ENTREVISTA
uma antrozoonose. Entretanto trata-se de um
tema delicadíssimo, principalmente por questões éticas, e é muito importante que a comunidade científica acompanhe o impacto dessa
decisão que vai muito além da discussão do
vírus Ébola no surto atual.
O uso do ZMapp, um anticorpo monoclonal produzido em ratos e amplificado
num sistema vegetal foi acompanhado pelo
mundo todo, temos hoje 3 pacientes que foram tratados, dois estão evoluindo bem e um
morreu, mas é muito cedo para falar de resultados. Certamente os dados pré-clínicos do
experimento feito em macacos apontava uma
perspectiva animadora e justificou o “uso por
compaixão”. Agora com a utilização em escala maior dentro de ensaios clínicos desenhados para testar a eficácia da droga será possível obter evidências mais concretas.
Existem outras drogas, como por exemplo, um glicopeptídeos que têm como o alvo
a Fração ViII ativada do Complemento e que
também mostrou resultados animadores nos
estudos em macacos experimentalmente infectados e já com manifestação hemorrágica.
Além disso, existem algumas vacinas desenvolvidas para diferentes alvos. É preciso lembrar de outras antropozoonoses, como a Febre
Amarela onde o pilar do controle e da proteção humana é a existência de uma vacina
segura e eficaz.
Para os médicos e equipes de saúde que
podem vir a ter contato, qual a regra básica de prevenção, já que ainda não temos
vacinas ou tratamento eficaz?
Os profissionais de saúde têm sido o grupo
de risco mais afetado nas epidemias descritas,
em alguns surtos alcançaram 30% dos casos
detectados. Assim é fundamental que todos os
profissionais avaliem a sua possibilidade de
estar frente a um caso suspeito, isto é, fazer
a sua análise de risco individual e ter muito
cuidado ao transpor o risco dos profissionais
de saúde para a população em geral. Sabemos que estamos mais expostos aos riscos
biológicos e por isso precisamos nos manter
atualizados sobre as medidas de precaução
existentes.
Também é muito importante reforçar o
básico, as medidas de precaução universais
e a higienização das mãos estão na base de
tudo. Para os profissionais que podem ser envolvidos, na assistência aos casos suspeitos, é
fundamental compreender que a transmissão
se dá por contato com fluídos e secreções dos
pacientes sintomáticos, e a adoção da barreira
de precaução de contato e gotícula rigorosa
é suficiente para proteger o profissional. É
importante ressaltar que a contaminação ambiental em unidades improvisadas nos centro
de tratamento às vítimas na África, principalmente em zonas rurais, é amplificada pela ausência de sistema de sanitários e pela improvisação das estruturas hospitalares (hospitais
de campanha, tendas, etc.). Nessas condições
extremas o ambiente é considerado mais contaminado pela presença de grande número de
casos graves e óbitos que têm cargas virais
mais elevadas. A viabilidade do vírus no ambiente é considerada baixa e o uso de desin-
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fetantes simples como o hipoclorito de sódio
à 1% é eficiente. A utilização de máscara
cirúrgica é discutida, existe uma tendência a
se utilizar os respiradores tipo N95, mesmo
para tarefas onde não é antecipada a produção de aerossóis, esse ainda é um tema polêmico, além do custo, é preciso pesar o ônus
de trabalhar utilizando um equipamento que
impõem um esforço respiratório e, portanto,
um desgaste extra do profissional – todos sabemos que a fadiga é uma fonte importante
de acidentes.
O manuseio de amostra clínicas precisa ser
restrito a níveis de segurança NB4 para realizar o cultivo e isolamento viral. Para o manuseio da amostra clínica em níveis mais baixos
de segurança é possível utilizar substâncias
que inativam o vírus, dessa forma a análise de
PCR para a investigação diagnóstica pode ser
feita em laboratórios especializados mais com
níveis de segurança mais baixo. Na verdade
os protocolos de manuseio dos pacientes confirmados ou que estão aguardando o resultado
do PCR-Ébola incluem sempre a restrição
máxima de exames justamente para evitar a
exposição de profissionais nos laboratórios.
