de água, que pode ser comparado com os indicadores de outras microáreas. Isso permite identificar em uma localidade, por exemplo, onde a situação de fornecimento de água é mais crítica3 . Outra unidade de referência para a elaboração do diagnóstico do Plano de Saneamento Básico é a bacia hidrográfica. A Lei nº 11.445/2007 (art. 19, § 3º) estabelece que “os planos de saneamento básico deverão ser compatíveis com os planos das bacias Elaboração de Diagnóstico da Situação de Saneamento Básico de um Município: Algumas Recomendações 99 2Excepcionalmente, pode-se trabalhar com trechos de 200 metros, uma vez que tenham características homogêneas quanto ao objeto de estudo. 3Para melhor conhecimento sobre a técnica do Levantamento das Condições Sanitárias de Logradouros (LCSL), consultar BORJA, Patrícia Campos. Avaliação da Qualidade Ambiental Urbana - Uma Contribuição Metodológica. 1997. 283f. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura, Universidade Federal da Bahia, Salvador. book_livro_tecnico.indb 99 20/07/2011 17:31:51 hidrográficas em que estiverem inseridos” (BRASIL, 2007a). Desta forma, a lei dá à bacia hidrográfica status apropriado para o planejamento municipal, definindo-a como unidade de referência. Essa definição também é encontrada no art. 48, inciso X, da mesma lei, o qual considera a bacia hidrográfica como unidade de referência para o planejamento das ações da União, no âmbito da Política Federal de Saneamento Básico. Assim, as análises das condições socioambientais das bacias hidrográficas do município e seus respectivos Planos, caso existam, devem ser consideradas no diagnóstico do PMSB. 100 book_livro_tecnico.indb 100 20/07/2011 17:31:53 3. OS BANCOS DE DADOS DISPONÍVEIS O país ainda não dispõe de um sistema integrado de indicadores de saneamento básico, embora existam bancos de dados e sistemas específicos relacionados a alguns serviços. Ciente da importância de contar com um conjunto estruturado de indicadores, a Lei Nacional de Saneamento Básico, em seu art. 53, instituiu o Sistema Nacional de Informações em Saneamento Básico – Sinisa, com os objetivos de: a) coletar e sistematizar dados relativos às condições da prestação dos serviços públicos de saneamento básico; b) disponibilizar estatísticas, indicadores e outras informações relevantes para a caracterização da demanda e da oferta de serviços públicos de saneamento básico; c) permitir e facilitar o monitoramento e avaliação da eficiência e da eficácia da prestação dos serviços de saneamento básico (BRASIL, 2007a, p.18). Quadro 4 – Sistemas de Informação Relacionados com o Saneamento Básico. Sistema de Informação Censo demográfico PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios book_livro_tecnico.indb 101 Responsável IBGE IBGE Periodicidade 10 anos Anual Abrangência Todos os municípios Todos os municípios Unidade de análise Categorias de análise Disponível em Setor censitário Saneamento básico (água, esgoto e resíduos sólidos), além de indicadores de natalidade, renda, escolaridade, condições de moradia, etc. www.ibge.gov.br Estado Saneamento básico (água, esgoto e resíduos sólidos), além de indicadores de renda, escolaridade, condições de moradia, etc. www.ibge.gov.br 101 Elaboração de Diagnóstico da Situação de Saneamento Básico de um Município: Algumas Recomendações Segundo a lei, as informações do Sinisa devem ser públicas e acessíveis a todos, devendo ser publicadas por meio da internet. Apesar das limitações, os sistemas disponíveis permitem realizar avaliações da situação da prestação de alguns serviços de saneamento no país. Atualmente, existem seis sistemas de informação que dispõem de variáveis, indicadores e índices relacionados com o saneamento básico, cujas características estão apresentadas no Quadro 4. O sistema mais amplo é o Sistema Nacional de Informação em Saneamento – SNIS. Criado em 1995, no âmbito do Programa de Modernização do Setor Saneamento – PMSS, o SNIS tem abrangência nacional e se apoia em banco de dados administrado pelo Ministério das Cidades, que recebe informações dos municípios e dos estados. O SNIS dispõe de indicadores técnicos, operacionais e financeiros dos serviços de abastecimento de água, esgotamento sanitário e resíduos sólidos/limpeza pública, de um conjunto significativo de municípios brasileiros. Os indicadores e índices disponíveis em cada sistema podem ser consultados nos próprios sites em que estão disponibilizados. Sugere-se que a seleção dos indicadores a serem utilizados no diagnóstico seja compatível com os campos de análises estabelecidos. 20/07/2011 17:31:55 Sistema de Informação PNSB – Pesquisa Nacional de Saneamento Básico SNIS – Sistema Nacional de Informação em Saneamento Responsável IBGE Ministério das Cidades Periodicidade Indefinida1 Anual Abrangência Todos os municípios Municípios amostrados2 Unidade de análise Categorias de análise Distrito censitário (água e esgoto) e município (drenagem e resíduos sólidos) Saneamento básico (água, esgoto, drenagem e resíduos sólidos), considerando www.ibge.gov.br a oferta e qualidade dos serviços prestados e aspectos da gestão. Municípios e prestadores de serviços Variáveis técnicas, operacionais e financeiras dos prestadores dos serviços de abastecimento de água, esgotamento sanitário e resíduos sólidos/ limpeza pública. www.snis.gov.br Municípios e sistemas de abastecimento de água Abastecimento de água (cobertura, condições de tratamento, qualidade do serviço, níveis de atendimento à Portaria nº 518/2004 do MS). Não disponível Família Saneamento básico (água, esgoto e www.datasus.gov.br resíduos sólidos), disponibilidade de filtro. 102 SISAGUA – Sistema de Informação da Qualidade da Água de Consumo Humano Ministério da Saúde/ Secretaria de Vigilância em Saúde SIAB – Sistema de Informação de Atenção Básica PSF – Programa de Saúde de Familiar PACS – Programa de Agentes Comunitários de Saúde Secretaria de Saúde do Estado da Bahia/SUS Anual Anual Todos os municípios Todos os municípios Disponível em 1A PNSB foi realizada uma vez no ano 2000 e encontra-se em andamento uma nova edição com dados coletados em 2008. Todos os municípios cujos serviços de água e esgotos são prestados pelas companhias estaduais de saneamento e uma amostra, anualmente crescente, de municípios que prestam diretamente os serviços de água e esgotos. Amostra específica para os serviços manejo de resíduos sólidos. book_livro_tecnico.indb 102 20/07/2011 17:31:57 4. ENFOQUE METODOLÓGICO DA ELABORAÇÃO DO DIAGNÓSTICO Métodos objetivos Indicadores quantitativos Medições no ambiente • Dados primários • Dados secundários Indicadores quantitativos Qualificação do ambiente • Observação ambiental • Avaliação de especialistas Métodos subjetivos 103 Elaboração de Diagnóstico da Situação de Saneamento Básico de um Município: Algumas Recomendações Abordagem do diagnóstico Fonte: Borja, 1997. A metodologia envolve a definição do caminho a ser adotado para a elaboração do diagnóstico, o que significa a escolha de determinada abordagem de planejamento. Reconhecendo que a prática de planejamento não é uma ação meramente técnica, mas também política, atualmente, o processo de elaboração de diagnósticos e prognósticos têm buscado contemplar o olhar técnico e dos agentes sociais, este através da participação dos diversos segmentos da sociedade. A participação e o controle social nos processos de planejamento e, consequentemente, de elaboração de planos e seus diagnósticos, estão explicitados na Lei Nacional de Saneamento Básico. Segundo essa norma legal, um dos princípios fundamentais da prestação dos serviços públicos de saneamento básico é o controle social (art. 2º, V). Na função de planejamento, ação indelegável a outro ente, a lei assegura a “ampla divulgação das propostas dos planos de saneamento básico e dos estudos que as fundamentem, inclusive com a realização de audiências ou consultas públicas” (art. 19, § 5º). A participação social na ação de planejamento no Brasil se inicia nos anos 1980, a partir de experiências de administrações municipais alinhadas com o ideário de construção de uma cidade mais democrática e justa para todos, o que se passou a chamar de planejamento participativo. Tal planejamento busca envolver os diversos segmentos sociais nos processos de discussão, com vistas a superar o caráter excludente do planejamento tecnicista, possibilitando a definição de prioridades mais voltadas para as demandas sociais. Por outro lado, a complexidade das realidades socioambientais não permite prescindir de uma abordagem técnica e, principalmente, interdisciplinar, para a elaboração do diagnóstico. Comumente, os problemas de saneamento básico remetem a questões relacionadas à geologia, à demografia, à cultura, à economia, aos recursos naturais, que exigem conhecimentos específicos e o diálogo entre os diversos saberes. Assim, um diagnóstico pode contemplar métodos que considerem tanto a racionalidade técnica (objetivos) como a visão social (subjetivos), devendo haver o diálogo entre essas duas abordagens. Ou seja, as informações e dados técnicos devem alimentar as discussões com a sociedade e a sociedade deve fornecer elementos de sua vivência sobre a realidade socioambiental aos técnicos, em um diálogo contínuo, transparente e democrático. No caso dos métodos objetivos, são aplicadas técnicas de pesquisa que envolve a coleta, tratamento e análises de dados predominantemente quantitativos gerados a partir de pesquisas de base amostral, de medições no ambiente, da base de dados dos prestadores dos serviços, do cadastro imobiliário e outras fontes. Os métodos subjetivos articulam-se com técnicas da pesquisa social, na qual ocorre o envolvimento dos diversos segmentos da sociedade como sujeito do processo de investigação. Os grupos focais, as entrevistas com informantes-chaves e as pesquisas de opinião são exemplos de técnicas que podem ser utilizadas. Borja (1997), estudando metodologias de avaliação da qualidade ambiental urbana, propõe métodos objetivos e subjetivos, que contemplem a perspectiva técnico-científica e a de quem mora no lugar (Figura 6). Avaliação qualitativa Percepção ambiental: • pesquisa de opinião • pesquisa a informantes-chaves • grupo focal • pesquisa participante • pesquisa etnográfica Figura 6 – Metodologia de Avaliação da Qualidade Ambiental Urbana. book_livro_tecnico.indb 103 20/07/2011 17:31:59 5. AS TÉCNICAS DE PESQUISA Diversas técnicas de pesquisa podem ser utilizadas para a elaboração de um diagnóstico. De uma forma geral, o diagnóstico da situação do saneamento básico no município não pode prescindir de três técnicas: • Pesquisa documental e bibliográfica – envolve a obtenção de informações disponíveis em instituições públicas sobre a situação de saneamento, incluindo planos, programas, projetos, legislação, contratos de prestação de serviços, entre outros. • Pesquisa de dados secundários – envolve a coleta de dados disponíveis em sistemas de informação dos prestadores dos serviços e de instituições públicas, tais como: cadastros da prefeitura; banco de dados do Programa Saúde da Família; banco de dados da vigilância e controle da qualidade da água de consumo humano; e dos sistemas de informação referidos no Quadro 4. 104 • Pesquisa de dados primários – refere-se à coleta de dados de campo em domicílios, logradouros, sistemas de abastecimento de água, de esgotamento sanitário, em pontos de disposição final de resíduos sólidos, entre outros. Nesse caso, após a definição do conjunto de variáveis que serão investigadas e da técnica de coleta de dados, é necessário montar uma logística para a obtenção dos dados, ou seja: seleção de equipe, treinamento, definição dos instrumentos de coleta de dados (questionário, tipo de coletores de amostras, medidores, etc.), tratamento, sistematização e análises dos dados. É necessário, ainda, definir o universo ou a amostra a ser investigada e a unidade de análise (domicílios, moradores, crianças, trechos de rios, pontos em unidades de tratamento de água, pontos de amostragem de solo ou corpo dá água, etc.). Também devem ser definidos, caso necessário, a frequência da coleta de dados e os períodos do ano, estes considerando que alguns fenômenos têm variação sazonal. No campo da pesquisa social, diversas técnicas podem ser utilizadas, a exemplo de entrevistas, grupos focais, diagnóstico participativo, pesquisas de opinião, etc. As entrevistas podem ser realizadas por segmentos sociais junto a informantes-chaves, que são pessoas com liderança reconhecida nas localidades objeto do diagnóstico. Para tanto, é importante a realização de um levantamento das entidades representativas da sociedade local, principalmente aquelas que atuam no campo do saneamento, da moradia, da saúde e do meio ambiente. Comumente, as lideranças populares são: os representantes nos conselhos de saúde, meio ambiente e outras políticas urbanas, se existentes; sindicalistas; dirigentes de ONGs; pesquisadores, entre outros. Todos eles são importantes e devem ser consultados. O grupo focal objetiva investigar grupos distintos da comunidade. Envolve uma discussão, guiada por um mediador, com duração aproximada de 1 hora a 1:30 hora, de um pequeno número de informantes (6 a 12 pessoas) que falam livre e espontaneamente a respeito dos temas considerados importantes para a investigação. Cada participante tem a oportunidade de falar, fazer perguntas e responder aos comentários. Os participantes devem sentir-se à vontade para falar abertamente e o local da reunião deve ser neutro em relação aos objetivos da investigação. Os participantes são escolhidos em qualquer grupo cujas ideias sejam de interesse da pesquisa. A reunião é gravada, embora o observador também tome notas. Na aplicação da técnica, existem alguns papéis que devem ser observados. O mediador tem como função manter direcionada a reunião através de um roteiro, o qual deve incorporar o objetivo do estudo e incluir questionamentos sobre a pesquisa. Também faz parte da dinâmica a presença de uma pessoa com a função de registrar a discussão e, eventualmente, intervir no debate. Um procedimento importante é o treinamento book_livro_tecnico.indb 104 20/07/2011 17:32:01 prévio dos investigadores para que estes não interfiram nas opiniões dadas nem façam juízos de valor, permitindo, assim, que se tire o máximo proveito da reunião. Podem ser formados grupos de discussão com lideranças locais, grupos de mulheres, ambientalistas, jovens etc. O diagnóstico participativo pode ser realizado de diversas formas. Através de oficinas de trabalho com a população local, nas quais são utilizadas dinâmicas de grupo que possibilitem aos participantes identificarem os problemas, seus fatores determinantes e formas de equacioná-los. A dinâmica “dois a dois” pode ser utilizada para estimular as discussões e promover o entrosamento dos participantes. Nessa técnica, o trabalho se desenvolve a partir de dois grupos de participantes: um fixo e outro móvel, que podem ser organizados em círculo ou em fila, um em frente ao outro, formando várias duplas (Figura 7). Cada participante dispõe de uma questão ou frase previamente entregue e definida pela coordenação da oficina. A atividade se inicia com a discussão, entre as duplas, da questão de cada participante, por um tempo determinado (3 minutos). Com o término do tempo, o grupo móvel se desloca formando nova dupla, que discutirá mais duas questões diferentes. Com isso, todos os participantes debaterão todas as questões com parceiros distintos, ouvindo a opinião de todos. GRUPO FIXO ABCDEFGH HGFEDCBA GRUPO MOVEL Figura 7 – Esquema da Dinâmica “Dois a Dois”. 105 Elaboração de Diagnóstico da Situação de Saneamento Básico de um Município: Algumas Recomendações Esta técnica, portanto, evita o domínio da palavra, possibilita a fala de todos e o conhecimento das diversas opiniões sobre os temas debatidos. As questões podem tratar de cada componente do saneamento básico (abastecimento de água, esgotamento sanitário, águas pluviais e resíduos sólidos), envolvendo as problemáticas vivenciadas pelos participantes. Em seguida, os participantes seguem para nova discussão, então organizados em grupos por temas, de forma a consolidar o debate, que deve ser devidamente registrado em painéis e, de preferência, também gravado para posterior relato. Na dinâmica de “grupo por tema”, os participantes são orientados a formarem grupos para discussão de temas específicos de interesse do diagnóstico, como, por exemplo, o abastecimento de água, o esgotamento sanitário, etc. Em um primeiro momento, os participantes dos grupos devem se apresentar, eleger um relator e um coordenador e pactuar a forma de trabalho. Em seguida, sugere-se que ocorra uma discussão aberta sobre o tema proposto, para depois os participantes direcionarem mais a discussão com o preenchimento da matriz “problema – causa – solução” (Figura 6). Dada essa discussão, os participantes devem se reunir em plenária para ouvir o relato de cada grupo e depois realizar um debate com todos os participantes, o qual também deve ser devidamente registrado para posterior relato (Figuras 8, 9 e 10). book_livro_tecnico.indb 105 20/07/2011 17:32:03 O Problema Onde ocorre Por que ocorre O reservatório não atende à demanda da população. Intermitência do fornecimento de água Localidade de Lamarão Falta de investimentos por parte da concessionária no sistema de água. Desperdício de água. A população não se mobiliza e reivindica. 106 Quem é o responsável Como resolvê-lo Quando resolvê-lo Realizar estudos de projeção de demanda. O titular dos serviços que não acompanha o contrato de concessão. O prestador que não realiza investimentos no sistema. A população e a sociedade civil, que não participa e nem exerce seus direitos de cidadão. Falta de organização social. Fazer projetos e investimentos para ampliação da capacidade de reservação. Realizar programa de controle de perdas e desperdícios. Realizar trabalho de educação sanitária e ambiental junto à população. Em curto prazo, realizar controle de vazamentos e programa de educação sanitária. Em médio prazo, desenvolver projetos e execução de obras. O titular deve definir normas regulatórias e fiscalizar sua execução. .... ..... .... Figura 8 – Matriz “Problema – Causa – Solução”. Figura 9 – Discussão em Grupo por Tema. book_livro_tecnico.indb 106 20/07/2011 17:32:05 Figura 10 – Relato dos Grupos e Plenária Final. Para que os debates sejam frutíferos, é importante que a equipe técnica de elaboração do diagnóstico, a comissão organizadora das oficinas e técnicos dos órgãos públicos que planejam e prestem os serviços de saneamento básico participem do processo de discussão, de forma a permitir a incorporação de conhecimento entre técnico e comunidade e comunidade e técnico, sempre com o cuidado de que a voz dos segmentos sociais seja garantida. book_livro_tecnico.indb 107 107 Elaboração de Diagnóstico da Situação de Saneamento Básico de um Município: Algumas Recomendações Outra técnica que pode ser utilizada é o “registro de cenários”, que consiste em entregar a representantes de associações, sindicatos, grupos ambientalistas, entre outros, uma máquina fotográfica ou uma filmadora e solicitar que sejam registradas imagens que retratem as condições de saneamento básico da localidade em estudo. Posteriormente, essas imagens devem compor uma exposição de cenários que deve ser montada pela própria população, com auxílio da coordenação da oficina. Cada grupo ou liderança deve expor aos demais em plenária, e, a partir daí, as discussões devem ser travadas, sempre com a coordenação e registro dos organizadores da oficina. 20/07/2011 17:32:08 6 6 ENFOQUES DO DIAGNÓSTICO DO SANEAMENTO BÁSICO O Diagnóstico dos Serviços Públicos de Saneamento Básico do município deve, necessariamente, englobar os seguintes enfoques: • Situação físico-territorial e econômica. • Situação institucional. • Situação dos serviços de abastecimento de água. • Situação dos serviços de esgotamento sanitário. • Situação dos serviços de manejo dos resíduos sólidos e limpeza pública. • Situação dos serviços de manejo das águas pluviais e drenagem urbana. • Situação dos setores que têm inter-relação com o saneamento básico, a saber: desenvolvimento urbano e habitação, ambiente e recursos hídricos e saúde. 6.1 Situação físico-territorial e socioeconômica 108 Entre os aspectos a serem considerados na caracterização local, podem-se destacar: • demografia urbana e rural; • vocações econômicas do município: contexto atual e projeções das atividades produtivas, por setor; • infraestrutura (energia elétrica, sistema viário, transportes, saúde e habitação); • caracterização dos padrões culturais do município, resultante da sua ocupação e formação histórica, analisando as relações com o uso e a preservação dos recursos ambientais; • indicação das áreas de proteção ambiental e áreas de proteção permanente; • áreas de risco sujeitas a inundação ou deslizamento; • consolidação das informações socioeconômicas, físico-territoriais e ambientais disponíveis sobre o município e a região; • caracterização da organização social e identificação de atores e segmentos sociais estratégicos, com interesse no saneamento básico, a serem envolvidos no processo de elaboração do PMSB. 6.2 Situação institucional • levantamento e análise da legislação existente e dos instrumentos legais que definem as políticas federal, estadual, municipal e regional sobre saneamento básico, desenvolvimento urbano, saúde, educação e meio ambiente; • identificação dos instrumentos públicos de gestão aplicáveis para a área do PMSB (leis, decretos, códigos, políticas, resoluções e outros); • identificação e análise da gestão do saneamento básico (planejamento, prestação dos serviços, regulação, fiscalização e controle social). Essa identificação deve considerar a situação em cada uma das áreas ou componente do saneamento básico e uma avaliação dos canais de integração e articulação intersetorial; • identificação e análise da estrutura e capacidade institucional para a gestão dos serviços de saneamento básico e da sua inter-relação com outros segmentos (desenvolvimento urbano, habitação, saúde, meio ambiente e educação); • identificação das redes e estruturas de educação formal e não formal e avaliação da capacidade de apoiar projetos e ações de educação ambiental; • identificação junto aos municípios vizinhos das possíveis áreas ou atividades onde pode haver cooperação, complementaridade ou compartilhamento de processos, equipamentos e infraestrutura, relativos à gestão do saneamento básico, contemplando cada um dos serviços ou quaisquer de suas atividades específicas; • identificação de programas locais de interesse para o saneamento básico nas áreas de desenvolvimento urbano, habitação, mobilidade urbana, gestão de recursos hídricos, conservação ambiental; 6A partir do Termo de Referência do Ministério das Cidades de Apoio à Elaboração de Planos Municipais e Regionais de Saneamento Básico (MCIDADES, 2008). book_livro_tecnico.indb 108 20/07/2011 17:32:10 • identificação e avaliação do sistema de comunicação local e sua capacidade de difusão das informações e mobilização sobre o Plano. O diagnóstico deve adotar uma abordagem sistêmica, cruzando informações socioeconômicas, ambientais e institucionais, de modo a caracterizar a situação antes da implementação do PMSB. 6.3 Situação dos serviços de abastecimento de água Para o componente dos serviços de abastecimento de água, o diagnóstico deverá contemplar, para as áreas rurais e urbanas, as seguintes informações: 6.4 Situação dos serviços de esgotamento sanitário O diagnóstico do esgotamento sanitário deverá abranger as áreas urbanas e rurais, a identificação dos núcleos carentes de esgotamento sanitário e a caracterização dos aspectos socioeconômicos relacionados ao acesso aos serviços. Deverão ser contemplados os seguintes conteúdos: • caracterização da cobertura e a identificação das populações não atendidas ou sujeitas a deficiências no atendimento a sistemas de esgotamento sanitário (redes coletoras, fossas sépticas e outras soluções); • avaliação da situação atual e futura da geração de esgoto versus capacidade de atendimento pelos sistemas de esgotamento sanitário disponíveis, seja mediante soluções individuais e/ou coletivas; • descrição e avaliação dos sistemas de esgotamento sanitário existentes no município, quanto à capacidade instalada frente às demandas e ao estado das estruturas implantadas, a partir do uso de textos, mapas, esquemas, fluxogramas, fotografias e planilhas, com a apresentação da visão geral dos sistemas. No caso do uso de sistemas coletivos, essa avaliação deve envolver as ligações de esgoto, as redes coletoras, os interceptores, as estações elevatórias, as estações de tratamento, os emissários e a disposição final; • análise crítica do plano diretor de esgotamento sanitário, caso exista, quanto à atualidade e pertinência das propostas frente às demandas futuras; book_livro_tecnico.indb 109 109 Elaboração de Diagnóstico da Situação de Saneamento Básico de um Município: Algumas Recomendações • caracterização da cobertura e qualidade dos serviços, com a identificação das populações não atendidas e sujeitas a falta de água; regularidade e frequência do fornecimento de água, com identificação de áreas críticas; consumo per capita de água; qualidade da água tratada e distribuída à população; • avaliação quantitativa da disponibilidade de água dos mananciais e da oferta de água à população pelos sistemas existentes versus o consumo e a demanda atual e futura, preferencialmente, por áreas ou setores da sede municipal e localidades do município; • levantamento e avaliação das condições dos atuais e potenciais mananciais de abastecimento de água, quanto aos aspectos de proteção da bacia de contribuição (tipos de uso do solo, fontes de poluição, estado da cobertura vegetal, qualidade da água, ocupações por assentamentos humanos, etc.); • análise crítica do plano diretor de abastecimento de água, caso exista, quanto à sua atualidade e pertinência, frente às demandas futuras; • descrição e avaliação dos sistemas de abastecimento de água existentes no município, quanto à captação, elevação, adução, tratamento, reservação, rede de distribuição e ligações prediais, nos aspectos relacionados às capacidades de atendimento frente à demanda e ao estado das estruturas. Recomenda-se o uso de textos, mapas, esquemas, fluxogramas, fotografias e planilhas, com a apresentação da visão geral do sistema; • caracterização da prestação dos serviços por meio de indicadores técnicos, operacionais e financeiros, relativos a: receitas, custos, despesas, tarifas, número de ligações, inadimplência de usuários, eficiência comercial e operacional, uso de energia elétrica e outros (referência: SNIS). 20/07/2011 17:32:12 • análise dos processos e resultados do monitoramento da quantidade e qualidade dos efluentes; • avaliação das condições dos corpos receptores; • caracterização da prestação dos serviços por meio de indicadores técnicos, operacionais e financeiros, relativos a: receitas, custos, despesas, tarifas, número de ligações, inadimplência de usuários, eficiência comercial e operacional, uso de energia elétrica e outros (referência: SNIS); • indicação de áreas de risco de contaminação por esgotos no município. 6.5 Situação dos serviços de manejo de resíduos sólidos e limpeza urbana Tal componente do diagnóstico deverá contemplar as seguintes informações: 110 • caracterização do atendimento e identificação da população ou áreas não atendidas pelo sistema público de manejo de resíduos sólidos e limpeza urbana, para as condições atuais e futuras, quanto à população atendida (urbana e rural), tipo, regularidade e frequência dos serviços; • caracterização dos resíduos sólidos produzidos no município em termos de quantidade e qualidade. Incluir projeções de produção de resíduos para curto e médio prazo; • descrição e análise da situação dos sistemas de acondicionamento, coleta, transporte, tratamento e disposição final dos resíduos sólidos do município. • Analisar os serviços de varrição e serviços especiais (feiras, mercados, espaços públicos, praias, etc.). Incluir desenhos, fluxogramas, fotografias e planilhas que permitam um perfeito entendimento dos sistemas em operação; • análise crítica da situação da gestão de manejo dos resíduos sólidos e limpeza urbana existentes, com análise de indicadores técnicos, operacionais e financeiros (a partir de indicadores do SNIS); • identificação das formas da coleta seletiva (cooperativas, associações e ‘carrinheiros’), quando existirem, quantificando-as e qualificando-as, inclusive quanto aos custos e viabilidade social e financeira; • inventário/análise da atuação dos catadores, nas ruas ou nos lixões, identificando seu potencial de organização; • análise da situação socioambiental dos sítios utilizados para a disposição final de resíduos sólidos do município. No caso da existência de catadores nos sítios, identificar a possibilidade de incorporá-los a projetos de reciclagem via cooperativas; • identificação de áreas de risco de poluição/contaminação por resíduos sólidos e as alterações ambientais causadas por depósitos de lixo urbano; • avaliação das soluções adotadas para a destinação dos resíduos de serviços de saúde e dos resíduos de construção e demolição. 6.6 Situação dos serviços de manejo de águas pluviais e drenagem urbana Quanto ao manejo das águas pluviais e drenagem urbana, o diagnóstico deverá estar em harmonia com os Planos Diretores Municipais e os Planos de Recursos Hídricos e de Bacias Hidrográficas. Devem ser adotados ou considerados os índices, parâmetros e normas em vigor, além de incluir: • análise crítica dos sistemas de manejo e drenagem das águas pluviais e das técnicas e tecnologias adotadas, quanto à sua atualidade e pertinência, em face dos novos pressupostos relacionados ao manejo das águas pluviais; • identificação de lacunas no atendimento pelo poder público, incluindo demandas de ações estruturais e não estruturais para o manejo das águas pluviais, com análise do sistema de drenagem existente quanto à sua cobertura, capacidade e estado das estruturas; • identificação das deficiências no sistema natural de drenagem, a partir de estudos hidrológicos; • análise das condições de operação e manutenção dos sistemas existentes; book_livro_tecnico.indb 110 20/07/2011 17:32:14 • estudo das características morfológicas e determinação de índices físicos (hidrografia, pluviometria, topografia e outros) para as bacias e microbacias, em especial das áreas urbanas; • caracterização e indicação cartográfica das áreas de risco de enchentes, inundações, escorregamentos, em especial para as áreas urbanas e, quando possível, destacando: hidrografia, pluviometria, topografia, características do solo, uso atual das terras, índices de impermeabilização e cobertura vegetal; • elaboração de cartas com zoneamento de riscos de enchentes para diferentes períodos de retorno; • análise dos processos erosivos e sedimentológicos e sua influência na degradação das bacias e nos riscos de enchentes, inundações e escorregamentos7. 6.7 Diagnóstico dos setores que têm inter-relação com o saneamento básico 6.7.1 Situação do desenvolvimento urbano e habitação Identificar e analisar, quando existentes, dados e informações subsidiárias e os objetivos e ações estruturantes do Plano Diretor com reflexo nas demandas e necessidades relativas ao saneamento básico, em particular nos seguintes aspectos: parâmetros de uso e ocupação do solo; definição do perímetro urbano da sede e dos distritos do município; definição das Zonas Especiais de Interesse Social – ZEIS; identificação da ocupação irregular em áreas de preservação permanente – APP urbanas; definições de zoneamento como: áreas de aplicação dos instrumentos de parcelamento e edificação compulsórios e áreas para investimento em habitação de interesse social e por meio do marcado imobiliário; e • identificação da situação fundiária e eixos de desenvolvimento da cidade, bem como de projetos de parcelamento e/ou urbanização. No campo da habitação, identificar e analisar, quanto ao reflexo nas demandas e necessidades em termos do saneamento básico, as seguintes informações do Plano Local de Habitação de Interesse Social, desde que já levantadas e formuladas: • organização institucional e objetivos do Plano e seus programas e ações; • quadro da oferta habitacional: identificação da oferta de moradias e solo urbanizado, principalmente quanto à disponibilidade de serviços de saneamento básico; as condições de acesso às modalidades de intervenção e financiamento habitacional; a disponibilidade do solo urbanizado para a população de baixa renda, especialmente as Zonas Especiais de Interesse Social – ZEIS; • necessidades habitacionais: caracterização da demanda por habitação e investimentos habitacionais, considerando as características sociais locais, o déficit habitacional quantitativo e qualitativo, a caracterização de assentamentos precários (favelas e afins) e outras; • análise das projeções do déficit habitacional: identificar e analisar impactos para as demandas de saneamento básico. 