Qualidade do Café Expresso em Condições de Campo Espresso Coffee Quality in Field Conditions AUTORES AUTHORS Francisco Alberto PINO Engenheiro Agrônomo, Doutor em Estatística, Pesquisador Científico do Instituto de Economia Agrícola. E-mail: [email protected] Av. Miguel Estéfano, 3900. São Paulo, SP, Brasil. Tel.: (11) 5073 0244. Celso Luis Rodrigues VEGRO Engenheiro Agrônomo, Mestre em Desenvolvimento Agrícola, Pesquisador Científico do Instituto de Economia Agrícola. E-mail: [email protected] RESUMO Um modelo logit é utilizado para calcular a probabilidade de obtenção de uma xícara satisfatória de café expresso na cidade de São Paulo. Os critérios utilizados para definir uma bebida satisfatória devem ser aqueles facilmente reconhecíveis por consumidores sem conhecimento especializado, como o tempo de percolação, a presença e a persistência do creme, bem como a marca do café. Para estimar os parâmetros do modelo, uma amostra probabilística estratificada de estabelecimentos que servem café foi especialmente delineada. Em cada estabelecimento amostrado, um questionário foi aplicado para obter informação a respeito do operador da máquina de expresso e outras condições. Também, uma xícara da bebida foi adquirida para medir os critérios de qualidade. Finalmente, três consumidores de cada estabelecimento foram selecionados aleatoriamente para se conhecer seus próprios critérios para avaliar a bebida. Mostra-se que, ainda que um café de boa qualidade seja essencial para conseguir uma bebida de boa qualidade, o fator crítico mostrou ser o capital humano, a saber, aquele que opera a máquina e prepara o expresso. Máquinas automáticas também se mostraram capazes de produzir uma bebida satisfatória. Entretanto, mostra-se que os consumidores usualmente não consideram esses indicadores de qualidade ao escolher o local onde vão beber café. SUMMARY A logit model was used to calculate the probability of obtaining a satisfactory cup of espresso coffee in Sao Paulo, Brazil. The criteria used to define a satisfactory beverage must be easily recognizable by a non-expert consumer, factors such as percolation time, the presence and stability of the foam, as well as the coffee brand. In order to estimate the model parameters, a probabilistic stratified sample of coffee shops and other firms was specifically designed. For each establishment sampled, a questionnaire was applied to obtain information on the coffee machine operator and other conditions. Also, a cup of the beverage was bought to measure the quality criteria. Finally, three consumers at each location were randomly selected to determine their own criteria to evaluate the beverage. It was shown that, although a good quality coffee is essential to achieve a good beverage, the critical factor was shown to be the human capital, namely the one who operated the machine and prepared the espresso. Automatic machines were also shown to produce a satisfactory beverage. Nevertheless, it was shown that consumers do not usually consider these quality indicators when choosing a coffee shop. PALAVRAS-CHAVE KEY WORDS Café expresso; Qualidade; Consumidor final; Modelo logit. Espresso coffee; Quality; Final consumer; Logit model. Braz. J. Food Technol., v.6, n.2, p. 345-350, jul./dez., 2003 345 Recebido / Received: 05/08/2002. Aprovado / Approved: 14/05/2003. PINO, F.A.; VEGRO, C.L.R. 1. INTRODUÇÃO O café preparado a partir de máquinas tipo expresso representa, na atualidade, o ápice da procura por qualidade dessa bebida, demandada por categoria de consumidores cada vez mais exigentes. O consumidor típico de expresso tem altos níveis de renda e de escolaridade, idade de 30 a 50 anos, sendo 60% homens e 40% mulheres (VEGRO et al., 2002). Entretanto, embora em condições de exigir, de modo geral, os consumidores pouco conhecem ou até mesmo desconhecem atributos determinantes de uma bebida de qualidade, segundo aqueles mesmos autores. O amargo característico do café é em geral, o aspecto mais destacado relacionando-o à bebida forte ou fraca. A obviedade intrínseca desse atributo, dificulta avaliações sobre a capacidade dos consumidores em reputar ou desqualificar esta ou aquela