UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ – UNIOESTE CAMPUS DE FRANCISCO BELTRÃO PROGRAMA DE PÓS–GRADUAÇÃO – STRICTO SENSU NÍVEL DE MESTRADO EM GEOGRAFIA ÁREA DE CONCENTRAÇÃO – PRODUÇÃO DO ESPAÇO E MEIO AMBIENTE LINHA DE PESQUISA: DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E DINÂMICAS TERRITORIAIS GRAZIELE FERREIRA COMUNIDADE DE PESCADORES ARTESANAIS NO LAGO DE ITAIPU CONFLITOS TERRITORIAIS NA COLÔNIA Z11 DE SÃO MIGUEL DO IGUAÇU/PR. FRANCISCO BELTRÃO – PR Junho, 2014 UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ – UNIOESTE CAMPUS DE FRANCISCO BELTRÃO PROGRAMA DE PÓS–GRADUAÇÃO – STRICTO SENSU NÍVEL DE MESTRADO EM GEOGRAFIA GRAZIELE FERREIRA COMUNIDADE DE PESCADORES ARTESANAIS NO LAGO DE ITAIPU CONFLITOS TERRITORIAIS NA COLÔNIA Z11 DE SÃO MIGUEL DO IGUAÇU/PR. Dissertação de Mestrado apresentada à banca examinadora do Programa de PósGraduação de Mestrado em Geografia, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Geografia – Área de Concentração: Produção do Espaço e Meio Ambiente. Linha de Pesquisa: Desenvolvimento Econômico e Dinâmicas Territoriais. Orientador: Prof. Dr. Edson Belo Clemente de Souza FRANCISCO BELTRÃO – PR Junho, 2014. DEDICO Aos meus paizinhos queridos, Inácio e Noeli, que lutaram frente ás dificuldades da vida, me ensinando a persistir sempre. Minhas inspirações de vida. Também á minha amada irmã, Micheli. Ao meu esposo e companheiro de todas as horas Cleverson, que sempre me apoiou e incentivou. Aos pescadores e pescadoras do Lago de Itaipu, pessoas humildes de coração, que buscam manter a esperança e a alegria de viver. Lutam incansavelmente por condições dignas de vida, e, que serviram de exemplo para mim. AGRADECIMENTOS Essa dissertação do mestrado foi sendo construída ao longo do tempo e por diversas mãos que ajudam, por isso lembro e sou muito grata a todos que me auxiliaram nessa longa caminhada. Considero pessoalmente que este é resultado de um esforço coletivo de todos! Inicio agradecendo Deus pelo dom da vida, pela fé e perseverança para vencer os obstáculos. Obrigado pela preciosa oportunidade, por ouvir minhas angústias diariamente, por acalmar meu coração e por oportunizar a escrita desses singelos agradecimentos. Minha gratidão em especial para: A Instituição: UNIOESTE- Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Campus de Francisco Beltrão, por possibilitar o aperfeiçoamento de meu conhecimento científico. Ao professor orientador Edson Belo Clemente de Souza, pelo interesse e dedicação na pesquisa (de um tema pouco explorado), pelas horas de leitura e pelas sugestões riquíssimas. Obrigado pela orientação e pela condução desta pesquisa. Aos professores do PPG em Geografia, pela possibilidade de discussões, leituras e conhecimento durante as disciplinas. Aos funcionários da biblioteca da Unioeste; à secretária do mestrado Andreia, pela prestabilidade e agilidade, sempre disposta á ajudar. A Faculdade Uniguaçu-Faesi e ao coordenador do curso de Geografia, Jair Raffaelli, pela compreensão nas ausências das aulas. Aos colegas de curso, pela oportunidade de conviver com pessoas com formações, trajetórias e histórias de vida tão distintas, mas que por compartilhar tantos sonhos e anseios acabam se tornando amigos em pouco tempo. Foram muito importantes e não precisam estar pertos para se fazerem presentes. Amigos que jamais esquecerei, querida Elisandra, quantas conversas e confidências, parece que nos conhecemos há tanto tempo! Obrigada pelas matrículas e milhares de favores que fizestes! Aline e Karise sempre companheiras! Léia, Juliane, Anderson, Vânia, Adriana, Suelen, Luana, Jéssica e Alex adorei conviver com vocês! Doida da Josi e a serena Bea, inesquecível ENG 2012! E muitos outros amigos, amigos de disciplinas, dos trabalhos de campo, de congressos e cursos. Não conseguirei relatar todos, mas foram extraordinários! Aos parentes, amigos e amigas, próximos ou distantes, que ofereceram as mais diversas formas de apoio, torceram por mim, oraram por mim, discutiram ideias e informações, todos formam importantes! A tia da Pensão: Dona Maria, uma senhora de 76 anos, inigualável! Muito disposta, animada, justa, caridosa, companheira, com uma história de vida formidável! Obrigada pelas inúmeras vezes que ficou esperando eu chegar com o ônibus ás 01 hr da manhã! Ao Ir. Marista Aloísio Kuhn, amado e respeitado tio avô, que muito me auxiliou, responsável pela primeira correção ortográfica da dissertação para a qualificação. Muito obrigado pela ajuda e pelas orações! Ao Celio Escher, corretor ortográfico da dissertação que muito me ajudou. Obrigado pela dedicação, sempre disposto a corrigir. Um agradecimento particular, a comunidade pesqueira da Colônia Z11, sem vocês essa pesquisa não existiria! Aos pescadores entrevistados e todos que de alguma maneira contribuíram para a coleta de dados, onde conquistei muitos amigos e conheci um pouco da realidade dessas pessoas humildes de coração. Obrigado pelas experiências e lições de vida que levarei sempre comigo, o amor á vida e a natureza, o respeito uns com os outros. Agradeço os “passeios” de barco, os almoços e as conversas. Aprendi muito com vocês! Ao presidente da Colônia Z11, Adilson Borges, pela paciência, disponibilidade e prontidão em responder minhas dúvidas, fornecer os dados, me acompanhar no campo e nas casas dos pescadores! Obrigado pelo “se precisar estamos aí”! Por fim, e de maneira muito especial, à minha família, pessoas que amo muito, mamãe Noeli, papai Inácio e maninha Micheli por ter me acompanhado nesta difícil, mas também agradável caminhada. Sem o apoio e a oração de vocês teria sido impossível chegar aqui! Mãe pelas dezenas de vezes que se preocupou: “Nega você nem come direito! Vai dormir mais cedo hoje! Se cuida!” Obrigado Mãe! Pai pelas vezes que ligava preocupado com as viagens, sempre querendo me ajudar, pela sua dedicação e apoio obrigado! Muito obrigado família pela compreensão nos períodos em que me dediquei às tarefas, ficando ausente das festas, passeios e rodadas de chimarrão. Ao Cleverson meu esposo, companheiro de caminhada, a quem além de muito obrigada pela paciência e ajuda, talvez deva algumas desculpas por não poupá-lo das tensões desse trabalho. Obrigado pelas viagens para fazer as entrevistas, pela companhia nas idas á Francisco Beltrão, pela colaboração sempre: “Amor eu faço isso, vai estudar!” Enfim, sou grata a todos que contribuíram de forma direta ou indireta para realização da pesquisa. [...] talvez não tenhamos conseguido fazer o melhor, mas lutamos para que o melhor fosse feito [...]. Não somos o que deveríamos ser, mas somos o que iremos ser. Mas graças à Deus, não somos o que éramos. Martin Luther King SUMÁRIO LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS .................................................................... iii LISTA DE FIGURAS .................................................................................................. iv LISTA DE QUADROS E TABELAS ........................................................................... v LISTA DE APÊNDICES E ANEXOS .......................................................................... vi RESUMO................................................................................................................... vii ABSTRACT.............................................................................................................. viii APRESENTAÇÃO ...................................................................................................... 9 INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 13 PROCEDIMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS DA PESQUISA ...................... 17 ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO ........................................................................... 21 CAPÍTULO I - O TERRITORIO E DEMAIS CONCEITOS: CONTEXTUALIZAÇÃO E DEBATE.................................................................................................................... 23 1.1 O Conceito de Pescador ................................................................................... 26 1.2 Concepções de Território, Território Usado e Territorialidades ................... 30 1.3 O Cotidiano e a Territorialidade do Pescador Artesanal ............................... 47 1.4 As Redes e as Relações de Poder ................................................................... 54 1.5 A Configuração de um Território Pesqueiro ................................................... 58 CAPÍTULO II- A PESCA NO BRASIL E SUAS INTER-RELAÇÕES ....................... 65 2.1 Panorama Geral da Pesca Brasileira no Mundo ............................................. 67 2.2 As Colônias de Pesca e o Histórico das Instituições Representantes da Pesca ........................................................................................................................ 70 2.3 A Pesca: Uma Questão de Política Pública..................................................... 76 2.3.1 Por uma conceituação de política pública ........................................................ 77 2.4 O Panorama da Pesca e da Aquicultura no Brasil ......................................... 