111 Elaboração de Diagnóstico da Situação de Saneamento Básico de um Município: Algumas Recomendações • • • • • Consultar: Mapeamento de Riscos em Encostas e Margem de Rios (publicação). Secretaria Nacional de Programas Urbanos do Ministério das Cidades (www.cidades.gov.br). book_livro_tecnico.indb 111 20/07/2011 17:32:16 6.7.2 Situação ambiental e de recursos hídricos O diagnóstico deve adotar uma abordagem sistêmica com informações e dados físicos, descrição e análise dos recursos ambientais e suas interações com os aspectos socioeconômicos, a partir de dados secundários ou dos Planos de Bacia Hidrográfica, sempre que existirem, recomendando-se incluir: 112 • caracterização geral e delimitação das bacias hidrográficas onde o município estiver inserido, quanto ao meio físico e natural, ao subsolo e ao clima, destacando a topografia, os tipos e usos do solo, os corpos d’água e o regime hidrológico; a cobertura vegetal, a situação de preservação e proteção dos mananciais superficiais e águas subterrâneas, áreas de recarga e de afloramento de aquíferos, etc.; • caracterização geral dos ecossistemas naturais, preferencialmente por bacia hidrográfica, destacando, caso existam, indicadores da qualidade ambiental e as áreas de preservação permanente; • situação e perspectivas dos usos e da oferta de água em bacias de utilização potencial para suprimento humano e lançamento de resíduos líquidos e sólidos de sistemas de saneamento básico, do ponto de vista quantitativo e qualitativo, com enfoque para: a possibilidade de utilização dos recursos hídricos para o atendimento das demandas presentes e futuras para prestação dos serviços públicos de saneamento básico, em função da previsão do aumento da demanda por esses recursos; a identificação de condições de degradação por lançamento de resíduos líquidos e sólidos; e a verificação de situações de escassez; • identificação das condições de gestão dos recursos hídricos quanto: ao domínio das águas superficiais e subterrâneas (União ou estados); à situação da gestão dos recursos hídricos da(s) bacia(s) do município; à existência e atuação de comitês de bacia e de agência de bacia; ao enquadramento dos corpos d’água; à implementação da outorga e da cobrança pelo uso da água; aos instrumentos de proteção de mananciais; aos programas e ações previstas, inclusive no Plano de Bacia, caso exista, e de interesse do Plano de Saneamento Básico; à disponibilidade de recursos financeiros para investimentos em saneamento básico; e situação do plano de bacia hidrográfica quanto à existência e sua atualização; • identificação de relações de dependência entre a sociedade local e os recursos ambientais, incluindo o uso da água. 6.7.3 Situação da saúde O diagnóstico da situação de saúde da população deverá abordar a perspectiva do saneamento básico como promoção e prevenção de enfermidades. Para tanto, deverão ser levantadas as seguintes informações: • morbidade por doenças relacionadas com a falta de saneamento básico, mais especificamente, as doenças infecciosas e parasitárias (Capítulo I, do CID-10), conforme lista apresentada no Quadro 5; • estado nutricional de crianças menores de quatro anos; • diarreia aguda em crianças menores de quatro anos; • existência e análise do Programa Saúde da Família; • existência e análise de programa de educação sanitária e ambiental; • existência e análise de programa de assistência social. book_livro_tecnico.indb 112 20/07/2011 17:32:18 Quadro 5 - Morbidade Hospitalar do SUS - CID-10. Capítulo I Código Descrição Cólera 2 Febres tifoide e paratifoide 4 Amebíase (em crianças de 7 a 14 anos) 5 Diarreia e gastroenterite de origem infecciosa presumível (em crianças menores de 4 anos) 018.1 Leptospirose icterohemorrágica 018.2 Outras formas de leptospirose 018.3 Leptospirose não especificada Febre amarela 032.1 Dengue [dengue clássico] 032.2 Febre hemorrágica devida ao vírus da dengue 37 Hepatite aguda A 43 Malária 45 Tripanossomíase (em crianças entre 7 e 14 anos) 46 Esquistossomose (em crianças entre 7 e 14 anos) 52 Ancilostomíase (em crianças entre 7 e 14 anos) 113 Essas informações devem ser analisadas objetivando verificar o impacto das condições de saneamento básico na qualidade de vida da população. As áreas de risco devem ser devidamente identificadas. Deve-se buscar, ainda, a identificação dos fatores causais das enfermidades e suas relações com as deficiências detectadas na prestação dos serviços de saneamento básico, bem como as suas consequências para o desenvolvimento econômico e social. Devem ser analisadas as políticas locais de saúde e sua relação com o saneamento básico, incluindo as condições de participação do setor saúde na formulação da política e da execução das ações de saneamento básico, conforme prevê o inciso IV, do art. 200 da Constituição Federal e a Lei nº 8.080/1990. book_livro_tecnico.indb 113 Elaboração de Diagnóstico da Situação de Saneamento Básico de um Município: Algumas Recomendações 31 20/07/2011 17:32:20 8 7. ESCOPO BÁSICO DE UM DIAGNÓSTICO O Relatório Final do Diagnóstico da Prestação dos Serviços de Saneamento Básico deve apresentar a consolidação dos resultados dos estudos, devendo conter a caracterização e avaliação da situação de salubridade ambiental do município por meio de indicadores sanitários, de saúde, ambientais e econômicos, indicando os fatores causais e suas relações com as deficiências detectadas, bem como as suas consequências para o desenvolvimento econômico e social. Deve também apresentar uma análise da gestão dos serviços (planejamento, prestação dos serviços, regulação, fiscalização e controle social), a partir dos estudos desenvolvidos, entrevistas realizadas, dados de campo, indicadores técnicos, operacionais e financeiros, entre outros. Sugere-se o seguinte escopo para o Relatório: 114 1. Introdução 2. Objetivos 2.1. Metodologia utilizada na realização do diagnóstico 3. Princípios e diretrizes gerais 4. Caracterização do município (localização, população/localidades, características, social, econômica, cultural e inserção regional) 5. Caracterização do ambiente 5.1. Topografia, solo, hidrografia e hidrologia local, uso e ocupação do solo (cobertura vegetal, assentamento, atividades, grau de impermeabilização, processos de erosão/assoreamento, riscos de enchentes, alagamentos e escorregamentos, etc.) 5.2. Mananciais de suprimento de água 5.3. Caracterização dos resíduos sólidos e esgotos sanitários 6. A prestação dos serviços de saneamento básico 6.1. Aspectos legais, políticos, institucionais e de gestão dos serviços 6.1.1. Aspectos legais 6.1.2. Aspectos políticos e institucionais 6.1.3. Planejamento 6.1.4. Regulação e fiscalização 6.1.5. Ações intersetoriais. 6.1.6. Participação e controle social 6.1.7. Educação ambiental das ações de saneamento básico 6.2. Situação dos serviços de saneamento básico 6.2.1. Atendimento da população, por tipo de serviço, acesso, qualidade, regularidade e segurança da prestação dos serviços 6.2.2. Análise dos sistemas de saneamento básico existentes 6.2.3. Tipo e condições da prestação dos serviços de saneamento básico (modelo de prestação dos serviços, contratos de delegação e indicadores técnicos, operacionais e financeiros) 6.2.4. Impactos na saúde, na cidadania e nos recursos naturais (com enfoque para a poluição ambiental e dos recursos hídricos) 8 A partir do Termo de Referência do Ministério das Cidades de Apoio à Elaboração de Planos Municipais e Regionais de Saneamento Básico (MCIDADES, 2008). book_livro_tecnico.indb 114 20/07/2011 17:32:21 8. REFERÊNCIAS BORJA, P. C. Política de Saneamento, Instituições Financeiras Internacionais e Mega-programas: Um olhar através do Programa Bahia Azul. 2004. 400f. Tese (Doutorado em Urbanismo) – Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal da Bahia, Salvador. BORJA, Patrícia Campos; DIAS, Marion Cunha; ÁLVARES, Maria Lúcia; LOUREIRO, Aline Linhares; SILVA, Ricardo Macedo Lula; DIAS NETO, Antônio Alves; CRUZ, Cristiane Santana; SANTANA, Rejane de Almeida; CRUZ, Franciane e GOMES, Fábio Soares. Avaliação Quali-Quantitativa dos Serviços de Saneamento da Cidade do Salvador. Salvador: MEAU-UFBA/FUNASA, 2003. Relatório Final da Pesquisa “Uso de Indicadores Quali-quantitativos para a Avaliação dos Serviços de Saneamento da Cidade do Salvador”. Não publicado. BORJA, P. C. Avaliação da Qualidade Ambiental Urbana - Uma Contribuição Metodológica. 230f. 1997. Dissertação (Mestrado em Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura, Universidade Federal da Bahia, Salvador. BRASIL. Decreto nº 6.017, de 17 de Janeiro de 2007. Regulamenta a Lei nº 11.107. Brasília (DF): Diário Oficial da União, 2007b. MINISTÉRIO DAS CIDADES. Termo de Referência do Ministério das Cidades de Apoio à Elaboração de Planos Municipais e Regionais de Saneamento Básico. Brasília: MCIDADES, 2008. Organizado por João Carlos Machado. book_livro_tecnico.indb 115 115 Elaboração de Diagnóstico da Situação de Saneamento Básico de um Município: Algumas Recomendações BRASIL. Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007. Estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico e para a política federal de saneamento básico. Brasília: Diário Oficial da União, 2007a. 20/07/2011 17:32:23 book_livro_tecnico.indb 116 20/07/2011 17:32:23 PEÇA TÉCNICA N 3 o book_livro_tecnico.indb 117 Participação Social para a Elaboração de Plano Municipal de Saneamento Básico Patrícia Campos Borja Hermelinda Rocha 20/07/2011 17:32:44 Revisado e atualizado por: Clênio Argolo João Batista Peixoto João Carlos Machado Tatiana Santana Timóteo Pereira Alexandre Araújo Godeiro Carlos Otávio Silveira Gravina Gabriella Pereira Giacomazzo Brasília - 2011 book_livro_tecnico.indb 118 20/07/2011 17:32:44 SUMÁRIO Apresentação................................................................................................................................................................121 2. Quais são os limites e possibilidades da participação................................................................................................127 3. O que a Lei do Saneamento Básico estabelece quanto à participação social.........................................................130 4. Como promover a participação, a mobilização e a comunicação social................................................................132 5. Referências................................................................................................................................................................136 book_livro_tecnico.indb 119 119 POLÍTICA E PLANO MUNICIPAL DE SANEAMENTO AMBIENTAL 1. O que é participação social.........................................................................................................................................123 20/07/2011 17:33:17 book_livro_tecnico.indb 120 20/07/2011 17:33:17 APRESENTAÇÃO A presente Peça Técnica visa abordar temas considerados relevantes para a promoção da participação e o controle social na concepção, formulação e avaliação de políticas públicas de saneamento no Brasil, conforme previsto na Lei nº 11.445/2007. Participação Social para a Elaboração de Plano Municipal de Saneamento Básico 121 book_livro_tecnico.indb 121 20/07/2011 17:33:46 book_livro_tecnico.indb 122 20/07/2011 17:33:46 1. O QUE É PARTICIPAÇÃO SOCIAL A participação faz parte do cotidiano das relações sociais. No plano coletivo, a participação é uma realidade desde que existem grupos sociais. Todas as mobilizações e movimentos sociais são formas de participação (CARVALHO, 1998). Porém, o conceito de participação é influenciado por concepções de mundo, sendo carregado de conteúdo ideológico (TEIXEIRA, 2001). A participação é vista e colocada em prática de diversas maneiras e sentidos a partir de cada concepção de mundo e ator social. Pode significar legitimação de práticas, se constituir em ação manipuladora ou, ainda, representar o caminho para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. No Brasil, de tradição autoritária e excludente, a participação social tem sido uma conquista. Na história do país, é possível identificar diversas fases da participação social, desde as primeiras resistências indígenas e negras, passando pelos movimentos camponeses, como Canudos, pelas lutas abolicionistas e da Independência, pelas revoltas urbanas, chegando até ao movimento operário, camponês e urbano dos anos 1980 e 1990 (CARVALHO, 1998). Foi na década de 1970, durante a ditadura, que emergiu um pujante movimento social que passou a ser intitulado “novos movimentos sociais” (SADER, 1988). Esse movimento foi marcado pela criação de espaços de ação política. Na supressão da possibilidade da participação pela via institucional, o cotidiano, o local de moradia, a periferia, o gênero e a raça tornam-se espaços privilegiados da ação política, sendo ocupados por sujeitos de identidades e formas de atuação diferentes daquelas do sindicato e do partido político (CARVALHO, 1998). Esse movimento contribuiu para que o Brasil promulgasse a Constituição Brasileira de 1988, conhecida como Constituição Cidadã. Gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano (inciso II, do art. 2º, do Capítulo 1, BRASIL, 2001, p. 259). Essas práticas têm ampliado os espaços de participação social e, consequentemente, a esfera pública no Estado brasileiro, o que tem contribuído para a definição de políticas mais voltadas para as demandas sociais. Para Carvalho (1998), a articulação da democracia representativa com os espaços institucionais de gestão participativa tem contribuído para desprivatizar a gestão pública, alterando os arranjos institucionais formadores de políticas, marcado pelo clientelismo, corrupção, privilégios de grupos de interesse, proporcionando, desta forma, a democratização das políticas sociais. book_livro_tecnico.indb 123 123 Participação Social para a Elaboração de Plano Municipal de Saneamento Básico Nesse cenário, abre-se o espaço para a participação cidadã no campo das políticas públicas. Os movimentos sociais, além de reivindicarem a garantia do acesso aos direitos sociais já adquiridos, buscam ampliá-los e, além disso, avançam no sentido de participar da definição e gestão desses direitos; ou seja, seguem na direção de influenciar na definição das políticas públicas. Criam-se espaços institucionais para a participação e controle social das políticas públicas, estimulando-se a cogestão e a parceria. Um dos exemplos desse esforço são os conselhos instituídos por lei para a definição de políticas com participação de diversos segmentos da sociedade, podendo-se citar os Conselhos de Saúde; da Criança e da Adolescência; de Recursos Hídricos; do Meio Ambiente, dentre outros. O Orçamento Participativo também se caracteriza como uma prática de partilha de poder entre Estado e sociedade. No campo do urbano, o Estatuto da Cidade estabelece, dentre as diretrizes gerais da política urbana, a 20/07/2011 17:34:16 Mas, que participação deseja-se? Quais os níveis de participação realmente praticados? Responder a essas perguntas envolve discutir o conceito de participação. Para Gomes (2005), participar significa fazer parte de um grupo, tomar parte das decisões e ter parte do resultado. Também para esse autor, “a participação comunitária é um processo mediante o qual as diversas camadas sociais têm parte no planejamento, na produção, na gestão e no usufruto dos bens de uma comunidade”. Teixeira (2001) define participação cidadã como sendo um: (...) processo complexo e contraditório entre sociedade civil, Estado e mercado, em que os papéis se redefinem pelo fortalecimento dessa sociedade civil mediante a atuação organizada dos indivíduos, grupos e associações (idem, p. 20). Para Rodrigues e outros (2008), (...) a participação é um processo político e coletivo de tomada de decisão para a construção e exercício da autonomia, emancipação e empoderamento por meio do diálogo e cooperação (idem, p. 7). Nogueira (2004) classifica a participação em quatro grandes modalidades: 124 • Participação assistencialista, filantrópica ou solidária – existe com frequência entre os grupos mais pobres e marginalizados da sociedade como estratégia de sobrevivência. • Participação corporativa – relaciona-se aos interesses de um segmento ou categoria social específica, como, por exemplo, o sindicalismo moderno, cuja participação é, geralmente, motivada por lutas econômicas. • Participação eleitoral – é a ação política direta do cidadão na sua relação com o Estado, refere-se aos direitos políticos. • Participação política – relaciona-se diretamente com o Estado e dialoga com as formas de organização da sociedade. Formula novos consensos sociais, formaliza conquistas de direitos universais que afetam o conjunto de uma sociedade. Silva (2007) destaca a definição de Arnstein (1969), para quem a participação cidadã é “a redistribuição do poder que permite aos cidadãos atualmente excluídos dos processos econômicos e políticos serem ativamente incluídos no futuro” (idem, s/p). Medeiros e Borges (2007), ao citarem o trabalho de Arnstein (1969), relacionam os oitos degraus da participação (Quadro 1). ........(-) Níveis de participação (+) Quadro 1 – Degraus da participação cidadã. 8 Controle cidadão 7 Delegação de poder 6 Parceria 5 Pacificação 4 Consulta 3 Informação 2 Terapia 1 Manipulação Níveis de poder do cidadão Níveis de concessão mínima de poder Não participação Fonte: Medeiros e Borges (2007), citando Arnstein (1969). book_livro_tecnico.indb 124 20/07/2011 17:34:49 O Quadro 2 apresenta a descrição de cada degrau: Quadro 2 – Descrição das categorias dos degraus de participação cidadã. Degrau Descrição 1 Manipulação Tem como objetivo permitir que os detentores do poder possam educar as pessoas. Manifesta-se em conselhos nos quais os conselheiros não dispõem de informações, conhecimento e assessoria técnica independente necessários para tomarem decisões por conta própria. 2 Terapia Os técnicos de órgãos públicos se escondem atrás de conselhos e comitês participativos para não assumirem erros cometidos por eles e diluir a responsabilidade. 3 Informação Informar as pessoas sobre seus direitos, responsabilidades e opções. Entretanto, trata-se de um fluxo de informação somente de cima para baixo. 4 Consulta Caracteriza-se por pesquisas de participação, reuniões de vizinhança, entre outros. Serve somente como fachada, não apresentando implicação prática. 5 Pacificação O cidadão começa a ter certo grau de influência nas decisões, podendo participar dos processos decisórios, contudo, não existe a obrigação dos tomadores de decisão de levar em conta o que ouviram. 6 Parceria Poder distribuído por uma negociação entre os cidadãos e detentores do poder. O planejamento e as decisões são divididos em comitês. 7 Delegação de poder Cidadãos ocupando a maioria dos assentos nos comitês, com poder delegado para tomar decisões. Aqui, os cidadãos têm poder sobre as contas da política pública. 8 Controle do cidadão Cidadãos responsáveis pelo planejamento, pela política, assumindo a gestão em sua totalidade. Por planejamento entende-se o cálculo que precede e preside a ação. Fonte: Medeiros e Borges (2007). book_livro_tecnico.indb 125 125 Participação Social para a Elaboração de Plano Municipal de Saneamento Básico No 20/07/2011 17:35:19 Ao observar os degraus, pode-se perceber que no Brasil os níveis de participação podem variar do 1º degrau – manipulação – até o 6º – parceria –, podendo, em alguns casos, atingir o 7º degrau – delegação de poder. O nível de participação em conselhos instituídos por lei pode se situar no 5º degrau – pacificação –, quando essa instância é consultiva, ou no 7º – delegação de poder –, quando esse colegiado tem o caráter deliberativo. No campo do saneamento, quando a Lei nº 11.445/2007 define o controle social como um princípio fundamental da política nacional de saneamento básico, situa os níveis de participação nos 6º e 7º degraus. No Guia para a Elaboração de Planos Municipais de Saneamento – PMS (MCIDADES, 2005) são apresentados seis níveis de participação que variam em função do grau de envolvimento da comunidade na elaboração do PMS, conforme apresentado no Quadro 3. Quadro 3 – Níveis de participação segundo o para a Elaboração de Planos Municipais de Saneamento. Nível 0 Nenhuma 1 A comunidade recebe informação 126 Descrição A comunidade não participa na elaboração e no acompanhamento do PMS. A comunidade é informada do PMS e espera-se a sua conformidade. 2 A comunidade é consultada Para promover o PMS, a administração busca apoios que facilitem sua aceitação e o cumprimento das formalidades que permitam sua aprovação. 3 A comunidade opina A Administração apresenta o PMS já elaborado à comunidade e a convida para que seja questionado, esperando modifica-lo só no estritamente necessário. 4 Elaboração conjunta A Administração apresenta à comunidade uma primeira versão do PMS aberta, a ser modificada, esperando que o seja em certa medida. 5 A comunidade tem poder delegado para elaborar A Administração apresenta a informação à comunidade junto com um contexto de soluções possíveis, convidando-a a tomar decisões que possam ser incorporadas ao PMS. 6 A comunidade controla o processo A Administração procura a comunidade para que esta diagnostique a situação e tome decisões sobre objetivos a alcançar no PMS. Fonte: MCIDADES, 2005. book_livro_tecnico.indb 126 20/07/2011 17:35:49 2. QUAIS SÃO OS LIMITES E POSSIBILIDADES DA PARTICIPAÇÃO Segundo Toro e Werneck (2004), a mobilização social se concretiza quando os gestos, as crenças e as informações se consolidam, se propagam, se multiplicam e geram ações que concorrem diretamente para os objetivos, em função dos quais está sendo proposta a mobilização. Para tal, todos os envolvidos no processo de mobilização necessitam estar imbuídos por dois atos: a emoção e a razão. Toro costuma dizer que mobilizar é convocar vontades. Nesse aspecto, participar de um processo de mobilização é um ato de paixão, contudo, alerta que também é um ato de razão, na mediada em que consciências, e não somente vontades, devem ser mobilizadas. Portanto, é necessário que as pessoas saibam por que e para que participam. Conforme Lino (2008), para a efetivação de processos de mobilização são necessários três elementos fundamentais integrantes de todo movimento social: o empoderamento, a irradiação e a convergência. O empoderamento é a base de todo processo de mobilização social. Empoderar significa promover a iniciativa e a participação das pessoas. A irradiação é uma ideia fundamental que significa: • abrangência quantitativa, na qual cada vez mais pessoas despertem para o exercício da participação social, estando quantidade vinculada à qualidade, visto que as pessoas envolvidas não só devem fazer parte, mas ser parte, de forma compreender o processo e participar criticamente das decisões; • pluralidade, ou seja, a sociedade é composta por pessoas e segmentos diferentes, portanto, é necessário considerar envolver tais diferenças e os diversos setores, faixas etárias, etnias e gênero; • organização social – o aumento e a diversidade de participantes fortalecem os processos mobilizatórios. Nesse caso, criação de fóruns e redes pode contribuir para promover os processos organizativos (LINO, 2008). a a e a O outro elemento é a convergência: considerando a diversidade dos atores envolvidos em processos de mobilização, é fundamental que as pessoas, apesar de suas diferenças, sejam capazes de definir e perseguir objetivos coletivos (LINO, 2008). Com base nos elementos observados, a mobilização social é definida como um processo educativo que promove a participação (empoderamento) de muitas e diferentes pessoas (irradiação) em torno de um propósito comum (convergência). Considerando o contexto de processos democráticos, a participação na gestão pública, segundo Jacobi (1999), (...) se torna um meio fundamental de institucionalizar relações mais diretas, flexíveis e transparentes que reconheçam os direitos dos cidadãos, assim como de reforçar laços de solidariedade num contexto de pressão social e polarização política na direção de uma cidadania ativa que disponha dos instrumentos para o questionamento permanente da ordem estabelecida (p. 31). Os processos de participação na gestão da coisa pública, a exemplo da Política de Saneamento Básico, devem ser considerados desde a participação na discussão da formulação da Política até o controle e avaliação das ações governamentais. Para Borja (2004), a participação e o controle social constam dos princípios e diretrizes de uma política pública de saneamento, constituindo ponto fundamental para democratizar o processo de decisão e implementação das ações de saneamento. Para a instalação de tais práticas participativas, apresentam-se alguns limites e possibilidades a serem considerados que, segundo estudiosos do tema, encontram-se resumidos nos Boxes 1 e 2. book_livro_tecnico.indb 127 Participação Social para a Elaboração de Plano Municipal de Saneamento Básico 127 20/07/2011 17:36:20 Box 1 – Limites à participação social. • impossibilidade de dar respostas à totalidade dos problemas dos cidadãos excluídos que demandam justiça social; • descompasso entre o “tempo” para a promoção da participação e o tempo dos projetos; • falta de capacitação dos técnicos para processos participativos; • tradição autoritária e tecnicista da atuação do poder público; • fragilidades dos movimentos sociais quanto à representatividade e legitimidade das representações; • dificuldades de integração dos diversos movimentos em face da existência de diferentes concepções das políticas públicas; • dificuldades de qualificação técnica dos movimentos sociais para a qualificação do debate; • resistências tecnoburocráticas em que o saber técnico coloca dificuldades para estabelecer o diálogo com o saber popular; • existência de programas que exigem a participação, mas de forma restrita ou instrumental, não incorporando a participação ativa e crítica, com partilha de poder; • lógica clientelista que ainda prevalece na relação Estado e sociedade; • não adequação da burocracia estatal para a relação com grupos comunitários; • fragilidade de uma cultura da gestão da coisa pública, que se traduz no tratamento privado dado à coisa pública, de ambas as partes; • clientelismo e o corporativismo que ainda convivem com os novos espaços de democracia participativa; • falta de compartilhamento de um projeto político dos diversos atores sociais. 128 Apesar dessas e de muitas outras dificuldades e contradições, as experiências de participação social têm levado à construção de parâmetros públicos, procedimentos de transparência e regras de funcionamento que tencionam práticas corporativas, clientelistas e tecnocráticas. As experiências têm também permitido um aprendizado aos movimentos sociais quanto à incorporação de uma lógica mais universal e da totalidade da problemática social que pode contribuir para superar visões parcelares, assentadas em critérios de grupos de interesse – inclusive partidários –, abrindo espaço para processos geradores de transformações sociais. As possibilidades dos processos participativos podem ser vistas no Box 2. Box 2 – Possibilidades da participação social. • permite criar as condições para que a distribuição dos recursos públicos seja equânime; • possibilita o estabelecimento de regras de reciprocidade e de transformação sociocultural na dinâmica assimétrica que caracteriza as relações Estado e sociedade no Brasil, apontando para reforçar a existência de sujeitos-cidadãos que demandam um processamento político das suas demandas; • permite que os sujeitos-cidadãos influenciem diretamente na definição de diretrizes e na formulação de políticas públicas; • possibilita uma forma mais direta e cotidiana de contato entre os cidadãos e as instituições públicas, viabilizando, assim, a incorporação de seus interesses e concepções político-sociais no processo decisório; • proporciona a criação de espaços públicos democráticos e plurais de articulação e participação, nos quais os conflitos se tornem visíveis e as diferenças se confrontem, cedendo espaços no processo decisório e garantindo uma interação entre os grupos e o poder público; • contribui para a construção de novos hábitos, para neutralizar o clientelismo e aproximar o cidadão do processo decisório; • contribui para a formação de uma cidadania qualificada; • permite a construção de uma nova relação entre governantes e governados, proporcionando o conhecimento da máquina do Estado e seus limites, estimulando a construção de corresponsabilizacão; • abre espaço para a produção de negociações e consensos cada vez mais qualificados; • amplia e consolida uma cultura democrática, com métodos e procedimentos concretos que potencializam a gestão compartilhada da sociedade. book_livro_tecnico.indb 128 20/07/2011 17:36:50 Os limites e possibilidades para a participação social no país, em última instância, vinculam-se ao estágio da democracia brasileira, às relações entre sociedade, Estado e mercado e à capacidade dos movimentos sociais de disputar a hegemonia de projetos sociais. Participação Social para a Elaboração de Plano Municipal de Saneamento Básico 129 book_livro_tecnico.indb 129 20/07/2011 17:37:21 3. O QUE A LEI DO SANEAMENTO BÁSICO ESTABELECE QUANTO À PARTICIPAÇÃO SOCIAL A necessidade da participação e controle social na implementação de políticas públicas é uma reivindicação da sociedade brasileira desde a década de 1980. O fortalecimento dos movimentos sociais, a abertura política e a Constituição Cidadã abriram espaços para que a democracia brasileira avançasse para incorporar elementos da democracia direta. Embora ainda exista um longo caminho a percorrer, diversos mecanismos legais passaram a incorporar a participação social na elaboração de políticas públicas, a exemplo da Lei Orgânica da Saúde (Lei nº 8.080/1990), a Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei nº 9.433/1997) e o Estatuto das Cidades (Lei nº 10.257/2001). Na área de saneamento, a participação e o controle social também são reivindicações do início da década de 1980, quando das discussões em torno do Plano Nacional de Saneamento – Planasa. Naquele momento, desejavam-se mudanças substantivas na Política de Saneamento, principalmente quanto à ação centralizada nos governos federal e estadual e aleijamento da participação dos municípios e da sociedade. A Lei nº 11.445/2007 veio inaugurar uma nova fase da concepção e implementação de políticas de saneamento no Brasil, incorporando anseios sociais quanto a mudanças da relação Estado e sociedade na área de saneamento. Ao estabelecer as diretrizes nacionais para o saneamento básico, já no 2º art., a Lei nº 11.445/2007 registra a nova abordagem quanto à participação e controle social. No inciso X desse artigo, a Lei estabelece o controle social como um dos princípios fundamentais da prestação dos serviços públicos de saneamento básico. No inciso IV, do art. 3º, a lei define o controle social como sendo: (...) conjunto de mecanismos e procedimentos que garantem à sociedade informações, representações técnicas e participações nos processos de formulação de políticas, de planejamento e de avaliação relacionados aos serviços públicos de saneamento básico (BRASIL, 2007, p. 2). 130 Assim, a lei garante elementos fundamentais para a garantia da participação, a saber: o acesso à informação, a representação técnica e a participação na formulação, planejamento e avaliação das políticas de saneamento básico. A lei, ao tratar da formulação da política pública de saneamento básico, no seu art. 9º, estabelece a necessidade dos titulares fixarem os direitos e deveres dos usuários e os mecanismos de controle social. O Capítulo VIII da lei é dedicado à temática do controle social. No seu art. 47, é estabelecido que o controle social dos serviços públicos de saneamento básico poderá incluir a participação em órgãos colegiados de caráter consultivo, assegurada a representação: I - dos titulares dos serviços; II - de órgãos governamentais relacionados ao setor de saneamento básico; III - dos prestadores de serviços públicos de saneamento básico; IV - dos usuários de serviços de saneamento básico; V - de entidades técnicas, organizações da sociedade civil e de defesa do consumidor relacionadas ao setor de saneamento básico (BRASIL, 2007, p. 15p). Assim, os municípios e estados podem compor um conselho ou utilizar outro órgão colegiado existente para definir a política pública de saneamento, contando, para isso, com a representação de diversos segmentos da sociedade, o que inclui a sociedade book_livro_tecnico.indb 130 20/07/2011 17:37:50 civil organizada. Tal estratégia é usada em outras áreas da administração pública, como de meio ambiente, saúde, educação e recursos hídricos, e tem se mostrado importante nos processos de democratização das políticas públicas e na definição de políticas mais compatíveis com as realidades e demandas locais. Com relação à prestação dos serviços públicos de saneamento básico, a lei estabelece a necessidade da definição de mecanismos de controle social nas atividades de planejamento, regulação e fiscalização dos serviços (inciso V, do art. 11). A lei prevê, ainda, o controle social nas contratações de serviços públicos de saneamento. Como condição para a validade dos contratos de prestação de serviços, está prevista a realização prévia de audiência e consulta públicas (inciso IV, do art. 11). No que diz respeito ao planejamento, a Lei nº 11.445/2007 define que a prestação de serviços públicos de saneamento básico deve observar a um Plano de Saneamento Básico cuja elaboração deverá assegurar a (...) ampla divulgação das propostas dos planos de saneamento básico e dos estudos que as fundamentem, inclusive com a realização de audiências ou consultas públicas (§ 5º do art. 19 da lei, BRASIL, 2007, p. 8). No que diz respeito à regulação dos serviços públicos de saneamento, a lei prevê a elaboração de normas que deverão abranger, dentre outros itens: (...) padrões de atendimento ao público e mecanismos de participação e informação (inciso X do art. 23 da lei, BRASIL, 2007, p. 9). O controle social é um princípio fundamental da Lei de Saneamento Básico e deve ser garantido nas diversas funções de gestão dos serviços públicos de saneamento básico, a saber: no planejamento, na prestação dos serviços, na regulação e na fiscalização. Inegavelmente, a Lei nº 11.445/2007, fruto de intensos debates, veio a atender aos desejos da sociedade brasileira. Por um lado, é importante não minimizar os desafios para que esse desejo seja uma realidade. Diversos obstáculos estão postos, principalmente em função da tradição autoritária e tecnicista de fazer planejamento no Brasil e das relações patrimonialistas e clientelistas que o poder público tem tido com as populações. Por outro lado, as fragilidades dos movimentos sociais também são fatores limitadores para uma nova prática, democrática e participativa, de fazer saneamento no Brasil. book_livro_tecnico.indb 131 131 Participação Social para a Elaboração de Plano Municipal de Saneamento Básico Do exposto, o controle social, como um princípio fundamental da Lei de Saneamento Básico, deve ser garantido nas diversas funções de gestão dos serviços públicos de saneamento básico, ou seja: no planejamento, na prestação dos serviços, na regulação e na fiscalização. Para tanto, a lei prevê a necessidade do estabelecimento de normas e mecanismos para que este controle social se efetive. A lei define o direito ao acesso à informação; a necessidade da realização de consultas e audiências públicas como condição para a validade dos contratos e a divulgação dos estudos e das propostas do Plano de Saneamento Básico para discussão da sociedade. Além disso, os municípios e estados podem compor um Conselho ou utilizar outro existente para, dentre outras atribuições, proporcionar o controle social na elaboração, acompanhamento e avaliação das políticas, planos, programas e projetos. 20/07/2011 17:38:21 4. COMO PROMOVER A PARTICIPAÇÃO, A MOBILIZAÇÃO E A COMUNICAÇÃO SOCIAL No Brasil, a participação nos espaços de gestão de políticas públicas é um processo recente e em construção. No campo do saneamento, só em 2007, com a Lei Nacional do Saneamento Básico (Lei nº 11.455/2007) e o Programa de Educação Ambiental e Mobilização para o Saneamento – PEAMSS/2007 é que são delimitados os espaços de participação cidadã. Espera-se que esses mecanismos legais possam contribuir para a construção e a consolidação de uma cultura democrática e participativa, capazes de promover a geração de conhecimentos, habilidades e metodologias que possam se constituir em instrumentos suficientes para a promoção da democratização dos processos de decisão e, consequentemente, para a melhoria da qualidade de vida dos brasileiros. Essa nova fase da Política de Saneamento no Brasil imprime muitos desafios, principalmente o de garantir espaços democráticos de participação. Para tanto, os governos e a sociedade devem buscar identificar mecanismos para que a participação possa ser efetiva, afastando-se da prática comum de muitos governos de promover ações cartoriais e instrumentais para cumprir exigências do órgão financiador ou da legislação. Nesse caso, os processos participativos, as ações de mobilização social e instrumentos de comunicação devem ser promovidos, incentivados e valorizados, devendo, ainda, a participação ser compreendida como um processo contínuo, permanente, conflituoso e de longo prazo. A participação é um processo contínuo, permanente, conflituoso e de longo prazo. 