xícara, dificultando as tentativas de definir o que seria qualidade do café expresso para o consumidor aqui tipificado. SETTE (1999) também confirma essa hipótese ainda que tenha analisado exclusivamente o hábito do café entre jovens universitários. Embora a qualidade de diferentes cafés possa ser testada com precisão em laboratórios e/ou mediante análise sensorial de degustadores especializados, faz-se necessário um estudo nas condições de campo, isto é, no balcão/mesa em que a bebida é servida, com todos os inconvenientes que possam estar envolvidos. Nos estudos convencionais costumase comparar diferentes marcas ou tipos de produto, bem como outras variáveis, sendo a origem dos grãos controlada, as máquinas de expresso perfeitamente reguladas e o preparo da bebida efetuada sob condições próximas daquela considerada ideal (conduzida pelos próprios degustadores ou operador com reconhecida capacitação para tal tarefa). Neste trabalho, ao contrário, procura-se estudar a qualidade da bebida preparada em condições de campo, eventualmente, por pessoas não especializadas, com grãos de variadas origens, em equipamentos por vezes não regulados ou tecnologicamente defasados. Em outras palavras, trata-se de analisar a bebida que realmente chega ao cliente. Mais ainda, os critérios de qualidade utilizados devem ser suficientemente simples para serem observados pelo próprio consumidor, sem a necessidade de intervenção de especialistas. Assim, o objetivo deste artigo é construir um modelo para analisar os principais fatores, em condições de campo, que interferem na qualidade do café expresso servido na cidade de São Paulo. 2. MATERIAL E MÉTODOS 2.1 Material Os dados utilizados provêm de uma amostra probabilística estratificada de 282 estabelecimentos que servem café expresso na cidade de São Paulo, e de 819 consumidores, levantada em maio/junho de 2001. O tamanho da amostra, a Braz. J. Food Technol., v.6, n.2, p. 345-350, jul./dez., 2003 Qualidade do Café Expresso em Condições de Campo alocação nos estratos e o cálculo das estimativas foram feitos conforme descrito em KISH (1965). Os estabelecimentos foram agrupados nos seguintes estratos: a) Estrato 1 – Shopping centers; b) Estrato 2 – Terminais (aeroportuários e rodoviários); c) Estrato 3 – Avenida Paulista e arredores; d) Estrato 4 - Bolsa de Valores e arredores; e) Estratos 5 a 8 – clientes das quatro maiores empresas fornecedoras de máquinas de expresso; f) Estrato 9 – clientes de um dos principais fornecedores de grãos. Nos estratos 1, 3 e 4, procurou-se fazer um levantamento censitário, isto é, todos os estabelecimentos de cada um desses estratos foram levantados, garantindo a presença dos principais servidores de expresso. Nos demais estratos foi sorteada uma amostra aleatória, sendo que elementos que poderiam ocorrer em mais de um estrato foram considerados somente num, a fim de evitar vieses na estimação. Por motivo de sigilo comercial, as marcas utilizadas na estratificação não foram aqui especificadas. Segundo VEGRO et al. (2002), o levantamento levou em conta praticamente todos os pontos em que se servia o expresso, sendo pequena a falha de cobertura. Nesse levantamento, um questionário foi aplicado para levantar as características do estabelecimento e do operador, bem como uma amostra de xícara da bebida foi adquirida para obter as seguintes medições: a) tempo de preparação da bebida; b) tempo de permanência do creme; e c) consistência do creme (espesso, pouco consistente, inexistente). A equipe de campo recebeu treinamento apropriado no Centro de Preparação de Café, do Sindicato das Indústrias de Café do Estado de São Paulo, inclusive para fazer as medições sobre as xícaras adquiridas. Em cada estabelecimento sorteado foram entrevistados aleatoriamente no balcão três consumidores que chegavam para consumir o expresso, sempre que esse procedimento era aplicável (em alguns estabelecimentos, por exemplo, em alguns hotéis e centros cirúrgicos, respeitou-se a vontade do proprietário, ou gerente, ou responsável, que solicitou que não se abordassem os clientes ou funcionários). 