81 2.5 A Produção Pesqueira Nacional e Regional ................................................... 83 2.5.1 Sobre a Pesca Extrativa e a Aquicultura no Continente ................................... 86 2.5.2 O Plano Safra da Pesca e Aquicultura ............................................................. 91 CAPÍTULOIII - A PESCA NO LAGO DE ITAIPU ...................................................... 96 3.1 O Contexto na Pesca no Lago de Itaipu .......................................................... 96 3.1.1 A reprodução da Pesca no Lago de Itaipu ..................................................... 103 3.2 Os Conflitos da Pesca no Lago de Itaipu ...................................................... 109 3.2.1 Os Conflitos Territoriais da Pesca no Lago de Itaipu ..................................... 110 3.3 O Processo de Produção, Criação e Venda do Pescado e suas Interfaces no Lago de Itaipu e na Colônia Z11........................................................................... 114 CAPÍTULO IV - O PESCADOR DA COLÔNIA DE PESCA Z11 ............................ 132 4.1 A Comunidade de Pescadores Artesanais: Uso e Ocupação do Território da Pesca ...................................................................................................................... 133 4.2 Características dos Pescadores da Colônia Z 11 ......................................... 138 4.2.1 Modo de Vida dos Pescadores: estratégias de sobrevivência ....................... 142 4.3 Formação e Atuação da Colônia Z11 ............................................................. 152 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 162 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 167 ANEXOS ................................................................................................................. 180 APÊNDICES ........................................................................................................... 195 iii LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS ABCC AI-5 BB BP 3 CAB CDED CEADES CIPAR CGU CNBB CONEPE CPP DRS EMBRAPA FAO IBAMA IBGE INSS IPARDES MMA MONAPE MPA NUPÉLIA ONU PRONAF PRONAFPesca RGP SEAP/PR Associação Brasileira de Criadores de Camarão. Ato Institucional número 5 Banco do Brasil Bacia do Paraná 3 Cultivando Agua Boa Centro Brasileiro de Estudos Demográficos Instituto de Estudos e Assessoria ao Desenvolvimento – Governo Federal Políticas e programas como: Centros Integrados da Pesca Artesanal Controladoria Geral da União Confederação Nacional dos Bispos do Brasil Conselho Nacional de Pesca e Aquicultura Conselho Pastoral dos Pescadores Desenvolvimento Regional Sustentável Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária Agricultura e a Alimentação Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística Instituto Nacional do Seguro Social-Ministério da Previdência Social Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social Ministério do Meio Ambiente Movimento Nacional dos Pescadores Ministério da Pesca e Aquicultura Núcleo de Pesquisas em Limnologia, Ictiologia e Aquicultura SEBRAE SIM SNUC Organização das Nações Unidas Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – Projeto para pescadores artesanais Registro Geral da Pesca Secretaria Especial da Aquicultura e Pesca da Presidência da República Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas Sistema de Inspeção Municipal Sistema Nacional de Unidades de Conservação SUDEPE Superintendência de Desenvolvimento da Pesca - Governo Federal UEM UFPR UNIOESTE Universidade Estadual de Maringá Universidade Federal do Paraná Universidade Estadual do Oeste do Paraná iv LISTA DE FIGURAS Figura 1: Mapa de Localização da Área em Estudo.................................................14 Figura 2: Trecho do Lago de Itaipu...........................................................................15 Figura 3: Lago de Itaipu e Municípios Lindeiros Brasileiros......................................61 Figura 4: Armadilhas Fixas: redes de espera, espinhéis e covos.............................62 Figura 5: Organograma da Classificação dos Agentes do Setor Pesqueiro pelo Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA)...................................................................75 Figura 6: Gráfico da Produção de Pescado (de todo o tipo) por Regiões em 2010, Brasil .........................................................................................................................85 Figura 7: Gráfico da Produção de Pescado (t) Nacional da Pesca Extrativa Continental em 2009 e 2010 Discriminada por Região..............................................88 Figura 8: Gráfico da Produção de Pescado (t) da Aquicultura Continental entre 2008 e 2010.........................................................................................................................89 Figura 9: Gráfico da Produção de Pescado(t) da Aquicultura Continental por Unidade de Federação.............................................................................................................90 Figura 10: Localização das Áreas e Zonas de Pesca no Reservatório de Itaipu.....102 Figura 11: Localização dos Pontos de Pesca em Todo o Lago de Itaipu................106 Figura 12: Fotos do Rebaixamento das Águas do Lago de Itaipu...........................113 Figura 13: Tanques-rede no Lago de ItaipU............................................................118 Figura 14: Localização dos Municípios que Possuem Frigoríficos de Peixe na Mesorregião Oeste do Paraná .................................................................................120 Figura 15: Foto de Anúncios de Venda de Pescado em frente as Casas de Pescadores...............................................................................................................125 Figura 16: Fotos de Pescadores Limpando e Vendendo Peixe...............................126 Figura 17: Localização dos Pontos de Embarque e Desembarque da Comunidade de Pescadores Z11........................................................................................................132 Figura 18: Fotos da Entrada dos Pontos de Pesca.................................................134 Figura 19: Foto de Moradias Próximas aos Pontos de Pesca.................................134 Figura 20: Fotos da Limpeza do Pescado em Casa e no Ponto de Pesca .............135 Figura 21: Pescadores Retirando o Pescado pela Manhã ......................................136 Figura 22: Gráfico Síntese da Dedicação Exclusiva à Pesca no Lago de Itaipu.....143 Figura 23: Gráfico das Principais Atividades Desenvolvidas pelos Pescadores em 2009..........................................................................................................................144 Figura 24: Fotos de Plantio de Fumo e de Mandioca..............................................146 Figura 25: Pescadores com Aparelhamento Rede de Pesca .................................149 Figura 26: Almoço no Ponto de Pesca.....................................................................150 Figura 27: Foto dos Barracos no Ponto de Pesca...................................................152 Figura 28: Fotos da Estrutura da Sede da Colônia Z11...........................................156 Figura 29: Unidade de Abatedouro no Ponto de Pesca e Pescadores.....................159 Figura 30: Fotos de Reuniões com Agentes Políticos, Representantes do MPA e Pescadores................................................................................................................160 v LISTA DE QUADROS E TABELAS QUADROS Quadro 1: Pescadores e Pescadoras Entrevistados..................................................20 Quadro 2: Territórios da Produção Pesqueira no Brasil – Uma Sistematização........60 Quadro 3: Produção de Pescado (t) Nacional por Modalidade - de 2009 e 2010......84 TABELAS Tabela 1: Produção (t) Total de Pescados dos Maiores Produtores em 2009 e 2010...........................................................................................................................68 Tabela 2: Produção de Pescado (t) Nacional e Participação Relativa do Total da Pesca Extrativa Marinha e Continental dos Anos de 2008, 2009 e 2010 .................87 Tabela 3: Produção Total, Continental e Marinha da Aquicultura no Brasil entre 2008 e 2010........................................................................................................................89 Tabela 4: População Total dos Municípios e População da Área de Alagamento – 1975...........................................................................................................................98 Tabela 5: Características Gerais dos Pescadores da Colônia Z11..........................139 Tabela 6: Características socioeconômicas.............................................................141 vi LISTA DE APÊNDICES E ANEXOS APÊNDICES APÊNDICE 1 Questionários realizado aos pescadores...........................................196 APÊNDICE 2 Questões das entrevista realizadas com os sujeitos da pesquisa................................................................................................198 ANEXOS ANEXO 1 Parecer Consubstanciado do Comitê de Ética.......................................181 ANEXO 