Para os profissionais que se expuserem a
casos confirmados se inicia um período de
observação de até 21 dias, caso haja o surgimento de uma síndrome febril esse profissional deve ser colocado em isolamento de contato e gotícula e precisará ser testado.
Há perigo de uma epidemia Mundial?
Não, porque a doença epizoonótica e antrozoonótica, precisam da presença do reservatório e admite-se que as espécies de
morcegos frutíferos que funcionam como reservatórios para o vírus Ébola estão restritas a
algumas áreas do mundo. A possibilidade de
outros animais servirem como reservatórios
eficientes é apenas teórica e, portanto remota.
A cadeia epidemiológica da doença transmitida entre humanos é controlada com a
detecção dos casos e seus contactantes, a
monitorização dos contactantes e a colocação desses em isolamento e despistagem (se
iniciarem sintomas clínicos), a desinfecção
das superfícies infectadas, o manuseio seguro
dos corpos e a desinfecção de todos os dejetos
infectados produzidos no manuseio dos pacientes é capaz de interromper eficientemente
a transmissão inter-humana. Muitos outros
surtos já foram controlados utilizando-se apenas a estratégia de interrupção da transmissão, mas esse é um trabalho árduo, minucioso
e difícil principalmente nas áreas remotas e
totalmente desassistidas onde os surtos têm
ocorrido.
A possibilidade de exportar casos existe, o
exemplo é o caso índice da Nigéria, por essa
razão a OMS adotou a estratégia de declarar
o surto atual como uma Emergência de Saúde
Pública Internacional, utilizando a nomenclatura do Regulamento Sanitário Internacional
de 2005. Assim cada país precisa avaliar a sua
relação com o foco atual e traçar a sua estratégia para detectar casos suspeitos e manejá-los
adequadamente. As recomendações são dinâmicas e refletem a dinâmica de expansão do
surto, daí a importância atribuída ao cluster
APM - Regional Piracicaba - Setembro 2014
na
Nigéria.
Existe
uma diferença
enorme
entre a situação
epidemiológica na Guiné, Libéria e
Serra Leoa e
o foco de 13
casos correlacionados na
Nigéria. Além
disso as medidas adotadas terão repercussões
na mobilidade local das pessoas que nem
sempre é possível antever, por isso a necessidade de acompanhar o surto em tempo real.
O Ebola pode chegar ao Brasil? Quais
os riscos que os brasileiros estão correndo?
Casos suspeitos podem chegar ao Brasil,
e todo caso suspeito precisa ser tratado e investigado como se fosse um caso confirmado
até ser descartado. Observando o histórico
dos serviços que recebem viajantes febris
vindos de áreas endêmicas de malária, podemos inferir o grau de conexão do Brasil com
os países da África Ocidental. Certamente
devemos buscar outras bases de dados sobre
comércio, empresas que utilizam mão de obra
internacional e ou têm atividades nessa região, pedidos de visto, rotas de imigração etc.
Entretanto, partido dos dados que já acompanhamos, uma vez que lidamos com viajantes
febris diariamente podemos dizer que o Brasil tem um fluxo pequeno de pessoas vindas
da África Ocidental quando comparamos a
nossa conexão com Angola e Moçambique.
Nossa série histórica de dez anos aponta que
tivemos entre 2-5 indivíduos/ano vindos dos
países da África Ocidental que desenvolveram uma síndrome febril num intervalo de
21 dias após terem deixado a África, e isto se
fosse hoje os tornariam casos suspeito. Como
somos responsáveis por cerda de 30% das
investigações para malária na região metropolitana do Rio de Janeiro, acreditamos que
podemos afirmar que o número de estimado
de casos que preencheriam o critério atual de
casos suspeito deve ser muito pequeno. Esse
cenário de razoável segurança para o Brasil
depende é claro do número de países onde a
infecção sustentada pelo vírus Ebola for confirmada, atualmente o foco é restrito a Guiné,
Libéria, Serra Leoa e Nigéria. É importante
lembrar que existe uma clara diferença entre
a situação na Nigéria e nos outros três países,
mas inclusão da Nigéria representa uma ampliação da segurança ao aumentar a sensibilidade no critério de caso suspeito.
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