2.2 Variáveis Os seguintes critérios são necessários, embora não suficientes, para qualificar uma xícara da bebida e são facilmente verificáveis pelo consumidor: a) tempo de preparo da bebida; b) consistência do creme; c) tempo de permanência do creme. Acrescente-se a esses critérios a marca do produto (grão torrado, moído ou sachê) e a marca do equipamento, também relativamente fáceis de serem verificadas pelo consumidor, ainda que disso pouco consiga relacionar com a qualidade final da bebida na xícara. Especificamente ao conhecimento da marca do produto, embora dispensável para o caso do especialista, pode ser bom indicador para o consumidor, desde que ele possa ter acesso a estudos comparativos de marcas, através da mídia ou de consulta aos certificados (gourmet, orgânico, de que fazenda ou região provém, etc.). Neste trabalho, a bebida foi considerada minimamente satisfatória se atendesse a todos os seguintes requisitos: a) tempo de preparo de 25 a 35 segundos, inclusive (esse é o intervalo de tempo indicado por ILLY; VIANI, 1995); b) creme 346 PINO, F.A.; VEGRO, C.L.R. espesso; e c) tempo de permanência do creme de 2 minutos ou mais1. Essas características são facilmente identificáveis por um consumidor atento embora, evidentemente, essa classificação da bebida não tenha a precisão e não possa ser comparada ao trabalho de um profissional degustador nem ao resultado de uma análise laboratorial. Entretanto, é provável que os cafés classificados aqui como satisfatórios incluam aqueles que seriam tidos como de boa qualidade por um especialista, embora nem todos eles sejam, realmente de qualidade. Portanto, a classificação aqui utilizada pode ser considerada como menos precisa, mais tolerante, incluindo como satisfatórias bebidas que na verdade não o eram. Segundo VEGRO et al. (2002), 56% das xícaras amostradas foram consideradas satisfatórias por esses critérios. Como aproximação da qualidade da bebida foi utilizada a seguinte variável de resposta ou dependente: Y= 1, para bebida satisfatória 0, caso contrário Existem inúmeros fatores que influenciam a qualidade da bebida (IILY; VIANI, 1995), porém aqui serão considerados somente fatores que possam influenciar diretamente a qualidade da bebida no balcão e que sejam facilmente identificáveis. Uma análise exploratória, considerando somente as freqüências relativas, permitiu estabelecer quais variáveis eram mais relevantes. As variáveis e xplicativas ou independentes aqui utilizadas, devidamente classificadas pelo tipo de capital envolvido, foram as seguintes: a) Capital humano X1 = 1, para operador qualificado 0, operador não qualificado b) Capital fixo c) X2 = 1, máquina automática 0, caso contrário X3 = 1, cafeteria 0, caso contrário Capital variável X4 = 1, grão/sachê classe 1 0, grão/sachê classe 2 O principal item do capital humano é a qualificação do operador, que tem importante influência sobre a qualidade da bebida, segundo VEGRO et al. (2002). A pergunta direta 1 O creme é uma característica marcante do café expresso, sendo uma camada de espuma de pequeníssimas bolhas, cujo padrão lembra as manchas da pele de um tigre, sobre uma emulsão de gotinhas de óleo e outros colóides existentes nos grãos torrados. Braz. J. Food Technol., v.6, n.2, p. 345-350, jul./dez., 2003 Qualidade do Café Expresso em Condições de Campo ao operador a respeito de sua qualificação em geral resulta em resposta viesada no sentido de todos se considerarem, em princípio, qualificados, incluindo em sua resposta rápidas sessões, em que técnicos da empresa revendedora do equipamento explicam o funcionamento dos botões, tempo de experiência e similares. Para tornar mais rigorosa esta variável, considerou-se qualificado o operador quando todos os seguintes requisitos estavam satisfeitos: a) os trabalhadores do estabelecimento têm funções específicas: b) o proprietário ou gerente do estabelecimento declarou que os trabalhadores têm capacitação formal para operar os equipamentos de preparo de café expresso; e c) o próprio operador declarou já haver participado de treinamentos formais sobre operação dos equipamentos de preparo de café expresso. O capital fixo refere-se aos investimentos, que não podem ser alterados a cur to prazo. Inclui o tipo de estabelecimento, tendo