2 Ata de algumas reuniões mensais da Colônia Z11................................182 ANEXO 3 Zonas e Áreas de Pesca do lago de Itaipu............................................186 ANEXO 4 Estatuto da Colônia Z11.........................................................................188 vii COMUNIDADE DE PESCADORES ARTESANAIS NO LAGO DE ITAIPU CONFLITOS TERRITORIAIS NA COLÔNIA Z11 DE SÃO MIGUEL DO IGUAÇU/PR. RESUMO Esta pesquisa objetiva analisar a formação do território da pesca no Lago de Itaipu, especificamente na localidade pesqueira da Colônia Z11, do município de São Miguel do Iguaçu, Estado do Paraná, Brasil. O elemento que motivou o estudo foi a compreensão do processo de formação deste território pesqueiro: um território construído (a partir do alagamento), imposto à população, com variados usos e conflitos, que envolvem variados agentes com diferentes interesses, como os pescadores artesanais e os pequenos agricultores, o Ministério da Pesca e Aquicultura, a Colônia de Pescadores e a Itaipu Binacional. Para este estudo, a metodologia utilizada baseou-se em leituras bibliográficas, no levantamento de dados estatísticos da pesca artesanal no Brasil e no Lago de Itaipu, bem como nas políticas públicas do setor pesqueiro, no processo histórico das colônias de pesca, e nos trabalhos de campo que contemplam entrevistas e aplicação de questionários. Dos resultados obtidos, cabe destacar que o pescador da Colônia Z 11 é pescador pela realidade imposta; pesca em um lago artificial, um território repleto de sujeitos variados e de conflitos; pratica a pluriatividade; vive em comunidade descontínua (distante geograficamente uns dos outros); e a pesca, além de um ofício, é importante fonte de renda. Não obstante, a realidade mostra a atividade fragilizada pelas dificuldades no circuito da extração, produção e comercialização do pescado. Nas comunidades ribeirinhas ao Lago de Itaipu, muitos agricultores familiares, trabalhadores rurais e até urbanos passaram a exercer a atividade pesqueira frequentemente a partir da formação do lago de Itaipu. Essa nova alternativa de renda e de vida abarca costumes, modo de viver, agora inter-relacionados, formando um novo território, como resultado da readaptação e das novas relações de poder. Esse novo sujeito social reinventa-se e amplia-se territorialmente, em um espaço conflituoso. Palavras-chave: Lago de Itaipu; Pescadores artesanais; Território pesqueiro, Conflitos territoriais. viii COMMUNITY OF ARTISANAL FISHERMEN IN LAKE ITAIPU – TERRITORIAL CONFLICTS IN THE COLONY Z11 IN SÃO MIGUEL DO IGUAÇU/PR ABSTRACT1 This research aims to analyze the formation of the fishing territory in Itaipu Lake, specifically in the fishing town of Colony Z11, in São Miguel do Iguaçu, Paraná State, Brazil. The element that motivated the study was the understanding of the formation process of this fishing territory: a territory built (from flooding), imposed on the population, with varied uses and conflicts involving different actors with different interests, such as artisanal fishermen and small farmers, Ministry of Fisheries and Aquaculture, Fishing Colony and ItaipuBinacional. For this study, the methodology used was based on literature reading, on statistics survey of artisanal fisheries in Brazil and in the Itaipu Lake, as well as on public policy in the fishing sector, on the historical process of fishing colonies, and on field work that include interviews and questionnaires. From our results, it is worth noting that the fisherman of Colony Z 11 is a fisherman because of the reality imposed; he fishes in an artificial lake, a territory full of varied subjects and conflicts; practices pluriactivities; lives in a discontinuous community (geographically distant from each other); and fishing, besides craft, is an important source of income. Nevertheless, reality shows the activity weakened by the difficulties in the extraction, production and marketing of fish circuit. In the riverine communities of Itaipu Lake, many family farmers, farm workers and even urban farmers began to engage in fishing activities frequently since the formation of Itaipu Lake. This new alternative income and life spans customs, way of life, now interrelated, forming a new territory as a result of upgrading and new power relations. This new social subject reinvents itself and expands territorially, in a conflictual space. Keywords: Itaipu Lake; Artisanal fishermen; fishing territory; Territorial conflicts. 1 Traduzido por Dayane Kelly Israel Smaniotto. 9 APRESENTAÇÃO Comunidades de Pescadores Artesanais no Lago de Itaipu Recordo de minha infância, vivida às margens do Lago de Itaipu, em uma comunidade rural, no ano de 1995 mais ou menos. Gostava de ouvir as histórias contadas pelos moradores das comunidades lindeiras ao Lago de Itaipu, inclusive da minha comunidade, relatando como eram suas vidas antes da formação do Lago e depois da “imensidão de água” que inundara suas terras. O que mais me chamava atenção era o saudosismo das lembranças passadas, quando os moradores descreviam sua trajetória e seu trabalho árduo na roça, recordando das pescarias nos Rios Paraná, Iguaçu e Ocoí e de como eram as comunidades, em uma terra próspera e que se desenvolvia “aos olhos de todos.” Também muito me intrigava a forma como essa batalhadora população afetada pelo alagamento das terras reaprendeu a viver e a manter seus costumes e seu trabalho, reinventado-os conforme a realidade territorial, pois, a partir da formação do lago, tiveram que aprender a utilizar esse novo espaço, não por eles escolhido, mas a eles imposto. Caso contrário, teriam que sair do lugar onde viveram por anos e cujas vilas ajudaram a fundar. Muitos efetivamente saíram e buscaram refazer a vida em outro município, em outro estado ou mesmo em outro país (como Paraguai ou Bolívia). Meu primeiro contato com o Lago de Itaipu foi ainda criança. Costumava nadar e brincar muito nele, passando a entender que a relação existente entre as comunidades ribeirinhas e o Lago era intrínseca, pois ele servia para alguns como lazer e diversão, enquanto para outros como um tormento na vida, sinal de tristeza de uma vida interrompida e, ainda, para muitos outros como uma nova alternativa. Alguns moradores falavam do atraso que o Lago trouxe a suas vidas e da interferência climática, local que acreditam existir devido à imensidão do espelho de água represada e das novas alternativas de atividade, como a pesca artesanal no Lago. Esse contato que tive com a vida ribeirinha, a pesca, permitiu participar de momentos importantes e inesquecíveis, como o preparo das redes, as idas e vindas 10 da pescaria, as confraternizações. Todas as histórias contadas pelos moradores fizeram com que eu construísse um referencial para vida. Como me interessava muito por essa realidade, passei a relacionar esse universo de forma acadêmica quando, no final da graduação em Geografia na Faculdade de Ensino Superior de São Miguel do Iguaçu, UNIGUAÇU-FAESI, em 2007, pesquisei sobre as alterações climáticas causadas pelo Lago e percebidas pela população local. Nesse trabalho me debrucei sobre dados de pesquisa para o entendimento dos aspectos positivos e negativos em relação ao Lago de Itaipu, principalmente sobre dados ligados à agricultura e ao clima da região. Com esse estudo foi possível analisar os sujeitos que se relacionam diretamente com o Lago e constatei o crescente grupo de pescadores envolvidos nessa realidade, agora percebidos como sujeitos que agem sobre seu espaço/território, não apenas como contadores de histórias da infância. No ano seguinte iniciei, através de um curso de pós-graduação lato sensu na mesma instituição, um estudo sobre a territorialização da pesca no Lago de Itaipu, observando e descrevendo alguns pontos de pesca no Lago, especificamente pontos no município de São Miguel do Iguaçu. Esse curso proporcionou a oportunidade de estabelecer novos contatos com diversos pescadores e conhecer mais sobre a vida e o cotidiano deles, gente que aprendeu a utilizar um território a eles impostos e, assim, reaprendeu a viver neste. Toda essa realidade mais as entrevistas com os pescadores, tudo isso me mostrou os fortes traços culturais desse povo, sua garra e determinação com que enfrentam os problemas dessa classe. E esse universo passou a me fascinar mais ainda. As primeiras ideias do projeto de pesquisa para o mestrado começaram a surgir no decorrer da realização da pesquisa sobre a territorialidade. Naquela oportunidade me chamou a atenção o número de pescadores nas colônias e nas associações do Lago de Itaipu, e a forma como viviam seu cotidiano, adaptando-se àquela realidade a eles imposta, sendo que muitos desses pescadores tinham na pesca uma nova alternativa de renda enquanto outros, uma nova forma de vida. Por isso busquei continuar o estudo sobre os pescadores do Lago de Itaipu quando ingressei na pós-graduação stricto sensu - nível de mestrado da Unioeste, em Francisco Beltrão, agora com um propósito maior de analisar as comunidades de pescadores, estudando desde sua formação, sua organização, seu modo de vida e 11 como usam esse território, tendo, nesse estudo, a orientação do professor Dr. Édson Belo Clemente de Souza. Inicialmente, a