132 Patrimonialismo é um conceito utilizado por Max Weber que visa associar a forma como a autoridade trata a coisa pública como se privada fosse. No Brasil, essa prática social das elites é marcada pela não demarcação entre a esfera pública e a privada. book_livro_tecnico.indb 132 20/07/2011 17:38:53 Os princípios contidos no PEAMSS podem guiar os processos de promoção da participação social, a saber: Box 3 – Princípios do PEAMSS para a promoção da participação social. • Transversalidade e intersetorialidade – por meio da cooperação e participação conjunta dos vários atores sociais e institucionais envolvidos. Deve ser abandonada a visão setorial e fragmentada presente no fazer do saneamento, para que a intersetorialidade e a transdisciplinaridade possa ser incorporadas. Deve-se, ainda, promover a integração das dimensões presentes na promoção da qualidade de vida e da saúde da população com as sanitárias. • Transparência e diálogo – o acesso à informação e a participação na definição de prioridades e rumos na gestão dos serviços e aplicação dos recursos são essenciais para a democratização das políticas públicas, uma vez que contribuem para o empoderamento dos sujeitos sociais nos processos de transformação e construção de uma sociedade de direitos, contribuindo para processos emancipatórios. Para o estabelecimento do diálogo, devem ser consideradas as especificidades regionais, étnicas, culturais, sociais e econômicas, de forma a promover a decodificação e a ressignificação dos conceitos e práticas sociais coletivas. • Emancipação e democracia – as ações devem ser pautadas de forma a estimular a reflexão crítica dos sujeitos sociais, fortalecendo sua autonomia, sua liberdade de expressão e contribuindo para a qualificação e ampliação de sua participação nas decisões políticas. • Tolerância e respeito – as ações de mobilização devem reconhecer a pluralidade e a diversidade nos meios natural, social, econômico e cultural. Devem ser respeitados os saberes, papéis, ritmos, valores e dinâmicas dos sujeitos envolvidos, buscando ampliar a participação e o acolhimento das diferenças, a fim de atribuir legitimidade aos consensos construídos coletivamente (BRASIL, 2007b). [...] a modernização dos instrumentos de gestão e articulação requer uma engenharia socioinstitucional complexa apoiada em processos educativos e pedagógicos para garantir aos diversos atores envolvidos, notadamente aos grupos sociais mais vulneráveis, condições de acesso às informações em torno dos serviços de saneamento ambiental e aos impactos dos problemas ambientais (JACOBI, 2002, p. 453). Nesse sentido, para a efetivação dos Planos Municipais de Saneamento Básico – PMSB mediante a promoção de práticas participativas e de ações de mobilização e comunicação social, é necessário investimento da instituição promotora com vistas à adoção de novas práticas que privilegiem o interesse coletivo acima do individual, assim como o desenvolvimento das ações relacionadas abaixo: • Realizar planejamento para organizar e pactuar os principais eixos, objetivos e recursos com os atores institucionais e sociais envolvidos. • Promover ações de sensibilização dos técnicos sobre a importância do PMSB e sua realização mediante metodologias participativas, assim como a necessidade de instrumentos de comunicação e informação de caráter democrático. • Buscar contemplar espaços já constituídos para a elaboração de outros planos, a exemplo do Plano Diretor, do Plano de Bacias Hidrográficas, Plano de Habitação, Mobilidade Urbana, Saúde e Educação. • Realizar investimentos para a qualificação/capacitação técnica, a exemplo da elaboração de convênios junto a instituições de ensino e pesquisa, podendo-se buscar apoio da Rede de Capacitação e Extensão Tecnológica em Saneamento Ambiental – book_livro_tecnico.indb 133 133 Participação Social para a Elaboração de Plano Municipal de Saneamento Básico Alguns desafios se colocam para a realização dos processos participativos no âmbito do saneamento, considerando os novos olhares e novos arcabouços político-jurídicos da atualidade resultantes da conquista de processos democráticos. Para a superação de tais desafios, Jacobi (2002) defende que 20/07/2011 17:39:25 134 ReCESA, além de materiais didáticos disponibilizados pelo MCidades. • Estimular a construção de parcerias baseadas na responsabilidade e poder compartilhado, com o real engajamento das partes envolvidas e não somente com a transferência de funções, muito frequente nos processos de terceirização, ocasionada pela ausência de quadros técnicos habilitados. • Realizar parcerias e patrocínios para a elaboração do PMSB com universidades, empresas públicas, ONGs, etc. • Realizar levantamento de metodologias em experiências de êxito para a realização do PMSB, adequando-as às realidades locais. • Elaborar e disponibilizar documentos e informações sistematizadas, construídas com linguagem acessível e clara para a maioria. • Identificar as redes sociais existentes no município: associações de moradores, igreja, rede escolar, etc. • Promover capacitação técnica e política com vistas à melhoria da capacidade de argumentação, de diálogo, de negociação e de construção de alianças com o objetivo de apropriar-se tanto de conhecimentos técnicos relativos às políticas públicas como dos trâmites administrativos que lhes são próprios mediante cursos, oficinas, seminários de capacitação, etc. na perspectiva de garantir o conhecimento sobre os conteúdos. • Estimular a disposição para o diálogo e a necessária tradução do saber técnico e saber popular por meio de reuniões sistemáticas, oficinas de trabalho, etc. • Capacitar o conjunto de atores a exercitar a prática da negociação, outra forma de lidar com o conflito, o “confronto propositivo”, capacitando-os para um novo papel propositivo e negociador, em face da rede complexa de atores e da diversidade dos agentes envolvidos é importante. • Qualificar agentes governamentais, contribuindo para fortalecer neles uma cultura democrática e participativa e a capacidade de implementar políticas inovadoras quanto à melhoria das condições de vida de toda a população e à democratização dos processos de gestão. • Potencializar as ações e as formas organizativas já existentes na sociedade e suas práticas democráticas e ampliadoras da cidadania com vistas a fortalecer e ampliar as possibilidades da participação social. • Descentralizar informações considerando que a informação clara e objetiva é a porta para a instalação de processos participativos, lembrando ainda que a acessibilidade também seja garantida pela valorização dos elementos da cultura das comunidades. • Estimular a participação também por meio de audiências públicas, atividades de consultas populares, como assembleias, fóruns, reuniões comunitárias, comissões de acompanhamento, por meio de atividades de capacitação e da participação em conferências e conselhos. • Considerar a dimensão educativa da participação, cuja ação requer um aprendizado individual e coletivo. Como tal, deve ser compreendida como processo do qual faz parte o elemento dinâmico imbuído de contradições e processos de lutas. • Promover ações intersetoriais buscando a interlocução entre as políticas públicas afins, no sentido de gerar um novo fazer coletivo, potencializando as práticas específicas dos atores institucionais e sociais em resposta à visão fragmentada dos serviços públicos no processo de urbanização. • Considerar as condições e realidades locais de forma a dar sentido de pertencimento. • Promover a ampla divulgação da programação das atividades do PMSB utilizando-se os meios de comunicação disponíveis na localidade, com linguagem clara e acessível (rádios, rádios comunitárias, jornais, panfletos, cartazes, faixas, mural, teatro, carro de som, etc.). • Uso de materiais didáticos regionalizados e/ou locais, considerando a identidade de cada município. • Utilizar outras linguagens, como: fotos e imagens para a reconstrução da situação atual e desejada, arte, música, resgate de histórias vividas, visitas em campo, entrevistas, pesquisas, dinâmicas lúdicas como elemento de sensibilização e facilitador da aprendizagem, etc., para facilitar a comunicação na fase de elaboração de diagnóstico para a construção do PMSB. book_livro_tecnico.indb 134 20/07/2011 17:39:59 • Estimular e viabilizar a inclusão de grupos específicos – mulheres, portadores de necessidades especiais mediante a utilização de instrumentos de comunicação em braile, linguagem de sinais e atividades recreativas para crianças. • Viabilizar as condições para a participação da população nas atividades previstas, em conformidade com as demandas levantadas (alimentação, transporte, etc.). • Estimular a população a participar desde a fase de preparação do diagnóstico (valorizando como a população percebe o problema), na definição de prioridades e alternativas de solução, assim como na discussão das propostas e aprovação do PMSB. Tais estratégias e as ferramentas adequadas de comunicação promovem a conexão entre as informações técnicas no âmbito do saneamento com o universo de comunicações e linguagens existentes no cotidiano do cidadão-usuário (NURENE, 2008). Participação Social para a Elaboração de Plano Municipal de Saneamento Básico 135 book_livro_tecnico.indb 135 20/07/2011 17:40:32 5. REFERÊNCIAS ARNSTEIN, S. R. A ladder of citizen participation. Journal of the American Planning Association, v. 35, n. 4, July. p. 216-224. 1969. BORJA, Patrícia C.; ELBACHÁ, Adma T. Política de Saneamento do Estado da Bahia: Uma avaliação crítica. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA SANITÁRIA E AMBIENTAL, 18., 1995, Salvador. Anais... Rio de Janeiro: ABES, 1995. BRASIL. Documento Oficial do PEAMSS. Disponível em: <www.cidades.gov.br/peamss>. Acesso em: abr/2008. CARVALHO, Maria do Carmo Albuquerque. Participação social no Brasil hoje. São Paulo: Instituto Polis, 1998. GOMES. Marcos Afonso Ortiz. 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São Paulo: Cortez, 2004. 136 NURENE-ReCESA Elaboração de planos de saneamento: guia do profissional em treinamento: nível 2. Salvador: ReCESA/MCIDADES, 2008. NURENE-ReCESA. Saneamento e educação ambiental: Guia do profissional em treinamento: nível 2. Salvador: ReCESA/MCIDADES, 2008. PAULA, Ana Paula Paes de. Experiências de parceria entre o Estado e as ONGs: uma alternativa para “reinventar” a gestão pública? 1998. Não publicado. RODRIGUES, Carmem Lúcia; MEIRA, Maria Lídia Romero; SOUZA, Amílcar Marcel de; OLIVEIRA, Renata Evangelista de. Desafios e estratégias voltados a promover a participação social na recuperação Florestal. Disponível em: <http://sigam.ambiente.sp.gov.br/ Sigam2/repositorio/126/documentos/carmem_lucia_rodrigues_esalq.pdf>.Acesso em: 20 de maio. 2008. SADER, Eder. Quando novos personagens entraram em cena. Rio de Janeiro: Paz e Terra,1988. SILVA, Eridiane Lopes da. 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Esgotamento Sanitário: Tendências Tecnológicas Atuais.................................................................................................154 4. Drenagem e Manejo das Águas Pluviais: Tendências Tecnológicas Atuais.....................................................................161 5. Manejo de Resíduos Sólidos e Limpeza Pública: Tendências Tecnológicas Atuais........................................................165 6. Saneamento Integrado......................................................................................................................................................175 7. Referências........................................................................................................................................................................181 NOVOS PARADIGMAS TECNOLÓGICOS PARA A CONCEPÇÃO DE PROJETOS 1. Das Tecnologias Convencionais às Tecnologias Apropriadas...........................................................................................143 139 book_livro_tecnico.indb 139 20/07/2011 17:41:07 book_livro_tecnico.indb 140 20/07/2011 17:41:07 APRESENTAÇÃO O texto aborda aspectos conceituais das tecnologias apropriadas e as tendências tecnológicas atuais para os quatro componentes do saneamento básico, a saber: abastecimento de água, esgotamento sanitário, drenagem e manejo das águas pluviais e limpeza pública e manejo de resíduos sólidos. Além disso, é feita uma abordagem sobre ações integradas de saneamento básico. NOVOS PARADIGMAS TECNOLÓGICOS PARA A CONCEPÇÃO DE PROJETOS Diante da necessidade de estimular o uso de tecnologias apropriadas às realidades locais, conforme previsão da Lei nº 11.445/2007, que institui a Política Nacional de Saneamento Básico do país, e da importância da incorporação de novos paradigmas tecnológicos nos processos de elaboração de Planos de Saneamento Básico, a presente Peça Técnica visa contribuir com esta temática. 141 book_livro_tecnico.indb 141 20/07/2011 17:41:09 book_livro_tecnico.indb 142 20/07/2011 17:41:09 O governo federal vem empreendendo diversas iniciativas para a reestruturação da ação do Estado no campo do saneamento básico. Além da criação do Ministério das Cidades e, na sua estrutura, da Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental, os investimentos foram retomados, e, finalmente, após duas décadas de discussões, o Congresso Nacional aprovou e o Presidente da República sancionou a Lei nº 11.445/2007, que estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico e para a política federal de saneamento básico do país (BRASIL, 2007). No âmbito da reestruturação do setor foi necessário criar condições para a capacitação dos recursos humanos, a partir de novos paradigmas tecnológicos e de gestão pública, com vistas a tornar a ação pública mais efetiva e articulada com pressupostos de nosso tempo. Na atualidade, capacitar um profissional no campo do saneamento envolve uma série de conteúdos que estão além da questão tecnológica, em seu sentido restrito. A complexidade da realidade contemporânea exige um profissional com perfil capaz de atuar a partir de uma abordagem interdisciplinar, pois, cada vez mais, a análise da realidade e a identificação de alternativas tecnológicas exigem um olhar que contemple diversas dimensões: sociais, culturais, institucionais, políticas, ambientais, etc. No campo da tecnologia, os novos paradigmas envolvem a adoção de tecnologias apropriadas à realidade local, como nos anos 1980, e, ainda, indutoras de novos comportamentos, em face dos padrões atuais de consumo de água e geração de resíduos líquidos e sólidos; ou seja, tecnologias que busquem privilegiar o controle na produção e distribuição; e na geração a minimização, o reúso e a reciclagem das águas e dos resíduos sólidos. Com essa abordagem, certamente, será necessário imprimir modificações profundas em termos de concepção de projeto. A Lei nº 11.445/2007, em seu art. 2º, estabelece a necessidade da adoção de métodos, técnicas e processos que considerem as peculiaridades locais e regionais, bem como, a utilização de tecnologias apropriadas, considerando a capacidade de pagamento dos usuários e a adoção de soluções graduais e progressivas (BRASIL, 2007). Assim, na atualidade, a adoção de novos paradigmas tecnológicos torna-se uma necessidade. NOVOS PARADIGMAS TECNOLÓGICOS PARA A CONCEPÇÃO DE PROJETOS 1. DAS TECNOLOGIAS CONVENCIONAIS ÀS TECNOLOGIAS APROPRIADAS 143 O uso de tecnologias apropriadas vem sendo estimulado em nível internacional desde a década de 1970, tanto pela Organização Mundial da Saúde – OMS, como pelo Banco Mundial – BIRD. No Brasil, o estímulo à adoção dessas tecnologias se inicia na década de 1980. Naquele momento, as discussões e as críticas às tecnologias denominadas “convencionais” começam a tomar corpo, tanto em termos dos custos de implantação, operação e manutenção, como também quanto a sua adequação às diferentes realidades socioambientais e culturais. A tecnologia apropriada [...] é aquela que permite atender às comunidades com serviços de saneamento em condições sanitárias seguras e eficientes, que seja aceita pelas comunidades e que contemple aspectos construtivos, operacionais e de custos compatíveis com as características socioeconômicas, ambientais e culturais das respectivas comunidades (ENNES, 1989, p. 14). book_livro_tecnico.indb 143 20/07/2011 17:41:11 Para uma tecnologia ser considerada apropriada alguns critérios devem ser atendidos, conforme apresentado no Quadro 1. Quadro 1 – Critérios de caracterização de tecnologias apropriadas. Critérios 144 Conceitos Integração com o ecossistema Deve exercer o menor impacto ambiental e favorecer a integração com o ecossistema. Desenvolvimento econômico e autonomia local Utilizar, preferencialmente, matérias-primas e energias locais, favorecendo a autonomia e o desenvolvimento econômico local, e sua inserção equilibrada na economia regional e nacional. Baixo custo Ter uma ótima relação custo/benefício, com a menor imobilização possível de capital e o menor custo operacional. Absorvedora de mão de obra Privilegiar e absorver o máximo possível de mão de obra local, regional e nacional, nesta ordem, visando ao desenvolvimento socioeconômico sustentável – geração de renda, combate e erradicação da pobreza. Capacitação acessível Requer níveis de especialização da mão de obra com boa disponibilidade e/ou de fácil capacitação, no nível local ou regional, considerando os recursos disponíveis. Menos burocracia Utilizar recursos tecnológicos/conhecimentos de domínio público de acesso livre e gratuito (livres de patentes ou royalties). Adaptabilidade e simplicidade Deve ser de fácil entendimento e absorção, sendo assimilada culturalmente com rapidez. Fonte: adaptado de VIEZZER, 1994; CODETEC, 1979. Com os avanços da degradação ambiental e a constatação da escassez dos recursos, principalmente da água, novas concepções passam a ser incorporadas, como, por exemplo, a não geração, a redução, o reúso e a reciclagem dos resíduos líquidos e sólidos, além do tratamento e o destino final adequado. Preocupações como: os impactos ambientais das tecnologias implantadas; a maximização da eficiência energética dos projetos; a capacidade institucional e técnica dos gestores em implantar, operar e manter os sistemas projetados, entre outros, passam a compor o elenco de variáveis para a adoção de tecnologias apropriadas às realidades locais. No mesmo sentido, o processo de democratização e a ampliação da participação cidadã na gestão pública têm impulsionado a participação social na seleção das tecnologias. Nessa perspectiva, a adoção de tecnologias apropriadas assume papel estratégico para a garantia da efetividade, eficiência e a eficácia das ações implementadas. Esse objetivo, no entanto, enfrenta o grande desafio de demover a resistência de certos setores da sociedade, da comunidade técnica e dos gestores em realizar alterações nos padrões tecnológicos vigentes, em razão de interesses econômicos, corporativos ou de conservadorismo cultural (medo de enfrentar mudanças), e até mesmo a manutenção do poder político. Contudo, o desafio mais relevante e que deve orientar as políticas públicas é o de empreender esforços para a reversão do quadro sanitário do País, o qual depende da adoção de tecnologias compatíveis com as realidades sociais, culturais, econômicas, financeiras, institucionais, legais e com a capacidade de pagamento dos usuários/cidadãos. book_livro_tecnico.indb 144 20/07/2011 17:41:13 A maior parte da superfície do planeta Terra é coberta por água. Porém, cerca de 97,5% dessa água é salgada e se encontra nos mares e oceanos. Os 2,5% que restam são de água doce e, destes, 69,5% se encontram em geleiras e icebergs; 30,1% em águas subterrâneas; e 0,4% na superfície (CLARKE e KING, 2005). A situação mais crítica em termos de disponibilidade hídrica acorre na África, seguida da Ásia. Em contrapartida, a população da América do Sul encontra-se em uma condição mais favorável com disponibilidade per capita de água de 38 m3/hab.-ano (MAIA NETO, 1997). A água é mal distribuída no planeta. O Oriente Médio e a África apresentam a situação mais crítica. A disponibilidade hídrica anual dessa região é de 1.000 m3/hab.-ano e cerca de 53% da população vive em situação de escassez, enquanto a América Latina e o Caribe possuem uma situação mais privilegiada. Nessa região, menos de 1% da população vive em condições de escassez. A escassez hídrica já atinge a Arábia Saudita, Argélia, Barbados, Bélgica, Bumndi, Cabo Verde, Cingapura, Egito, Israel, Jordânia, Kuwait, Líbia, Tailândia, e futuramente, poderá atingir Estados Unidos, Etiópia, China, Hungria, Índia, México, Síria e Turquia (MAIA NETO, 1997). Assim, apesar da quantidade de água doce ser suficiente para suprir as necessidades das formas de vida, a sua distribuição não uniforme em torno do globo, bem como a má gestão, impõem, para algumas regiões e segmentos sociais, situações de escassez e sede. A escassez de água vem ocorrendo por diversos fatores como, por exemplo: poluição dos mananciais por resíduos líquidos e sólidos; uso indiscriminado de agrotóxicos e fertilizantes; emissão de poluentes atmosféricos; desmatamento e aceleração de processos erosivos e da desertificação; assoreamento de corpos d´água ampliando a evaporação de rios e lagos; impermeabilização do solo, aumentando o escoamento superficial e diminuindo a recarga dos aquíferos subterrâneos; má gestão dos recursos hídricos, entre outros. Nos centros urbanos, a ausência ou deficiência de saneamento têm determinado a poluição dos rios e o comprometimento da qualidade e quantidade de água disponível para os diversos usos. No cenário mundial a situação do Brasil, com relação à disponibilidade hídrica, é das mais confortáveis. O país detém 12% da água doce do mundo (REBOUÇAS, BRAGA e TUNDISI, 1999). Essa disponibilidade coloca desafios ainda maiores para o Brasil, no sentido de estabelecer políticas públicas que venham regular, de forma soberana, o uso desse recurso cada vez mais escasso. Embora o país desponte entre os que detêm maior disponibilidade hídrica, a distribuição espacial desse recurso é desigual e sofre um descompasso em relação à demanda da população. Enquanto o maior potencial hídrico brasileiro encontra-se na região Norte, em torno de 502.338 m3/hab.-ano, esta região possui a menor demanda, pois abriga apenas 7,6% da população brasileira. Situação oposta é observada na região Sudeste, onde o potencial hídrico é de 4.606 m3/hab.-ano e a população corresponde a aproximadamente 44,5% da população do país, com uma demanda total de 436 m3/hab.ano. A situação mais desconfortável, em termos de potencial hídrico e demanda da população, está na região Nordeste, principalmente nos estados de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Sergipe. No entanto, em nenhum estado brasileiro existe escassez de água (MORAES, 2002, a partir de MAIA NETO, 1997 e IBGE-CENSO 2000). NOVOS PARADIGMAS TECNOLÓGICOS PARA A CONCEPÇÃO DE PROJETOS 2. ABASTECIMENTO DE ÁGUA: TENDÊNCIAS TECNOLÓGICAS ATUAIS 145 Indicador de renovação hídrica: 1.700 m3/hab./ano (alerta de escassez); 1.000 m3/hab./ano (seca crónica); 500 m3/hab./ano (escassez absoluta) (FALKENMARK e WIDSTRAND, 1992). book_livro_tecnico.indb 145 20/07/2011 17:41:15 Porém, nos períodos de estiagem, no Semiárido nordestino e em algumas regiões ocorrem situações críticas de abastecimento, principalmente onde o uso da água é intenso, como na vizinhança das cidades médias e nas regiões metropolitanas (TUCCI, HESPANHOL, CORDEIRO NETTO, 2000). A perspectiva de escassez já é uma preocupação em Regiões Metropolitanas como a de Curitiba, Recife, São Paulo e Porto Alegre, no Vale do Rio Sinos. No caso de Curitiba, estudos realizados por Andreoli e outros (2000), evidenciam que, se mantida a disponibilidade hídrica atual, os mananciais disponíveis serão suficientes até o ano 2050, para o crescimento populacional mínimo estimado, e até 2040 para o crescimento máximo. A cidade do Recife sofre com a escassez de água há 20 anos, o que tem determinado a prática do racionamento pela Companhia Estadual de Água e Esgoto. Entre os usos da água, a agricultura brasileira é responsável pelo maior consumo (cerca de 70% do total), o restante é consumido igualmente entre o uso industrial e doméstico (HESPONHOL, 2003). Apesar da situação confortável de disponibilidade hídrica no país e da não existência de escassez, o acesso universal da população à água potável ainda é um grande desafio. Segundo dados da Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios do IBGE, em 2006 aproximadamente 18,3% da população total brasileira (ou cerca de 10% da população urbana) não tinha acesso à rede pública de água, totalizando 34.025.000 pessoas (IBGE, 2008a). Além desse contingente populacional excluído dos serviços públicos de água, o acesso ao abastecimento é desigual no país, em termos regionais e faixa de renda da população. Considerando a cobertura da população com rede pública de água, a situação mais crítica ocorre na região Norte, onde 44% da população total (31% da população urbana) não contava com esse serviço em 2006. No entanto, a pior situação foi constatada no Nordeste, uma vez que esta região detinha o maior contingente de brasileiros excluídos do acesso à rede de água, um total de 13.779.000 de habitantes. Ou seja, 41% dos excluídos ao acesso à rede pública de água no país vivia no Nordeste brasileiro em 2006 (Tabela 1). Tabela 1 – Percentual de moradores em domicílios particulares permanentes com rede geral de água, segundo regiões brasileiras. PNAD (2006). População (em 1.000) Total Urbana Rural Norte 15.016 11.347 3.670 População Total (em 1.000) 8.450 Nordeste 51.456 36.728 14.727 37.677 73,2 33.359 Sudeste 79.419 73.124 6.296 72.777 91,6 Sul 27.239 22.564 4.675 22.940 Centro-Oeste 13.226 11.429 1.797 Brasil 186.356 155.192 31.164 Regiões 146 Com rede geral de água População % Urbana (em % 1.000) 56,3 7.832 52,2 População Rural (em 1.000) 619 4,1 64,8 4.317 8,4 70.950 89,3 1.827 2,3 84,2 21.446 78,7 1.494 5,5 10.488 79,3 10.209 77,2 280 2,1 152.331 81,7 143.795 77,2 8.537 4,6 % Fonte: IBGE, 2008. Um total de 34.023.000 brasileiros, 22.628.000 na zona rural, usava outra forma de abastecimento, a exemplo de poços, rios, lagos, barreiros e, ainda águas de chuva reservadas em cisternas. Desses, 29.460.000 não possuíam canalização interna para transportar a água captada para o interior do domicílio, sendo que 13.106.000 viviam nas regiões Norte e Nordeste do país (Tabela 2). book_livro_tecnico.indb 146 20/07/2011 17:41:17 Tabela 2 – Percentual de moradores em domicílios particulares permanentes com outra forma de abastecimento, segundo regiões brasileiras. PNAD (2006). Outra forma de abastecimento População Total (em 1.000) Total Urbano Rural População (em 1.000) % População (em 1.000) % População (em 1.000) % Norte 15.016 6.566 43,7 3.516 23,4 3.051 20,3 Nordeste 51.456 13.779 26,8 3.369 6,6 10.410 20,2 Sudeste 79.419 6.643 8,4 2.174 2,7 4.469 5,6 Sul 27.239 4.298 15,8 1.117 4,1 3.180 11,7 Centro-Oeste 13.226 2.738 20,7 1.220 9,2 1.518 11,5 Brasil 186.356 34.023 18,3 11.395 6,1 22.628 12,1 Fonte: IBGE, 2008a. Ao se avaliar o acesso à rede de água entre os estados brasileiros, nota-se que Rondônia, Acre, Pará, Maranhão, Alagoas, Mato Grosso, Piauí, Amazonas, Amapá, Ceará, Pernambuco, Bahia, Paraíba, Santa Catarina e Goiás possuíam, em 2006, menos de 80% da população com esse serviço essencial. É importante notar que a maioria dos estados com essa condição está nas regiões Norte e Nordeste. Os maiores níveis de cobertura foram registrados nos estados de São Paulo, Sergipe, Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro, Paraná, Minas Gerais e no Distrito Federal. O estado que mais se aproximou da universalização dos serviços de água foi o de São Paulo, com cobertura de 96,2% da população (Figura 1). Figura 1 – Percentual de moradores em domicílios particulares permanentes com rede geral de água, segundo estados brasileiros. PNAD (2006). NOVOS PARADIGMAS TECNOLÓGICOS PARA A CONCEPÇÃO DE PROJETOS Brasil e Região Geográfica Fonte: IBGE, 2008a. Os dados revelam o grande desafio do Estado brasileiro para alcançar a universalidade no atendimento à população desse serviço tão essencial à vida. 147 book_livro_tecnico.indb 147 20/07/2011 17:41:19 O sistema convencional de abastecimento de água é composto pelas unidades de captação, adução, tratamento, reservação e distribuição. Esse sistema visa assegurar água potável em quantidade a toda população. A qualidade da água deve atender às normas e padrões definidos pela Portaria nº 518/2004 do Ministério da Saúde, em processo de revisão. Cabe aos prestadores dos serviços realizarem o controle da qualidade da água e aos serviços de Vigilância Sanitária e/ou Ambiental dos municípios, a vigilância da qualidade da água de consumo humano. Quanto à quantidade, o sanitarista Saturnino de Brito estimou o consumo per capita doméstico em, no mínimo, 80 litros por pessoa/dia (FSESP, 1981). De acordo com o SNIS (2008), o consumo de água em capitais brasileiras pode variar de 85,4 – Maceió/AL a 267 litros/habitante/dia – Vitória/ES (Ministério das Cidades, 2008a). Os problemas relacionados ao manejo e uso da água no Brasil têm exigido a necessidade de repensar a gestão dos recursos hídricos no sentido de garantir a preservação dos mananciais. Por outro lado, no campo do saneamento ambiental é urgente rever práticas de projeto, de operação dos sistemas de abastecimento de água e de hábitos relacionados à cultura do desperdício, com vistas a implementar uma nova cultura de manejo da água. Tal cultura relaciona-se com práticas de prevenção e conservação, que impõem mudanças de paradigmas técnicos e padrões culturais. 148 Dentre as medidas relacionadas à conservação da água pode-se destacar: • Adoção de programa de controle de perdas e de energia pelos prestadores dos serviços de abastecimento de água. Esse programa deve envolver a ampliação da macromedição e da micromedição, o controle de vazamentos e de pressões na rede de distribuição, a aferição e/ou substituição de hidrômetros, a setorização, o gerenciamento de consumidores, monitoramentos, entre outras medidas. • Revisão da estrutura tarifária visando garantir o consumo adequado para a saúde pública e desestimular altos consumos e desperdícios. • Estímulo ao uso de aparelhos e peças hidráulico-sanitários de baixo consumo, o que envolve o desenvolvimento de tecnologias que venham baratear tais equipamentos e a implementação de normas técnicas e de programas de educação sanitária e ambiental. • Estímulo às práticas de conservação em domicílios, como: conserto de vazamentos, desestímulo ao desperdício, uso de vaso com descarga de vazão reduzida, entre outros. • Adoção da medição individualizada em prédios e apartamentos, mediante alteração da legislação municipal pertinente (Código de Obras) e edição de normas técnicas adequadas. • Adoção de práticas de reciclagem e reúso de água. • Promoção de programas de educação sanitária e ambiental para uma nova cultura de manejo da água, mediante inclusão no currículo do ensino formal e ações voltadas para a população em geral, especialmente os beneficiários de novos projetos de saneamento básico. • Disseminação da prática de captação de água de chuva para usos menos nobres, inclusive em áreas urbanas e em espaços públicos e privados (estacionamentos, casas, condomínios horizontais e verticais), mediante alteração da legislação municipal pertinente (Código de Obras) e edição de normas técnicas adequadas. Recentemente, o Ministério das Cidades, por meio da Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental, desenvolveu o Projeto Demonstrativo Técnico e Institucional para o Gerenciamento Integrado de Perdas de Água e do Uso de Energia Elétrica em Sistemas de Abastecimento de Água, em dez municípios brasileiros, que passou a ser chamado de Projeto COM+ÁGUA (MCIDADES, 2008c). Acreditando que um modelo de gerenciamento de perdas de água e do uso de energia, contínuo e sustentável, deve fazer parte da rotina da gestão dos serviços de abastecimento de água, o COM+ÁGUA adota as técnicas mais atuais dando ênfase ao uso de ferramentas de balanço hídrico, modelagem hidráulica, cálculo do impacto das pressões, cadastro digitalizado, indicadores avançados com análise dos erros prováveis, entre outras. Com o mesmo objetivo, este projeto adota também a metodologia de planejamento e implementação de ações integradas e participativas, envolvendo os dirigentes e empregados de todas as áreas do prestador de serviços e a comunidade. O COM+ÁGUA utiliza um modelo síntese, mundialmente aceito para o controle e redução de perdas, que se baseia em 5 perguntas, conforme expresso na Figura 2. book_livro_tecnico.indb 148 20/07/2011 17:41:21 Fonte: IWA citado por MCIDADES, 2008c. Um dos maiores problemas relacionados ao manejo das águas refere-se ao desperdício. De acordo com dados do Sistema Nacional de Informação em Saneamento, em 2006, as perdas de água nos Sistemas de Abastecimento de Água – SAA no Brasil são da ordem de 33%, chegando a alcançar 86% em alguns municípios brasileiros (Ministério das Cidades, 2008a). A adoção de programas de controle de perdas consistentes e continuados torna-se uma necessidade inadiável e nem sempre exige ações de alto custo de implantação, possibilitando, inclusive, significativa economia de custos operacionais com as reduções das perdas, viabilizando financeiramente a adoção de medidas que exijam o uso de técnicas mais sofisticadas. Diversos estudos vêm demonstrando as possibilidades reais da adoção de novas práticas do uso da água. Viegas e outros (2006) ao estudarem as perdas de água e de desperdício de energia elétrica no sistema de abastecimento de Rio Pardo, operado pela CORSAN, propõem os Planos de Ação de Redução de Perdas Reais e Aparentes, cujos fluxogramas podem ser vistos nas Figuras 3 e 4. NOVOS PARADIGMAS TECNOLÓGICOS PARA A CONCEPÇÃO DE PROJETOS Figura 2 – Requisitos para a redução consistente das perdas nos sistemas de abastecimento. Figura 3 – Diagrama de gerenciamento de perdas físicas de água. Gerenciamento e controle de pressão Perdas Reais Inevitáveis Qualidade e rapidez da manutenção Volume Anual de Perdas Reais Controle de vazamentos ativos Fonte: Viegas e outros, 2006. 149 Gerenciamento da infra-estrutura book_livro_tecnico.indb 149 20/07/2011 17:41:23 Figura 4 – Diagrama de gerenciamento de perdas aparentes de água Fonte: Viegas e outros, 2006. Gerenciamento e controle de pressão Perdas Reais Inevitáveis Qualidade e rapidez da manutenção Volume Anual de Perdas Reais Controle de vazamentos ativos Gerenciamento da infra-estrutura Entre as ações de combate às perdas de água pode-se citar o controle de vazamentos, ampliação da micromedição e instalação de Válvulas Redutoras de Pressão – VRP (Figura 5). Figura 5 – Válvula Redutora de Pressão (VRP) implantada em rede de distribuição de água. 150 Fonte: http://images.google.com.br/imgres?imgurl. Segundo Souza (2007), uma diminuição de 10% da pressão na rede de distribuição implica em uma redução de 11,5% nas vazões de vazamentos. A lavagem dos filtros pode representar uma perda de 2% a 5% do volume de água produzido numa Estação de Tratamento de Água (ETA), dependendo da eficiência do tratamento (CORNWELL citado por SILVA e GOMES, 2007). Em situações de operação ineficiente esse percentual pode ser ainda mais elevado. A reutilização dessa água representa uma medida de uso racional, diminuindo a quantidade de efluente gerado e aumentando a disponibilidade de água para consumo. Estudos realizados por Ribeiro (2007), na ETA de Itabirito/MG, demonstraram potencial de uso das águas de lavagem dos filtros e do lodo gerado. O autor destacou a possibilidade do uso de leito de secagem para o deságüe do lodo e posterior uso em indústria cerâmica e a construção de decantadores específicos para o recebimento das águas de lavagem dos filtros, para posterior recirculação do sobrenadante. book_livro_tecnico.indb 150 20/07/2011 17:41:25 A medição individualizada em prédios de apartamentos e de atividades comerciais também tem sido apontada como alternativa para a minimização do consumo de água, cujas reduções podem chegar à faixa de 15 a 30% (TOMAZ, 1998). Silva e Cohim (2007), utilizando medição individualizada em prédio de apartamentos de baixa renda, em Salvador, chegaram a 28% de redução do consumo de água. No Brasil já existem leis municipais que instituem a obrigatoriedade da instalação de hidrômetros individuais em novos condomínios, a exemplo das cidades de São Paulo (Lei nº 12.638/1998), Rio de Janeiro, Distrito Federal (Lei nº 3.557l/2005), Recife (Lei nº 16.759), além de algumas leis estaduais (Ceará, Piauí, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Sergipe, Matogrosso do Sul, Espírito Santo, Minas Gerais e Paraná). Em relação às leis estaduais e projetos de leis federais tratando dessa matéria, em que pese a importância do seu objeto, sua eficácia pode ser prejudicada, visto que se trata de assunto de competência legislativa municipal, por envolver questão de política urbana, conforme prevê o art. 182 da Constituição Federal e a Lei Federal nº 10.257/2001 (BRASIL, 2001). Portanto, esse objetivo terá efetividade garantida se incluído na legislação municipal pertinente (Código de Obras). A Figura 6 apresenta um esquema de medição individualizada. Figura 6 – Esquema de medição individualizada em prédios de apartamentos. NOVOS PARADIGMAS TECNOLÓGICOS PARA A CONCEPÇÃO DE PROJETOS Outra questão relevante refere-se às despesas com energia elétrica, que representam um dos maiores custos na operação de sistemas de abastecimento de água (BARRETO e outros, 2007). As perdas de volume de água implicam em perdas de energia consumida pelos equipamentos eletromecânicos dos sistemas e, em um sentido mais amplo, em perdas de água na fonte de geração, uma vez que, no Brasil, a maior parte da energia elétrica é gerada em usinas hidroelétricas. Assim, a promoção de projetos de controle de perdas e de eficiência energética no sistema de abastecimento de água, além dos ganhos econômicos diretos, decorrentes da redução das perdas de água tratada e das despesas com energia, gera também efeitos ambientais positivos ao reduzir duplamente a exploração dos recursos hídricos: na captação de água para tratamento e na geração de energia. 