sido utilizada aqui uma simplificação daquela utilizada por VEGRO et al. (2002), por ter se mostrado mais adequada. Os estabelecimentos que servem café expresso podem ser classificados em: a) grupo 1 - empresas de café expresso, que vendem preferencialmente produtos derivados do café, como cafeterias e quiosques; b) grupo 2 - empresas de alimentação, que vendem preferencialmente alimentos não derivados de café, mas em que o café pode ser um complemento, como restaurantes, cantinas, bares, lanchonetes, padarias, doçarias e similares; e c) grupo 3 - outras empresas, que trabalham com produtos ou serviços não alimentícios, como hotéis, consultórios, clínicas, hospitais, escritórios, bancos, lojas de conveniência, salões de beleza, bancas de jornais, livrarias, etc. O capital fixo inclui, também, o equipamento (basicamente, a máquina de expresso), classificado aqui em duas categorias: a) as máquinas automáticas, que dispensam o operador e boa parte das regulagens, sendo geralmente usadas nos estabelecimentos do grupo 3; b) as máquinas não-automáticas ou de grupo, que não prescindem de um operador. O capital variável refere-se aos insumos, que geralmente podem ser alterados a curto prazo, exceto nos casos de franquia em que o produto é recebido do franqueador. Inclui basicamente o café (na forma de grão ou sachê). A classe 1 de café aqui definida inclui uma marca que é referência internacional, bem como duas outras marcas cujos produtos receberam classificação ótimo em recente trabalho de degustação desenvolvido na cidade (CANEJO; AMARANTE, 2002), sendo as demais classificadas na classe 2 (por motivo de sigilo comercial, as marcas não foram aqui especificadas). Outras variáveis disponíveis foram testadas, sem sucesso. Como mesmo um operador qualificado pode deixar de cumprir tarefas como regular e limpar o equipamento, enquanto, embora menos comum, um operador não qualificado pode fazê-lo, testou-se uma segunda variável igual a 1 quando se ele verifica sempre se a moagem dos grãos está adequada, e igual a 0 quando não verifica ou verifica somente às vezes. A verificação periódica da pressão da água costuma ser feita junto com a verificação da temperatura, mesmo porque os medidores localizam-se juntos no aparelho. Esse último quesito vale apenas para as máquinas mais antigas (sem termostato interno). Por esses motivos, bastou definir a variável 347 PINO, F.A.; VEGRO, C.L.R. em termos da moagem, que é o aspecto mais visível para o operador. No capital fixo foram testados outros tipos de estabelecimentos, como restaurantes e cantinas, ou agregados nos grupos. A utilização do sistema de franquia, bem como a realização de investimentos em reforma das instalações, modernização dos equipamentos e treinamento dos funcionários foram também testados. Testou-se, ainda, o efeito da água utilizada (mineral ou outra). Qualidade do Café Expresso em Condições de Campo TABEL A 1. Xícaras de café expresso classificadas como satisfatórias, por variável explicativa. Variável Operador Nível Percentual Não qualificado 55,78 Máquina automática Estabelecimento Para relacionar as variáveis utilizou-se um modelo de resposta binária do tipo logit, isto é, com distribuição logística, no qual a probabilidade de se obter uma bebida satisfatória é dada por: Pr [ Y = 1|X1, ..., X4] = 75,97 29,08 82,61 77,44 Classe 2 (outras marcas) 57,65 Outra 55,95 Mineral 74,24 Grupo Empresas de café 30,24 Empresas de alimentação 58,56 Outras empresas 77,23 1 + exp − β 0 − ∑ β i X i Para detalhes metodológicos, ver GREENE (1997); ALDRICH; NELSON (1984); SAS® (2002). 