intenção era estudar todas as comunidades pesqueiras do Lago de Itaipu, sendo oito colônias e duas associações, com 950 pescadores no total. Depois, porém, em conversa com o professor Édson, chegamos à conclusão de que seria uma empreitada de que possivelmente não daríamos conta em dois anos de pesquisa. Por isso buscou-se analisar a comunidade de pesca da Colônia Z 11 de São Miguel do Iguaçu. Procuramos entender como ocorreu à formação desse território de pesca a partir da formação do Lago de Itaipu, em 1982. A Colônia Z11 é local onde já existiam pescadores antes, que usavam o Rio Paraná e seus afluentes, porém eram em menor quantidade. Interessante é destacar que o processo de formação da colônia de pescadores pode ser considerado recente, mas a organização e a luta da classe não deixaram de emanar de uma série de particularidades. Esses preexistentes pescadores, para se adaptarem às nova realidade “imposta” (da formação do Lago), passaram e continuam passando por intensos problemas de sobrevivência, iniciando com o alagamento das terras (pois também eram agricultores), passando para rebaixamentos periódicos das águas devido à falta de chuvas na bacia superior do Rio Paraná (o que leva à escassez de peixes), a falta de incentivos governamentais e de financiamentos, etc. Também lutam pelo direito à pesca profissional e pelo reconhecimento da profissão. Os pescadores realizam a pesca como alternativa fundamental frente às dificuldades vividas pelos moradores lindeiros ao Lago de Itaipu e não apenas em decorrência de uma tradição pesqueira, visto que ainda é um processo recente (iniciado em 1982). Devido a toda essa especificidade espacial, as alterações econômicas, geográficas e sociais, a constituição e as estratégias vivenciadas pela comunidade pesqueira artesanal, devido a tudo isso, faz-se relevante compreender esse processo de formação e de uso de um território. Essas particularidades tornaram, então, o estudo relevante, por se tratar de uma pesca em moldes artesanais, em água doce, em um lago construído artificialmente para a produção de energia elétrica a priori, onde o pescador também é agricultor, que formou um território para nele viver e lutar por melhores condições de vida. Nesse território, várias esferas de poder atuam e precisam ser 12 desmistificadas e compreendidas, como é o Estado com suas políticas públicas, a Usina de Itaipu, as entidades da pesca e, finalmente, o pescador tentando sobreviver. Realizamos entrevistas com pescadores, com representantes da Itaipu e com parceiros deles (DRS/Banco do Brasil, Prefeitura Municipal e Câmara Municipal), o que possibilitou um aprendizado fundamental. As apreensões que tiramos dessas entrevistas/conversas vão muito além do que, por ora, apresentamos na dissertação. São ensinamentos além da pesquisa e que mostram que, apesar da sociedade em que vivemos – onde a classe dos pescadores é cercada de incertezas e esquecida pelas políticas públicas –, o pescador nos revela, por vezes de modo mais explícito, outras vezes de maneira mais sutil, que vale a pena apostar nos sujeitos da história, na sua luta pelas condições dignas do trabalho pesqueiro. Nessa etapa, ouvir foi o que mais fiz. E as dificuldades encontradas foram tantas, mas não tanto quanto os ensinamentos. Algumas conversas foram longas e riquíssimas de informações. Outras, porém, foram breves. Esta análise geográfica do território que se propõe nesta pesquisa busca, principalmente, entender esse território como o resultado da apropriação e das relações de poder. Os pescadores artesanais constituem-se como um grupo social que, no ato de produzir, agem, concomitantemente, na produção do espaço e na apropriação do território. Assim, o território da pesca no Lago de Itaipu está em constante processo de valorização e de ação de poderes internos e externos. Os pescadores artesanais são entendidos, nesta pesquisa, como formadores de um todo de cotidiano singular, ou seja, como um grupo diferenciado no Modo de Produção Capitalista, grupo que, embora esteja inserido nesse sistema, possui outra lógica de relação/produção/apropriação do território. Para esse grupo social, o território possui importante valor simbólico e profissional. A busca pelo entendimento dessa dinâmica, pelas lembranças e pelas as inquietações dessas comunidades de pescadores me despertou para a realização desta pesquisa. Espero que todas as informações que disponibilizarei sirvam de reflexão e contribuam para as discussões sobre os pescadores artesanais e o território. 13 INTRODUÇÃO A trajetória da pesca artesanal confunde-se com a história da humanidade, pois desde os primórdios dos tempos o ser humano usa e retira da natureza aquilo de que necessita para sua sobrevivência. A pesca, atividade extrativa, é a última atividade humana de caça realizada em grande escala (DIEGUES, 1983). Refletir sobre a pesca significa refletir sobre uma atividade que vem construindo “sociedades” (DIEGUES, 2004), moldando “modos de vida” distintos conforme o lugar em que vivem, e um âmbito geográfico, formando “territórios” específicos repletos de conflitos e de particularidades. Busca-se empreender esta análise a partir da escala local, que é importante quando se entende que a escala local é integrante de uma totalidade maior e que permite a conexão com outros processos de outras escalas. A noção de totalidade direciona o estudo, na medida em que a colônia de pescadores analisada, a Colônia Z11, composta por pescadores do Lago de Itaipu, é vista como resultado da ação territorial dos pescadores. Já a escala temporal varia entre o período anterior à formação do Lago2 e entre 1982 até os dias atuais. A Colônia Z11, localizada no município de São Miguel do Iguaçu – conforme Figura 1 - tem esta designação em função de que se situa na Área 11 de pesca 3-, onde a pesca profissional artesanal é uma forma particular de trabalho e de modo de vida no Lago de Itaipu. A caracterização da microrregião 4 onde se encontra o município de São Miguel do Iguaçu é importante para compreender a lógica do desenvolvimento do Oeste do Paraná e a formação da comunidade pesqueira. Observando a Figura5 1 a seguir, se vê a localização da área em Estudo: 2 Adotou-se ao longo da dissertação o uso da palavra Lago (em letra maiúscula), referindo-se ao Lago de Itaipu. 3 Divisão elaborada pela Itaipu será abordado na sequência. 4 Segundo o Ipardes, São Miguel do Iguaçu faz parte da Microrregião Geográfica Foz do Iguaçu e da Mesorregião Geográfica Oeste Paranaense. 5 Optou-se por empregar o conceito de “Figura” para todas as ilustrações, fotos, imagens, mapas e gráficos do trabalho, exceto quadro e tabela, conforme as orientações para elaboração de trabalhos acadêmicos (monografias, dissertações e teses), descrito na NBR 14724, de 2011. 14 Figura 1: Mapa de Localização da Área em Estudo Fonte: Base Cartográfica: IBGE (2003). Elaboração REOLON, Cleverson A. Organizado por: FERREIRA, Graziele. O município de São Miguel do Iguaçu,contava, em 2010, com uma população de 25.755 habitantes, dos quais 63,97% residiam na área urbana (IBGE 6). Do montante de habitantes que vivem na área rural, 9.279 pessoas, 180 delas (1,3%) praticam a pesca artesanal no município, sem contabilizar os pescadores esporádicos. Percebe-se, na figura acima, que São Miguel do Iguaçu faz limite, ao Norte, com o município de Itaipulândia e com a República do Paraguai (através do Lago de Itaipu), ao Sul, com a República da Argentina (através do Parque Nacional do Iguaçu), a Leste, com os municípios de Medianeira e Serranópolis do Iguaçu e, a Oeste, com os municípios de Foz do Iguaçu e de Santa Terezinha de Itaipu. 6 CIDADES. Disponível em: <http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/home.php>. Acesso em: 5 set. 2009. 15 Concentra parcela de duas grandes unidades ambientais: o Parque Nacional do Iguaçu e o Lago de Itaipu. Outro aspecto importante quanto à regionalização do município é sua condição fronteiriça, próximo à Tríplice Fronteira Brasil-Paraguai-Argentina, também por ser margeado pelo Parque Nacional do Iguaçu e pelo Lago do reservatório de Itaipu, transformando-se em um local de interesse turístico e político para o Estado do Paraná. É na represa de Itaipu, construída para a geração de energia elétrica e no lago apropriado para outros diversos fins7, que se constitui o estudo, onde os processos de reprodução e reconstrução espacial e suas interações sociais evidenciam uma especificidade territorial, desencadeada por um processo de formação de um novo território (a partir do alagamento das terras antes agricultáveis para formação de um lago artificial). Dessa forma, esse território passou por mudanças significativas na sua configuração, organização e formas de uso. A Figura 2 mostra parte do Lago de Itaipu, onde existe atuação dos pescadores: Figura 2: Trecho do Lago de Itaipu Fonte:MAISTURISMO.NET. Disponível em: <http://www.maisturismo.net/foz-do-iguaçu-pr-brasil/lago-itaipu/>. Acesso em: 10 jan. 2014. 7 Além da geração de energia, o Lago de Itaipu tem por uso o turismo e a pesca. 