151 Fonte: http://www.saaeb.com.br/manualmicromedicaoindividual2.htm book_livro_tecnico.indb 151 20/07/2011 17:41:27 O reúso das águas para fins não potáveis também tem sido estimulado. A água efluente do esgoto tratado pode ser utilizada para diversos fins como descarga de vaso sanitário, reserva de proteção contra incêndio, irrigação de parques e jardins, sistemas decorativos aquáticos, lavagem de calçadas e carros, entre outros. Para Rodrigues (2005), o reúso da água é uma medida importante para sua conservação, uma vez que reduz as pressões sobre os mananciais de abastecimento, liberando águas de melhor qualidade para fins mais nobres. Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo aprovou, dia 9 de abril de 2008, o projeto de reúso de água em alguns estabelecimentos públicos e um Programa Estadual de Conservação e Uso Racional da Água nas Edificações Públicas e Privadas. Esse projeto define um prazo de 10 anos para que os prédios públicos adotem mecanismos e aparelhos para economizar água. Esses projetos aguardam sanção do governador. Outra medida que vem sendo recentemente colocada como estratégia de redução do consumo de água e das pressões sobre os mananciais de abastecimento é a captação de água de chuva. O aproveitamento de águas de chuva é uma prática antiga e vem sendo utilizado como alternativa nos Estados Unidos, Alemanha, Japão. No Nordeste brasileiro, a água de chuva há muito tempo é uma importante fonte de suprimento de água. Esse aproveitamento tem se mostrado uma alternativa viável, inclusive em áreas urbanas, em face do baixo custo energético, devido à proximidade entre captação e consumo, sendo também atraente como medida de minimização de impactos de enchentes. Em algumas cidades já existem instrumentos legais que estabelecem exigências do uso racional da água, a exemplo de São Paulo e Curitiba. Nessas cidades é obrigatória a instalação de sistemas de retenção e/ou reaproveitamento de água de chuva em imóveis novos. Em São Paulo, a finalidade principal é diminuir os danos com as enchentes, retirando das ruas e galerias pluviais parte da água acumulada com as chuvas. Em Curitiba, a medida visa incentivar o uso racional dos recursos hídricos, em face de sua iminente escassez. Alguns municípios como Campinas (SP), Matão (SP) e Florianópolis (SC) já dispõem de projetos de lei para tornar obrigatório o aproveitamento das águas de chuva em edifícios. Recentemente, a ABNT editou a NBR 15527/2007 que estabelece critérios técnicos para o aproveitamento de águas de chuva de coberturas em áreas urbanas, para fins não potáveis. Projetos inovadores nesse campo têm sido desenvolvidos e testados, como, por exemplo, a proposta de Palácio e outros (2007) para um sistema de conservação e reúso de água em edificações de diferentes padrões sociais. Após a análise da aplicação do sistema em três tipos de moradia, segundo área construída e faixa de renda, os autores concluíram que a alternativa proposta é mais viável para moradias das classes média e alta, em que o valor do investimento foi estimado em 5,05% e 1,82%, respectivamente, em relação ao custo total da obra (Figura 7). Figura 7 – Sistema de tratamento e disposição para reúso de águas pluviais e residuárias. 152 Fonte: Palácio e outros, 2007. book_livro_tecnico.indb 152 20/07/2011 17:41:29 A estrutura tarifária também pode estimular a economia de água. Alguns prestadores do serviço público de abastecimento de água dispõem de tarifas crescentes, cujo valor é correlacionado com a faixa de consumo. O nível de progressividade adotado nessa correlação pode exercer forte indução à redução do consumo, especialmente o uso supérfluo e o desperdício, garantindo-se sua eficácia social com adoção de subsídios diretos ou indiretos, mediante tarifas especiais, para população de baixa renda. Contudo, para a eficácia das medidas de conservação da água é imprescindível a participação dos usuários e gestores. Portanto, a gestão e o manejo das águas devem ocorrer de forma democrática e transparente devido à essencialidade deste elemento à vida humana. NOVOS PARADIGMAS TECNOLÓGICOS PARA A CONCEPÇÃO DE PROJETOS Outra importante alternativa tecnológica é a dessalinização de água salobra, cujos custos vêm sendo reduzidos, principalmente para o Nordeste brasileiro, onde parte importante da população é de baixa renda (MONTEIRO e PINHEIRO, 2004). Inclusive, esta alternativa pode ser utilizada de forma combinada com energias renováveis, a exemplo da eólica e solar (LIMA, 2006). O rejeito deste processo, sólidos concentrado em sais, antes dado como empecilho à difusão desta tecnologia, vem sendo utilizado como alimento para animais (KOTAKA e outros, 2008). 153 book_livro_tecnico.indb 153 20/07/2011 17:41:31 3. ESGOTAMENTO SANITÁRIO: TENDÊNCIAS TECNOLÓGICAS ATUAIS O esgotamento sanitário é “... constituído pelas atividades, infraestruturas e instalações operacionais de coleta, transporte, tratamento e disposição final adequados dos esgotos sanitários, desde as ligações prediais até o seu lançamento final no meio ambiente...” (Brasil, Lei nº 11.445/2007). Em 2006, somente 68,2% da população urbana brasileira possuía solução adequada para o destino dos esgotos sanitários (IBGE, 2008a). Naquele ano, cerca de 59,3 milhões de brasileiros não dispunham de esgotamento sanitário, metade destes vivia nas regiões Norte e Nordeste e nestas, pouco mais da metade, em área urbana. Nas áreas rurais, 79,7% dos moradores – 24,9 milhões – não contavam com destino adequado dos esgotos, déficit muito superior ao das áreas urbanas. Metade desse déficit foi verificado na região Nordeste – Tabela 3 (IBGE, 2008a). Tabela 3 – Percentual de moradores em domicílios particulares permanentes com esgotamento sanitário adequado, segundo regiões brasileiras. PNAD (2006). População (em 1.000) Regiões 154 População com esgotamento sanitário adequado (em 1.000) Total Urbana Rural Total % Urbana % Rural % Norte 15.017 11.347 3.670 7.564 50,4 6.842 60,3 722 19,7 Nordeste 51.455 36.728 14.727 23.990 46,6 22.554 61,4 1.437 9,8 Sudeste 79.420 73.124 6.296 68.841 86,7 66.917 91,5 1.923 30,5 Sul 27.245 22.566 4.679 20.897 76,7 18.783 83,2 2.114 45,2 Centro-Oeste 13.226 11.429 1.797 5.784 43,7 5.663 49,5 121 6,7 Brasil 186.363 155.194 31.169 127.075 68,2 120.759 77,8 6.316 20,3 Fonte: IBGE - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, 2008a. A Política de subsídios é prevista na Lei nº 11.445/07 (arts. 3º, VII; 11, § 2º, IVC; 23, IX;; 29, II E 31) 1) Até 2003, exclusive a população da área rural de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá. 2) Esgotamento sanitário adequado considera os domicílios ligados à rede geral (separadora e/ou unitária – inclui rede de drenagem e fossa book_livro_tecnico.indb 154 séptica). 20/07/2011 17:41:33 Em termos de contingente populacional, em 2006, o maior déficit foi encontrado na região Nordeste (53,4%), onde 27,7 milhões de habitantes não tinham local adequado para dispor seus dejetos, sendo que, 14 milhões viviam nas áreas rurais (IBGE, 2008a). A região Sudeste possuía o segundo maior déficit com 10,6 milhões de habitantes sem esse benefício sanitário. Esse quadro evidencia o desafio para a universalização dos serviços de esgotamento sanitário no Brasil. O déficit de cobertura e os elevados custos de implantação da infraestrutura necessária têm exigido a seleção de alternativas tecnológicas mais apropriadas às realidades locais. Assim, as tecnologias a serem adotadas devem considerar o grau de urbanização; a densidade populacional; as condições do solo; o clima; a topografia; as possibilidades da adoção de soluções individuais; a capacidade dos corpos receptores de autodepuração de cargas orgânicas e nutrientes remanescentes do tratamento dos esgotos; o reúso dos efluentes e dos nutrientes da carga orgânica degradada; os custos de implantação, operação e manutenção; a capacidade institucional e técnica do prestador do serviço para implantar, operar e manter o sistema de esgotamento; a capacidade de pagamento da população; além das características do ambiente cultural e social. A engenharia brasileira consagrou as soluções coletivas (sistema de redes) para o esgotamento sanitário como a melhor alternativa, a mais apropriada e de melhor padrão sanitário. No entanto, o sistema coletivo é apenas uma das alternativas disponíveis, não devendo ser encarada como norma para qualquer realidade. Como dito anteriormente, diversas são as variáveis que devem ser consideradas para a seleção da alternativa tecnológica mais apropriada às realidades locais. Os sistemas coletivos, geralmente, envolvem maiores custos de implantação e operação e exigem uma capacidade operacional que muitos municípios e prestadores de serviços ainda não estão preparados para assumir. Em todas as regiões do país é comum encontrar unidades de tratamento em péssimas condições de operação, ou paralisadas, principalmente quando fazem uso de sistemas mecanizados. Muitas vezes, os consumos de energia das elevatórias e estações de tratamento envolvem custos altos em relação à capacidade de geração de receita tarifária do sistema, criando problemas financeiros aos prestadores de serviços, tanto para operar e manter o sistema como para ampliá-lo. NOVOS PARADIGMAS TECNOLÓGICOS PARA A CONCEPÇÃO DE PROJETOS Diante desse quadro sanitário, o solo e os cursos d’água passam a se constituir em receptores de efluentes de esgotos domésticos e de outros usos, lançados sem tratamento prévio, ocasionando a degradação ambiental e a disseminação de enfermidades relacionadas com a falta de saneamento, entre outras consequências. 155 Cabe destacar que, conforme a solução adotada e/ou as características geográficas, os gastos com energia elétrica pode se constituir na segunda maior despesa de operação do sistema de esgotamento, podendo até superar as despesas com pessoal. As redes coletoras de esgoto, principalmente nas áreas periféricas, costumam se constituir em problemas para a população, em casos da obra mãe mal executada ou por falta de manutenção, causando refluxos para as residências e/ou extravasamentos nas vias públicas. Esta situação pode ser mais grave diante da ausência de outras infraestruturas e serviços urbanos, como a drenagem das águas pluviais e a coleta de lixo, que acabam interferindo no funcionamento das redes de esgoto. A operação, na maioria dos casos, exige capacidade institucional, pessoal qualificado e equipamentos adequados. Inegavelmente, em algumas situações, principalmente em áreas urbanas densamente ocupadas, os sistemas coletivos se mostram como a única solução. Mas, ainda assim, algumas questões merecem análise quanto à melhor alternativa de sistema como, por exemplo, a escolha entre sistemas descentralizados de tratamento, concebidos conforme as bacias e sub-bacias, ou sistemas integrados. Esses últimos geralmente são mais caros e complexos, em face da necessidade implantar, operar e manter um número book_livro_tecnico.indb 155 20/07/2011 17:41:35 maior de elevatórias, por demandar mais energia e exigir logística para a coleta e destino final dos resíduos das elevatórias e da estação de tratamento. Tais sistemas também se mostram mais vulneráveis na ocorrência de interrupções. Portanto, para a escolha e adoção da alternativa mais adequada deve-se ponderar os custos dos investimentos, a capacidade operacional do prestador do serviço e a capacidade de pagamento dos usuários-cidadãos, os quais, inclusive, devem participar dos processos de discussão quando da seleção das tecnologias. Por outro lado, nada impede que, em determinadas áreas da cidade, principalmente as de ocupação menos densa e solo compatível, sejam utilizadas soluções individuais, como a fossa séptica-sumidouro, ou mesmo a fossa absorvente do tipo proposto pela OMS, para solos de maior permeabilidade e baixo nível do lençol freático. Tais alternativas, principalmente as fossas sépticas, podem ser operadas pelos prestadores de serviços, que devem garantir o destino adequado do lodo digerido ou o seu reaproveitamento. Em novas áreas de expansão, de loteamentos ou condomínios, é possível também projetar sistemas que prevejam o reúso. Assim, a seleção de tecnologias de esgotamento sanitário passa por reconhecer o tipo de urbanização das áreas objeto de intervenção. No Brasil, o processo de urbanização ocorreu de forma acelerada em poucas décadas, havendo um grande descompasso entre crescimento da população urbana e da infraestrutura sanitária. Hoje, segundo o IBGE (2008c), cerca de 83% da população do país vive em áreas urbanas e 17%, em torno de 31,2 milhões de habitantes, em áreas rurais. O país conta com nove Regiões Metropolitanas que abrigam 56,3 milhões de pessoas (30% da população total). Segundo o IBGE, em 2000, cerca de 73% dos municípios brasileiros possuíam população inferior a 20 mil habitantes. Dos 5.560 municípios do país existentes em 2000, apenas 225 (4%) tinham população acima de 100 mil habitantes (SIMÕES, 2004). Cerca de 51% da população urbana e 12,5% da rural vive com menos de três salários mínimos, dado relevante para avaliar a capacidade de pagamento das populações-alvo dos Planos Municipais de Saneamento Básico. Tabela 4 – Municípios brasileiros por faixa de população. IBGE, 2000. Faixa da população No de Municípios % População % Até 5.000 1.381 24,8 4.577.146 2,7 5.001 até 10.000 1.308 23,5 9.424.800 5,5 10.001 a 20.000 1.384 24,9 19.576.511 11,4 20.001 a 50.000 963 17,3 29.050.862 16,9 50.001 a 100.000 299 5,4 21.537.104 12,5 100.001 a 500.000 194 3,5 40.214.836 23,3 Mais de 500.001 31 0,6 48.004.567 27,8 Total 5.560 100 172.385.826 100,0 156 Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de População e Indicadores Sociais, Indicadores Sociais Municipais 2000, citado por Simões, 2004. O processo de seleção da tecnologia de esgotamento sanitário deve considerar também essa realidade. Certamente, para municípios de menor porte populacional, ou com baixas densidades de ocupação e boas condições de infiltração do solo, o uso de soluções individuais ou para pequenos conjuntos de domicílios, tais como: fossa absorvente, fossa séptica/sumidouro, vala de infiltração, soluções de reúso, podem se constituir em alternativas adequadas e viáveis, tanto para o usuário como para o prestador do serviço, o qual, muitas vezes, não tem capacidade técnica para operar e manter sistemas mais complexos. O fato da solução individual não book_livro_tecnico.indb 156 20/07/2011 17:41:37 As principais vantagens do sistema separador absoluto são (TSUTIYA e ALEM SOBRINHO, 1999): • menor custo pelo fato de utilizar tubos de diâmetros bem menores; • oferece mais flexibilidade para a execução por etapas, de acordo com as prioridades; • reduz consideravelmente o custo do transporte e do lançamento das águas pluviais por não exigir sistema de tratamento; • não está condicionado à pavimentação das vias públicas; • reduz a extensão das canalizações de maior diâmetro pelo fato de conduzir só esgotos. Aproximadamente 75% dos custos de implantação de um sistema de esgotamento sanitário devem-se às redes coletoras (ALEM SOBRINHO e TSUTIYA, 1999). Desse modo, a busca por sistemas alternativos para coleta, transporte e tratamento do esgoto, visando à minimização dos custos, torna-se fator decisivo. Entre os sistemas de coleta e transporte pode-se destacar o Sistema Condominial de Esgoto – SCE (MELO, 1994, ANDRADE NETO, 1999a). Segundo Melo (1994), a necessidade de encontrar soluções técnicas para substituição dos métodos convencionais de projetar redes de esgotos, a exemplo do sistema condominial, surgiu em razão do elevado déficit de infraestruturas urbanas de esgotamento sanitário, sempre relegado ao segundo plano nas políticas de saneamento básico, até a década passada. O SCE se apoia, fundamentalmente, na participação comunitária (ANDRADE NETO, 1999b). É substancialmente mais econômico, em função das menores extensões e profundidades da rede coletora e da usual implantação de pequenos sistemas descentralizados de tratamento (FUNASA, 1999). Os estudos de Azevedo Netto (1992) evidenciaram que esse sistema tem custo até 57,5 % inferior ao do sistema convencional. No sistema convencional a rede coletora acompanha o traçado das ruas contornando todas as quadras e cada residência liga-se individualmente a essa rede. O SCE tem como ideia central, para a sua implantação, a formação de “condomínios” de imóveis dentro de cada quadra do loteamento urbano (NAZARETH, 1997). A Figura 8 apresenta os esquemas do sistema do tipo convencional e condominial. Figura 8 – Esquema do traçado do sistema convencional e condominial de esgotos. NOVOS PARADIGMAS TECNOLÓGICOS PARA A CONCEPÇÃO DE PROJETOS necessitar de rede coletora dos esgotos, o seu transporte às vezes a longas distâncias, a reversão de bacias, estações de tratamento e destinação final dos efluentes tratados em grandes volumes, impõe aos técnicos a necessidade de ponderar quanto à possibilidade de adoção desta solução em maior escala. Normalmente, os sistemas coletivos são mais aptos para as áreas densamente ocupadas. Esses sistemas podem ser do tipo unitário. • transporta esgoto sanitário e águas pluviais, ou separador absoluto – que conduz apenas esgotos sanitários. São basicamente compostos por rede coletora, interceptor, estação elevatória, estação de tratamento e lançamento no corpo receptor. 157 Fonte: Adaptado de Nazareth (1997, p. 15). book_livro_tecnico.indb 157 20/07/2011 17:41:40 Embora o SCE seja uma alternativa extremamente viável para a realidade brasileira (OLIVEIRA, 2004), principalmente em áreas periféricas densamente ocupadas, existem algumas limitações que devem ser levadas em consideração quando da implantação desses sistemas, entre elas: • nos ramais condominiais dispostos no interior dos lotes, portanto, em áreas privadas, algumas dificuldades podem surgir gerados em decorrência, por exemplo: da dependência da aceitação formal dos proprietários; das limitações para ampliação do imóvel, prática extremamente comum em áreas periféricas; e pela vulnerabilidade da caixa de inspeção, diante da facilidade de obstrução por introdução de objetos e de lixo, implicando em riscos à saúde pública, por extravasamento; • necessidade de convencimento da população sobre a adequabilidade da tubulação utilizada, em face da dificuldade de aceitação de tubos com diâmetro de 100 mm; • necessidade de instruir a população a implantar caixas de gordura para evitar obstruções na rede; • dificuldades do corpo técnico em conceber, projetar, implantar, operar e manter os sistemas com a participação social. Moraes e Guimarães (1997) evidenciaram que, a falta de envolvimento efetivo dos grupos sociais e da população alvo nas fases de concepção até a implantação do projeto, compromete os objetivos sócio-ambientais, além de interferir na sustentabilidade financeira do sistema. Oliveira e outros (2006), ao realizar uma avaliação da aplicação da Tecnologia de Sistemas Condominiais de Esgotos em cidades de diferentes portes, propõem um algoritmo para a adoção e implementação dessa tecnologia, que contempla quatro estágios: 1) seleção tecnológica; 2) implantação; 3) operação; e 4) gestão (Figura 9). Quanto às técnicas de tratamento, os sistemas ditos convencionais, além de contarem com elevados custos de implantação, operação e grande consumo de energia elétrica, demandam extensos espaços nas áreas urbanas, já densamente ocupadas; podem causar mau cheiro e geração de vetores. No aspecto socioeconômico, provocam desvalorização da terra e dos imóveis e diminuição de atividades comerciais nas áreas próximas, facilitam roubos de equipamentos quando não existe esquema de segurança adequado e outros problemas comumente observados nessas unidades. 158 Em alguns casos, estes sistemas requerem extensos emissários terrestres para a condução dos esgotos ao local de tratamento, que, normalmente, geram impactos ambientais e reassentamento de famílias que ocupam os fundos dos vales, notadamente de baixa renda, gerando problemas sociais. Os sistemas que privilegiam processos biológicos e uso da energia solar podem se constituir em alternativas mais viáveis, por exemplo, os reatores anaeróbios de fluxo ascendente, combinados com lagoas de estabilização e disposição no solo e/ou em zonas úmidas controladas. Além das facilidades operacionais e menor demanda de área, estes sistemas também apresentam vantagens pelo menor consumo de energia. Outra solução, que vem sendo cada vez mais estimulada, é o reúso do esgoto doméstico. O tratamento local e o reúso das águas usadas nos domicílios, juntamente com a redução de águas servidas, são opções viáveis do ponto de vista sanitário e ecológico que devem ser consideradas por uma política municipal de saneamento básico. Neste caso, além do estímulo ao uso de peças hidráulicas de baixo consumo, pode-se usar as águas de banho e lavagem de roupa na descarga de vaso sanitário, após tratamento simplificado. Há também a possibilidade do reúso do esgoto tratado em fertirrigação, hidroponia e psicicultura (BASTOS, 2003; ABUJAMRA, ANDRADE NETO e MELO, 2007; PEREIRA, SILVA, ANDRADE NETO e MELO, 2007). book_livro_tecnico.indb 158 20/07/2011 17:41:42 NOVOS PARADIGMAS TECNOLÓGICOS PARA A CONCEPÇÃO DE PROJETOS Figura 9 – Algoritmo do processo de seleção, implantação, operação e gestão do Sistema Condominial de Esgotos. Fonte: OLIVEIRA e outros, 2006. Seguindo essa tendência, para Cohim e Kiperstok (2007), o novo paradigma do saneamento ambiental deve considerar a abordagem ecossistêmica e os ciclos de materiais, em lugar do uso de tecnologias de “fim de tubo”, caras e com uso intensivo de energia. Os autores apostam no ecossaneamento, cujo princípio básico é garantir o ciclo de nutrientes, seguindo o exemplo da natureza. Assim, as atividades do saneamento e da agricultura se entrelaçariam formando um ciclo único. O objetivo é a recuperação completa dos nutrientes, material orgânico e água que são descartados através de sistemas de esgoto do tipo convencional. Tal estratégia possibilita a fertilidade do solo e a melhoria da estrutura e capacidade de retenção de água, reduzindo, desta forma, o consumo de recursos finitos e fornecendo uma alternativa natural aos fertilizantes químicos. As Figuras 10 e 11 apresentam o ciclo de nutrientes considerando as tecnologias convencionais e o ecossaneamento. book_livro_tecnico.indb 159 159 20/07/2011 17:41:44 Figura 10 – Modelo atual dos sistemas de saneamento e o ciclo de nutrientes. Figura 11 – Modelo do ecossaneamento e o ciclo de nutrientes. Fonte: Cohim e Kriperstok, 2007. Os maiores potenciais de reúso são os que empregam esgotos tratados para: • irrigação de parques e jardins públicos, centros esportivos, campos de futebol, quadras de golfe, jardins de escolas e universidades, gramados, árvores e arbustos decorativos ao longo de avenidas e rodovias; • irrigação de áreas ajardinadas ao redor de edifícios públicos, residenciais e industriais; • reserva de proteção contra incêndios; • controle de poeira em movimentos de terra, etc.; • sistemas decorativos aquáticos tais como fontes e chafarizes, espelhos e quedas d’água; • descarga sanitária em banheiros públicos e em edifícios comerciais e industriais; • lavagem de trens e ônibus públicos (HESPANHOL, 2003, p. 415). 160 Experiências de reúso no Brasil têm dado bons resultados. Pereira (2005) mostrou ser vantajoso para fertirrigação de milho o uso de efluente de estação de tratamento de esgoto, mesmo aplicado em solo arenoso. Bastos (2003) apresentou bons resultados utilizando esta técnica nas culturas de mamona, milho e girassol. Como o esgoto contém os mais variados micro-organismos patogênicos, para alguns cultivos, como no caso das hortaliças, ainda é necessário avaliar o risco dessa prática para a saúde da população (ABUJAMRA, ANDRADE NETO e MELO, 2007). O Brasil ainda não dispõe de uma regulamentação para o reúso. Os tipos de reúso que têm sido colocados como prioritários para a definição de regulamentação são: reúso na agricultura; no ambiente urbano, para fins não potáveis; na aquicultura, para a recarga de aquíferos; e em algumas atividades industriais. Outro desafio importante é a aceitação desses usos por parte dos usuários. Bastos e outros (2008), após os resultados dos estudos conduzidos por um conjunto de pesquisadores de diversas universidades brasileiras, no âmbito do Programa de Pesquisa em Saneamento Básico – PROSAB, apresentaram subsídios à regulamentação do reúso da água no Brasil, em especial para a reúso agrícola, urbano e na piscicultura. Os autores propõem diretrizes para o uso de efluentes de estações de tratamento de esgoto sanitário para as atividades referidas, indicando os níveis máximos aceitáveis para coliformes termotolerantes e ovos de helmintos. As diretrizes foram sugeridas a partir de pressupostos de proteção à saúde pública. Para tanto, os autores registram a necessidade de que a formulação da regulamentação para o reúso da água considere as várias dimensões: de saúde pública, ambiental e econômica. Assim, possibilidades e formas potenciais de reúso dependem, evidentemente, de características, condições e fatores locais, tais como decisão política, disponibilidade técnica e fatores econômicos, sociais e culturais (HESPANHOL, 2003). book_livro_tecnico.indb 160 20/07/2011 17:41:46 4. DRENAGEM E MANEJO DAS ÁGUAS PLUVIAIS: TENDÊNCIAS TECNOLÓGICAS ATUAIS Via de regra, a ocupação das áreas urbanas ocorrem com intensa impermeabilização do solo, desmatamento, ocupação de áreas de fundo de vale e limítrofes de corpos d´água, como rios, lagoas e várzeas, o que determina a alteração da dinâmica natural do escoamento das águas de chuva. A consequência tem sido a diminuição da capacidade de absorção da água pelo solo e o aumento do escoamento superficial, tornando frequentes as enchentes, inundações, escorregamentos de encostas e de margens de rios e córregos. Diante dessa realidade, as municipalidades passaram a implantar obras de drenagem urbana que buscavam, basicamente, remover rapidamente as águas acumuladas nas vias e fundos de vale, o que resulta na transferência do problema para as áreas situadas mais abaixo. Esse modelo, dito tradicional, de tratar a problemática das águas de chuva, típico dos anos 1940-70, caracteriza-se pela visão pautada em medidas higienistas, na qual a água pluvial é vista como problema à saúde pública. Entre os anos 1970-90, a visão corretiva passou a ser incorporada. Nesse período buscava-se atuar no controle das enchentes urbanas a partir da detenção e amortecimento das cheias. Prevaleciam as medidas estruturais, pautadas na implantação de sistemas de micro e macrodrenagem, reservatórios, diques e barragens. As limitações dessas soluções são perceptíveis diante dos prejuízos e dificuldades que as cidades vêm enfrentando para solucionar as frequentes enchentes e inundações. Na década de 1990 surge uma nova abordagem para a questão, pautada no “manejo” das águas de chuva, intitulada de “sustentável”, cujo objetivo é se aproximar do ciclo natural da água. Essa visão privilegia as ações de planejamento do uso e ocupação do solo, a incorporação dos mecanismos naturais de escoamento-infiltração das águas, a melhoria da qualidade das águas e a devolução da rede hídrica à cidade (TUCCI e MENDES, 2006). A drenagem sustentável tem um caráter preventivo e se sustenta em ações não estruturais, a exemplo: • definição de normas, regulamentos e programas que visem disciplinar o uso e a ocupação do solo, contendo o desmatamento e a impermeabilização do solo; • reconstituição da vazão pré-ocupação através de trincheira de infiltração, pavimentos porosos, entre outros; • recomposição vegetal para o aumento da taxa de infiltração, evapotranspiração, assim, consequentemente, para a redução do escoamento superficial, das erosões e assoreamentos, e para a diminuição do pico de cheias; • construção de reservatórios de detenção para uso ou armazenamento temporário das águas de chuva com vistas a reduzir o impacto da cheia; • captação de águas de chuva para detenção ou usos diversos; • realização de alerta de enchente e evacuação; • conscientização da população para a manutenção dos dispositivos de drenagem. NOVOS PARADIGMAS TECNOLÓGICOS PARA A CONCEPÇÃO DE PROJETOS O processo de urbanização brasileiro tem sido intenso e caótico, produzindo desigualdades sociais e déficits de moradia, infraestrutura e de serviços urbanos. O uso e ocupação do solo vêm ocorrendo, em muitas regiões, sem contar com um disciplinamento adequado, interferindo na qualidade do ambiente urbano e, consequentemente, na qualidade de vida da população. 161 As normas e regulamentos para melhorar o manejo da água de chuva, a partir do ordenamento do uso e ocupação do solo, envolvem os planos diretores urbanos, códigos de postura e leis específicas, entre outros instrumentos da política urbana. A captação de água de chuva busca resolver dois problemas: o abastecimento de água humano e os picos de cheia. A primeira book_livro_tecnico.indb 161 20/07/2011 17:41:48 alternativa pode ser eficiente quando o projeto contempla cuidados com os riscos de contaminação da água; instalações hidráulicas prediais apropriadas, bem como dimensionamento adequado do sistema de captação, coleta e reservação (Figura 12). Para isso, é preciso observar as características socioambientais locais para evitar a implantação de projetos inadequados, que venha a comprometer os aspectos positivos dessa solução (COHIM e outros, 2007). A segunda alternativa já vem sendo usada em várias cidades brasileiras e tem como objetivo estimular o uso de reservatórios em nível domiciliar para a captação das águas de chuva de forma a amortecer os picos de cheias nas vias urbanas e fundos de vale. Após a reservação, as águas são devolvidas às ruas, para o sistema público de drenagem ou reaproveitadas para rega de jardins ou outros usos não potáveis. Figura 12 – Desenho esquemático do sistema de coleta de água de chuva. A chuva cai nos telhados, é recolhida pelas calhas, passa por um filtro que retém sujeiras como folhas e fica armazenada na cisterna enterrada. Uma bomba envia a água da cisterna para a caixa d'água elevada. A partir da caixa d'água, a água da chuva é distribuída para o vaso sanitário, a irrigação do jardim, o tanque de lavar roupa e a máquina de lavar. Fonte: www.radames.manos.brso.com.br Fonte: www.casa.com.br. 162 Os pavimentos permeáveis são superfícies porosas ou perfuradas que permitem a infiltração de parte das águas do escoamento superficial para o interior de uma camada de reservação situada sob o terreno, podendo ser aplicada em calçadas, estacionamentos e outros locais (Figura 13). Essa técnica apresenta-se bastante promissora, tanto do ponto vista técnico como urbanístico/paisagístico e tem tido boa aceitação por parte da população (ARAÚJO, TUCCI, GOLDENFUM, 2008). Figura 13 – Pavimentos permeáveis. book_livro_tecnico.indb 162 20/07/2011 17:41:51 As trincheiras de infiltração são valas cujo princípio se baseia no armazenamento temporário da água no solo e posterior absorção (Figura 14). Esse método envolve o manejo das águas no próprio lote. Segundo Nascimento (citado por SOUZA e GOLDENFUM, 1997) as principais vantagens dessa técnica são: • diminuição ou até mesmo eliminação da rede de microdrenagem; • redução do risco de inundação e da poluição das águas superficiais; • recarga das águas subterrâneas e boa integração com o espaço urbano. Entre as desvantagens tem-se: informações sobre seu funcionamento em longo prazo e critérios de projeto e dimensionamento. Figura 14 – Trincheiras de infiltração. NOVOS PARADIGMAS TECNOLÓGICOS PARA A CONCEPÇÃO DE PROJETOS Fonte: apud SOUZA, 2007. 163 Fonte: apud SOUZA, 2007. Segundo Tucci (2003), as medidas estruturais para a proteção de uma área inundável têm custo superior ao de medidas não estruturais. Citando o exemplo de Denver nos Estados Unidos, em 1972, o autor observa que “o custo de proteção por medidas estruturais de um quarto de área era equivalente ao de medidas não estruturais para proteger os restantes três quartos da área” (idem, p. 74). book_livro_tecnico.indb 163 20/07/2011 17:41:53 A construção de reservatórios de detenção tem sido uma alternativa utilizada em grandes cidades. Contudo, um dos empecilhos para a sua implantação são os custos elevados e a necessidade de controle operacional rígido, devido, principalmente, a carga de resíduos e sedimentos que adentram nessas estruturas. Além disso, o uso indiscriminado de bacias de detenção no meio urbano pode gerar um efeito coincidente de pico de vazão, exigindo a associação desta medida com outras, a exemplo do manejo das águas nos próprios lotes (TUCCI e BERTONI, 2003). O Quadro 2 resume as principais diferenças entre os conceitos tradicionais e o sustentável para o manejo das águas de chuva e drenagem urbana. Quadro 2 – Contraponto entre conceitos tradicionais e conceitos sustentáveis do manejo das águas de chuva. Tradicional 164 Sustentável Drenagem rápida das águas pluviais. Favorecimento à infiltração, ao armazenamento e ao aumento do tempo de percurso do escoamento. Redes subterrâneas, canalização de cursos d’água naturais. Valorização da presença da água na cidade, busca de menor interferência sobre o sistema natural de drenagem. Associação do sistema de drenagem ao sistema viário. Desenvolvimento de soluções técnicas multifuncionais, combinando o sistema de drenagem com a implantação de áreas verdes, praças de esportes, parques lineares, etc. Sistema de drenagem gravitacional, não controlado, configuração fixa da rede de drenagem. Sistema de drenagem controlado, possibilidade de alteração na configuração da rede de drenagem. Concepção e dimensionamento segundo um nível único de risco de inundação pré-estabelecido para atender a um único objetivo. Concepção e dimensionamento segundo diferentes níveis de risco de inundação para atender a objetivos diferenciados. Não previsão e inoperância em face de eventos de tempos de retorno superiores aos de projeto. Avaliação do funcionamento do sistema para eventos de tempos de retorno superiores aos de projeto, gestão do risco de inundação. Ênfase na garantia de condições de saúde pública e de conforto no meio urbano. Despreocupação com os impactos da urbanização sobre os meios receptores. Preocupação com a garantia de condições adequadas de saúde pública e conforto no meio urbano e de redução dos impactos da urbanização sobre os meios receptores. Fonte: NASCIMENTO e outros, 1999. Alguns municípios e estados brasileiro vêm editando leis que visam obrigar a execução de reservatórios para a coleta de águas de chuva, a exemplo do município de São Paulo, cuja Lei nº 13.276/2002 torna obrigatória a execução de reservatório para as águas coletadas por coberturas e pavimentos nos lotes, edificados ou não, com área impermeabilizada superior a 500 m. Atualmente, encontra-se em tramitação no Senado Federal um projeto de lei que determina o reaproveitamento das águas pluviais e a reciclagem das águas servidas em edificações públicas e privadas do país, observando-se que, nesta matéria de política urbana, salvo o que se aplicar aos imóveis da União, à lei federal cabe estabelecer as diretrizes gerais, de caráter nacional, a serem consideradas nas legislações municipais. book_livro_tecnico.indb 164 20/07/2011 17:41:55 5. MANEJO DE RESÍDUOS SÓLIDOS E LIMPEZA PÚBLICA: TENDÊNCIAS TECNOLÓGICAS ATUAIS O mundo produz cerca de 2 bilhões de toneladas de resíduos sólidos por dia, com materiais de todos os tipos, que são descartados na forma de lixo domiciliar, industrial, hospitalar, lixo de vias públicas, entulho da construção civil e outros. A grande maioria dos resíduos, até hoje, tem disposição irregular, representando permanente ameaça para a contaminação do ambiente e à saúde da população. O Brasil produz cerca de 240 mil toneladas de lixo por dia – número inferior ao dos EUA (607 mil t/dia), mas bem superior ao da Alemanha (85 mil t/dia) e a Suécia (10,4 mil t/dia). A produção média de resíduos sólidos domiciliares é de 0,6kg/hab/dia (IEE/USP, 2008). Além disso, são produzidos cerca de 0,3kg/hab/dia de resíduos provenientes da varrição, limpeza de logradouros públicos e entulhos. Essa taxa, em cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba, pode chegar a 1,3kg/hab/dia, considerando todos os resíduos manipulados pelos serviços de limpeza urbana (domiciliares, comerciais, de limpeza de logradouros públicos, de serviços de saúde e entulhos(IEE/USP, 2008). Os serviços de resíduos sólidos e limpeza pública são compostos basicamente por: acondicionamento, coleta, transporte, tratamento e disposição final dos resíduos sólidos urbanos; limpeza de logradouros (varrição, capina e roçagem) e serviços diversos, como limpeza de mercados, praias e outros espaços públicos. Segundo a PNAD de 2006, cerca de 78% dos moradores de domicílios particulares permanentes do país dispunham de coleta do lixo feita diretamente. Na área urbana esse indicador chegava a 89,9% e na rural 18,7% (IBGE, 2008a). Como nos outros componentes do saneamento básico, as regiões Norte e Nordeste do Brasil dispunham dos menores indicadores com 67,5% e 60,8%, respectivamente (Tabela 5). Tabela 5 – Moradores em domicílios particulares permanentes por classes de rendimento mensal domiciliar, situação do domicílio e destino do lixo. PNAD, 2006. Total Regiões Urbana NOVOS PARADIGMAS TECNOLÓGICOS PARA A CONCEPÇÃO DE PROJETOS O modelo de desenvolvimento e os padrões de consumo e desperdício da população têm sido determinantes para o aumento do descarte de resíduos sólidos e a consequente degradação ambiental, decorrente de seu lançamento inadequado no meio ambiente. 