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO A exploração preliminar dos dados (Tabela 1) permite perceber que o menor índice de xícaras satisfatórias, contrariando as expectativas, apareceu exatamente nas cafeterias e empresas em que a especialização é o serviço do café, decorrendo desse fenômeno a concentração do modelo nessa categoria. O desempenho melhor no grupo de outras empresas deve-se ao uso mais difundido de máquinas automáticas, que prescindem de operador qualificado. Tal constatação contraria aqueles que acreditam que somente em máquinas de grupo pode-se obter um expresso com qualidade. O conteúdo e a evolução da tecnologia das máquinas automáticas permite, desde que bem manuseadas, efetivamente, extrair uma excelente bebida2. Assim, é provável que o menor índice de bebidas satisfatórias em cafeterias seja resultado indireto da qualificação dos operadores, essa sim uma variável importante: cafeterias utilizam máquinas nãoautomáticas, que precisam de regulagens constantes, o que exige operadores qualificados. Por sua vez, marcas de café em grãos torrados e sachês têm desempenho diversificado, fenômeno que obviamente já era esperado. O uso de água mineral, a qualificação do operador e a verificação da moagem também estão positivamente correlacionados com a qualidade da bebida. 2 Sim Cafeteria Restaurante 4 i=1 48,60 Água 1 91,33 Não Classe 1 (3 marcas) 2.3 Modelo Qualidade do café Qualificado Independentemente dessa constatação, o ritual de preparação sempre será uma exigência para os verdadeiramente apaixonados por uma xícara de prazer representada por um memorável expresso. Braz. J. Food Technol., v.6, n.2, p. 345-350, jul./dez., 2003 3.1 A qualidade da bebida Dentre os modelos testados o melhor deles incluiu somente quatro variáveis explicativas (Tabela 2). As estatísticas de associação de probabilidades previstas e respostas observadas (Tabela 3) apontam para um bom desempenho do modelo (quanto maiores os valores para D de Sommer, Γ de Goodman-Kruskal, τa de Kendall e c, tanto melhor, até o valor máximo de 1). O teste de qui-quadrado de ajustamento de Hosmer e Lemeshow foi igual a 0,9961, com 2 graus de liberdade (não-significativo ao nível de 5%), portanto, não há indicações de falta de ajustamento do modelo (em outras palavras, o modelo está bem calibrado e ajusta-se bem aos dados). TABELA 2. Modelo logit para qualidade de café expresso, estimativas dos parâmetros. Parâmetro Estimativa Qui-quadrado de Wald Intercepto -0,4271 6,6975*** Operador qualificado 1,6267 12,2269*** Máquina automática 1,5197 10,4862*** Cafeteria -0,7202 6,4056*** Qualidade do café 0,7986 3,8432 ** *** Significativo ao nível de 1%. ** Significativo ao nível de 5%. TABELA 3. Modelo logit para qualidade de café expresso, associação de probabilidades previstas e repostas observadas. Item Valor Concordantes (%) 54,7 D de Sommer 0,373 Discordantes (%) 17,3 Γ de Goodman-Kruskal 0,518 Empatados (%) 28,0 τa de Kendall 0,184 Número de pares 22.008 C 0,687 348 Índices de correlação de posto Valor PINO, F.A.; VEGRO, C.L.R. O intercepto do modelo indica uma situação inicial ou básica, em que nenhuma das situações relacionadas às variáveis explicativas ocorre. Nesse caso, com operador sem qualificação, máquina não-automática, café da classe 2 de qualidade e estabelecimento diferente de cafeteria, a probabilidade do café expresso ser satisfatório, na cidade de São Paulo, é igual a 39% (Tabela 4). Em se tratando de cafeteria, essa probabilidade cai para 24%. Porém, basta a qualificação do operador para essa probabilidade subir para 77%, resultado semelhante ao obtido para máquina automática (75%). O uso de café de melhor qualidade faz subir a probabilidade para 59%. Como se poderia esperar, as maiores probabilidades aparecem quando se utiliza café de boa qualidade preparado por operador qualificado ou em máquina automática, respectivamente 88% e 87%. TABELA 4. Probabilidade de obtenção de um café expresso satisfatório, cidade de São Paulo, maio-junho de 2001. Situação Probabilidade (%) Intercepto + Operador qualificado + Café de qualidade 88 Intercepto + Máquina automática + Café de qualidade 87 Intercepto + Operador qualificado 77 Intercepto + Máquina automática 75 Intercepto + Operador qualificado + Cafeteria 62 Intercepto + Café de qualidade 59 Intercepto + Café de qualidade + Cafeteria 41 Intercepto 39 Intercepto + Cafeteria 24 Utilizando o procedimento stepwise na construção do modelo, a primeira variável a entrar foi a qualificação do operador, mostrando ser essa a variável crítica na obtenção de uma bebida satisfatória em condições de campo, hipótese essa levantada por VEGRO et al. (2002) e aqui comprovada3. De fato, a importância do operador da máquina de expresso é tal que em países como a Itália