16 O Lago de Itaipu teve sua formação completa em 1982, após a construção da barragem de Itaipu. Foram 16 municípios atingidos com o alagamento de inúmeras propriedades e áreas para formar o lago em uma proporção satisfatória a produção de energia elétrica. No total são 1350 km2 de agua que reconfiguram a região. Com a mudança no território, as perdas de terras foram grandes e a expulsão de agricultores e moradores lindeiros foi característico em todos os municipios, que possuem sua base econômica na agricultura severamente prejudicada. Foi necessário uma readaptação da realidade imposta, novos atores e sujeitos passam a atuar na região alagada: são os pescadores artesanais. Os pescadores artesanais existiam anteriores ao Lago de Itaipu, atuando nos rios da região eram poucos e sem eficaz organização de classe (haviam apenas duas Colônias em toda a extensão, Guaíra e Foz do Iguaçu). O Lago propiciou uma nova alternativa de vida e de renda através da pesca artesanal, assim os pescadores começam a se multiplicar de forma efetiva, são 950 pescadores cadastrados no Ministério da Pesca sem contar os esporádicos. Essa nova realidade alterou a vida de comunidades e pessoas dos municípios atingidos pelo Lago, formando novos(s) território(s) e modos de vida dos pescadores, que constantemente são invisíveis perante a sociedade, a Itaipu e os órgãos políticos, sendo que a luta por seus direitos e presente no dia a dia do pescador artesanal. Tais apontamentos demonstram que a pesca artesanal assume importância como objeto de pesquisa, que comporta discutir e analisar o processo de formação territorial da pesca no Lago de Itaipu, reconhecendo cada ator, suas relações de poder e conflitos, desvendando e entendendo as especificações e as particularidades dessa formação territorial. Os objetivos específicos do trabalho delineiam-se no sentido de verificar a produção e a configuração desse novo território pesqueiro, desde a formação do Lago até os dias atuais, evidenciando a territorialidade existente por meio de suas ações cotidianas e os conflitos, inerentes às relações de poder estabelecidas. Esses objetivos tratam-se, pois, de: (i) identificar e mapear os pontos de pesca do Lago de Itaipu para localizar a área de atuação e influência dos pescadores, delimitando assim a abrangência do território como um todo, bem como a área específica da análise, ou seja, os pontos da Colônia Z11 (com auxílio de dados e mapas cedidos pela Itaipu e utilizando o Google Earth); (ii) caracterizar, através de 17 fontes bibliográficas, o setor pesqueiro, setor muito importante para realizar também uma análise da pesca artesanal nacional e regional do Lago de Itaipu, e de São Miguel do Iguaçu, detendo-se nas questões da pesca continental no país, questões como o processo histórico das colônias de pesca, sua estruturação, seus problemas, o papel da Itaipu e outras instituições, e as políticas públicas para o setor; (iii) observar, questionar e entrevistar foram ferramentas importantes para concretizar o terceiro objetivo, o de entender a relação e a vivência cotidiana dos pescadores na construção do seu território, a organização social, as relações de poder e os conflitos de interesses dos envolvidos nesse processo. Buscou-se verificar a pesca como um ofício, ou uma alternativa e uma fonte de renda das famílias no entorno do Lago de Itaipu; e, enfim, (iv) abranger a força do movimento dos pescadores, em variadas circunstâncias adversas (rebaixamento da lâmina de água do lago; distribuição e comercialização do pescado; manutenção de programas assistenciais das instituições envolvidas; poluição da água, etc.) e as relações de poder instituídas nesse território, objetivo que se tornou primordial para a pesquisa. Para a compreensão da dinâmica territorial foi necessário um panorama de aspectos sociais, históricos e geográficos da Comunidade de Pescadores no Lago de Itaipu. Assim, “[...] o território deve ser abordado em sentido amplo, multidimensional e multiescalar, tratando o conceito de acordo com os contextos históricos e geográficos em que foi produzido” (HAESBAERT, 2006, p. 96). PROCEDIMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS DA PESQUISA Para o desenvolvimento desta pesquisa, fez-se a escolha de determinados procedimentos metodológicos, procedimentos que realmente dessem conta do entendimento do objeto pesquisado. Utilizou-se um levantamento bibliográfico como base de sustentação teórica, para compreender epistemologicamente o tema e para potencializar a pesquisa empírica. Procurou-se elucidar conceitos importantes para a pesquisa, tais como território, territorialidades, redes, pescador artesanal, comunidades, cotidiano e modo de vida. Os conceitos utilizados na pesquisa são complementares e correlatos entre si, pois o estudo da pesca no Lago deve levar em consideração a sobreposição entre eles. A territorialidade está relacionada ao território, pois o território, enquanto espaço socialmente e historicamente produzido, possui identidades que se transformam ao 18 longo do tempo conforme a necessidade da sociedade –, que são as territorialidades, e que frequentemente entram em conflito devido à diversidade dos sujeitos e dos interesses. Essas territorialidades se reproduzem no meio social, na comunidade de pescadores artesanais, como na pesquisa, onde estão interligadas num sistema de redes, de relações territoriais, econômicas e sociais. Outro procedimento utilizado foi a coleta de dados secundários, através das informações disponíveis na Prefeitura Municipal, na Colônia de Pesca, no Ministério da Pesca e Aquicultura (MAP), dados da Controladoria Geral da União (CGU), da EMBRAPA, da Superintendência Federal da Pesca e Aquicultura (SFPA-PR), e da Itaipu. A pesquisa se pauta também no levantamento de fontes orais, advindas dos pescadores pelas técnicas de coleta de histórias de vida, de entrevistas semidiretivas e abertas, diário de campo e questionários, partidas da investigação participante que pressupõe um intenso contato com o grupo social, por meio de observações in loco nos mais variados espaços e contextos. A investigação participante apresenta limitações e armadilhas, mas ela também é de grande riqueza para a pesquisa social, especialmente aquelas que envolvem grupos em situação de conflito. Com a técnica de coleta de histórias de vida, conforme Victoria et al. (2000, p. 67), “[...] busca-se compreender o desenvolvimento de vida do sujeito investigado e traçar com ele uma biografia que descreva a sua trajetória até o momento atual”. Considerar a história de vida do informante é considerar também o fato de ela fornecer elementos importantes, como os culturais, para a compreensão da própria história pelo pesquisador. Essa técnica é realizada ao longo de vários encontros, após estabelecer confiança entre pesquisador e pesquisado. O diário de campo é considerado um instrumento essencial e básico de registro de dados de um pesquisador, pois é o registro fiel e detalhado de cada visita a campo, independente da utilização de outras técnicas (VICTORIA et al., 2000). O recurso da entrevista semidiretiva, de acordo com Michelat (1989, p. 192), “[...] por oposição à entrevista dirigida, tem o objetivo de contornar certos cerceamentos das entrevistas por questionários com perguntas fechadas que representam o polo externo da diretividade”. As informações desse tipo de entrevistas são consideradas correspondentes a níveis mais profundos, pois a liberdade que é 19 dada ao entrevistado facilita a produção da informação, que poderia ser omitida a outro tipo de entrevista. A abordagem de campo, condicionada à autorização do Comitê de Ética de Pesquisa em Seres Humanos da Unioeste8, iniciou com as observações das reuniões em 20129, passando pelas entrevistas10, conversas e questionários11 para coletar e tratar os dados fornecidos pelos sujeitos envolvidos com a pesca e com os pescadores da comunidade pesqueira pertencente à Colônia Z11. Para este estudo foi necessário fazer um recorte espacial na área de estudo. Inicialmente pensada em todas as comunidades pesqueiras do Lago de Itaipu, porém, devido às dimensões espaciais, às intensidades das relações territoriais e ao tempo exíguo para dissertar, passamos a delimitar uma comunidade, pertencente a um município lindeiro ao Lago e pertencente à Colônia Z11. De acordo com Gil (1994), dependendo da natureza dos dados da pesquisa e da abrangência dos elementos do universo, não é possível utilizar todo o universo amostral. Assim, é frequente o uso de uma amostra, ou seja, de uma parte dos elementos que compõem esse universo. Então, para delimitar a amostra representativa a ser analisada quantitativamente, investiu-se em um conjunto de vinte pescadores entrevistados (n=20) na Colônia Z11. Quanto à escolha dos pescadores entrevistados, ela foi parcialmente aleatória, tendo sido privilegiados os indivíduos mais antigos na profissão e que tinham a pesca como atividade principal, e também indivíduos que ingressaram em épocas diferentes na profissão da pesca. Buscou-se identificar três subamostras, com indivíduos a partir dos seguintes critérios: (i) pescador que pesca há muito tempo ou até mesmo já parou de pescar, mas praticou a atividade por longa data; (ii) pescador com tempo médio de pesca; e (iii) pescador com pouco tempo de atividade. Desta maneira, essas classificações foram determinadas não pela idade, mas pelo tempo de pesca definido e pelo reconhecimento dos próprios pescadores das comunidades. Além disso, procurou-se priorizar os indivíduos determinados pelos próprios pescadores, que indicavam quem eram os mais experientes e respeitados pelo grupo. Além dos 20 entrevistados que praticavam a pesca artesanal, entrevistaramse mais cinco (5) sujeitos, sendo o presidente da Colônia (Adilson Borges), o 8 Ver ANEXO 1- Parecer Consubstanciado do Comitê de Ética. Ver a ata de algumas reuniões no ANEXO 2. 