165 Rural Total Coletado % Coletado Total Coletado % Coletado Total Coletado % Coletado Norte 15.016 10.141 67,5 11.347 9.592 84,5 3.670 549 15,0 Nordeste 51.456 31.299 60,8 36.728 29.484 80,3 14.727 1.815 12,3 Sudeste 79.419 70.190 88,4 73.124 68.350 93,5 6.296 1.840 29,2 Sul CentroOeste Brasil 27.245 22.785 83,6 22.566 21.432 95,0 4.679 1.353 28,9 13.226 10.941 82,7 11.429 10.683 93,5 1.797 258 14,4 186.362 145.356 78,0 155.194 139.541 89,9 31.168 5.815 18,7 Fonte: IBGE - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, 2008a. book_livro_tecnico.indb 165 20/07/2011 17:41:57 Segundo a PNAD – 2006, além das desigualdades observadas entre as regiões Sul-Sudeste e Norte-Nordeste, o acesso desigual à coleta de lixo era também sentida entre as faixas de renda da população: os de maior renda dispunham de maior cobertura do serviço (Figura 15). Figura 15 – Percentual de moradores de domicílios particulares permanentes com coleta de lixo realizada diretamente, segundo faixa de renda da população. PNAD, 2006. Fonte: IBGE, 2008a. A Pesquisa Nacional de Saneamento Básico – PNSB, realizada pelo IBGE em 2000, evidenciou a problemática dos resíduos sólidos ao revelar que cerca de 30,3% dos resíduos domésticos coletados diariamente no país eram dispostos em vazadouros a céu aberto. A pesquisa também mostrou que 40,7% dos resíduos eram encaminhados a aterros sanitários e 22,0% a aterros controlados (Tabela 6) 166 Tabela 6 - Quantidade diária de lixo coletado por unidade de destino final do lixo coletado. PNSB, 2000. Unidade de destino final do lixo coletado Quantidade diária de lixo coletado (Toneladas por dia) % Vazadouro a céu aberto (lixão) 47.392,20 30,1 Vazadouro em áreas alagadas 237,1 0,2 Aterro controlado 34.723,70 22,0 Aterro sanitário 64.164,10 40,7 Estação de compostagem 6.534,60 4,1 Estação de triagem 2.249,60 1,4 510,5 0,3 878 0,6 Outra 1.018,30 0,6 Total 157.708,10 100,0 Incineração Locais não fixos Fonte: IBGE, 2008b. book_livro_tecnico.indb 166 20/07/2011 17:41:59 A situação dos aterros sanitários de Santo Amaro e Governador Mangabeira revelam esta problemática, ambos implantados no âmbito do Projeto Metropolitano, com financiamento do Banco Mundial, pela Companhia de Desenvolvimento da Bahia – CONDER. Após entrega dos aterros às prefeituras, essas unidades passaram a ser operadas como meros vazadouros de resíduos (Figuras 16 e 17). Outros aterros implantados por essa companhia encontram-se no mesmo estado, a exemplo do implantado em Vera Cruz, na Ilha de Itaparica, situada na Região Metropolitana de Salvador – RMS. A exemplo dos aterros sanitários da Bahia, muitas dessas unidades, principalmente em municípios de médio e pequeno porte, não vêm sendo operadas adequadamente, vindo a se transformar em lixões. Dentre os fatos que contribuem para essa realidade, pode-se destacar a falta de condições financeiras e técnicas dos poderes públicos municipais para operar essas unidades, que, normalmente, são concebidas e implantadas sem considerar as realidades locais. Figura 16 – Aterro sanitário de Santo Amaro – Bahia implantado no início da década de 1990 (2004). NOVOS PARADIGMAS TECNOLÓGICOS PARA A CONCEPÇÃO DE PROJETOS Certamente, embora os dados sejam de 2000, a realidade pouco mudou, podendo, inclusive, ter sido agravada. Apesar de não se dispor de dados mais atuais, o exemplo do estado da Bahia pode ser emblemático para uma parte do País, principalmente dos municípios das regiões Norte-Nordeste. Em 2000, segundo a PNSB, na Bahia 40,7% dos resíduos domésticos coletados eram dispostos em Aterros Sanitários. No entanto, em pesquisa realizada em 2006, pelo Ministério Público da Bahia, foi constatada a existência de 438 pontos de disposição irregular de resíduos sólidos, entre aterros sanitários inadequados e lixões – a Bahia tem 417 municípios (Ministério Público do Estado da Bahia, 2007). 167 Figura 17 – Aterro sanitário do Recôncavo Sul, em Governador Mangabeira – Bahia, implantado no início da década de 1990 (2004) book_livro_tecnico.indb 167 20/07/2011 17:42:02 Dentre as diversas causas da inadequada gestão dos resíduos sólidos na maioria dos municípios brasileiros, pode-se destacar: • inexistência de políticas públicas de resíduos sólidos; • limitações de ordem financeira, como orçamentos inadequados, fluxo de caixas desequilibrados, taxas desatualizadas, quando existem, arrecadação insuficiente e inexistência de linha de crédito específica; • pouca capacidade institucional; • deficiência na capacitação técnica e profissional, do gari ao engenheiro-chefe; • descontinuidade política e administrativa; • uso de tecnologias inadequadas às realidades institucional e operacional, à disponibilidade de recursos humanos e financeiros e aos aspectos de ordem sociocultural; • falta de programas de educação ambiental; • pouco envolvimento da sociedade com a problemática dos resíduos sólidos; • ausência de controle ambiental. Contribuem com essa situação, os pressupostos que até os dias atuais vêm fundamentando as ações e alternativas tecnológicas no campo dos resíduos sólidos, os quais privilegiam o uso de tecnologias e processos que não abordam a problemática maior que é a crescente produção de resíduos descartáveis, promovida pelo padrão de consumo e estilos de vida contemporâneos. Mais recentemente, essa abordagem vem sendo questionada e dando lugar a novos enfoques, que têm se pautado nas teses da minimização dos resíduos e na produção mais limpa. Azevedo (2004), ao estudar a minimização desses resíduos, apresenta a distinção entre essas abordagens (Quadro 3). Para a autora, a minimização e a recuperação de materiais proporcionam o aumento da vida útil de aterros sanitários e, consequentemente, uma redução do ritmo da degradação do meio ambiente. Quadro 3 – Diferenças entre a tecnologia convencional e a produção mais limpa. PONTO DE COMPARAÇÃO 168 TECNOLOGIA CONVENCIONAL PRODUÇÃO MAIS LIMPA Aceitação do inevitável lançamento de poluentes no meio ambiente. Procedimentos que evitem a geração de resíduos/ eliminação da poluição a montante dos processos. Tratamento/disposição final/tratamento fimde-tubo. Prevenção da poluição, em vez do tratamento e transporte para um destino final/prevenção de resíduos e emissões na fonte. Adequação das emissões aos padrões exigidos: filtros e unidades de tratamento, soluções fimde-tubo. Tecnologia do reparo, estocagem de resíduos. Modificação do processo de produção, a fim de que gere menos poluentes. Evitar processos e materiais potencialmente tóxicos. É um assunto para especialistas competentes. É tarefa de todos. Corresponde à época em que os problemas ambientais não eram conhecidos. Abordagem que pretende criar técnicas de produção para um desenvolvimento sustentável. Enfoque/Visão Controle ambiental Paradigma Fonte: Adaptado de CNTL, 2000 (apud KIPERSTOK, 2002). book_livro_tecnico.indb 168 20/07/2011 17:42:04 Moraes (2000), ao discutir a nova visão sobre a gestão de resíduos sólidos urbanos, avalia que as alternativas de solução passam pela adoção de modelos integrados e sustentáveis, que considerem o momento da geração dos resíduos, passando pela maximização de seu reaproveitamento e reciclagem, até o processo de tratamento e destinação final. O autor faz referência à necessidade da mudança das práticas atuais de manejo dos resíduos, pautada na coleta, transporte e destinação final, para as que privilegiam a não geração, a redução, o reúso e a reciclagem, conforme exposto na Figura 18. NOVOS PARADIGMAS TECNOLÓGICOS PARA A CONCEPÇÃO DE PROJETOS Figura 18 – Mudança de paradigma da gestão dos resíduos sólidos. Fonte: Moraes, 2000. 169 O meio técnico-científico, perseguindo o objetivo da geração zero de resíduos, tem evidenciado também a necessidade do Estado empreender esforços no sentido de regular a atividade produtiva. Deseja-se não só a minimização da geração de resíduos, mas, principalmente, o estabelecimento normas para a não geração dos resíduos que não podem retornar para a cadeia produtiva e que, hoje, mesmo com programas de minimização, iriam para o aterro. Moraes (2000) considera a Gestão Integrada dos Resíduos Sólidos como uma alternativa importante para o manejo dos resíduos, que envolve quatro elementos fundamentais: • a integração de todos os segmentos sociais na gestão do sistema municipal de resíduos sólidos; • a incorporação de todos os elementos da cadeia de geração de resíduos sólidos, desde o processo produtivo até o descarte final; • a integração dos aspectos técnicos, ambientais, sociais, institucionais e políticos para assegurar a gestão adequada do ponto de vista ambiental e social; • a relação da problemática dos resíduos sólidos com outros sistemas urbanos, tais como drenagem de águas pluviais, esgotamento sanitário, recursos hídricos e abastecimento de água, etc. (MORAES, 2000, apud PMPA, CNUAH e IPES, 2000). book_livro_tecnico.indb 169 20/07/2011 17:42:07 Alguns municípios brasileiros vêm implementando a gestão integrada dos resíduos sólidos. O município de Porto Alegre, por exemplo, iniciou a implantação de seu sistema integrado em 1989. Nesse município, a coleta segregada envolve quase a totalidade dos resíduos sólidos gerados diariamente nos 150 bairros da cidade de Porto Alegre. O sistema prevê a coleta diferenciada dos seguintes tipos de resíduos: domiciliares – comuns, orgânicos e os seletivos (papel, papelão, plástico, metais e vidros); dos serviços de saúde – comuns, sépticos, seletivos e restos de alimentos; industriais – seletivos, comuns e perigosos; públicos – resíduos comuns, entulhos e outros; resíduos podas – madeira, folhas e galhos finos (Figura 19). Os resíduos recicláveis são distribuídos diariamente em nove unidades de triagem – UT, que são operadas por diferentes associações de catadores. Além disso, a cidade conta com Pontos de Entrega Voluntária – PEV integrantes do esquema de coleta dos resíduos recicláveis. A venda do produto gera renda para as famílias envolvidas, abrangendo, no total, 1.800 pessoas (REDE URBAL, 2008). Assim, o sistema integrado de Porto Alegre caracteriza-se por dois eixos: o equacionamento da problemática de destinação de resíduos potencialmente recicláveis e a geração de trabalho e renda para segmentos vulneráveis ou excluídos do mercado de trabalho. Figura 19 – Modelo de Gerenciamento Integrado de Porto Alegre. 170 Fonte: REDE URBAL, 2008. book_livro_tecnico.indb 170 20/07/2011 17:42:09 Figura 20 – Experiência da UnB com o uso do entulho da construção para a produção de moradias populares. NOVOS PARADIGMAS TECNOLÓGICOS PARA A CONCEPÇÃO DE PROJETOS Pode-se observar, portanto, que o gerenciamento dos resíduos, que utiliza a coleta seletiva e a reciclagem, promove o destino adequado de cada fração dos resíduos: a fração orgânica é destinada para a compostagem e os vidros, metais, plásticos para a reciclagem, retornando à cadeia produtiva. Dessa forma, é possível reduzir a quantidade de resíduos encaminhados para aterros, aumentando a sua vida útil e diminuindo o desperdício de materiais e energia. O envolvimento de cooperativas de catadores nos projetos de coleta seletiva, por outro lado, permite a geração de emprego e renda para segmentos excluídos e marginalizados da população. No que se refere aos resíduos da construção civil, a Resolução Conama nº 307/2003 estabelece a gestão desses resíduos por meio do Plano Integrado de Gerenciamento de Resíduos da Construção Civil, que deve ser elaborado pelos municípios. No âmbito desse Plano, cabe aos geradores a elaboração e implementação de seus Projetos de Gerenciamento de Resíduos da Construção Civil, e às Prefeituras Municipais os Programas Municipais de Gerenciamento de Resíduos de Construção Civil oriundos de geradores de pequenos volumes. Pesquisas realizadas na Universidade de Brasília – UnB têm apontado a potencialidade de utilização dos resíduos da construção para a produção de novos materiais e componentes para habitações e infraestruturas, como placas de piso, blocos de vedação, argamassas, meio-fio, etc. Foi constatado pela UnB que o entulho da construção tem potencial para a construção de moradias de interesse social, realizadas por meio de autoconstrução, permitindo economia de matéria-prima e de energia (Figura 20). Fonte: http://images.google.com.br/imgres?imgurl=http://www.espacoacademico.com.br Estudos realizados por Zordan e Paulon (2008), com resíduos da construção, indicaram que o entulho pode ser utilizado como agregado na confecção de concreto não estrutural destinado à infraestrutura urbana (Figura 21). 171 Figura 21 – Entulho processado pela usina de reciclagem de Ribeirão Preto. Fonte: www.reciclagem.pcc.usp.br/a_utilizacao_entulh... book_livro_tecnico.indb 171 20/07/2011 17:42:11 Quanto aos resíduos dos serviços de saúde, a Resolução do Conama nº 358/2005 estabelece que a responsabilidade pelo gerenciamento desses resíduos, desde a geração até a disposição final, é do estabelecimento de saúde, que deve assegurar os requisitos ambientais e de saúde pública em seu manejo. Para tanto, deve ser elaborado um Plano de Gerenciamento de Resíduos de Serviços de Saúde – PGRSS, integrante do licenciamento ambiental. Esse Plano deve considerar os princípios da não geração, minimização da geração, devendo, ainda, contemplar as diversas ações do gerenciamento, a saber: geração, segregação, acondicionamento, coleta, armazenamento, transporte, tratamento e disposição final (Figura 22). Figura 22 – Processo de manejo dos resíduos dos serviços de saúde. Fonte: http://www.semasa.sp.gov.br/imagens/noticias/coleta-infectantes.jpg A destinação final dos resíduos, hoje um dos maiores desafios do país, vem sendo estudada com vistas a identificar alternativas mais viáveis do ponto ambiental e financeiro. Para municípios de pequeno porte, algumas alternativas têm sido indicadas, tais como: Aterro Sustentável; Aterros Sanitários em Valas, padrão CETESB; Aterros Sanitários Simplificados, tipo CONDER; e Aterros Sanitários Manuais, padrão CEPIS/OMS (MAY, 2007). 172 O Aterro Sustentável foi proposto pelo PROSAB 3 para municípios com população até 10.000 habitantes (CASTILHOS JR. e outros, 2003), sendo caracterizado pela [...] abertura de trincheiras onde o resíduo é disposto, que ao fim de uma jornada diária recebe uma camada de cobertura intermediária, feita, preferencialmente, com solo proveniente da escavação. Deverão ser previstos sistemas para impermeabilização, drenagem de gases e lixiviados, além da cobertura de todo o sistema [...] (GOMES e MARTINS, 2003, p.68). book_livro_tecnico.indb 172 20/07/2011 17:42:13 A Figura 23 apresenta um desenho esquemático desse tipo de aterro. Figura 23 – Detalhe de uma trincheira no aterro sustentável tipo PROSAB. Corte AA` LT LB A Ancoramento da geomembrana Cobertura da trincheira N.A R.S.U Saibro A` CT CB Geomembrana - PEAD Brita 1 0,8mm Cano de PVC 75mm Legenda: Poço de coleta de lixiviado LT - Largura do topo da trincheira LB - Largura da base da trincheira CT - Comprimento do topo da trincjeira CB - Comprimento da base da trincjeira Fonte: GOMES e MARTINS, 2003. Os aterros sanitários em valas do tipo CETESB, conhecidos como trincheiras de pequenas dimensões, são recomendados para municípios que geram até 10 toneladas por dia de resíduos (CETESB, 1997 apud MAY, 2008) ou com população de até 25.000 habitantes (CETESB, 2005) e para municípios que não dispõem de recursos financeiros para aquisição de equipamentos e implantação e operação de um aterro convencional (MAY, 2008). No caso desse tipo de aterro, os resíduos são descarregados pelas laterais em valas de largura e profundidade de aproximadamente 3 m, com preenchimento diário das trincheiras, no sentido longitudinal, com o próprio solo da escavação, sem o ingresso do veículo no seu interior. O comprimento das valas depende da configuração da área escolhida e o seu seccionamento é feito a cada 20 m de comprimento com 0,5 m de espessura de solo natural, sendo que a vida útil recomendada é de, no máximo, um mês (MAY, 2008). Na Figura 24 pode-se ver o esquema de um aterro sanitário em valas da Cetesb. NOVOS PARADIGMAS TECNOLÓGICOS PARA A CONCEPÇÃO DE PROJETOS Planta baixa Figura 24 – Desenho esquemático de um aterro em valas tipo Cetesb. 173 Fonte: CETESB, 1997. book_livro_tecnico.indb 173 20/07/2011 17:42:15 O aproveitamento energético dos resíduos sólidos tem sido outra tendência de utilização. Henriques (2004) constatou que no mundo existem 950 plantas de aproveitamento do gás gerado no processo de decomposição anaeróbia dos resíduos, sendo que 325 estão nos Estados Unidos, 150 na Alemanha e 135 na Inglaterra. Segundo a autora, os aterros sanitários representam uma oportunidade de redução de emissão de metano, em vários países, além de apresentarem oportunidades de geração ou recuperação de energia e produção de fertilizantes orgânicos (compostagem), que podem ser associados a um processo de reciclagem, com ganhos econômicos e ambientais pela matéria-prima virgem evitada. Alguns países como Estados Unidos e o Reino Unido criaram programas de recuperação de metano que reduzirão suas emissões de metano em 50% ou mais nas próximas décadas e que têm um ganho econômico pelas emissões evitadas e, principalmente, pela recuperação ou geração de energia (p. 62). Por fim, é importante pontuar que a problemática dos resíduos sólidos tem vínculos com o estilo de desenvolvimento, e que seu enfrentamento depende da revisão da lógica de produção e consumo, sendo as tecnologias limpas e a gestão integrada dos resíduos sólidos ações que deverão compor uma política mais ampla de desenvolvimento social. 174 book_livro_tecnico.indb 174 20/07/2011 17:42:17 6. SANEAMENTO INTEGRADO Assim, em muitas localidades, a implantação de sistemas de esgotamento sanitário encontra fortes limitações em razão da inexistência de ações de manejo das águas pluviais e de coleta de lixo, que interferem sobremaneira na implantação, operação e manutenção destes sistemas. Por outro lado, as dificuldades financeiras de uma parcela da população para realizar as ligações de esgotos de suas casas, ou para dotá-las com instalações sanitárias adequadas, têm exigido a adoção de programas específicos para superar esses problemas. Além disso, todas essas ações não podem prescindir de processos participativos e de educação sanitária e ambiental, ações que têm se mostrado cada vez mais necessárias, não só para os processos da seleção de tecnologias apropriadas às realidades locais, como também para o funcionamento e uso correto das estruturas implantadas. Projetos de ações integradas de saneamento ambiental ou de saneamento integrado vêm sendo realizados em diversos municípios brasileiros. Esse modelo de intervenção pressupõe ações integradas e intersetoriais, em nível local, e a participação da comunidade-alvo, tendo por objetivo alterar as condições de salubridade do ambiente e a qualidade de vida da população. Nesses projetos, a participação ativa e crítica da população deve ser garantida desde a fase do diagnóstico, passando pela concepção, elaboração de projetos, implantação, operação e manutenção. Essa participação busca superar a visão utilitarista da população sobre a operação e manutenção dos projetos, para construir, em conjunto com os diversos segmentos sociais e o poder público, intervenções que, além de alterar as condições de vida da população, promovam o seu empoderamento com vistas à ampliação de ações cidadãs. O saneamento integrado é uma modalidade de intervenção composta de ações intersetoriais, que visam dotar as áreas de intervenção com condições adequadas para uma vida saudável, envolvendo ações de abastecimento de água, esgotamento sanitários, pavimentação, drenagem das águas pluviais, melhoria ou implantação de instalações hidráulicas e sanitárias, intervenções urbanísticas, educação sanitária e ambiental, coleta, tratamento e destinação final dos resíduos, controle de vetores e operação e manutenção permanente dos sistemas implantados. (MCIDADES, 2008). NOVOS PARADIGMAS TECNOLÓGICOS PARA A CONCEPÇÃO DE PROJETOS A integralidade das ações de saneamento básico é um dos princípios fundamentais para a prestação destes serviços públicos, conforme definido na Lei nº 11.445/2007. A adoção de ações integradas de saneamento, principalmente em áreas periurbanas, tem se tornado uma exigência em face das inter-relações da implantação, operação e manutenção dos sistemas de saneamento, sendo, inclusive, fator preponderante para a efetividade das intervenções. 175 As áreas objeto de intervenção em saneamento integrado geralmente são caracterizadas como favelas, invasões, loteamentos irregulares, áreas de ocupação espontânea ou subnormais. Com o Estatuto das Cidades e a Política Nacional de Habitação – PNH, essas diferentes características ou denominações foram unificadas sob o conceito de “assentamentos precários” (MCIDADES, 2008). Duas tipologias compõem esse tipo de assentamento: o cortiço e áreas que necessitam de ações de urbanização em face da ausência ou precariedade de infraestrutura, saneamento, regularização fundiária, inadequação das moradias ou do terreno ocupado (DENALDI, 2008 citado por MCIDADES, 2008). Os projetos de Saneamento Integrado são voltados para áreas enquadradas na segunda tipologia de assentamentos precários. As intervenções nos assentamentos precários objetivam a melhoria das condições sanitárias, o controle dos riscos geotécnicos e de inundações e a integração física das áreas de intervenção ao bairro em que está situado, visando à inserção social da população-alvo (MCIDADES, 2008). book_livro_tecnico.indb 175 20/07/2011 17:42:19 Esse tipo de intervenção exige certa capacidade institucional para o seu planejamento e gestão, considerando as rotinas de licenciamento, definição de diretrizes, elaboração de projetos, planejamento e execução das obras e ações que, normalmente, devem ser realizadas pelo órgão executor, quer seja uma prefeitura ou um órgão estadual. Em algumas situações é importante avaliar a necessidade de contratar equipes especializadas para realizar parte das ações ou um conjunto de ações (MIDADES, 2008). Essas intervenções são financiadas pelo governo federal, mas requerem a existência de uma Política de Habitação e de um Plano Local de Habitação de Interesse Social – PLHIS, para efetivação da contratação, requisito previsto na Lei nº 11.124/2005, que se constitui em um dos instrumentos do Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social – SNHIS. Se o projeto focar, exclusivamente ou predominantemente, ações de saneamento básico, o município deverá, até dezembro de 2010, ter instituído a Política e elaborado o Plano Municipal de Saneamento Básico. As fontes de financiamentos de projetos de intervenções em assentamentos precários, como o Saneamento Integrado, envolvem recursos do orçamento geral dos próprios municípios, da União, de órgãos estaduais de habitação ou, ainda, dos prestadores dos serviços de água e esgoto. No nível federal, além dos planos referidos no parágrafo anterior, os financiamentos geralmente estão condicionados à seleção dos projetos em chamada pública do Ministério das Cidades e a atender aos requisitos estabelecidos pelo mesmo. No caso de financiamentos com recursos não onerosos, os projetos devem estar consignados no Orçamento Geral da União (OGU), conforme previsto no Plano Plurianual (PPA). No caso de financiamentos onerosos, com recursos do FGTS ou do FAT/BNDES, além da seleção dos projetos em chamada pública, para o que observar os regulamentos desses fundos, o tomador – município, estado, ou empresa municipal ou estadual de saneamento ou de habitação – deve atender aos requisitos da Lei de Responsabilidade Fiscal, no que diz respeito ao limite de endividamento, e ter capacidade de pagamento, conforme avaliação do agente financeiro. E ainda, a situação institucional da prestação dos serviços deve estar regular e o projeto executivo e respectivo orçamento devem ser aprovados pelo agente financeiro. 176 Pode-se também solicitar financiamento externo junto ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Corporação Andina de Fomento (CAF) e ao Banco Mundial (BIRD) (MCIDADES, 2008). Nesses casos, o empréstimo deverá contar com uma análise prévia da Comissão de Financiamento Externo – Cofiex, ligada ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG). As solicitações de financiamentos devem ser feitas por meio de uma Carta Consulta, atendendo ao Decreto nº 3.502, de 12 de junho de 2000, e ao Manual de Financiamentos Externos. A tramitação das propostas de financiamento se dá conforme procedimentos definidos pelo MPOG e pelos agentes financeiros contendo, normalmente, os seguintes passos: Apresentação ao Cofiex; CartaConsulta; Aprovação pelo Cofiex; Identificação do Projeto; Preparação; Avaliação; Negociação; Aprovação da Diretoria; Aprovação pelo Senado Federal e Assinatura. Caso o projeto tenha participação dos governos estadual e/ou municipal, a contração de empréstimo externo também deve ser aprovada pela Assembleia Legislativa e/ou pela Câmara de Vereadores. Projetos financiados por essas instituições estão sujeitos também ao atendimento de uma série de exigências vinculadas às suas políticas para os países em desenvolvimento. Projetos, como o de Saneamento Integrado, geralmente enfrentam dificuldades relacionadas às práticas profissionais e do poder público, quanto ao diálogo com outros setores da administração e com a população. No entanto, as experiências até aqui realizadas têm demonstrado que projetos de ações integradas que envolvem a participação cidadã têm maior potencial de êxito. Os avanços sociais alcançados pelos projetos têm sido associados à democratização dos processos de decisão e, consequentemente, à participação da sociedade. Tanto o Estatuto das Cidades como a Lei Nacional de Saneamento Básico reconhecem a importância da participação social ao incorporarem instrumentos e mecanismos para a sua promoção. book_livro_tecnico.indb 176 20/07/2011 17:42:21 Uma experiência que merece referência é o Projeto Aisam II desenvolvido a partir de uma parceria entre a Universidade Federal da Bahia, a Universidade Estadual da Bahia – Projeto Thaba, a Prefeitura Municipal de Salvador, a Empresa Baiana de Águas e Saneamento e a Fundação Nacional de Saúde – Funasa. O projeto teve por objetivo desenvolver um modelo intervenção de ações integradas de saneamento ambiental em área periurbana de Salvador, a partir da integração intra e interinstitucional nos três níveis de governo, com a participação da população local em todas as fases do projeto (MORAES, SANTANA e PORTELA, 1996). O projeto foi desenvolvido entre os anos de 1993 a 1997, na localidade da Baixa do Camurujipe, assentamento periurbano de Salvador, com população de 4.374 habitantes e 940 domicílios. Com financiamento do extinto Ministério do Bem-Estar Social, no âmbito do Programa Habitar Brasil, no valor de US$ 1,5 milhão, foram implementadas ações de: abastecimento de água; esgotamento sanitário; drenagem de águas pluviais; limpeza pública; pavimentação das vias; construção e melhoria de moradias; e programa de educação sanitária e ambiental. Visando abrir um espaço democrático e criativo, que promovesse a construção e exercício da cidadania, e que reconhecesse as estratégias simbólicas e discursivas dos diferentes atores sociais envolvidos no projeto, foram criados canais de comunicação. A intenção era promover a disseminação, apropriação ou, ainda, a rejeição dos conhecimentos provenientes do processo de interação entre técnicos e população. Pretendia-se com isso abrir espaços para o conhecimento e reconhecimento da realidade e propiciar negociações entre os diferentes atores. Entre os canais de comunicação utilizados, o mais importante foi o Comitê Gestor Conjunto, composto por representantes dos três níveis de governo e da comunidade local. O Comitê se constituiu no fórum democrático de decisões e implementação do projeto e no locus onde ocorreram as negociações e as definições das intervenções a serem implementadas. Coube ao Comitê a definição dos projetos, da concepção até a aprovação, além do acompanhamento da execução, funcionamento e avaliação das ações (MORAES e outros, 2002). Alguns resultados podem ser destacados: melhoria significativa na salubridade ambiental, apesar da qualidade da água consumida pela população não ter melhorado; impacto positivo na saúde da população local; satisfação dos moradores com as intervenções de saneamento e moradia. O processo participativo promoveu a capacitação da população, embora não se tenha observado a ampliação da capacidade crítica sobre a pobreza. Por outro lado, ocorreu um novo arranjo na organização social local, com a ampliação de seu campo de ação. Alguns dados sugeriram interferências positivas do projeto na melhoria da autoestima da população e na redução da violência local, atribuídas à melhoria da imagem do lugar e aos processos participativos, principalmente, dos mutirões para a autoconstrução de moradias. A localidade, antes vista como um espaço insalubre, marginal, com contornos típicos de “invasão”, passa a ter uma imagem de bairro, passível de ser incorporada à cidade legal. O bairro abre-se para a cidade e torna-se mais digno, interferindo positivamente na autoestima de seus moradores. Os indicadores de saúde antes e depois das intervenções demonstram os impactos positivos do projeto, havendo redução substancial na diarreia de crianças entre 0 a 5 anos e das parasitoses intestinais (Figuras 24 e 25). book_livro_tecnico.indb 177 NOVOS PARADIGMAS TECNOLÓGICOS PARA A CONCEPÇÃO DE PROJETOS Segundo Moraes e Guimarães (1997), a experiência da participação social leva, necessariamente, ao diálogo de saberes entre técnicos e comunidade para o reconhecimento da realidade local nos aspectos social, cultural e ambiental. Os autores consideram o processo essencialmente educacional e uma ação contínua de aprendizado recíproco, de exercício e conquista da cidadania. 177 20/07/2011 17:42:23 Figura 25 – Prevalência de diarreia, em crianças de 0 a 5 anos, antes e após as intervenções do Projeto AISAM II. Baixa do Camurujipe/Salvador, 1993 – 1998. 50 40 % 30 20 10 0 ago/93 ago/94 fev/95 mai/95 jul/96 jul/97 jul/98 Fonte: MORAES e outros (2002). Figura 26 – Prevalência de Ascaris lumbricoides, em crianças de 7 a 14 anos, antes e após as intervenções do Projeto AISAM II. Baixa do Camurujipe/Salvador, 1994 – 1997. 100 80 178 % 60 40 20 0 1994 % 89,18 53,34 Fonte: MORAES e outros (2002). A pesquisa realizada junto aos moradores evidenciou que cerca de 77% dos entrevistados consideraram que a vida no bairro melhorou após as intervenções do projeto, sendo que 63% deles atribuíram este fato às obras realizadas. Outro exemplo que merece referência é o da Prefeitura Municipal de Recife, que vem implementando projetos de ações integradas book_livro_tecnico.indb 178 20/07/2011 17:42:25 Figura 27 – Foco das Ações de Saneamento Integrado da Prefeitura Municipal do Recife. INTERVENÇÕES URBANÍSTICAS COLETA E DESTINAÇÃO DO LIXO ENTO INTEGRAD M A SISTEMA DE ÁGUA PAVIMENTAÇÃO Fonte: Cavalcanti e outros, 2008. CONTROLE DE VETORES DE DOENÇAS O SA N E INSTALAÇÕES HIDROSANITÁRIAS EDUCAÇÃO SANITÁRIA E AMBIENTAL SISTEMA DE ESGOTO DRENAGEM Do ponto de vista institucional, a Política Municipal de Saneamento de Recife é executada pela Secretaria Municipal de Saneamento e pela Autarquia Municipal de Saneamento, esta última criada em 2006, a partir de deliberação da I Conferência Municipal de Saneamento de Recife, realizada em abril de 2002. A autarquia é um órgão executivo dotado de autonomia administrativa e financeira e, portanto, com maior agilidade e racionalidade nos processos de licitação, contratação e execução de obras e serviços, comparativamente com órgãos da administração direta. Sua criação veio coroar as negociações com o governo do estado e a Compesa para a gestão associada dos serviços de água e esgoto no município de Recife, assegurando à prefeitura uma participação decisiva na administração desses serviços. Para a execução dos projetos de saneamento integrado foram constituídos Escritórios de Saneamento que têm por objetivo: • integrar o cidadão e atender às suas necessidades, no que se refere à operação, manutenção, reforma e melhorias do sistema de saneamento básico; • executar ligações domiciliares e complementação de ramais de água e esgotos; • operar e manter as estações elevatórias e estações de tratamento de esgoto (integrando a Compesa no atendimento destes serviços); • promover ações de educação sanitária e ambiental com reuniões socioambientais, visitas domiciliares; • executar serviços adicionais como: Planos Urbanísticos (remoções e reassentamentos, auxílio-moradia, indenizações parciais book_livro_tecnico.indb 179 NOVOS PARADIGMAS TECNOLÓGICOS PARA A CONCEPÇÃO DE PROJETOS de saneamento, o chamado Saneamento Integrado. Essa experiência tem sido usada como referência para o Pro-metrópole, tendo, inclusive, sido citada por diversos organismos e fóruns de debates (Washington/EUA, Kyoto/Japão, Mumbai/Índia, etc.) e objeto de visita do Subsecretário Geral da ONU e do Diretor Executivo do Programa Habitat. O modelo de intervenção se sustenta em iniciativas intersetoriais envolvendo ações físicas, sociais e educativas que visam melhorar o ambiente domiciliar e peridomiciliar, com vistas à promoção da qualidade de vida. O processo de implantação dos projetos é guiado por metodologia de intervenção social que visa incentivar a tomada de consciência e criar espaços para o exercício da cidadania ativa e crítica. As atividades incluem ações que promovam o fortalecimento de organizações sociais locais e a ampliação da participação popular na administração do bem público e nas ações de educação sanitária e ambiental, voltadas para a sustentabilidade dos sistemas implantados (PINTO, 2007 e CALVANANTI e outros 2008; ROCHA e outros 2008). O saneamento integrado envolve ações de abastecimento de água, esgotamento sanitário, resíduos sólidos, drenagem urbana, melhorias sanitárias, controle de vetores, educação sanitária e ambiental, intervenções habitacionais e urbanísticas e pavimentação. A Figura 26 ilustra o foco das ações do Saneamento Integrado no Município de Recife. 