existe a profissão de barista, isto é, o profissional especializado em testar blends, preparar adequadamente o expresso e ainda propiciar a máxima satisfação ao cliente (servindo um café curto, normal ou longo). Visando suprir essa carência de operadores capacitados, a Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA) organizou concurso objetivando selecionar os melhores extratores da bebida4. Assim, em março de 2002, ocorreu em São Paulo, o primeiro concurso desse gênero no País, sendo esse um passo importante no sentido de formalizar essa atividade. A segunda variável a entrar foi a máquina automática, mostrando que esse tipo de equipamento, por prescindir de operador, funciona com maior regularidade, obtendo-se nelas xícaras com menor índice de defeitos, ainda que tenha como desvantagem o fato de ser menos flexível nas mãos de um barista, mas sendo adequada para os estabelecimentos do grupo 3 (outras empresas), ainda que não exclusivamente voltada para apenas esse segmento. Portanto, essas duas 3 A experiência anterior do operador é positiva, mas o número de anos de experiência parece indicar mais o fato de ele ter aprendido na prática a operar a máquina, levando a resultados contraditórios. 4 A vencedora do concurso brasileiro concorrerá com outros 50 baristas selecionados em diversos países em junho próximo em Oslo, Noruega. Braz. J. Food Technol., v.6, n.2, p. 345-350, jul./dez., 2003 Qualidade do Café Expresso em Condições de Campo primeiras variáveis são mais ou menos equivalentes no contexto do modelo analisado. A terceira variável selecionada foi o tipo de estabelecimento, no caso específico, ser uma cafeteria, cujo sinal negativo indica o fato de nesse local a probabilidade de uma bebida satisfatória tem se mostrado menor, quaisquer que sejam as demais variáveis. Embora esse resultado seja inesperado, já que se consideram as cafeterias como os estabelecimentos que por excelência deveriam servir um bom café, é provável que ele esteja ligado a diversos outros fatores, como: a) a inexistência de operador capacitado na operação dos equipamentos (máquina e moinho); b) utilização de ligas de grãos torrados sem atributos recomendáveis quando destinado para o preparo expresso e c) uso de equipamentos (máquina e moinho) tecnologicamente desatualizados ou com manutenção precária. Finalmente, a quarta e última variável a entrar no modelo foi a qualidade do café (grão, sachê ou pó), ademais, condição sine qua non para uma boa bebida. O fato de, no modelo, a qualificação do operador parecer mais importante do que a qualidade do grão vem comprovar a hipótese também levantada por VEGRO et al. (2002) de que um mau operador pode estragar um bom café. Modelos alternativos foram testados, incluindo o efeito do esquema amostral bem como outras variáveis, mas eles se mostraram estatisticamente inadequados. Algumas variáveis foram excluídas por apresentarem alta correlação com outras variáveis de maior peso explicativo, o que significa que muitos estabelecimentos apresentam certo grau de homogeneidade, com todos utilizando ou não utilizando determinados fatores. Por exemplo, estabelecimentos em processo de expansão5 tendem a ser exatamente os que utilizam os melhores produtos, empregam os melhores operadores, investem mais, estão sintonizados com as preferências e expectativas de seus clientes e assim por diante. O maior preço pago pela xícara relacionase positivamente à qualidade da bebida, mas apenas reflete as características do estabelecimento, que inclui outros fatores relevantes que também influenciam na qualidade. Já o alto índice de qualidade quando não se cobra pela bebida relacionase ao uso de máquinas automáticas nesses locais. 3.2 A opinião dos consumidores Para avaliar se os consumidores sabem distinguir um bom café expresso foi lhes perguntado o que significa qualidade de café expresso na opinião deles. Entretanto, visivelmente o consumidor, em média, parece não ser capaz de distinguir a bebida de boa qualidade, pois mesmo considerando a presença de creme (critério objetivo), ou o sabor ou o fato de ser forte (critérios subjetivos) como critérios de qualidade, não houve diferença significativa no teste t de Student quanto à qualidade do café expresso que estava sendo saboreado no instante da entrevista (Tabela 5). Quando o critério do consumidor era o aroma, houve diferença significativa somente ao nível de 10%, 5 VEGRO et al. (2002) definiram como processo de expansão os casos em que eram informados investimentos em ampliação da infra-estr utura; modernização dos equipamentos e despesas em treinamento de pessoal. 