10 Ver APÊNDICE 2. 11 Ver APÊNDICE 1. 9 20 presidente do DRS - Desenvolvimento Regional Sustentável - do Banco do Brasil de São Miguel do Iguaçu (Valmir Matiello), Superintendente do Meio Ambiente da Itaipu Binacional (Jair Kotz), o Secretário Municipal da Agricultura (NacletoTres) e representante dos Vereadores (Nilton Wernke). Todos concederam os dados e depoimentos de livre vontade, conscientes de que os dados seriam utilizados para a pesquisa universitária. Alguns, por se sentirem constrangidos, solicitaram para não ser gravado o depoimento (apenas transcrito). Essas entrevistas aconteciam à medida que o contato era estabelecido, algumas agendadas com antecedência, tanto nos pontos de pesca, como na sede da Colônia Z11 ou como na casa dos pescadores. Dessa forma, à medida que os pescadores se mostravam dispostos, as entrevistas eram realizadas. Ao nomear os entrevistados pescadores, não foram utilizados seus nomes próprios, mas as iniciais de cada nome, como apresentado a seguir no Quadro1: Quadro 1: Pescadores e Pescadoras Entrevistados Elaboração: Graziele Ferreira, 2013. O questionário, que também fez parte da coleta de dados, foi aplicado a cada pescador profissional (que fora deixado na Colônia e entregue aos mesmos para responderem pessoalmente, sendo devolvidos 124 questionários). Com as 21 observações do cotidiano e do pescador nos pontos de pesca, as reuniões na Colônia Z11, as conversas com os pescadores, efetuou-se a elaboração de um diário de observação (diário de campo). Após o levantamento de todos os dados primários, foi realizada a organização dos mesmos, através da transcrição das falas coletadas nas entrevistas, na sistematização dos dados das histórias de vida e na seleção e organização dos dados relevantes à pesquisa relatados nas anotações do diário de campo. Após a análise disso tudo, elaboramos os capítulos desta dissertação. ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO A partir das problemáticas elencadas para análise deste trabalho, a dissertação foi estruturada em quatro capítulos. Com essa estruturação objetivou-se atender ao desígnio geral da pesquisa, desenvolvendo o tema de forma articulada e clara, e evidenciando as inter-relações nas escalas de análise abordadas. No primeiro capítulo apresentou-se uma discussão sobre os conceitos da geografia importantes na análise do objeto em estudo. A utilização dos termos “território” e “territorialidade” exigiu precauções, pois as intencionalidades e as relações de poder muitas vezes camuflam a realidade. Por isso foram debatidos por Haesbaert (2006), Raffestin (1993) e Souza (2003). Também o conceito de “rede” foi explicitado, agora baseado nas ideias de Raffestin (1993), de Correâ (2001), de Castells (1991) e de Santos (1996, 2000), tendo as redes assim sido compreendidas e esquematizadas. Procurou-se moldar um conceito de “pescador artesanal” adequado à realidade, visto que existem particularidades nas comunidades, desde o próprio território pesqueiro, a organização dos pescadores e seu modo de vida, processos específicos locais (difíceis de encontrar em outros lugares). Isso foi estudado com base nas contribuições de Diegues (1983, 1994), de Cardoso (2001), de Lima (1997), de Silva (2011) e de Resende (2006). Esse embasamento teórico serviu de suporte para os demais capítulos da dissertação. O segundo capítulo foi destinado à compreensão da pesca artesanal em cenário nacional e regional, compreendendo o potencial pesqueiro continental, quantificando o pescado e entendendo sua interferência na economia. Buscou-se 22 analisar as políticas públicas nacionais, estaduais e municipais destinadas ao setor, sem, no entanto, esquecer do processo histórico da formação das colônias de pesca no Brasil. Discutiu-se o trabalho das entidades que representam e dão assistência à pesca no Lago de Itaipu. No terceiro capítulo se analisa o contexto da pesca no Lago de Itaipu e na região Oeste paranaense. Analisamos, para esse fim, a formação da Colônia de Pescadores Z11 e as políticas públicas que chegam até ela, as esferas econômicas envolvidas, renda do pescado, a pesca como turismo, os tanques-rede (pisciculturaprodução), destacando a resistência ou permanência da população nesse território e a adequação do espaço proporcionado pela Itaipu. Analisamos, enfim, os conflitos territoriais dos variados sujeitos da pesca. No quarto e último capítulo, com o relatório da Universidade Estadual de Maringá (UEM) e da Itaipu (instituições parceiras de pesquisa sobre a pesca no Lago de Itaipu) e com a interpretação dos dados primários coletados em campo na Colônia Z11 (nos pontos de pesca e na casa dos pescadores), buscou-se caracterizar o sujeito pescador artesanal do Lago de Itaipu e da Colônia e entender quem são os pescadores, por que são e como são. Aí estão incluídas informações sobre se a família participa da pesca, como é a atuação da mulher, como se configura o cotidiano e o modo de vida dos pescadores, partindo de observações in loco, questionários e entrevistas. O texto das considerações finais apresenta as impressões e as análises finais da pesquisa. Nessas considerações estão incluídas as imbricações do uso do território da pesca no Lago de Itaipu. 23 CAPÍTULO I - O TERRITORIO E DEMAIS CONCEITOS: CONTEXTUALIZAÇÃO E DEBATE Este primeiro capítulo discute os conceitos e as categorias geográficas na busca da compreensão dos sujeitos (pescadores) e do objeto (pesca no Lago de Itaipu) da pesquisa. Durante os estudos preliminares, ficou evidenciada a necessidade de primeiro discutir o conceito de pescador artesanal para, só posteriormente, construir um conceito adequado à realidade do pescador do Lago de Itaipu. Contribuíram para isso autores como Diegues (1983), Silva (2011a) e Guedes (2009). Com Raffestin (1993), Haesbaert (1999, 2006, 2011), Santos (1996, 2000, 2006), Ratzel (1990), Corrêa (1996), Souza (2003), Castells (1999) e Sposito e Saquet (2004) buscou-se compreender território, território usado, territorialidade e redes na pesca artesanal. Através das ideias de Lefebvre (1991), Claval (1985), Tuan (1980), Moscovici (2003), Goffman (1975) e Bourdieu (1998) empreitou-se entender o conceito de cotidiano e o modo de vida em comunidades, visando analisar em outro capítulo a maneira como ocorre a convivência dos pescadores. Nesse estudo da pesca artesanal no Lago de Itaipu busca-se conceituar esse pescador, porém procurando conceituação sem pretensão de defini-lo de modo rígido. Isso supõe compreender que existem especificidades nos grupos sociais de pescadores, pois que variam de uma localidade para outra; e busca-se, pois, uma noção ampla que conceitue e faça entender a pesca artesanal nessas localidades pesqueiras do Lago de Itaipu. Aqui o território precede todos os outros conceitos em razão de que ele é concebido como espaço social produzido (alagamento das terras e formação do reservatório da Usina de Itaipu), seja no que se refere às delimitações físicas (o Lago), seja no que diz respeito à construção das relações sociais de poder e de suas representações simbólicas (a vida dos pescadores). Destacam-se as especificidades e particularidades no modo de vida e na formação dos pescadores artesanais no Lago de Itaipu, que interagem nos processos de construção da territorialidade e do território pesqueiro. Como organização do espaço, pode-se dizer que o território responde, em sua primeira instância, a necessidades econômicas, sociais e políticas de cada 24 sociedade e, por isso, sua produção está sustentada pelas relações sociais que o atravessam. Sua função, porém, não se reduz a essa dimensão instrumental; ele é também objeto de operações simbólicas e é nele que os atores projetam suas concepções de mundo. São, assim, vários os níveis de análise e de escalas espaciais que permitem a compreensão do território. O olhar geográfico, portanto, além de ser seletivo quanto aos níveis de análise, é também multiescalar. O território se pluraliza segundo escalas e níveis historicamente constituídos, englobando escalas como o local, o município, o estado, a região e o país, chegando ao global. Essas diferentes escalas não constituem um continuum, mas níveis imbricados ou superpostos. Esta dissertação não considera somente o território em nível local (Colônia Z11) no Lago de Itaipu, onde ocorrem as relações sociais mais diretas, mas também, as escalas regionais, nacionais e também globais, partindo do entendimento das demais colônias de pesca no Lago e da legislação pesqueira nacional até as abordagens e consumo mundial do pescado. O território é, para aqueles que têm uma identidade territorial com ele, como é o caso dos pescadores do Lago de Itaipu, resultado de uma apropriação simbólicoexpressiva do espaço, sendo portador de significados e de relações simbólicas, deixando marcas pela história e pelo trabalho humano, o que, no caso, pode ser apreendido pela forma de adaptação à nova realidade, imposta a partir da formação do Lago na década de 1980. Por meio do conceito de “território usado”, também abordado na pesquisa, o território é resultado de processo histórico quanto às bases material e social das ações humanas. Trata-se de uma questão de método que reconhece a análise mais abrangente da totalidade, das causas e dos efeitos do processo socioterritorial. O conceito de território usado, como espaço geográfico12 que é, permite uma visão mais abrangente e totalizadora da Geografia. Desse modo se reconhecem as ações dos grandes agentes modernizadores e as ações dos agentes não hegemônicos, mas que também produz espaço geográfico. Assim, o território usado permite identificar a totalidade de todos, identificando, por meio do pensamento processual, as relações entre lugar, formação socioespacial e mundo. 