179 20/07/2011 17:42:27 e totais); Programa Operação Trabalho e Absorção da Mão-de-Obra local, canais de participação popular e controle social, entre outros (CAVALCANTI e outros, 2008). As áreas de intervenção são selecionadas pelo poder público e pela população, por meio de votações em reuniões do Orçamento Participativo. As primeiras localidades que sofreram intervenções foram os bairros de Mangueira e Mustardinha, mediante um convênio entre a prefeitura municipal e o governo estadual, com interveniência da Compesa. O bairro da Mangueira, com área de 64,6 ha e população de aproximadamente 19.671 habitantes, foi contemplado com ações de Saneamento Integrado no valor de R$ 21 milhões, incluindo a construção de moradias no interior de seu território e de um conjunto habitacional em terreno próximo. Na Mustardinha, com área de 38,1 ha e população de 11.093 habitantes, as intervenções de Saneamento Integrado envolveram as áreas críticas de Jacaré e Beirinha, que formavam aglomerados urbanos informais, sem condições mínimas de infraestrutura básica (CAVALCANTI e outros, 2008). No total, entre 2002 e 2005, a Prefeitura Municipal de Recife atendeu a uma população de 181.134 habitantes, com diversas ações de saneamento, como pode ser visto na Tabela 7. Tabela 7 – Ações implementadas pela Secretaria de Saneamento de Recife. Ação População beneficiada Implantação de sistema de esgotamento sanitário 30.740 Saneamento integrado 8.042 Operação e manutenção de sistemas de esgotamento sanitário 73.689 Pavimentação e drenagem 25.545 Recuperação de sistemas de esgotamento sanitário 43.118 Total 181.134 Fonte: (CAVALCANTI e outros, 2008). Entre os anos de 2001 a 2006, segundo o SNIS (2008), a população urbana de Recife com esgotamento sanitário cresceu 25% (Figura 27), o que evidencia que as ações da prefeitura vêm alterando gradativamente a situação de saneamento do município. População urbana com esgotamento sanitário 180 Figura 28 – População urbana do município de Recife com esgotamento sanitário, 2001 – 2006. 800.000 660185 600.000 561649 400.000 607833 486284 200.000 0 Fonte: Ministério das Cidades, 2008a. book_livro_tecnico.indb 180 608950 586551 2001 2002 2003 2004 2005 2006 20/07/2011 17:42:29 7. REFERÊNCIAS ABUJAMRA, R. C. 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O que é avaliar....................................................................................................................................................................196 1.2. Quais os tipos de avaliação de políticas públicas?.............................................................................................................196 1.3. O que vai ser avaliado? Qual o objeto da avaliação?...........................................................................................................198 1.5. Quem avalia? Quais são os sujeitos do processo de avaliação?..........................................................................................200 2. Sistema de Indicadores: Objetivos, Métodos e Critérios de Seleção...............................................................................202 2.1 Modelos de sistemas de indicadores.................................................................................................................................202 2.2 Avaliação do conhecimento produzido sobre indicadores...................................................................................................203 Algumas Experiências de Avaliação de Políticas e Programas de Saneamento............................................................205 4. Recomendações para a Avaliação do Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB).............................................218 5.Referências..........................................................................................................................................................................219 AVALIAÇÃO DO PLANO MUNICIPAL DE SANEAMENTO BÁSICO: CONCEITOS, EXPERIÊNCIAS BRASILEIRAS E RECOMENDAÇÕES 1.4. Sob quais princípios de política pública a avaliação se sustenta?.......................................................................................199 191 book_livro_tecnico.indb 191 20/07/2011 17:42:47 book_livro_tecnico.indb 192 20/07/2011 17:42:47 APRESENTAÇÃO O presente texto visar discutir a temática da avaliação de políticas públicas, objetivando contribuir para a definição de modelos de avaliação de Planos Municipais de Saneamento Básico, em consonância com os esforços da Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental, do Ministério das Cidades, em auxiliar os municípios nesta tarefa. AVALIAÇÃO DO PLANO MUNICIPAL DE SANEAMENTO BÁSICO: CONCEITOS, EXPERIÊNCIAS BRASILEIRAS E RECOMENDAÇÕES O documento aborda aspectos conceituais e metodológicos da avaliação de políticas públicas, discute o tema dos indicadores, os modelos de avaliação, apresenta algumas experiências na avaliação de política de saneamento básico e recomendações para a avaliação de Planos Municipais de Saneamento Básico. 193 book_livro_tecnico.indb 193 20/07/2011 17:42:49 book_livro_tecnico.indb 194 20/07/2011 17:42:49 1. AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS: IMPORTÂNCIA, CONCEITOS E TIPOS A prática da avaliação de políticas públicas é muito recente no Brasil. Foi na década de 1980 que o interesse por esta temática se ampliou. No nível mundial, as preocupações em avaliar os resultados das intervenções públicas se iniciam após a Segunda Guerra Mundial, quando o ocidente passa a implementar políticas públicas para a reconstrução dos países destruídos pela guerra. Nesse momento havia uma grande preocupação dos governos com o uso eficaz dos recursos públicos, principalmente em face da crise econômica do pós-guerra e das demandas de uma sociedade organizada e cada dia mais exigente quanto à atuação do Estado no campo das políticas públicas. No Brasil, os modelos de avaliação têm privilegiado análise da eficácia e eficiência das políticas e programas, negligenciando-se a efetividade. Assim, procura-se saber se as metas das políticas e programas foram cumpridas e se os gastos foram compatíveis; mas, os resultados, os impactos, geralmente, não são objeto de análise. A avaliação de uma política pública não se restringe ao exame comparativo entre o proposto e o realizado (eficácia). No mesmo sentido, as avaliações têm sido mais direcionadas para o estudo do processo político de sua formulação e de tomada de decisão, principalmente em estudos acadêmicos, sendo dada pouca atenção ao conteúdo, às consequências ou aos impactos das políticas. Geralmente, em uma avaliação de política ou programa deseja-se saber se: • o conteúdo da política ou programa traçado e realizado foi o adequado para se atingir os objetivos pretendidos; • a política ou programa foi desenvolvido conforme inicialmente definido; • os objetivos e metas foram atingidos; • os recursos financeiros investidos foram devidamente aplicados; • os recursos financeiros investidos foram compatíveis aos objetivos e metas obtidos; • a política ou o programa foi capaz de alterar a realidade; • houve impactos da política e programa na qualidade de vida da população; • até que ponto a política ou o programa contribuiu para a aproximação ou o afastamento da realidade social desejada. AVALIAÇÃO DO PLANO MUNICIPAL DE SANEAMENTO BÁSICO: CONCEITOS, EXPERIÊNCIAS BRASILEIRAS E RECOMENDAÇÕES Porém, a avaliação de política avança mais a partir da década de 1960 e, principalmente, nos anos 1970, com a nova crise econômica em 1973. A necessidade de controlar os custos das intervenções públicas contribuiu para as avaliações de programas governamentais. Naquele momento, diversos países, como os Estados Unidos e a França, criaram organismos que tinham a função de avaliar as novas tecnologias. 195 Assim, percebe-se a complexidade de um processo de avaliação e a necessidade de estabelecer, previamente, os seus objetivos e o modelo da avaliação, devendo-se considerar a equipe técnica (número e qualificação) disponível, o tempo de sua execução, as técnicas de pesquisa e os custos envolvidos. book_livro_tecnico.indb 195 20/07/2011 17:42:51 Para a definição de um modelo de avaliação, pelo menos oito questões devem ser consideradas, a saber: QUESTÕES PARA DEFINIÇÃO DE MODELO DE AVALIAÇÃO DE POLÍTICA PÚBLICA 1. O que é avaliar? 2. Quais os tipos de avaliação? 3. O que vai ser avaliado? Qual o objeto da avaliação? 4. Sob quais princípios de política pública a avaliação se sustenta? 5. Quem avalia? Quais são os sujeitos do processo de avaliação? 6. Como avaliar? Quais os métodos e técnicas da avaliação? 7. Quando avaliar? 8. Quanto custa avaliar? 1.1. O que é avaliar Todo processo de avaliação envolve um juízo de valor, de aprovação ou desaprovação de uma determinada política ou programa. Esse juízo se sustenta em valores, crenças, em visões sociais de mundo. Portanto, o processo de avaliação não é uma atividade neutra, isenta, ou uma ação eminentemente técnica, mas é também uma ação política. Para Arretche (1998, p. 29) “não existe possibilidade de que qualquer modalidade de avaliação ou análise de políticas públicas possa ser apenas instrumental, técnica ou neutra”. Fleury (1994) afirma que o dilema das políticas sociais reside no fato de que não existe critério lógico-científico para a escolha de um princípio de justiça coerente, consistente e superior a qualquer outro, que garanta automaticamente a produção da justiça. 196 Assim, qualquer avaliação de política ou programa se apóia nas subjetividades dos sujeitos que avaliam, estando fortemente vinculada aos valores e visões de mundo desses sujeitos. Por isso é desejável que os processos de avaliação incorporem as diferentes visões, os diferentes sujeitos sociais, isto é, sejam processos participativos. A avaliação de uma política pública envolve o estudo da formulação, do seu desenvolvimento, das ações implementadas, dos resultados e impactos obtidos, e da análise do contexto histórico e social. Para Contandriopoulos e outros (1997), a avaliação tem como objetivos: • analisar o andamento da intervenção em termos de planejamento e execução; • auxiliar a tomada de decisão; • determinar os efeitos da intervenção, visando decidir se a mesma deve ser mantida, modificada ou interrompida; e • agregar conhecimentos para elaboração teórica. Para Pedone (1998) a avaliação de uma política pública visa compreender os valores sob os quais a decisão política foi tomada, visto que esta tem importante papel na criação e na defesa de valores sociais como: igualdade, liberdade, solidariedade e democracia. 1.2. Quais os tipos de avaliação de políticas públicas? Existem diversos enfoques ou tipos de avaliação. Figueiredo e Figueiredo (1986) fazem uma distinção entre avaliação política e avaliação de política. book_livro_tecnico.indb 196 20/07/2011 17:42:54 A avaliação política tem os seguintes objetivos: • Analisar e elucidar os critérios que fundamentam uma política, as razões que a tornam preferível em relação à outra. • Verificar se a política contribuiu para o bem-estar da população. • Examinar o caráter político do processo decisório que levou à adoção de uma determinada política, como também os valores e critérios políticos que a orientam, independentemente da engenharia institucional e de seus resultados (ARRETCHE, 1998). Avaliação política Nesse tipo de avaliação não se discute o mérito da apropriação dos benefícios da política pela população e sim os fundamentos conceituais e políticos que apoiam uma política. • Examinar a engenharia institucional, os traços constitutivos dos programas. • Elucidar se a política está condizente com princípios de justiça política e social minimamente aceitos e sobre os quais existe um consenso mínimo e, ainda, se houve a efetiva apropriação dos benefícios (FIGUEIREDO e FIGUEIREDO, 1986). Avaliação de política Contandriopoulos e outros (1997), propõem dois tipos de avaliação de política: a normativa e a avaliativa, que têm as seguintes características: Pesquisa normativa • Apreciação da estrutura da política ou programa: avalia a aplicação dos recursos, a estrutura administrativa, a capacitação do pessoal em relação aos resultados esperados. • Apreciação do processo: avalia o acesso, a cobertura, a adequação, a continuidade e a cortesia dos serviços para que se atinjam os resultados, verifica, ainda, a satisfação da população e o nível de abordagem multiprofissional e interorganizacional. AVALIAÇÃO DO PLANO MUNICIPAL DE SANEAMENTO BÁSICO: CONCEITOS, EXPERIÊNCIAS BRASILEIRAS E RECOMENDAÇÕES A avaliação de política tem os seguintes objetivos: Pesquisa avaliativa • Apreciação dos resultados: compara os resultados com normas e critérios. 197 • Análise estratégica: avalia a pertinência da intervenção frente à problemática, a estratégia de desenvolvimento e se os recursos são os adequados. • Análise da intervenção: analisa a capacidade de os recursos e serviços disponibilizados atingirem os objetivos definidos. • Análise da produtividade: estuda o modo como os recursos foram aplicados para produzir os serviços. Pergunta-se: era possível produzir mais serviços com os mesmos recursos? book_livro_tecnico.indb 197 20/07/2011 17:42:56 • Análises dos efeitos: avalia a influência da intervenção na alteração do quadro anterior e a eficácia das ações. São verificados: o nível de cobertura, a aceitação e a acessibilidade da população-alvo. • Análise de rendimento: analisa a eficiência e relaciona os recursos empregados com os efeitos obtidos (análise de custobenefício, custo-eficácia ou custo-utilidade). • Análise de implantação: analisa a relação (sinergia) entre um contexto e uma intervenção. A avaliação de política envolve a análise de três critérios analíticos de políticas públicas: efetividade, eficácia e eficiência. Efetividade • Exame da relação entre a implementação de um programa e seus impactos e (ou) resultados. • Avalia-se o sucesso ou o fracasso em termos de uma efetiva mudança nas condições sociais prévias das populações atingidas pelo programa sob avaliação. • Está fortemente relacionada a determinados ideais de igualdade e justiça social. • Deve demonstrar que uma determinada realidade social tem uma relação de causalidade com uma política em particular. • Os estudos de efetividade das políticas são muito difíceis e raros (FIGUEIREDO e FIGUEIREDO, 1986 e ARRETCHE, 1998). Eficácia • Critério mais aplicado, por ser mais factível e de menor custo. • Verifica os objetivos e instrumentos explícitos de um determinado programa e seus resultados efetivos. • Verifica as metas ou instrumentos propostos e os efetivamente atingidos (FIGUEIREDO e FIGUEIREDO, 1986; RICO e outros, 1998). Eficiência • Estuda a relação entre o esforço empregado na implementação de uma determinada política e os seus resultados alcançados. • Verifica a utilização de recursos públicos na implementação da política, o que envolve os princípios de probidade, competência e eficiência no seu uso (FIGUEIREDO e FIGUEIREDO, 1986; ARRETCHE, 1998). CRITÉRIOS ANALÍTICOS DE AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS: • Efetividade • Eficácia • Eficiência 198 1.3. O que vai ser avaliado? Qual o objeto da avaliação? Qualquer processo de avaliação deve delinear e definir claramente o objeto a ser avaliado, pelo simples fato de que não é possível avaliar o que não se conhece. Assim, avaliar uma política ou programa de educação, saúde, saneamento envolve ter certo domínio sobre esses campos de ação das políticas públicas. Evidentemente, tais campos são delineados do ponto de vista conceitual e político. No campo do saneamento básico, os conceitos vêm sendo debatidos mais intensamente nas três últimas décadas e, mais recentemente, a Lei nº 11.445/2007 assim definiu as suas ações: book_livro_tecnico.indb 198 20/07/2011 17:42:58 SANEAMENTO BÁSICO Conjunto de serviços, infraestruturas e instalações operacionais de: • abastecimento de água potável; • esgotamento sanitário; • limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos; • drenagem e manejo de águas pluviais urbanas. (art. 3º, Lei nº 11.445/2007) Além da visão do saneamento básico como medida de prevenção à saúde, atualmente essa ação tem sido vista como medida de promoção à saúde. O chamado saneamento promocional (SOUZA e FREITAS, 2006) tem uma natureza multidimensional, que ultrapassa a estrutura física e assume um significado mais amplo, não só na dimensão da saúde, sob a perspectiva da ausência de doenças, mas incorporando as dimensões: social, econômica, política, cultural e ambiental. Nessa visão, o saneamento também incorpora um conjunto de ações de educação e participação social, que pressupõe cidadãos ativos e críticos, para que as intervenções possam atingir a efetividade necessária para a garantia da qualidade de vida. Por outro lado, o saneamento básico tem fortes vínculos com a infraestrutura e o desenvolvimento urbano. Uma cidade, ou município, que tenha desejo de empreender o desenvolvimento social, não pode prescindir do saneamento básico para dar suporte aos serviços e atividades que sustentarão este desenvolvimento. A Figura 1 sintetiza a visão atual sobre a natureza das ações de saneamento básico. Figura 1 – Natureza das ações de saneamento básico. Saneamento básico Medida de promoção à saúde Medida de proteção ambiental Medida de infraestrutura e desenvolvi-mento urbano AVALIAÇÃO DO PLANO MUNICIPAL DE SANEAMENTO BÁSICO: CONCEITOS, EXPERIÊNCIAS BRASILEIRAS E RECOMENDAÇÕES O saneamento básico tem sido caracterizado como: ação de saúde pública, medida de interesse local, direito do cidadão vinculado à moradia digna e à salubridade do meio, ação de proteção ambiental, e, portanto, como direito social e ação vinculada às políticas sociais. Medida de cidadania 199 1.4. Sob quais princípios de política pública a avaliação se sustenta? Uma vez que a avaliação de uma política pressupõe a análise da contribuição de uma determinada política, para o bem-estar da população e da sua adequação aos princípios de justiça política e social, nota-se que um modelo de avaliação deve sustentarse em um paradigma de sociedade, indo além da simples coleta de dados. Tal paradigma deve contemplar as mudanças dos processos sociais e as transformações mais profundas de concepção de sociedade e de estilo de desenvolvimento (BORJA, 1997). Assim, o primeiro passo para a avaliação de uma política pública é definir sob quais princípios ou paradigmas de política pública a avaliação se sustenta. Os princípios que norteiam as políticas públicas são socialmente construídos, recebendo influência da conjuntura social, econômica, política e cultural de cada momento histórico. No campo do saneamento no Brasil, esses princípios foram expressos na Lei nº 11.445/2007, sendo fruto de intensos debates no seio da sociedade brasileira. Uma vez que, como book_livro_tecnico.indb 199 20/07/2011 17:43:01 dito anteriormente, uma avaliação de política deve se sustentar em princípios minimamente aceitos na sociedade, certamente os princípios expressos na Lei Nacional de Saneamento Básico devem ser considerados na avaliação da respectiva política ou programa de governo. Segundo essa lei, os serviços públicos de saneamento básico devem ser prestados com base nos seguintes princípios fundamentais: PRINCÍPIOS DA AVALIAÇÃO DE UMA POLÍTICA PÚBLICA DE SANEAMENTO BÁSICO • Universalização do acesso. • Integralidade das ações. • Saneamento adequado à saúde pública e à proteção do meio ambiente. • Tecnologias apropriadas à realidade local. • Transparência das ações. • Intersetorialidade. • Eficiência e sustentabilidade econômica. • Segurança, qualidade e regularidade. • Controle social. 1.5. Quem avalia? Quais são os sujeitos do processo de avaliação? Conforme já dito, avaliar pressupõe a aprovação ou desaprovação de uma política ou programa a partir da visão social de mundo de quem avalia. Nesse caso, os analistas estão envolvidos em julgamentos filosóficos e de valor. Assim, o ato de avaliar não é neutro ou uma ação estritamente técnica, mas envolve também uma atitude política. Por outro lado, como afirma Demo (1995), avaliar pressupõe participar. Assim, qualquer avaliação da realidade pressupõe a participação crítica e ativa dos agentes sociais, os quais deixam de ser objetos e passam a ser sujeitos do processo de avaliação. Tais sujeitos sociais são aqueles que influenciam na definição das políticas públicas, ou seja: governantes, técnicos da burocracia estatal, diversos segmentos sociais, setores empresariais que representam a iniciativa privada e setores políticos, segundo as diversas matrizes ideológicas e representações (Figura 2). Figura 2 – Segmentos sociais que influenciam nas políticas públicas. Burocracia estatal 200 Política pública Setores políticos book_livro_tecnico.indb 200 Segmentos sociais Setor empresarial 20/07/2011 17:43:03 No Brasil, desde a Constituição de 1988, vem ocorrendo a democratização dos processos de decisão das políticas públicas. Assim, os setores da saúde, do meio ambiente, dos recursos hídricos, da educação, entre outros, dispõem de instrumentos que prevêem a participação e o controle social, como as conferências e os conselhos em que participam representantes dos diversos segmentos da sociedade. Desse modo, a participação não se dá apenas na definição de políticas e programas, mas também no seu acompanhamento e avaliação. AVALIAÇÃO DO PLANO MUNICIPAL DE SANEAMENTO BÁSICO: CONCEITOS, EXPERIÊNCIAS BRASILEIRAS E RECOMENDAÇÕES No campo do saneamento a participação e o controle social estão previstos na Lei Nacional de Saneamento Básico. Dessa forma, o desafio que se coloca é empreender processos de avaliação transparentes, democráticos e participativos, que podem ocorrer via conselhos, comitês de acompanhamento e avaliação e/ou audiências e reuniões públicas. 201 book_livro_tecnico.indb 201 20/07/2011 17:43:05 2. SISTEMA DE INDICADORES: OBJETIVOS, MÉTODOS E CRITÉRIOS DE SELEÇÃO Atualmente, existe um esforço muito grande na construção de sistemas de indicadores para a avaliação de políticas públicas. Os interesses por esta temática datam da década de 1960. De lá para cá diversos sistemas foram desenvolvidos no mundo com vistas a avaliar o desempenho das políticas públicas. Esse esforço é comum na Alemanha, Japão, Canadá, Estados Unidos, entre outros países. A Organização das Nações Unidas – ONU também vem apoiando estudos nessa área, por intermédio do Programa das Nações Unidades para o Desenvolvimento – PNUD. Se antes os indicadores abordavam estritamente a dimensão econômica, por meio do Produto Interno Bruto per capita, hoje os sistemas de indicadores são mais complexos e buscam avaliar a qualidade de vida em suas diversas dimensões. Mas, em que posição os indicadores se colocam no âmbito da avaliação de políticas públicas? Embora exista uma forte tendência de reduzir o processo de avaliação à construção de um sistema de indicadores, na verdade os indicadores se constituem em mais um instrumento de avaliação. Como o nome revela, “indicador” vem da palavra latina “indicare” que significa anunciar, apontar ou indicar (VON SCHIRNDING, 1998). Ou seja, os indicadores apenas indicam uma direção e se integram ao campo das avaliações chamadas quantitativas, que buscam avaliar a realidade dita objetiva. Mas, a realidade tem componentes subjetivos que só a pesquisa qualitativa pode apreender. Assim, é importante situar o alcance e os objetivos de um sistema de indicadores. Para Will e Brigg (1995), os indicadores representam um meio de prover as políticas com informações, de demonstrar seu desempenho ao longo do tempo e de realizar previsões, podendo ser utilizados para a promoção de políticas específicas e monitorar as variações espaciais e temporais das ações públicas. Para um grupo de experts convocados pela ONU, para discutir os indicadores de qualidade do desenvolvimento urbano (ONU, 1977), os indicadores permitem adquirir novos conhecimentos e/ ou transmitir os conhecimentos existentes, não só aos investigadores, mas também aos responsáveis pela tomada de decisões e ao público em geral. Além disso, eles podem ser utilizados para descrever os prováveis resultados das políticas em curso, ou da sua ausência, ou ainda identificar a adaptação e definição de novas políticas. Assim, os objetivos de um sistema de indicadores devem, não apenas contemplar o interesse do poder público em avaliar a eficiência e eficácia das políticas adotadas, mas também ser um instrumento de cidadania, na medida em que informam aos cidadãos o estado do meio ambiente e da qualidade de vida (BORJA, 1997). O processo de construção de um sistema de indicadores envolve uma série de decisões, não se constituindo em apenas um check list de variáveis, indicadores. Dentre as diversas definições que são necessárias para a construção de um sistema de indicadores pode-se citar: 202 Conjunto de decisões para a montagem de um sistema de indicadores • os objetivos do sistema de indicadores; • o marco teórico/conceitual; • os campos disciplinares que participarão da avaliação; • as técnicas e instrumentos de coleta de dados; e • os métodos de ponderação e agregação dos indicadores. 2.1 Modelos de sistemas de indicadores A definição do modelo do sistema de indicadores passa por uma opção paradigmática, implicando em um compromisso de mudanças e indo, portanto, para além da necessidade de um conjunto de dados (PFAFF, 1975). book_livro_tecnico.indb 202 20/07/2011 17:43:08 2.2 Avaliação do conhecimento produzido sobre indicadores O esforço para a construção de um sistema de indicadores é muito recente. Se os objetivos dos indicadores estão relativamente esclarecidos, os modelos de sistemas ainda estão por ser validados, pois carecem de marco teórico, não só para a seleção dos indicadores mais relevantes, como também para a definição de métodos de agregação consistentes. Os sistemas têm privilegiado a base de dados quantitativa e as análises em modelos matemáticos, o que representa uma limitação diante da dimensão subjetiva da realidade. Além da dimensão objetiva, passível de ser avaliada por métodos quantitativos, a realidade tem componentes subjetivos que exigem métodos no campo da avaliação qualitativa e da pesquisa social. O componente subjetivo remete à necessidade de se incorporar a perspectiva de quem vivencia aquela qualidade que se quer avaliar: os cidadãos. A qualidade do ambiente, na sua subjetividade, remete, portanto, à sensação de conforto e bem-estar, algo que não pode ser medido, mas sim sentido de forma diferenciada por indivíduos e grupos de indivíduos. Essa sensação varia ao longo do tempo e do espaço em função de aspectos culturais, econômicos, físicos e sociais, etc. Não há solução científica para o desejo e para o belo. (GONÇALVES, 1988, p. 34) Para Demo (1995), existem duas realidades: a visível e a invisível. A visível é mais afeta às experiências e análises, podendo, portanto, ser captada por avaliações quantitativas. A invisível (qualitativa) exige a compreensão. Na medida em que compreender corresponde a vivenciar, isto significa dizer que é preciso compartilhar uma realidade vivida para entender, e, compartilhar corresponde a participar. Ou seja: para captar a dimensão qualitativa, os atores sociais devem participar do processo de avaliação. Assim, um sistema de indicadores deve tratar de ambas as realidades, quantitativa e qualitativa. Para Guimarães (1984), a qualidade do meio ambiente é uma meta social e comunitária, não podendo ser feudo exclusivo de administradores, técnicos ou cientistas. Em face da complexidade da realidade contemporânea e da dificuldade de mensurá-la por métodos quantitativos, o caminho que alguns pesquisadores têm apontado é incorporar técnicas interativas que estimulem a interdisciplinaridade, que permitam consultas e juízos de expert e a participação cidadã. Como existe um alto grau de complexidade na realidade socioambiental contemporânea, qualquer modelo de sistema de indicadores representa uma tentativa de explicação desta realidade e tem limitações. Isso porque o modelo busca explicar uma realidade que é multifacetada, que é o resultado da interação de diversos fatores e que também é o produto de um processo histórico, econômico e social difícil de ser apreendido em sua totalidade. O modelo, no entanto, cumpre um papel relevante, pois possibilita uma aproximação a esta realidade. AVALIAÇÃO DO PLANO MUNICIPAL DE SANEAMENTO BÁSICO: CONCEITOS, EXPERIÊNCIAS BRASILEIRAS E RECOMENDAÇÕES Assim, a qualidade está impregnada de subjetividade – da qual, por si sós, os números e as estatísticas, elaborados na perspectiva de técnicos e administradores, não podem dar conta. 203 Todo modelo de sistema de indicadores tem limitações, pois é uma representação da realidade. book_livro_tecnico.indb 203 20/07/2011 17:43:10 Portanto, o modelo de sistemas de indicadores deve contemplar métodos quantitativos e qualitativos de avaliação. Os métodos objetivos devem contar com técnicas de coleta, tratamento e análises de dados; e os subjetivos devem articular-se com técnicas da pesquisa participante, onde haja o envolvimento da população como sujeito do processo de investigação. Os grupos focais, as entrevistas com informantes chaves e as pesquisas de opinião podem ser técnicas a serem utilizadas. Borja (1997), estudando metodologias de avaliação da qualidade ambiental urbana, propõe métodos objetivos e subjetivos, que contemplem a perspectiva técnico-científica e a de quem mora no lugar (Figura 3). Figura 3 – Metodologia de Avaliação da Qualidade Ambiental Urbana. Avaliação da Qualidade Ambiental Urbana Métodos objetivos Indicadores quantitativos Métodos subjetivos Indicadores qualitativos Medições no ambiente Qualificação do ambiente • Dados primários • Observação ambiental • Dados secundários • Avaliação de especialistas Avaliação qualitativa Percepção ambiental: • pesquisa de opinião • pesquisa a informantes-chaves • grupo focal • pesquisa participante • pesquisa etnográfica 204 book_livro_tecnico.indb 204 20/07/2011 17:43:13 3. ALGUMAS EXPERIÊNCIAS DE AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS E PROGRAMAS DE SANEAMENTO No campo do saneamento ambiental, a urgência de se estruturar um sistema de indicadores, para avaliar a prestação dos serviços tem sido reconhecida diante da necessidade de se dispor de instrumentos confiáveis que respaldem o planejamento, o acompanhamento da execução e a avaliação da ação pública. Apesar das limitações, os sistemas disponíveis permitem realizar avaliações da situação da prestação de alguns serviços de saneamento no país e, por outro lado, as pesquisas que vêm sendo desenvolvidas no Brasil podem contribuir para a definição de um sistema de indicadores. Atualmente, existem seis sistemas de informação que dispõem de variáveis, indicadores e índices relacionados com o saneamento básico, cujas características estão apresentadas no Quadro 1. Sistema de Informação Censo Demográfico PNAD- Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios PNSB – PESQUISA NACIONAL DE SANEAMENTO BÁSICO Responsável IBGE IBGE IBGE SNIS - Sistema Nacional de Informação em Saneamento Ministério das Cidades SISAGUA Sistema de Informação da Qualidade da Água de Consumo Humano Ministério da Saúde/Secretaria de Vigilância em Saúde SIAB – SISTEMA DE INFORMAÇÃO DE ATENÇÃO BÁSICA PSF – Programa de Saúde Familiar PACs – Programa de Agente Comunitário de Saúde Secretaria de Saúde do Estado da Bahia/SUS Periodicidade 10 anos Anual Indefinida1 Anual Anual Anual Unidade de análise Categorias de análise Disponível em Setor censitário Saneamento básico (água, esgoto e resíduos sólidos), além de indicadores de natalidade, renda, escolaridade, condições de moradia, etc. www.ibge.gov.br Todos os municípios Estado Saneamento básico (água, esgoto e resíduos sólidos) , além de indicadores de renda, escolaridade, condições de moradia, etc. www.ibge.gov.br Todos os municípios Distrito censitário (água e esgoto) e município (drenagem e resíduos sólidos) Saneamento básico (água, esgoto, drenagem e resíduos sólidos). Considerando a oferta e qualidade dos serviços prestados e aspectos da gestão. www.ibge.gov.br Municípios amostrados2 Municípios e Prestadores de Serviços Variáveis técnicas, operacionais e financeiras dos prestadores dos serviços de abastecimento de água, esgotamento sanitário e resíduos sólidos/limpeza pública. www.snis.gov.br Todos os municípios Municípios e Sistemas de abastecimento de água Abastecimento de água (cobertura, condições de tratamento, qualidade do serviço, níveis de atendimento à Portaria nº 518/2004 do MS. Não disponível Saneamento básico (água, esgoto e resíduos sólidos), disponibilidade de filtro, www.datasus.gov.br Abrangência Todos os municípios Todos os municípios Família AVALIAÇÃO DO PLANO MUNICIPAL DE SANEAMENTO BÁSICO: CONCEITOS, EXPERIÊNCIAS BRASILEIRAS E RECOMENDAÇÕES Quadro 1– Sistemas de informação relacionados com o saneamento básico. 205 1 A PNSB foi realizada no ano 2000 e encontra-se em andamento uma nova edição com dados coletados em 2008. 