349 PINO, F.A.; VEGRO, C.L.R. porém, com predominância de bebidas insatisfatórias entre esses consumidores. É provável que a maioria dos consumidores desconheça que a presença de creme (critério de qualidade) impede a perda do aroma, que é sentido somente após o início da degustação, e não antes, como é o caso do café de coador. TABELA 5. Xícaras de café expresso classificadas como satisfatória, distribuídas por critério de qualidade do consumidor, cidade de São Paulo, maio-junho de 2001 (percentual de observações). Critério de qualidade percebido pelo consumidor Percentual de consumidores com xícaras satisfatórias Sabor 52 O fato de ser for te 45 Presença de creme 43 Aroma 36* * Significativo ao nível de 10%. Curiosamente, quanto maior o volume de bebida na xícara, tanto maior o percentual tido como satisfatório, revelando que na opinião dos consumidores, por meio da maior diluição, neutraliza-se o traço amargo da bebida tornando-a mais agradável e conseqüentemente mais satisfatória. Nesse sentido, VEGRO et al. (2002) são incisivos ao recomendar maior visibilidade ao preparo tipo carioca ou longo para ampliar o leque de consumidores habituais do expresso. 4. CONCLUSÕES Qualidade do Café Expresso em Condições de Campo b) O segundo fator é a utilização de máquinas automáticas, que dispensam as regulagens feitas pelo operador e que elevam o índice de bebidas satisfatórias para 75%; c) A qualidade do grão eleva esse índice para 59%; d) Quando a bebida é preparada por operador qualificado utilizando grãos de boa qualidade, esse índice sobe para 88%. Os consumidores usualmente não consideram indicadores simples de qualidade (como tempo de preparo e tempo de permanência do creme) ao escolher o local onde vão beber café, atendo-se mais a critérios subjetivos. Portanto, fica como recomendação deste estudo que os esforços no sentido de criar a carreira profissional de barista no Brasil devem merecer todo o apoio do conjunto dos agentes que atuam nesse agronegócio. Tais profissionais, uma vez plenamente capacitados, serão os responsáveis por ofertar aos consumidores o máximo prazer que uma xícara de café expresso é capaz de propiciar. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALDRICH, J. H.; NELSON, F. D. Linear probability, logit, and probit models. London: Sage, 1984. 94p. CANEJO, M.; AMARANTE, J. O. No mundo dos cafés especiais. Gula, n. 111, p. 98-103, jan. 2002. GREENE, W. H. Econometric analysis. 3rd ed. Upper Saddle River, NJ: Prentice Hall, , 1997. 1.075p. ILLY, A.; VIANI, R. (Ed.). Espresso coffee. London: Academic Press, 1995. 253p. KISH, L. Survey sampling. New York: John Wiley, 1965. 643p. Embora a qualidade do grão seja condição indispensável para a obtenção de uma bebida satisfatória, é no capital humano que reside o fator crítico para uma excelente xícara de expresso, principalmente quando se utiliza equipamento não-automático: a) A qualificação do operador de máquina de expresso é o principal fator que afeta a qualidade do café expresso servido em estabelecimentos da cidade de São Paulo, fazendo subir de 39% para 77% o índice de bebidas de qualidade satisfatória; Braz. J. Food Technol., v.6, n.2, p. 345-350, jul./dez., 2003 SAS OnlineDocÒ. Version eight. Disponível em: http://www.rz.tuclausthal.de/sashtml/stat Acesso em: 27 mar. 2002. SETTE, R. S. Marketing para jovens consumidores de café: estratégias para o mercado brasileiro. Dissertação (Mestrado em Administração de Empresas) - Fundação Getúlio Vargas, São Paulo, 1999, 167p. VEGRO, C. L. R.; PINO, F.A.; FERREIRA, C.R.R.P.T.; MARGARIDO, M.A.; ALMEIDA, E.R.; ASSUMPÇÃO,R.; TAKADA, R.S. O prazer e a excelência de uma xícara de café expresso: um estudo de mercado. São Paulo: Editora Agronômica Ceres, 2002. 111p. 350