12 Partiu-se da definição de Santos (1996), definição segundo a qual o espaço geográfico é um conjunto indissociável, solidário e, também, contraditório de sistemas de objetos e de sistemas de ações não considerados isoladamente, mas como o quadro único no qual a história se dá. 25 Além de entender o território pesqueiro no Lago, a discussão sobre “redes” se torna significativa nas reflexões sobre as ações coletivas e individuais dos pescadores, em particular naquelas redes que dizem respeito a garantias de demandas políticas (organização da Colônia Z11), econômicas (venda do pescado) e sociais (modo de vida). As relações sociais têm elementos de poder que libertam e aprisionam, a depender das lutas travadas e dos interesses em pauta em determinada arena social, demonstrando uma forma particular de organização, mas não livre do processo de coação. Esse processo “força” a criação de redes. Em uma análise de Santos (1996), do que vem a ser uma rede, o autor conduz para a formação de tessituras onde os “nós” fazem parte de sua composição. Nesse método, a “rede” é como mecanismo para estabelecer variados contatos, dados pelas relações que envolvem questões de circulação e de comunicação de bens materiais e imateriais no atual contexto global, numa perspectiva de significação e significado13. Relacionando ao conceito de território, indissociável ao conceito de rede, vale destacar a posição de Raffestin (1993), que reforça a ideia do território como fruto de relações sociais amplas e que envolvem Estado, indivíduo e organizações em uma malha de nós e de redes, partindo da realidade concreta que é o espaço, passando à implantação de novos recortes e ligações. Nesse sentido, é pertinente também destacar a ideia de Santos (1996), que afirma que mesmo os sujeitos hegemonizados recriam estratégias e buscam garantir a sua sobrevivência nos lugares. Assim é necessário que os pescadores vivam em comunidades e coexistam com suas diferenças, que por vezes demonstram um cotidiano harmonioso outras vezes conflituoso. O cotidiano pode ser estudado pela geografia e, nesta pesquisa, o cotidiano aparece como o modo de ser, de fazer, de representar, numa visão do olhar das pessoas que vivem, passam ou habitam um bairro de uma cidade ou de uma “Significado” é a categoria imanente à vida, presente em toda manifestação de vida ou memória, na medida em que expressa algo. É correlato às categorias históricas de “sentido”, “significação”, “fim” e “valor”. Significação é o que é representado ou expresso por um sinal, um sistema de sinais, um gesto, um fato. (DILTHEY, Wilhelm Guillermo. Crítica de larazón histórica. Barcelona: Península. 1986. ÍMAZ, Eugenio. El pensamiento de Dilthey. 1. Reimpressão. México: Fondo de Cultura Econômica.1979. Disponível em: <http://www. recantodasletras.com.br/artigos/1499783>. Acesso em: 12 dez 2013). 13 26 comunidade. Pelo fato do seu uso habitual, o cotidiano pode ser considerado como a privatização progressiva do espaço público (CERTEAU, 1999). Considerando tudo isso, este capítulo traz uma discussão inicial abordando os conceitos dentro da temática que busca esclarecer o objeto e os sujeitos em estudo, iniciando com o conceito de pescador, passando ao de território, de territorialidade, de redes e de cotidiano. 1.1 O Conceito de Pescador O pescador do Lago de Itaipu apresenta certa singularidade, pela sua atuação e modo de vida, quando comparado ao conceito de pescador artesanal no Brasil. Por isso se torna relevante para a pesquisa compreender esse conceito e construir um próprio, condizente com a realidade do pescador do Lago. Para tanto, embasou-se o entendimento principalmente em Antonio Carlos Diegues, pensador que é referência no estudo das populações tradicionais e pesqueiras. Para Diegues (1983), a diversidade de pescadores no Brasil é imensa e bem distinta, tendo características bem peculiares de uma localidade para outra; por isso, faz-se relevante o conhecimento empírico dessas comunidades pesqueiras, antes de estudá-las. Quando se busca a conceituação, o autor elabora algumas categorias de pescadores: agricultor/pescador, pescador/artesanal e pescador/proletário, ressaltando suas características e como se gerou essa diferenciação. Segundo Diegues (1983), o pescador brasileiro tem origem nas comunidades ribeirinhas e costeiras que combinavam agricultura e pesca, mas existem muitas diferenciações. O agricultor/pescador tem identificação maior com elementos que caracterizam a forma do trabalho agrícola e familiar, sendo a pesca uma atividade complementar que objetiva alimentação e renda; constitui uma categoria muito representativa até 1960, e continua até hoje em algumas comunidades pesqueiras como a dos Caiçaras14. Já os pescadores/artesanais são, para o mencionado autor, aqueles que obtêm sua renda exclusivamente da pesca. Enquanto isso, o “Caiçara”é uma palavra de origemtupie refere-se aos habitantes das zonaslitorâneas e que vivem dapescade subsistência e ainda o termo caiçara designa diversos itens de cunho cultural no litoral brasileiro (DIEGUES,1983). 14 27 pescador/proletário surge principalmente no Sul e no Sudeste do Brasil, onde empresas de pesca com frotas particulares contratam os indivíduos para trabalharem. Pode-se definir que pescadores artesanais são aqueles que, na captura e no desembarque de toda e qualquer espécie de organismos aquáticos, trabalham sozinhos e/ou utilizam mão de obra familiar ou não assalariada, explorando ambientes ecológicos localizados próximos à costa ou em rio, pois, em geral, a embarcação e a aparelhagem utilizadas são simples e tradicionais, e, para tal fim, possuem pouca autonomia (DIEGUES, 1973). Outra definição pesquisada para este trabalho teve como base a Lei Federal nº 11.959, de 29 de junho de 200915, que conceitua que a pesca artesanal existe quando praticada diretamente por pescador profissional16, de forma autônoma ou em regime de economia familiar, com meios de produção próprios ou mediante contrato de parceria, desembarcado, podendo utilizar embarcações de pequeno porte. Pela lei, considera-se que atividade pesqueira artesanal são aqueles trabalhos de confecção e de reparos de artes e de petrechos de pesca, os reparos realizados em embarcações de pequeno porte e o processamento do produto da pesca artesanal. Complementa-se essa definição com base no Registro Geral de Pesca - RGP (SEAP, 2006), segundo o qual existem as seguintes categorias: pescador profissional (classificado como artesanal ou industrial), aprendiz de pesca, armador de pesca, embarcação pesqueira, indústria pesqueira, aquicultor e empresa que comercializa organismos aquáticos vivos. O conceito de pescador para o Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA) está baseado na Instrução Normativa nº 6, de 16 de abril de 2010, do MPA, onde encontra-se as seguintes definições (MPA, 2010): - Pescador Profissional: pessoa física, brasileiro nato ou naturalizado, bem como o estrangeiro portador de autorização para o exercício profissional no País, desde que atendam os demais requisitos estabelecidos nesta Instrução Normativa, e que exerça a pesca como atividade principal e com fins comerciais, fazendo dessa atividade sua profissão e principal meio de vida, podendo atuar na pesca artesanal ou na pesca industrial, definido da seguinte forma: 15 A Lei Federal nº 11959/2009 dispõe sobre a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável da Aquicultura e da Pesca, regula as atividades pesqueiras, revoga a Lei Federal nº 7.679, de 23 de novembro de 1988, dispositivos do Decreto-Lei Federal nº 221, de 28 de fevereiro de 1967, e dá outras providências. 16 Conforme a Lei Federal nº 11959/2009, “Pescador Profissional” é definido como: a pessoa física, brasileira ou estrangeira residente no país que, licenciada pelo órgão público competente, exerce a pesca com fins comerciais, atendidos os critérios estabelecidos em legislação específica. 