2 Todos os municípios cujos serviços de água e esgotos são prestados pelas Companhias Estaduais de Saneamento e uma amostra, anualmente crescente, de municípios que prestam diretamente os serviços de água e esgotos. Amostra específica para os serviços manejo de resíduos sólidos. book_livro_tecnico.indb 205 20/07/2011 17:43:15 O sistema mais amplo é o Sistema Nacional de Informação em Saneamento – SNIS. Criando em 1995 no âmbito do Programa de Modernização do Setor Saneamento - PMSS, o SNIS tem abrangência nacional e se apóia em banco de dados administrado pelo Ministério das Cidades, recebendo informações dos municípios e dos estados. O Sistema dispõe de uma série de indicadores técnicos, operacionais e financeiros dos serviços de abastecimento de água, esgotamento sanitário e resíduos sólidos/limpeza pública, de um conjunto significativo de municípios brasileiros. Com a aprovação da Lei nº 11.445/2007, foi criado o Sistema Nacional de Informação em Saneamento Básico – SINISA, que deverá construído e alimentado por todas as instâncias que atuam na área do saneamento básico no Brasil. Alguns pesquisadores têm contribuído para a construção de sistemas de indicadores para a avaliação de políticas públicas de saneamento. Piza e Gregori (1999) propuseram o indicador de salubridade ambiental – ISA, calculado pela média ponderada de indicadores relacionados ao abastecimento de água, ao esgotamento sanitário, aos resíduos sólidos, ao controle de vetores, além de indicadores regionais de cada bacia hidrográfica e socioeconômicos (renda, educação e doenças respiratórias e hídricas). Os componentes e variáveis do ISA podem ser vistos no Quadro 2. Quadro 2 – Variáveis e indicadores propostos por Piza e Gregori (1999), para o ISA Índice de Salubridade Ambiental. Componente Abastecimento de água (Peso: 30%) Esgoto sanitário (Peso: 20%) Resíduos sólidos (Peso: 20%) Controle de vetores (Peso: 10%) Variável Cobertura Proporção de domicílios urbanos atendidos. Qualidade da água fornecida Proporção de amostras de água potável coletadas. Saturação dos sistemas produtores Issp= VPX(1+t)n/CP, sendo VP = volume produzido, CP = capacidade de produção, t = taxa unitária de crescimento da demanda em n anos. Cobertura em coleta Proporção de domicílios atendidos por coleta de esgoto (rede ou solução individual). Esgoto tratado Proporção de volume de esgoto tratado. Saturação do tratamento Issp= VPX(1+t)n/CT, sendo VP = volume produzido, CT = capacidade de tratamento, t = taxa unitária de crescimento da demanda em n anos. Coleta de lixo Não informado pelos autores. Tratamento e disposição final Não informado pelos autores. Saturação da disposição final Não informado pelos autores. Dengue Definido em função de critérios de pontuação estabelecidos a partir da existência ou não da doença. Esquistossomose Leptospirose 206 Indicador regional (Peso: 10%) Indicador socioeconômico (Peso: 10%) Indicador Definido em função de critérios de pontuação estabelecidos a partir da incidência anual da doença. Não informado pelos autores. A definir pelos comitês de bacia A definir pelos comitês de bacia. Saúde Não informado pelos autores. Renda Não informado pelos autores. Educação Não informado pelos autores. Fonte: Piza e Gregori (1999). book_livro_tecnico.indb 206 20/07/2011 17:43:17 Sarmento e outros (1999) estabeleceram indicadores de desempenho para os setores de abastecimento de água e esgotamento sanitário, que abrangem os sistemas de produção e distribuição de água, esgotamento sanitário, atendimento ao usuário e impacto ambiental (Quadro 3). Quadro 3 – Indicadores de desempenho para os setores de Abastecimento de Água e Esgotamento Sanitário, segundo Sarmento e outros, (1999). 1 - Cobertura de abastecimento de água 2 - Regularidade do abastecimento 3 - Interrupções do abastecimento 4 - Plano piezométrico 5 - Atendimento ao cliente 6 - Níveis de perdas 7 - Cadastro 8 - Aquisição de áreas 9 - Macromedição 10 - Qualidade de água distribuída 11 - Licenciamento ambiental 12 - Riscos para terceiros 13 - Recuperação de vias públicas 14 - Vazamentos, extravasamentos, descargas 15 - Regularização de áreas 16 - Invasões de áreas 17 - Ruídos nas estações elevatórias, ETEs e ETAs 18 - Recuperação de áreas degradadas • • • • • • • • • • • • • • • • • • 19 - Cobertura de esgotamento sanitário 20 - Qualidade dos efluentes das ETEs, ETAs 21 - Resíduos das estações de tratamento e elevatórias 22 - Contribuintes especiais 23 - Aerossóis nas ETEs 24 - Jurídico • • • • • 25 - Balneabilidade das águas 26 - Energia 27 - Transporte 28 - Reciclagem lodo, químicos 29 - Paisagismo 30 - Reclamações • • • • • SISTEMA DE ESGOTAMENTO SANITÁRIO • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • AVALIAÇÃO DO PLANO MUNICIPAL DE SANEAMENTO BÁSICO: CONCEITOS, EXPERIÊNCIAS BRASILEIRAS E RECOMENDAÇÕES INDICADOR SISTEMA DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA 207 Fonte: Sarmento e outros (1999). book_livro_tecnico.indb 207 20/07/2011 17:43:19 O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES (1999) propôs indicadores para avaliar os serviços prestados pelas concessionárias estaduais de saneamento, visando atender ao que estabelece a Lei de Concessão dos Serviços Públicos, Lei nº 8987/1995. Esse dispositivo determina que um serviço, para ser adequado, deve satisfazer as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na prestação de serviços e modicidade das tarifas. Com base nesses requisitos, foi elaborada uma lista de indicadores técnicos. Os indicadores selecionados, excetuando-se os gerenciais, são os registrados no Quadro 4. Quadro 4 - Indicadores propostos pelo BNDES (1999) para avaliar a adequação dos serviços prestados pelas concessionárias estaduais de saneamento. Componente do saneamento Abastecimento de água Índice Forma de obtenção Índice de cobertura – CBA CBA = nº de imóveis ligados à rede de distribuição x 100/ nº total de imóveis edificados na área de concessão, ou CBA = Extensão em Km de ruas com ligações X 100/extensão total de ruas na área de concessão. Índice de qualidade da água - IQA Média ponderada das probabilidades de atendimento às exigências dos parâmetros de turbidez, cloro residual livre, pH, fluoreto, bacteriologia. IRA = ira/NPM, onde IRA = TPx X 100/TTA. Índice de regularidade do abastecimento de TPx = tempo c/ pressão maior que 8mca. água – IRA NPM = nº de pontos de medidas. TTA = tempo total de apuração (semana, mês ou ano, dado em horas). Esgotamento Sanitário Índice de perdas no sistema de distribuição – IPD IPD = [volume produzido (VAP) – volume fornecido (VAF)]X 100/VAP Cobertura do sistema de esgotos sanitário – CBE CBE = nº de imóveis ligados à rede coletora x 100/ nº total de imóveis edificados na área de concessão, ou CBA = extensão em Km de ruas com rede coletora X 100/extensão total de ruas na área de concessão. Índice de obstrução de redes coletoras – IORC Índice de tratamento de esgoto – ITE Índice de eficiência das estações de tratamento de esgoto – IE da ETE IORC = média anual do número de desobstruções de redes coletoras / extensão da rede em Km. Calculado mensalmente. ITE = volume de esgoto tratado X 100/volume de esgoto coletado. Analise periódica do efluente da ETE, segundo DBO, DQO, toxidade e teor de sólidos em suspensão ou sólidos suspensos totais, coliformes, entre outros. Fonte: BNDES, 1999. 208 Em 1999, a Coordenação de Vigilância Ambiental da Funasa – Covam propôs um conjunto de indicadores para o sistema de informação da vigilância da qualidade da água de consumo humano – o SISAGUA, tendo como metodologia de referência o modelo Forças Motrizes, Pressões, Situação, Exposição, Efeitos e Ações – FPEEEA, da Organização Mundial da Saúde – OMS. Foi estabelecida uma cadeia de causa e efeito de doenças relacionadas com a água, sendo selecionadas as seguintes enfermidades: hepatite A e E, intoxicação por agrotóxico e mercúrio e diarréias agudas. Foram realizadas sugestões de indicadores para cada item da cadeia de causa e efeito. No total, foram propostos 17 indicadores referentes às doenças diarréicas e Hepatite A e E, considerados relevantes para a vigilância da qualidade da água para o consumo humano, os quais estão destacados no Quadro 5. O Conselho Estadual de Saneamento do Estado de São Paulo – Conesan, visando atender as exigências da Política Estadual book_livro_tecnico.indb 208 20/07/2011 17:43:21 de Saneamento no Estado de São Paulo, para avaliar a eficácia do Plano Estadual de Saneamento, elaborou o Indicador de Salubridade Ambiental – ISA, composto por seis indicadores relacionados às áreas de saneamento ambiental, socioeconômica, saúde pública e recursos hídricos. Esses indicadores têm o objetivo de verificar as condições de salubridade em âmbito municipal para a elaboração do Relatório de Salubridade Ambiental no Estado de São Paulo. Os indicadores que compõem o ISA são calculados por meio de expressões com médias aritmética ou ponderada. A pontuação do ISA varia de 0 a 100, e a ponderação dos indicadores é dada de acordo com a importância de cada um para a salubridade do meio (ALMEIDA, 1999). Quadro 5 – Indicadores de vigilância da qualidade da água para consumo humano. Efeito Indicador 1. Qualidade bacteriológica da água (consumida e distribuída) 2. Turbidez da água 3. Níveis de cloro residual 4. Tratamento domiciliar da água 6. Atendimento da legislação de vigilância da qualidade da água 7. Instalações intradomiciliares Doenças diarréicas 8. Cobertura da população em abastecimento de água 9. Cobertura da população em esgotamento sanitário 10. Cobertura da população em limpeza pública 11. Tratamento da água 12. Desinfecção da água 13. Consumo per capita de água 14. Regularidade do serviço de abastecimento de água 15. Intermitência do serviço de abastecimento de água Dos itens de 6 a 10, 13 e 15 Hepatite AeE 16. Certificação dos operadores de Sistemas de Abastecimento de Água (SAS) 17. Taxa média de crescimento populacional AVALIAÇÃO DO PLANO MUNICIPAL DE SANEAMENTO BÁSICO: CONCEITOS, EXPERIÊNCIAS BRASILEIRAS E RECOMENDAÇÕES 5. Atendimento da legislação de controle da qualidade da água Fonte: MS/FNS/COVAM, 1999. 209 book_livro_tecnico.indb 209 20/07/2011 17:43:23 Montenegro e outros (2001) propuseram o Índice de Salubridade Ambiental para Belo Horizonte – ISA/BH como ferramenta principal para elaboração do diagnóstico de salubridade ambiental do Plano Municipal de Saneamento. O ISA/BH têm valores entre 0 e 100 e os coeficientes de ponderação têm soma unitária. O ISA/BH apresenta os índices de abastecimento de água, esgotamento sanitário, resíduos sólidos e drenagem urbana, índice de saúde ambiental e de salubridade da moradia (Quadro 6). Quadro 6 – Composição esquemática do ISA proposto para Belo Horizonte. ÍNDICE INDICADORES Abastecimento de água (Iab) Atendimento de água (ica) Qualidade da água distribuída (iqa) Regularidade do abastecimento (ira) Perdas na distribuição (ipd) Disponibilidade de água potável na RMBH (ida) Esgotamento sanitário (Ies) Atendimento por coleta de esgoto (ice) Interceptação de esgotos (iie) Poluição dos cursos d’água por esgotos (ipe) Tratamento dos esgotos (ite) Resíduos sólidos (Irs) Cobertura por coleta do lixo domiciliar (icl) Varrição (ivr) Tratamento e disposição final (idf) Drenagem urbana (Idu) vulnerabilidade à inundação (ivi) vulnerabilidade aos alagamentos (iva) conservação e assoreamento das galerias de águas pluviais (igp) condições dos fundos de vale (ifv) Saúde ambiental (Iam) dengue (idg) leptospirose (ilp) leishmaniose (ilm) esquistossomose (ieq) mortalidade infantil por doenças de veiculação hídrica (imh) mortalidade infantil e de idosos por doenças respiratórias (imr) Salubridade da moradia (iqm) qualidade da moradia número de moradores por dormitório (ido) Fonte: MONTENEGRO e outros, 2001. 210 book_livro_tecnico.indb 210 20/07/2011 17:43:25 Dias (2003) propõe o Índice de Salubridade Ambiental em Áreas de Ocupação Espontânea – ISA/OE como instrumentos de avaliação de políticas de saneamento. A autora partiu do pressuposto de que a salubridade ambiental é o resultado das condições materiais e sociais, que são vinculadas à situação socioeconômica e cultural, como a renda, os níveis de escolaridade, os hábitos higiênicos, entre outros. O ISA/OE é composto por 23 indicadores agrupados em sete componentes: abastecimento de água, esgotamento sanitário, resíduos sólidos, drenagem urbana, condições de moradia, condições socioeconômicas-culturais e saúde ambiental (Quadro 7). Para a construção do ISA/OE da cidade do Salvador os valores dos indicadores foram homogeneizados por interpolação linear, a partir da média e do desvio padrão, de forma que variassem entre 0 e 100. Com a média aritmética dos indicadores, calculou-se os subíndices de cada componente e, com a média ponderada destes, obteve-se os ISA/OE de cada área estudada na cidade do Salvador. Quadro 7 – Composição do ISA/OE. COMPONENTE Abastecimento de Água (IAA) Esgotamento Sanitário (IES) Resíduos Sólidos (IRS) MATERIAL Drenagem Urbana (IDU) Condições da Moradia (ICM) VARIÁVEL INDICADOR Origem da água Domicílios atendidos com rede pública (%) Freqüência do abastecimento Domicílios em que nunca ou raramente falta água (%) Quantidade de água utilizada no domicílio Consumo médio per capita de água (L/hab.dia) Qualidade da água da rede Amostras de água sem coliformes termotolerantes (fecais) da rede de distribuição (%) Destino dos dejetos sanitários do domicílio Domicílios com destinação adequada dos dejetos sanitários (%) Destino das águas servidas Domicílios com destinação adequada das águas servidas (%) do domicílio Regularidade da coleta de lixo Domicílios com coleta regular de lixo (%) Existência de coleta de lixo Domicílios com lixo coletado sob responsabilidade da do domicílio LIMPURB (%) Ocorrência de inundações ou alagamentos Domicílios sem ocorrência de inundações ou alagamentos (%) Pavimentação da rua onde se situa o domicílio Domicílios cujas ruas possuam pavimentação (%) Material usado nas paredes do domicílio Domicílios com paredes com reboco (%) Material usado no piso do domicílio Domicílios com piso adequado (%) Material usado na cobertura do domicílio Domicílios com cobertura adequada (%) Existência de sanitário Domicílios que possuam sanitário (%) Como a água chega ao domicílio Domicílios com canalização interna completa (%) AVALIAÇÃO DO PLANO MUNICIPAL DE SANEAMENTO BÁSICO: CONCEITOS, EXPERIÊNCIAS BRASILEIRAS E RECOMENDAÇÕES CONDIÇÃO 211 Acondicionamento da água Domicílios que guardam água em reservatório com tampa no domicílio (%) Qualidade da água no domicílio book_livro_tecnico.indb 211 Amostras sem coliformes termotolerantes (fecais) na água de beber (%) 20/07/2011 17:43:27 Quadro 7 – Composição do ISA/OE. Continuação. CONDIÇÃO COMPONENTE VARIÁVEL INDICADOR Situação de propriedade Domicílios próprios pagos ou financiados (%) Renda mensal familiar Renda média mensal familiar (salário mínimo) Aglomeração (número de pessoas por cômodo) Número médio de habitantes por cômodo (un) Acondicionamento do lixo Domicílios com acondicionamento adequado do lixo no domicílio no domicílio (%) Socioeconômico e Cultural (ISE) SOCIAL Uso da cozinha Domicílios cuja cozinha seja utilizada apenas para preparar alimentos (%) Animais no domicílio Domicílios que não possuam animais (%) Existência de lavatório no domicílio Domicílios que possuam lavatório (%) Escolaridade do cabeça da Domicílios cujo “cabeça da família” possui pelo menos 10 grau completo (%) família no domicílio Tempo de residência Domicílios cujos moradores residam há 5 ou mais anos - medido pelo cabeça da família (%) Tratamento da água no Domicílios que dão tratamento doméstico à água (%) domicílio Saúde Ambiental (ISA) Resíduos domicílio próximos ao Domicílios sem resíduos nas suas proximidades – distância ≤ 10m (%) Presença de vetores no Domicílios que não apresentaram aumento de vetores (%) domicílio Fonte: Dias (2003). Bernardes e outros (2002) propõem à Fundação Nacional de Saúde – Funasa e à Organização Pan-americana da Saúde – OPAS um modelo de avaliação do impacto do Projeto Alvorada com o uso de técnicas de avaliação quantitativa e qualitativa, essa última por meio de estudos de caso. O modelo possui três dimensões de análise como pode ser visto no Quadro 8. Quadro 8 – Dimensões de análise da Avaliação do Projeto Alvorada. DIMENSÕES DE ANÁLISE ENFOQUES Técnico-gerencial e operacional Gestão dos serviços 212 Social Legal e institucional Financeiro Condições sanitárias Salubridade ambiental Proteção e controle ambiental Projeto Aspectos tecnológicos Execução das obras Operação e manutenção dos sistemas Fonte: BRASIL, 2004 book_livro_tecnico.indb 212 20/07/2011 17:43:29 book_livro_tecnico.indb 213 Efeito Exposição Estado Pressão Forças Motrizes Desperdício de água pelo consumidor Inexistência ou inadequação de sistemas de água População consumindo água de qualidade inadequada População consumindo água em quantidade insuficiente População consumindo alimento contaminado Esgoto e lixo nas coleções hídricas Baixo nível e renda da população Indefinição do marco legal do setor saneamento Morbi-mortalidade devido à inadequação do saneamento ambiental População exposta à ambiente aquático contaminado População em contato com esgoto e resíduos sólidos Esgoto e lixo no solo Inexistência ou inadequação de serviços de esgotos Inexistência ou inadequação de sistemas ou soluções individuais de esgoto Ambientes aquáticos contaminados Processo acelerado de urbanização Financiamento público instável e insuficiente População exposta a vetores Moradias desprovidas de instalações hidrosanitárias adequadas Inexistência ou inadequação de serviços de destino do lixo Política de desenvolvimento de recursos humanos inadequada AVALIAÇÃO DO PLANO MUNICIPAL DE SANEAMENTO BÁSICO: CONCEITOS, EXPERIÊNCIAS BRASILEIRAS E RECOMENDAÇÕES Esgoto e lixo no periodomicílio Água de consumo contaminada Déficit de água (irregularidade ou ausência no abastecimento) Estrutura tarifária excludente Ausência ou inadequação das políticas públicas de saneamento Inexistência ou inadequação VCQACH Modelo de desenvolvimento socialmente excludente e política e economicamente subordinado Inexistência ou inadequação de serviços de água Modelo de desenvolvimento ambientalmente insustentável Figura 4 - Modelo FPEEEA para as ações de saneamento do Projeto Alvorada, considerando apenas o efeito sobre a saúde Figura 4 – Modelo FPEEEA para as ações de saneamento do Projeto Alvorada considerando apenas o efeito sobre a saúde. População exposta a inundações e empoçamento Higiene domiciliar e pessoal inadequado Inexistência ou inadequação de sistemas ou solução individual do destino do lixo Desenvolvimento, difusão e apropriação de tecnologia insuficiente Inundações e empoçamentos provocados com drenagem inadequada Inexistência ou inadequação de serviços de drenagem Precariedade da democracia Baixo nível de escolaridade e ausência de programa de educação sanitária e ambiental Transparência insuficiente e corrupção O sistema de indicadores foi composto a partir da construção de matrizes de causa e efeito – tipo OMS, sendo considerados os efeitos na saúde, no ambiente, na cidadania e na exclusão social. A matriz construída considerando o efeito na saúde pode ser vista na Figura 4, sendo que as outras matrizes podem ser consultadas na publicação da OPAS/Funasa: “Avaliação de impacto na saúde das ações de saneamento: marco conceitual e estratégia metodológica”, disponível em: http://www.funasa.gov.br. 213 Fonte: BRASIL, 2004. 20/07/2011 17:43:31 Borja (2004), ao estudar a execução de megaprogramas de saneamento ambiental no Brasil, por meio da experiência do estado da Bahia na implantação do Programa Bahia Azul, concebeu metodologia que envolveu técnicas qualitativas e quantitativas de investigação e duas abordagens de avaliação: 1) Avaliação Política dos fundamentos que orientaram a implantação do Programa e 2) Avaliação de Política, para verificar a eficácia, efetividade, eficiência e o impacto do Programa. O processo de avaliação foi norteado pelos princípios de uma política pública de saneamento, a saber: universalidade; igualdade; integralidade; titularidade municipal; gestão pública; participação e controle social. O estudo contemplou quatro campos de análises: condições sanitárias, gestão, ambiente natural e participação e controle social (Quadro 9). Foram realizados estudos que envolveram a cidade de Salvador como um todo e 31 microáreas, conforme apresentado no Quadro 10. Realizaram-se análises estatísticas dos dados, com criação de índices a partir de análises multivariadas. O geoprocessamento dos dados permitiu conhecer a distribuição dos serviços de saneamento na cidade. As entrevistas e a pesquisa de opinião possibilitaram verificar a percepção da população. Quadro 9 – Campos e Componentes de Análise. CAMPOS COMPONENTES Abastecimento de Água Esgotamento Sanitário Drenagem das Águas Pluviais Limpeza Pública Condições Sanitárias Gestão Técnico-gerencial Operacional Financeira Ambiente Natural Qualidade das Águas das Praias e da BTS Participação e Controle Social Participação Fonte: Borja, 2004. Quadro 10 – Estudos desenvolvidos para a avaliação dos serviços de saneamento na cidade do Salvador, antes e pós a implementação do Programa Bahia Azul. ÁREA DE ESTUDO ESTUDOS REALIZADOS Enfoque quantitativo Pesquisa sobre saneamento segundo dados dos Censos Demográficos de 1991 e 2000. Salvador 214 Pesquisa sobre qualidade da água em Salvador, segundo dados do monitoramento da EMBASA e da Secretaria Municipal de Saúde. Estudo sobre a cobertura da população com rede de esgotamento sanitário. Pesquisa sobre as características gerenciais e operacionais dos serviços de saneamento, com base de dados da EMBASA e do SNIS. book_livro_tecnico.indb 214 Enfoque qualitativo Análises de documentos governamentais sobre saneamento em Salvador. Análise da pesquisa de opinião sobre a QAU-SSA. 20/07/2011 17:43:33 Levantamento das Condições Sanitárias dos Logradouros (LCSL). Pesquisa sobre a qualidade da água distribuída e consumida pela população. Microáreas Estudo sobre a cobertura da população com rede de esgotamento sanitário. Pesquisa sobre a qualidade dos serviços de abastecimento de água, limpeza pública e drenagem das águas pluviais, junto à área operacional das prestadoras dos serviços. Análise da percepção de informantes chaves sobre o Programa Bahia Azul e as condições de saneamento de microáreas de estudo. Pesquisa sobre o consumo per capita de água, segundo dados da EMBASA. Heller e outros (2007) conceberam uma metodologia para a avaliação comparativa da gestão de serviços de saneamento entre municípios da mesma bacia hidrográfica. Foram propostos dois eixos temáticos: a análise das políticas públicas de saneamento e da gestão dos serviços, sendo que o primeiro eixo envolve a análise dos modelos de organização do Estado para a provisão dos serviços, seus marcos legais, políticos e institucionais, e o segundo o entendimento das formas organizativas da prestação dos serviços. O marco metodológico inclui duas etapas: um estudo de caso em municípios selecionados e uma análise transversal comparativa, conforme apresentado na Figura 5. Figura 5 – Etapas do marco metodológico. AVALIAÇÃO DO PLANO MUNICIPAL DE SANEAMENTO BÁSICO: CONCEITOS, EXPERIÊNCIAS BRASILEIRAS E RECOMENDAÇÕES Fonte: Borja, 2004. 215 Fonte: Heller e outros, 2007. Conforme o diagrama, os estudos de caso são desenvolvidos segundo cinco dimensões analíticas capazes de apreender as semelhanças e diferenças das realidades em estudo. O Quadro 11 apresenta a descrição de cada dimensão. Cada um dos componentes do saneamento (abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza pública e drenagem das águas pluviais) é analisado segundo as dimensões analíticas, sendo que, nos estudos de caso, deve-se avaliar a pertinência de abordar todos os componentes citados. Para a análise dos aspectos político-institucionais foram estabelecidos seis grupos de análises com as variáveis correspondentes, que podem ser vistas no Quadro 12. book_livro_tecnico.indb 215 20/07/2011 17:43:35 Quadro 11 – Dimensão analítica do modelo de avaliação comparativa da gestão de serviços de saneamento. DIMENSÃO ANALÍTICA Político-institucional Econômico-financeira ABORDAGEM Marcos legais e regulatórios que afetam a organização dos serviços, o próprio modelo de organização desses serviços e o ambiente político no qual se encontram. Relaciona-se ao sistema de preços, mecanismos financeiros e obstáculos envolvidos na adoção de tecnologias e práticas modernas - alternativas de financiamento disponíveis, atores financeiros, entre outros. Sociocultural Inclui as formas sociais predominantes no uso das soluções de saneamento, incluindo arranjos informais e formas tradicionais, os valores sociais vinculados a essas atividades (o conceito de bem público, atitudes frente aos valores comerciais dos serviços) e conflitos atuais e potenciais, dentre outras perspectivas de análise. Dimensão tecnológica Envolve as soluções tecnológicas adotadas nas subáreas de abastecimento de água, esgotamento sanitário, manejo de resíduos sólidos e drenagem urbana, avaliadas no marco do conceito de tecnologia apropriada. Ambiental Envolve a relação entre a concepção carregada pelos sistemas de saneamento existentes e o ambiente físico; privilegia a sua relação com a bacia hidrográfica no qual se localiza. Fonte: Heller e outros, 2007 Quadro 12 – Grupos de análise e variáveis selecionadas Item Grupos de análise Variáveis 1 Responsabilidade institucional Cumprimento de dispositivos legais; existência de plano municipal de abastecimento de água e de esgotamento sanitário; articulação com outras áreas da administração pública municipal; integralidade da prestação dos serviços (água, esgoto, lixo e drenagem). 2 Controle social Existência de conselho de saneamento; participação em outros conselhos setoriais municipais; participação em comitê regional de bacia hidrográfica; consulta pública (audiências ou conferências). 3 Autossustentabilidade econômico-financeira Existência de cobrança de tarifas; utilização da receita tarifária em investimentos; evasão de receita; perdas de faturamento. 4 Qualidade dos serviços Regularidade do abastecimento; conformidade da água distribuída com os o padrões da Portaria n 518; qualidade do serviço de esgotamento sanitário; atendimento da legislação ambiental quanto à destinação final dos esgotos. 5 Acesso aos serviços Percentual de cobertura com água e com esgoto; existência de barreiras que dificultam o acesso aos serviços; índice de ligações cortadas; existência de subsídio interno cruzado. 6 Prestação de contas Divulgação de relatório contábil anual; alimentação do SNIS; atendimento ao Decreto nº 5.440/2005. 216 Fonte: Heller e outros, 2007. Para a análise dos aspectos tecnológicos foi identificado um conjunto de indicadores capaz de caracterizar a prestação dos serviços nas áreas de estudo (Quadro 13). book_livro_tecnico.indb 216 20/07/2011 17:43:38 Quadro 13 – Indicadores construídos para a caracterização dos serviços estudados. INDICADOR DESCRIÇÃO Cobertura por rede de água e de esgotos (%) (número de domicílios atendidos por rede) ÷ (número de domicílios particulares permanentes) X 100 [volume de água (produzido - de serviço) – volume de água consumido] / [volume de água (produzido – de serviço)]. Amostras físico-químicas fora do padrão estabelecido pela Portaria nº 518/2004 (%) Amostras bacteriológicas fora do padrão estabelecido pela Portaria nº 518/2004 (%) (média de amostras de cloro residual e turbidez com resultado fora do padrão) / (quantidade de amostras analisadas para esses parâmetros). (número de amostras de Coliformes Totais com resultado fora do padrão) / (quantidade de amostras analisadas para esses parâmetros). Tarifa média (R$) receitas operacionais de abastecimento de água ou de esgotamento sanitário por consumo faturado. Índice de esgoto tratado (%) (volume de esgoto coletado e tratado) / (volume de esgoto coletado). Fonte: Heller e outros, 2007. Os autores acreditam que ainda é necessário um esforço teórico-conceitual mais amplo no campo da avaliação de políticas e programas de saneamento, com a articulação com outras áreas de conhecimento, como a ciência política, a sociologia, a economia e a antropologia. AVALIAÇÃO DO PLANO MUNICIPAL DE SANEAMENTO BÁSICO: CONCEITOS, EXPERIÊNCIAS BRASILEIRAS E RECOMENDAÇÕES Índice de perdas na distribuição (%) 217 book_livro_tecnico.indb 217 20/07/2011 17:43:39 4. RECOMENDAÇÕES PARA A AVALIAÇÃO DO PLANO MUNICIPAL DE SANEAMENTO BÁSICO (PMSB) Embora o processo de avaliação de políticas e programas de saneamento no Brasil ainda careça de marco conceitual e metodológico, o que também é de fundamental importância para a construção do Sistema Nacional de Informação em Saneamento Básico – SINISA, as experiências aqui relatadas podem auxiliar os municípios no processo de avaliação dos seus Planos Municipais de Saneamento Básico. A seguir são feitas algumas recomendações que podem subsidiar a definição do modelo de avaliação do PMSB: • É importante que o executivo municipal disponha de uma instância de discussão com participação dos diversos setores da administração pública municipal e de entidades da sociedade civil organizada com atuação no campo do saneamento básico. Essa instância ficaria com a responsabilidade de promover discussões transparentes e democráticas para a definição do modelo de avaliação, devendo contar com apoio de um grupo técnico. • Diante da subjetividade de processos de avaliação de política pública, é importante pactuar os princípios norteadores da avaliação do PMSB, sendo recomendada a incorporação dos princípios constantes no próprio PMSB. • Além dos princípios gerais para a avaliação do PMSB, é importante definir os pressupostos sob os quais cada componente do saneamento básico será avaliado. Assim, por exemplo, para o componente da drenagem seria importante definir pressupostos relacionados com o manejo sustentável das águas pluviais . • O modelo deve incorporar a avaliação da eficácia, da efetividade e da eficiência do PMSB. • É importante que o modelo incorpore tanto a avaliação quantitativa, via indicadores, como qualitativa, via processos participativos, entrevistas, grupos focais, etc. • O modelo deve considerar todos os componentes do saneamento básico (abastecimento de água, esgotamento sanitário, manejo das águas pluviais, drenagem urbana, manejo dos resíduos sólidos e limpeza pública). • A avaliação deve buscar contemplar todas as funções de gestão do saneamento básico, a saber: planejamento, prestação dos serviços, regulação, fiscalização e controle social. Essa abordagem permitirá promover uma avaliação ampla do PMSB envolvendo não só os aspectos da prestação dos serviços, mas também da base institucional e social da sua execução. 218 • A seleção dos indicadores a serem utilizados na avaliação do PMSB deve considerar os sistemas de indicadores já existentes, a exemplo do SNIS, PNSB e DATASUS. • Matrizes de causa e efeito – tipo OMS – podem ser construídas coletivamente para a identificação do conjunto de indicadores. Sugere-se que sejam elaboradas matrizes para cada componente do saneamento básico e depois seja feita uma listagem do conjunto de indicadores, uma vez que podem existir indicadores comuns entre os componentes. Sugere-se, ainda, que as matrizes sejam construídas usando como efeito o impacto do PMSB na saúde pública, sob a perspectiva da promoção; no ambiente físiconatural; na cidadania; e na exclusão social. book_livro_tecnico.indb 218 20/07/2011 17:43:41 5. REFERÊNCIAS ARRETCHE, Marta T. S. Tendências no Estudo sobre Avaliação. In: RICO, Elizabetth M.; SAUL, Ana Maria; FONSECA, Ana Maria M.; FAGNANI, Eduardo; PEREZ, José Roberto Rus; MELO, Marcus André; CARVALHO, Maria do Carmo B.; PESTANA, Maria Inês G. de S.; ARRETCHE, Marta T.; FARIA, Regina M.; RIOS, Terezinha A.; LOBO, Thereza. Avaliação de Políticas Sociais: Uma Questão em Debate. São Paulo: Cortez, Instituto de Estudos Especiais, 1998. BERNARDES, Ricardo Silveira; COSTA, André Monteiro; PONTES, Carlos Antônia Alves; Brandão, Cristina Célia Silveira; HELLER, Léo; IBANEZ-NOVION, Martin Alberto; BORJA, Patrícia Campos; SOARES, Sérgio Rodrigues Ayrimoraes; COSTA, Silvano Silvério da. Proposta Metodológica de Avaliação das Ações de Saneamento do Projeto Alvorada: Grupo de saneamento. Brasília: FUNASA/ OPAS/UnB, 2002. Não Publicado. BNDES. Indicadores para Metas de Universalização e Adequação dos Serviços de Saneamento Básico no Brasil - Sugestão para os Editais. Rio de Janeiro, 1999. Não publicado. 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Ecopolítica em áreas urbanas: a dimensão política dos indicadores de qualidade ambiental. Rio de Janeiro: Zahar, 1984. 219 HELLER, Léo; NASCIMENTO, Nilo de Oliveira; CASTRO, José Esteban; HELLER, Pedro Gasparini Barbosa; REZENDE, Sonaly. POLÍTICAS PÚBLICAS DE SANEAMENTO: CONSIDERAÇÕES SOBRE UM ENFOQUE METODOLÓGICO PARA A COMPARAÇÃO DE DIFERENTES MODELOS DE GESTÃO. In: Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental, 24º, 2007, Belo Horizonte. Anais eletrônicos... Rio de Janeiro: ABES, 2007. 4Sugere-se consultar a publicação “Gestão de águas urbanas” do Ministério das Cidades (2006). book_livro_tecnico.indb 219 20/07/2011 17:43:43 MINISTÉRIO DA SAÚDE/FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE. Indicadores de Vigilância da Qualidade de Consumo Humano - Relatório de Oficina de Trabalho. Brasília: Ministério da Saúde, 1999. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Organização Pan-Americana da Saúde. Avaliação de impacto na saúde das ações de saneamento: marco conceitual e estratégia metodológica. 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Geneve, v. 48, n.2, p.155-163, 1995. 220 book_livro_tecnico.indb 220 20/07/2011 17:43:45 PEÇA TÉCNICA N 6 o book_livro_tecnico.indb 221 Prestação dos Serviços, Regulação, Fiscalização e Financiamento Patrícia Campos Borja 20/07/2011 17:43:47 Revisado e atualizado por: Clênio Argolo João Batista Peixoto João Carlos Machado Tatiana Santana Timóteo Pereira Alexandre Araújo Godeiro Carlos Otávio Silveira Gravina Gabriella Pereira Giacomazzo Brasília - 2011 book_livro_tecnico.indb 222 20/07/2011 17:43:47 SUMÁRIO Apresentação...................................................................................................................................................................225 1. Competências Municipais sobre a Gestão dos Serviços de Saneamento Básico............................................................227 2. A Prestação dos Serviços de Saneamento Básico..........................................................................................................231 3. A Regulação e a Fiscalização dos Serviços de Saneamento Básico.................................................................................237 3.1 Aspectos da regulação.....................................................................................................................................................237 4. Financiamento dos Serviços: Subsídios Econômicos e Sociais, Tarifas e Taxas............................................................240 5. Referências........................................................................................................................................................................243 PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS, REGULAÇÃO, FISCALIZAÇÃO E FINANCIAMENTO 3.2 Aspectos da fiscalização....................................................................................................................................................239 223 book_livro_tecnico.indb 223 20/07/2011 17:43:49 book_livro_tecnico.indb 224 20/07/2011 17:43:49 APRESENTAÇÃO PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS, REGULAÇÃO, FISCALIZAÇÃO E FINANCIAMENTO Ciente do grande desafio para a universalização do saneamento básico no Brasil, o Ministério das Cidades vem, por meio do presente documento, fornecer orientações sobre a gestão no que se refere aos aspectos da prestação dos serviços, das atividades de regulação e fiscalização e do financiamento das ações. 225 book_livro_tecnico.indb 225 20/07/2011 17:43:51 book_livro_tecnico.indb 226 20/07/2011 17:43:51 1. COMPETÊNCIAS MUNICIPAIS SOBRE A GESTÃO DOS SERVIÇOS DE SANEAMENTO BÁSICO Todas as Constituições brasileiras, inclusive a do Império, sempre reconheceram aos municípios as competências para a organização e prestação dos serviços públicos de interesse local (Funasa/Assemae, 2008), entre eles os de saneamento, prerrogativa que foi mantida na Constituição Federal de 1988, no inciso V, do art. 30, que estabelece: “Compete aos municípios organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local”, o que inclui os serviços de saneamento (inciso V, do art. 30 da CF). Por outro lado, segundo a Constituição de 88, é também competência dos municípios: legislar sobre assuntos de interesse local, o que inclui o saneamento básico; suplementar a legislação federal e a estadual no que couber; promover, no que couber, o adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano (art. 30 da CF). No Capítulo da Política Urbana, a Constituição estabelece, ainda, que o poder público municipal deve executar a política de desenvolvimento urbano, conforme diretrizes gerais fixadas no plano diretor, com o objetivo de ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes (art. 182 da CF). Por seu turno, no campo da saúde, os municípios integram o Sistema Único de Saúde, ao que compete participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico (art. 200, IV, da CF). Apesar desses dispositivos constitucionais, foi somente com a Lei Nacional de Saneamento Básico (Lei nº 11.445/2007) que se estabeleceram as diretrizes normativas nacionais, disciplinando de forma mais clara o exercício, pelos titulares, das funções de gestão dos serviços de saneamento básico. 1Constituição Política do Império do Brazil, de 25 de março de 1824.(arts. 167 a 169). 2Embora, nos anos 90, a titularidade municipal dos serviços de saneamento tenha sido posta em questão, esse preceito constitucional continua sendo respeitado PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS, REGULAÇÃO, FISCALIZAÇÃO E FINANCIAMENTO Uma vez que os serviços de saneamento são de interesse local e o poder público local tem a competência para organizá-los e prestá-los, o município é o titular do serviço . Assim, uma política de saneamento deve partir do pressuposto de que o município tem autonomia e competência constitucional sobre a gestão dos serviços de saneamento, no âmbito de seu território, respeitando as condições gerais estabelecidas na legislação nacional sobre o assunto. até que sejam julgadas, pelo Supremo Tribunal Federal – STF, as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (Adin) dos estados da Bahia e do Rio de Janeiro. Essas ações foram movidas no sentido de dirimir divergências interpretativas de estados e municípios quanto à titularidade municipal dos serviços de saneamento básico. Por essa razão, na Lei nº 11.445, de 5/1/2007, que estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico e para a Política Federal de Saneamento Básico, adotou-se a estratégia de não vincular, explicitamente, a titularidade desses serviços aos municípios, para que não houvesse motivo de questionamento 227 de sua constitucionalidade. 3Gestão entendida como sendo as funções de planejamento, regulação, fiscalização e prestação dos serviços, inclusive os instrumentos e mecanismos de controle social. book_livro_tecnico.indb 227 20/07/2011 17:43:53 Conforme a referida lei, o saneamento básico envolve um conjunto de serviços, infraestrutura e instalações operacionais assim definidos: 228 book_livro_tecnico.indb 228 20/07/2011 17:43:56 Segundo essa norma legal, a gestão desses serviços envolve quatro funções, a saber: o planejamento, a regulação, a fiscalização, a prestação dos serviços, devendo-se garantir em todas essas funções o controle social, um dos princípios fundamentais da política de saneamento básico (Figura 2). Figura 1 – Funções de gestão dos serviços de saneamento básico, segundo a Lei nº 11.445/2007. Planejamento Gestão do Saneamento Básico Prestação dos Serviços Regulação Segundo o art. 9º da mesma lei, a formulação da política de saneamento básico é competência do titular dos serviços, devendo para tanto: COMPETÊNCIA DO MUNICÍPIO QUANTO AOS SERVIÇOS DE SANEAMENTO BÁSICO • elaborar os planos de saneamento básico; • prestar os serviços diretamente ou autorizar a sua delegação; • definir o ente responsável pela sua regulação e fiscalização, bem como os procedimentos de sua atuação; • adotar parâmetros para a garantia do atendimento essencial à saúde pública, inclusive quanto ao volume mínimo per capita de água para abastecimento público, observadas as normas nacionais relativas à potabilidade da água; • fixar os direitos e os deveres dos usuários; • estabelecer mecanismos de controle social; • estabelecer sistema de informações sobre os serviços, articulado com o Sistema Nacional de Informações em Saneamento; • intervir e retomar a operação dos serviços delegados, por indicação da entidade reguladora, nos casos e condições previstos em lei e nos documentos contratuais. (art. 9º da Lei nº 11.445/2007) book_livro_tecnico.indb 229 PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS, REGULAÇÃO, FISCALIZAÇÃO E FINANCIAMENTO Fiscalização 229 20/07/2011 17:43:59 O planejamento é uma função de gestão indelegável a outro ente (art. 8o da lei), envolvendo as atividades de identificação, qualificação, quantificação, organização e orientação de todas as ações, públicas e privadas, por meio das quais um serviço público deve ser prestado ou colocado à disposição de forma adequada (BRASIL, 2007b, Decreto nº 6.017/2007). A Lei nº 11.445/2007 define que o planejamento para a prestação dos serviços de saneamento básico será realizado por meio da elaboração de um Plano de Saneamento Básico, de competência do titular do serviço (BRASIL, 2007a, art. 19). A elaboração desse Plano deve atender aos princípios fundamentais da prestação dos serviços públicos de saneamento básico, estabelecidos no art. 2º da referida lei, a saber: PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS DE SANEAMENTO BÁSICO • universalização do acesso; • integralidade, compreendida como o conjunto de todas as atividades e componentes de cada um dos diversos serviços de saneamento básico; • abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo dos resíduos sólidos realizados de formas adequadas à saúde pública e à proteção do meio ambiente; • disponibilidade, em todas as áreas urbanas, de serviços de drenagem e de manejo das águas pluviais adequados à saúde pública e à segurança da vida e do patrimônio público e privado; • adoção de métodos, técnicas e processos que considerem as peculiaridades locais e regionais; • articulação com as políticas de desenvolvimento urbano e regional, de habitação, de combate à pobreza e de sua erradicação, de proteção ambiental, de promoção da saúde e outras de relevante interesse social voltadas para a melhoria da qualidade de vida; • eficiência e sustentabilidade econômica; • utilização de tecnologias apropriadas, considerando a capacidade de pagamento dos usuários e a adoção de soluções graduais e progressivas; • transparência das ações, baseada em sistemas de informações e processos decisórios institucionalizados; • controle social; • segurança, qualidade e regularidade; • integração das infraestruturas e serviços com a gestão eficiente dos recursos hídricos. art. 2º da Lei nº 11.445/2007 (BRASIL 2007a) 230 Essa lei determina que os Planos de Saneamento Básico deverão ser editados pelos titulares, podendo ser elaborados com base em estudos fornecidos pelos prestadores de cada serviço (art. 19, § 1º). No caso de planos específicos dos componentes do saneamento básico, a consolidação e compatibilização devem ser efetuadas pelo titular (art. 19, § 2º). Mesmo com a delegação dos serviços, o prestador deverá cumprir o Plano de Saneamento Básico em vigor (art. 19, § 6º). E, ainda, a validade dos contratos de prestação de serviços de saneamento básico que tenham por objeto a prestação de serviços públicos de saneamento básico está condicionada à existência de um Plano de Saneamento Básico (art. 11, I). Em consonância com o princípio da transparência das ações e do controle social, as propostas dos Planos e os estudos que os fundamentam devem ser amplamente divulgados, inclusive com a realização de audiências ou consultas públicas (BRASIL, 2007ª, art. 19, § 5º). Por fim, a lei determina que deverá ser previsto o recebimento de sugestões e críticas por meio de consulta ou audiência pública e, quando existente, a análise e opinião de órgão colegiado, bem como a divulgação do Plano e dos respectivos estudos por meio da disponibilização integral de seu teor a todos os interessados, inclusive por meio da internet (art. 51). book_livro_tecnico.indb 230 20/07/2011 17:44:02 2. A PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS DE SANEAMENTO BÁSICO A prestação de serviço público envolve a execução de toda e qualquer atividade ou obra com o objetivo de permitir o acesso a um serviço público em estrita conformidade com o estabelecido no planejamento e na regulação (BRASIL, 2005). A prestação dos serviços de saneamento básico é competência do município, podendo exercer essa função diretamente ou delegá-la a outro ente. Cabe também ao titular definir o ente responsável pela regulação e fiscalização dos serviços, inclusive os procedimentos de sua atuação, e os mecanismos de controle social. No caso do município decidir delegar a prestação dos serviços a outro ente que não integre a sua administração, deverá promover a celebração de contrato de programa, se o delegatário for ente público ou estatal, ou de contrato de concessão, precedida de licitação, no caso de empresa privada. Deverá haver audiência ou consulta pública sobre o edital, no caso de licitação, e também sobre a minuta do contrato entre titular e prestador de serviço (inciso IV, do art. 11 da lei). Existem três formas de prestação dos serviços de saneamento básico previstas em lei: a prestação direta, a prestação indireta, mediante delegação por meio de concessão, permissão ou autorização, e a gestão associada, conforme mostra a Figura 2. TIPOS DE PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS DE SANEAMENTO BÁSICO Prestação direta pelo titular { Prestação indireta via delegação Prestação via gestão associada Fonte: adaptado de RIBEIRO, 2007. book_livro_tecnico.indb 231 { { Centralizada Descentalizada (outorga) { { Régie direta (não tem segregação contábil) Régie indireta (tem segregação contábil) Autarquia Empresa pública Sociedade de economia Concessão Permissão Autorização Empresas Privadas Empresas Estatais Contratoto de programa Convênio Cooperação Consórcio Público PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS, REGULAÇÃO, FISCALIZAÇÃO E FINANCIAMENTO Figura 2 – Formas de prestação de serviço público admitidas pela Constituição. 231 20/07/2011 17:44:05 Assim, o município pode prestar diretamente os serviços de saneamento básico, via administração central ou descentralizada, sendo esta por meio de autarquia, fundação ou empresa pública. Pode ainda delegar a prestação a terceiros por meio de licitação pública e contrato de concessão (empresa privada ou estatal) ou, ainda, realizar a gestão associada dos serviços com outros municípios – com ou sem participação do governo estadual –, via convênio de cooperação ou consórcio público, conforme a Lei nº 11.107/2007 e o Decreto nº 6.017/2007, que a regulamentam. Os contratos de concessão, com empresa privada ou estatal, devem atender, além da legislação e regulação do titular, às normas gerais da Lei nº 8.987/1995, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos, sempre precedida de licitação pública, que se processa conforme a Lei nº 8.666/1993. A gestão associada, conforme estabelece a Lei nº 11.107/2005, é uma associação voluntária de entes da federação e sua formalização ocorre por meio de convênio de cooperação ou de consórcio público. A referida lei confere aos consórcios públicos “personalidade jurídica de direito público integrante da administração indireta de cada um dos entes consorciados”, podendo, assim, ser sujeito de direitos e obrigações (art. 6º, § 1º). No caso de se revestir de personalidade jurídica de direito privado, constituído conforme a legislação civil, o consórcio público observará as normas de direito público no que concerne à realização de licitação, celebração de contratos de concessão, prestação de contas e admissão de pessoal (art. 6º, § 2º). Uma vez que a gestão associada é realizada entre entes da federação, a delegação da prestação dos serviços pode ser feita com dispensa de licitação. Essa prerrogativa é assegurada no inciso XXVI, do art. 24 da Lei de Licitação (Lei nº 8.666/1995) e amparada no art. 241 da Constituição Federal, nos termos da Emenda Constitucional 19/98, que trata dessa matéria. Tal delegação é formalizada por meio de um contrato de programa, após a constituição do consórcio público ou convênio de cooperação. O contrato de programa deverá atender à legislação de concessões e permissões de serviços públicos e prever procedimentos que garantam a transparência da gestão econômica e financeira de cada serviço em relação a cada um de seus titulares (art. 13, § 1º, I e II). O consórcio público será constituído por contrato cuja celebração dependerá de prévia subscrição de protocolo de intenções. Esse protocolo deverá conter, entre outras, as seguintes cláusulas: REQUISITOS DO PROTOCOLO DE INTENÇÕES PARA CONSTITUIÇÃO DE CONSÓRCIO PÚBLICO • • • • • • • • 232 • • a denominação, a finalidade, o prazo de duração e a sede do consórcio; identificação dos entes da federação consorciados; a indicação da área de atuação do consórcio; previsão de que o consórcio público é associação pública ou pessoa jurídica de direito privado sem fins econômicos; as normas de convocação e funcionamento da assembleia geral, inclusive para a elaboração, aprovação e modificação dos estatutos do consórcio público; a previsão de que a assembleia geral é a instância máxima do consórcio público e o número de votos para as suas deliberações; a forma de eleição e a duração do mandato do representante legal do consórcio público que, obrigatoriamente, deverá ser chefe do Poder Executivo de ente da federação consorciado; o número, as formas de provimento e a remuneração dos empregados públicos, bem como os casos de contratação por tempo determinado para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público; as condições para que o consórcio público celebre contrato de gestão ou termo de parceria; a autorização para a gestão associada de serviços públicos explicitando o seu objeto e condições. art. 4º da Lei nº 11.107/2005 book_livro_tecnico.indb 232 20/07/2011 17:44:08 O contrato do consórcio público será constituído conforme o protocolo de intenções, que deve ser ratificado por lei da Câmara Municipal de cada um dos municípios consorciados (art. 5º). Visando possibilitar o pleno exercício da titularidade dos serviços e a consonância das ações entre o titular e o prestador dos serviços, a Lei nº 11.445/2007 condiciona, em seu art. 11, a validade dos contratos de prestação de serviços públicos de saneamento básico à existência de Plano de Saneamento Básico (BRASIL, 2007a). A validade dos contratos também está condicionada à existência de estudo comprovando a viabilidade técnica e econômico-financeira da prestação universal e integral dos serviços, nos termos do Plano de Saneamento Básico. Dessa forma, os planos de investimentos e os projetos relativos ao contrato deverão ser compatíveis com o respectivo Plano de Saneamento Básico. Na prestação regionalizada dos serviços, ou seja, quando houver um único prestador do serviço para vários municípios, contíguos ou não, deverá haver compatibilidade de planejamento dos respectivos planos municipais. Nesse caso, poderá ser elaborado um Plano para o conjunto de municípios atendidos (BRASIL, 2007a). Figura 3 – Possibilidades de gestão associada para a prestação de serviços de água e esgoto. Modelo A. Modelo A A contratação individual da Companhia Estadual de Água e Esgoto por cada município para os serviços de água e esgoto Convênio de cooperação Estado Companhia estadual Autarquia estadual Município Contrato de programa PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS, REGULAÇÃO, FISCALIZAÇÃO E FINANCIAMENTO Ribeiro (2005), ao delimitar as possibilidades de gestão associada para a prestação de serviços de água e esgoto, identifica seis modelos de prestação dos serviços, conforme apresentados na Figura 3, 4, 5, 6, 7 e 8. Fonte: RIBEIRO, 2007. 233 book_livro_tecnico.indb 233 20/07/2011 17:44:11 Figura 4 – Possibilidades de gestão associada para a prestação de serviços de água e esgoto. Modelo AA. Modelo AA A contratação de órgão municipal por outro município para os serviços de água e esgoto Convênio de cooperação Município Município Companhia municipal Autarquia municipal Contrato de programa Fonte: RIBEIRO, 2007. Figura 5 – Possibilidades de gestão associada para a prestação de serviços de água e esgoto. Modelo B. Modelo B A contratação coletiva da Companhia Estadual de Água e Esgoto (CEAE) por consórcio público Consórcio público Contrato de Programa CEAE Município A Município B Município C Estado 234 Fonte: RIBEIRO, 2007. book_livro_tecnico.indb 234 20/07/2011 17:44:14 Figura 6 – Possibilidades de gestão associada para a prestação de serviços de água e esgoto. Modelo BB. Modelo BB A contratação coletiva de órgão municipal por consórcio público Consórcio público Contrato de Programa Município A Município B Município C Fonte: RIBEIRO, 2007. Figura 7 – Possibilidades de gestão associada para a prestação de serviços de água e esgoto. Modelo C. Modelo C A contratação coletiva de consórcio público (prestador) Consórcio público Contrato de Programa A Município A Contrato de Programa Contrato de Programa B Município B PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS, REGULAÇÃO, FISCALIZAÇÃO E FINANCIAMENTO Companhia municipal Companhia ou Autarquia Intermunicipal Contrato de Programa C Município C 235 book_livro_tecnico.indb 235 20/07/2011 17:44:17 Figura 8 – Possibilidades de gestão associada para a prestação de serviços de água e esgoto. Modelo D. Modelo D A contratação de prestador privado por meio de licitação por consórcio intermunicipal Consórcio público Contrato de Programa Prestador contratado mediante licitação Município A Município B Município C Fonte: RIBEIRO, 2007 236 book_livro_tecnico.indb 236 20/07/2011 17:44:20 3. A REGULAÇÃO E A FISCALIZAÇÃO DOS SERVIÇOS DE SANEAMENTO BÁSICO 3.1 Aspectos da regulação Segundo o Decreto nº 6.017/2007, a regulação envolve todo e qualquer ato, normativo ou não, que discipline ou organize determinado serviço público, incluindo suas características, padrões de qualidade, impactos socioambientais, direitos e obrigações dos usuários e dos responsáveis por sua oferta ou prestação e fixação e revisão do valor de tarifas e outros preços públicos (BRASIL, 2007b). A regulação cabe ao titular dos serviços, que pode realizá-la diretamente ou delegá-la a entidade de outro ente federativo. Nesse caso, a delegação só pode ser feita a uma entidade reguladora constituída, especificamente para esse fim, dentro dos limites do respectivo estado, devendo ser explicitada a forma de atuação e a abrangência das atividades a serem desempenhadas pelas partes envolvidas (arts. 8º e 23, § 1º, da Lei nº 11.445/2007). São objetivos da regulação: Art. 22 da Lei nº 11.445/2007 A entidade reguladora e fiscalizadora dos serviços é a responsável pela verificação do cumprimento dos planos de saneamento por parte dos prestadores de serviços, na forma das disposições legais, regulamentares e contratuais (art. 20). Nas atividades de regulação dos serviços de saneamento básico, estão incluídas a interpretação e a fixação de critérios para a fiel execução dos contratos, dos serviços e para a correta administração de subsídios (art. 25, § 2º). Segundo art. 23 da Lei Nacional de Saneamento Básico, a entidade reguladora deve editar normas relativas às dimensões técnica, econômica e social de prestação dos serviços, que abrangerão, pelo menos, os seguintes aspectos: OBJETIVOS DA REGULAÇÃO • padrões e indicadores de qualidade da prestação dos serviços; • requisitos operacionais e de manutenção dos sistemas; • as metas progressivas de expansão e de qualidade dos serviços e os respectivos prazos; • regime, estrutura e níveis tarifários, bem como os procedimentos e prazos de sua fixação, reajuste e revisão; • medição, faturamento e cobrança de serviços; • monitoramento dos custos; • avaliação da eficiência e eficácia dos serviços prestados; • plano de contas e mecanismos de informação, auditoria e certificação; • subsídios tarifários e não tarifários; • padrões de atendimento ao público e mecanismos de participação e informação; • medidas de contingências e de emergências, inclusive racionamento. book_livro_tecnico.indb 237 PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS, REGULAÇÃO, FISCALIZAÇÃO E FINANCIAMENTO OBJETIVOS DA REGULAÇÃO • estabelecer padrões e normas para a adequada prestação dos serviços e para a satisfação dos usuários; • garantir o cumprimento das condições e metas estabelecidas; • prevenir e reprimir o abuso do poder econômico, ressalvada a competência dos órgãos integrantes do sistema nacional de defesa da concorrência; • definir tarifas que assegurem tanto o equilíbrio econômico e financeiro dos contratos como a modicidade tarifária, mediante mecanismos que induzam a eficiência e eficácia dos serviços e que permitam a apropriação social dos ganhos de produtividade. 237 20/07/2011 17:44:23 O ente regulador deve ter independência decisória, autonomia administrativa, orçamentária e financeira, devendo ser assegurada a transparência, tecnicidade, celeridade e objetividade das decisões (BRASIL, 2007b). Além disso, no caso de prestação regionalizada, compete-lhe instituir regras e critérios de estruturação do sistema contábil e do respectivo plano de contas a ser adotado pelo prestador, de modo a garantir que a apropriação e a distribuição de custos dos serviços entre os municípios estejam em conformidade com as diretrizes da Lei nº 11.445/2007. A validade dos contratos de prestação de serviços públicos de saneamento básico está condicionada à existência de normas de regulação que prevejam os meios para o cumprimento das diretrizes da referida lei, incluindo a designação da entidade de regulação e de fiscalização e, ainda, o estabelecimento de mecanismos de controle social nas atividades de regulação e fiscalização dos serviços. Os contratos de programa, além da legislação de concessão e permissão de serviços públicos, deverão atender à legislação de regulação dos serviços, especialmente no que se refere à fixação, revisão e reajuste das tarifas ou de outros preços públicos e, no que couber, às normas complementares a essa regulação (art. 13 do Decreto nº 6.017/2007). Conforme a Lei nº 11.445/2007, a prestação regionalizada de serviços públicos de saneamento básico se caracterizará quando houver, além de um único prestador para vários municípios e compatibilidade dos respectivos planos, uniformidade de fiscalização e regulação dos serviços, inclusive de sua remuneração (art. 14). Nesse caso, as atividades de regulação e regulação poderão ser realizadas por: • órgão ou entidade de ente da federação a que o titular tenha delegado o exercício dessas competências por meio de convênio de cooperação entre os entes da federação. • consórcio público de direito público integrado pelos titulares dos serviços (art. 15). E, ainda, no caso da gestão associada ou prestação regionalizada dos serviços, os titulares poderão adotar os mesmos critérios econômicos, sociais e técnicos da regulação em toda a área de abrangência da associação ou da prestação (art. 24). Nos serviços públicos de saneamento básico em que mais de um prestador execute atividade interdependente com outra, a relação entre elas deverá ser regulada por contrato e haverá entidade única encarregada das funções de regulação e de fiscalização. O referido contrato deverá estabelecer as cláusulas que regerão as relações entre os prestadores, inclusive a designação do órgão ou entidade responsável pela regulação e fiscalização a quem caberá definir, pelo menos: ITENS A SEREM DEFINIDOS PELO ENTE REGULADOR • as normas técnicas relativas à qualidade, quantidade e regularidade dos serviços prestados aos usuários e entre os diferentes prestadores envolvidos; • as normas econômicas e financeiras relativas às tarifas, aos subsídios e aos pagamentos por serviços prestados aos usuários e entre os diferentes prestadores envolvidos; • a garantia de pagamento de serviços prestados entre os diferentes prestadores dos serviços; • os mecanismos de pagamento de diferenças relativas a inadimplemento dos usuários, perdas comerciais e físicas e outros créditos devidos, quando for o caso; • o sistema contábil específico para os prestadores que atuem em mais de um município. § 1o, art. 12 da Lei nº 11.445/2007 238 A publicidade dos relatórios, estudos, decisões e instrumentos equivalentes que se refiram à regulação ou à fiscalização dos serviços, bem como aos direitos e deveres dos usuários e prestadores, está assegurada no art. 26 da referida lei. Segundo esse dispositivo, qualquer pessoa pode requerer tais informações. book_livro_tecnico.indb 238 20/07/2011 17:44:25 3.2 Aspectos da fiscalização Nos casos de prestação dos serviços mediante concessão ou permissão, a Lei nº 8.987/1995 estabelece, no tocante à fiscalização, que: • “as concessionárias e permissionárias estarão sujeitas à fiscalização pelo ente fiscalizador, devendo para isso contar com a cooperação dos usuários” (art. 3º); • “o poder concedente terá acesso aos dados relativos à administração, contabilidade, recursos técnicos, econômicos e financeiros da concessionária”; e • “a fiscalização do serviço será feita por intermédio de órgão técnico do poder concedente ou por entidade com ele conveniada e, periodicamente, conforme previsto em norma regulamentar, por comissão composta de representantes do poder concedente, da concessionária e dos usuários” (art. 30); • os contratos de programa ou de concessão devem conter cláusula definindo a forma de fiscalização das instalações, dos equipamentos, dos métodos e práticas de execução dos serviços de saneamento básico (art. 23, VII); e • os concessionários devem permitir aos encarregados da fiscalização livre acesso, em qualquer época, às obras, aos equipamentos e às instalações integrantes do serviço, bem como a seus registros contábeis (art. 31, V). A mesma lei ainda define que o “serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas”, e que “a atualidade compreende a modernidade das técnicas, do equipamento e das instalações e a sua conservação, bem como a melhoria e expansão do serviço” (art. 6º). PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS, REGULAÇÃO, FISCALIZAÇÃO E FINANCIAMENTO A fiscalização, segundo o Decreto nº 6.017/2007, refere-se às atividades de acompanhamento, monitoramento, controle e avaliação, no sentido de garantir a utilização, efetiva ou potencial, do serviço público (BRASIL, 2007b). Assim como a regulação, a fiscalização cabe ao titular dos serviços, que pode realizá-la diretamente ou delegá-la a entidade de outro ente federado (art. 8º da Lei nº 11.445/2007). 239 book_livro_tecnico.indb 239 20/07/2011 17:44:27 4. FINANCIAMENTO DOS SERVIÇOS: SUBSÍDIOS ECONÔMICOS E SOCIAIS, TARIFAS E TAXAS A Lei nº 11.445/2007 também cuidou das diretrizes para os aspectos econômicos dos serviços de saneamento básico, entre as quais se destacam as que estabelecem que: • a prestação dos serviços públicos de saneamento básico deve ter a sustentabilidade econômico-financeira assegurada, sempre que possível, mediante remuneração pela cobrança dos serviços (art. 29); • a remuneração dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário pode ser realizada, preferencialmente, na forma de tarifas e outros preços públicos, para cada um dos serviços ou para ambos, conjuntamente. Os serviços de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos urbanos podem ser remunerados por taxas ou tarifas e outros preços públicos, conforme o regime da prestação e as atividades remuneradas. E os serviços de manejo de águas pluviais urbanas, na forma de tributos, inclusive taxas, também conforme o regime de prestação e as respectivas atividades (art. 29, I a III). Na prestação de serviço público de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos urbanos, a lei definiu que as respectivas taxas ou tarifas devem ter em conta a adequada destinação dos resíduos coletados, podendo considerar, para a determinação dos seus valores: a) o nível de renda da população da área atendida; b) as características dos lotes urbanos e as áreas que podem ser neles edificadas; c) o peso ou o volume médio coletado por habitante ou por domicílio (art. 35). Por outro lado, na instituição de eventual cobrança da prestação do serviço público de drenagem e manejo de águas pluviais urbanas, a regulação do titular deverá considerar os percentuais de impermeabilização e a existência de dispositivos de amortecimento ou de retenção de água de chuva em cada lote urbano; o nível de renda da população da área atendida; e as características dos lotes urbanos e as áreas que podem ser neles edificadas (art. 36). Para a instituição de tarifas, preços públicos e taxas para os serviços de saneamento básico, o titular deve observar, ainda, as seguintes diretrizes: DIRETRIZES PARA DEFINIÇÃO DE TARIFAS, TAXAS E PREÇOS PÚBLICOS • prioridade para atendimento das funções essenciais relacionadas à saúde pública; • ampliação do acesso dos cidadãos e localidades de baixa renda aos serviços; • geração dos recursos necessários para realização dos investimentos, objetivando o cumprimento das metas e objetivos do serviço; • inibição do consumo supérfluo e do desperdício de recursos; • recuperação dos custos incorridos na prestação do serviço, em regime de eficiência; • remuneração adequada do capital investido pelos prestadores dos serviços; • estímulo ao uso de tecnologias modernas e eficientes, compatíveis com os níveis exigidos de qualidade, continuidade e segurança na prestação dos serviços; • incentivo à eficiência dos prestadores dos serviços. § 1º, art. 29 da Lei nº 11.445/2007 240 book_livro_tecnico.indb 240 20/07/2011 17:44:30 Ainda, segundo a Lei nº 11.445/2007, a estrutura de remuneração e cobrança dos serviços públicos de saneamento básico poderá levar em consideração os seguintes fatores: FATORES DETERMINANTES DA ESTRUTURA DE REMUNERAÇÃO E COBRANÇA DOS SERVIÇOS PÚBLICOS DE SANEAMENTO BÁSICO Visando os interesses dos usuários, essa norma legal determina que as tarifas devem ser fixadas de forma clara e objetiva, e os reajustes e as revisões devem ser tornados públicos com antecedência mínima de 30 (trinta) dias em relação à sua aplicação; e que os referidos reajustes serão realizados no intervalo mínimo de 12 (doze) meses, de acordo com as normas legais, regulamentares e contratuais (arts. 37 e 39). No que diz respeito à regulação econômica dos serviços, a citada lei instituiu, ainda, outras diretrizes, estabelecendo que: • As revisões tarifárias terão suas pautas definidas pelas respectivas entidades reguladoras, ouvidos os titulares, os usuários e os prestadores dos serviços, e compreenderão a reavaliação das condições da prestação dos serviços e das tarifas praticadas, podendo ser de dois tipos: a) periódicas, objetivando a distribuição dos ganhos de produtividade com os usuários e a reavaliação das condições de mercado; b) extraordinárias, quando se verificar a ocorrência de fatos não previstos no contrato, fora do controle do prestador dos serviços que alterem o seu equilíbrio econômico-financeiro (art. 38). • A regulação do titular poderá definir mecanismos tarifários de indução à eficiência, inclusive fatores de produtividade e antecipação de metas de expansão e de qualidade dos serviços, podendo os fatores de produtividade ser definidos com base em indicadores de outras empresas do setor. • “A entidade de regulação poderá autorizar o prestador de serviços a repassar aos usuários custos e encargos tributários não previstos originalmente e por ele não administrados, nos termos da Lei nº 8.987/1995” (art. 38, § 4º). • “Os municípios, isoladamente ou reunidos em consórcios públicos, podem criar fundos constituídos por parcelas das receitas dos serviços, entre outros recursos, com a finalidade de custear, em conformidade com o disposto nos respectivos Planos de Saneamento Básico, a universalização dos serviços públicos de saneamento básico”. Esses recursos poderão ser utilizados como fontes diretas de investimentos ou ser dados em garantia ou contrapartida em operações de crédito para os investimentos necessários à universalização dos serviços (art. 13). Em relação à política de subsídios, as diretrizes da Lei nº 11.445/2007 dispõem que: • Os usuários e localidades que não tenham capacidade de pagamento ou escala econômica suficiente para cobrir o custo integral dos serviços poderão ser contemplados com benefícios de subsídios tarifários e não tarifários (art. 29, § 2º), os quais poderão, dependendo das características dos beneficiários e da origem dos recursos, ser: book_livro_tecnico.indb 241 PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS, REGULAÇÃO, FISCALIZAÇÃO E FINANCIAMENTO • categorias de usuários, distribuídas por faixas ou quantidades crescentes de utilização ou de consumo; • padrões de uso ou de qualidade requeridos; • quantidade mínima de consumo ou de utilização do serviço, visando a garantia de objetivos sociais, como a preservação da saúde pública, o adequado atendimento dos usuários de menor renda e a proteção do meio ambiente; • custo mínimo necessário para disponibilidade do serviço em quantidade e qualidade adequadas; • ciclos significativos de aumento da demanda dos serviços, em períodos distintos; e • capacidade de pagamento dos consumidores. Art. 30 da Lei nº 11.445/2007 241 20/07/2011 17:44:32 TIPOS DE SUBSÍDIOS PARA USUÁRIOS E LOCALIDADES DE BAIXA RENDA • diretos, quando destinados a usuários determinados, ou indiretos, quando destinados ao prestador dos serviços; • tarifários, quando integrarem a estrutura tarifária, ou fiscais, quando decorrerem da alocação de recursos orçamentários, inclusive por meio de subvenções; • internos a cada titular ou entre localidades, nas hipóteses de gestão associada e de prestação regional. Art. 31 da Lei nº 11.445/2007 O plano de saneamento é um instrumento importante não só para o planejamento e avaliação da prestação dos serviços, mas também para obtenção de financiamentos. Segundo a Lei Nacional de Saneamento Básico, a alocação de recursos federais será feita em conformidade com as diretrizes e objetivos da Política Federal de Saneamento Básico nela estabelecidos e com os planos de saneamento básico (arts. 48 a 50). Ou seja, os Planos passam a ser um referencial para obtenção de recursos. A liberação desses recursos está condicionada: a) ao alcance de índices mínimos de desempenho do prestador na gestão técnica, econômica e financeira dos serviços e de eficiência e eficácia dos serviços, ao longo da vida útil do empreendimento; b) à adequada operação e manutenção dos empreendimentos anteriormente financiados. No caso da aplicação de recursos não onerosos da União, a lei estabelece que será dada prioridade às ações e empreendimentos que visem o atendimento de usuários ou municípios que não tenham capacidade de pagamento compatível com a autossustentação econômico-financeira dos serviços, sendo vedada sua aplicação a empreendimentos contratados de forma onerosa (art. 50, §1º). 242 book_livro_tecnico.indb 242 20/07/2011 17:44:35 5. REFERÊNCIAS BRASIL. Decreto nº 6.017, de 17 de janeiro de 2007, regulamenta a Lei nº 11.107, de 6 de abril de 2005, que dispõe sobre normas gerais de contratação de consórcios públicos. Brasília: DOU, 2007b. BRASIL. Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007, estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico. Brasília: DOU, 2007a. BRASIL. Lei nº 11.107, de 6 de abril de 2005, dispõe sobre normas gerais de contratação de consórcios públicos e dá outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/Ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11107.htm>. Acesso em: 15 out. 2008. BRASIL. Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos, previsto nº art. 175 da Constituição Federal, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/leis/L8987cons.htm>. Acesso em: 15 out. 2008. RIBEIRO, Wladimir. Gestão Associada de Serviços Públicos de Saneamento Básico. Brasília: SNSA/MCIDADES, 2007. Apresentação em Power point. PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS, REGULAÇÃO, FISCALIZAÇÃO E FINANCIAMENTO FUNASA/ASSEMAE – Cooperação Técnica. Manual de Implantação de Consórcios Públicos de Saneamento. Brasília, 2008. 243 book_livro_tecnico.indb 243 20/07/2011 17:44:37 book_livro_tecnico.indb 244 20/07/2011 17:44:37 Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental PEÇAS TÉCNICAS RELATIVAS A PLANOS MUNICIPAIS DE SANEAMENTO BÁSICO