28 - Pescador Profissional na Pesca Artesanal: aquele que exerce a atividade de pesca profissional de forma autônoma ou em regime de economia familiar, com meios de produção próprios ou mediante contrato de parceria, podendo atuar de forma desembarcada ou utilizar embarcação de pesca com propulsão ou a remo. - Pescador Profissional na Pesca Industrial: aquele que, na condição de empregado, exerce a atividade de pesca profissional em embarcação de pesca de qualquer tamanho. - Aprendiz de Pesca: aquele que, maior de 14 e menor de 18 anos, atua de forma desembarcada ou embarcada como tripulante em embarcação de pesca, observadas as legislações trabalhista, previdenciária e de proteção à criança e ao adolescente, bem como as normas da Autoridade Marítima. Para o MPA, a pesca artesanal é extrativa 17 na maioria dos casos. Quando ocorre no mar, é denominada pesca extrativa marinha e, quando em águas continentais, é denominada pesca extrativa continental. O artigo 8º da Lei Federal nº 11.959/2009, ao tratar da natureza da pesca, assim a classifica: (I) comercial: (a) artesanal: quando praticada diretamente por pescador profissional, de forma autônoma ou em regime de economia familiar, com meios de produção próprios ou mediante contrato de parceria, desembarcado, podendo utilizar embarcações de pequeno porte; (b) industrial: quando praticada por pessoa física ou jurídica e envolver pescadores profissionais, empregados ou em regime de parceria por cotaspartes, utilizando embarcações de pequeno, médio ou grande porte, com finalidade comercial; (II) não comercial: (a) científica: quando praticada por pessoa física ou jurídica com a finalidade de pesquisa científica; (b) amadora: quando praticada por brasileiro ou estrangeiro com equipamentos ou apetrechos previstos em legislação específica, tendo por finalidade o lazer ou o desporto; (c) de subsistência: quando praticada com fins de consumo doméstico ou escambo sem fins de lucro e utilizando apetrechos previstos em legislação específica. A pesca artesanal caracteriza-se também pelo uso de pequenas embarcações, com menor esforço unitário de pesca; o regime de trabalho é familiar, de vizinhança ou de parentesco, e as técnicas de trabalho e captura do pescado são tradicionais. Para compreender a acepção do pescador artesanal do Lago de Itaipu foi necessário buscar variadas definições de pescador, todos os apontamentos foram importantes, porem as constatações baseados nas proposições de Diegues (1983) descrevem melhor o pescador do Lago de Itaipu. Este participa da categoria A “pesca extrativa” consiste em extrair ou retirar recursos pesqueiros em sua forma original com fins lucrativos ou, simplesmente, para subsistência. 17 29 mencionada pelo autor, a de pescador/agricultor, mas, ao mesmo tempo, não deixa de ser pescador profissional/artesanal em continente, isso porque faz uso de técnicas de trabalho tradicionais e de mão de obra familiar no Lago, dividindo seu tempo entre a pesca e o trabalho no campo. A pesca artesanal é desenvolvida, de modo geral, por pessoas que têm como objetivo principal consumir o pescado capturado, o que pode ser observado em todas as regiões do país; ela é praticada, principalmente, por consumidores representados pelas comunidades ribeirinhas, onde problemas sociais como o desemprego e a baixa escolaridade são evidentes, tendo na pescaria a única maneira de adquirir seu alimento e alguma remuneração para o sustento familiar (RESENDE, 2006). Outro aspecto importante na vida dos pescadores e dos ribeirinhos é o vasto conhecimento que eles têm da várzea, do rio e da floresta que os circundam. Foi possível perceber que o conhecimento tradicional desses povos abrange inúmeros aspectos da vida dos rios e suas relações com a mata, dos tipos e dos hábitos dos peixes, como migração, alimentação, época e lugares de desova dos cardumes, desenvolvendo técnicas de captura com armadilhas fixas, de baixo impacto. A pesca também assume grande importância para o comércio local de muitas cidades. Quando bem sucedida, parte da produção pode ser vendida a intermediários ou em feiras das vilas mais próximas. Por se tratar de atividade difusa, praticada por milhares de pessoas em todo o mundo, a sua produção é difícil de ser quantificada. É, também, muito expressiva do ponto de vista cultural, por ser atividade comumente praticada por pessoas de ambos os sexos, de todas as idades e categorias sociais, desde aquele que a pratica para sobreviver e aquele que o faz por lazer (SANTOS; SANTOS, 2005). Para Silva, Oliveira e Nunes (2007), os pescadores fazem parte de uma rede interligada e suas interações não devem ser observadas apenas do ponto de vista do uso e da apropriação de recursos, mas no contexto das relações sociais. No que se refere à tomada de decisões, eles estão diariamente agindo, quando trabalham para sobreviver, lutam por melhorias na atividade, denunciam a pesca clandestina, etc. A partir das premissas discutidas pelo conceito de pescador, os pescadores do Lago de Itaipu são classificados como sujeitos participantes de um grupo social, que, pelas suas particularidades, pode ser considerado como pescador profissional artesanal/agricultor, que obtém seu pescado de forma extrativa, em áreas 30 continentais, vendendo o excedente na cidade e nas vilas, demonstrando possuir vasto conhecimento dos recursos utilizados. Cabe considerar que esses pescadores possuem uma conceituação bem comum aos pescadores continentais do Brasil como um todo. Mesmo assim, nas suas particularidades, se distinguem, em especial quando se observa a área de atuação (o Lago de Itaipu), a realidade em que os transformou em pescadores e seu modo de vida, assunto para os próximos capítulos. Esses pescadores se distinguem também porque, embora sejam pescadores artesanais pertencentes ao Lago de Itaipu, não deixa de ser produtores rurais e agricultores, entre outras atividades complementares, e dividem o tempo entre o trabalho da lavoura e da pesca. São, então, pescadores/agricultores, pois complementam a agricultura com a pesca. Como mencionado por Diegues (1983), são também pescadores artesanais pelas técnicas utilizadas de forma tradicional (mesmo a comunidade não sendo tradicional, pois surge de forma efetiva após a formação do Lago) e pela utilização de mão de obra familiar ou de vizinhança. 1.2 Concepções de Território, Território Usado e Territorialidades Nesta seção disserta-se sobre as formas como o termo “território” é utilizado, isso em razão de que há uma diversidade de abordagens do conceito. Objetiva-se no entanto, avaliar qual abordagem é mais pertinente para a presente pesquisa. O termo território é preconizador de outros conceitos, porém é importante frisar que, para a análise geográfica, é essencial compreender os conceitos de espaço geográfico e de território como indissociáveis, pois o território é formado a partir do espaço. E essa análise geográfica através do conceito de território pressupõe um estudo a partir de relações de poder. Ao longo do tempo, o conceito foi sendo construído por diversos autores que se baseiam em diferentes concepções, expressando sua ideologia. Dentre as conotações, aparece, nesta pesquisa, o território como soberania de Estado, como resultado do trabalho social, como elemento cultural (sentimento pertencimento, memória), como território usado e, a partir da territorialidade, como ações daqueles que produzem seu território, e enfocando também a questão da desterritorialização – daqueles que perdem seu território. 31 Buscou-se analisar diferentes abordagens e que refletissem várias vertentes e pontos de vista dos pensadores dessa área, entretanto, “[...] devemos reconhecer que vivenciamos hoje um entrecruzamento de proposições teóricas [...]” (HAESBAERT, 2006, p. 45), existindo diferentes concepções, umas que privilegiam o natural, outras o político e outras o econômico, em se tratando de território. As principais contribuições se referem a Haesbaert (2006, 2011), que acredita na existência de duas vertentes interpretativas opostas. A primeira é uma concepção de território naturalista, que concebe o território nos aspectos físicos e materiais, como se o território fosse uma “continuidade do ser”. Ainda nessa concepção, existe outra variante dessa interpretação, que valoriza uma “[...] ligação afetiva, emocional, do homem com seu espaço” (p. 118). A segunda concepção é a que pode ser denominada concepção etnocêntrica do território, concebendo-o assim como uma “construção puramente humana”, excluindo-se a relação da sociedade com a natureza, “[...] como se o seu território pudesse prescindir de toda a ‘base natural’” (HAESBAERT, 2006, p.119). Entre essas duas concepções existe um ponto em comum, o fato de privilegiar mais as dimensões política e cultural do espaço do que a dimensão econômica. Ainda para Haesbaert (2011) haveria três concepções ligadas ao território: a) política ou jurídico-política: a mais difundida, onde o território é visto como um espaço delimitado e controlado, através do qual se exerce um determinado poder, na maioria das vezes relacionado ao poder político do Estado; b) cultural ou simbólico-cultural: prioriza a dimensão simbólica e mais subjetiva, em que o território é visto, sobretudo, como o produto da apropriação/valorização simbólica de um grupo em relação ao seu espaço vivido; e c) econômica: menos difundida, enfatiza a dimensão espacial das relações econômicas, o território como fonte de recursos e/ou incorporado no embate entre classes sociais e na relação capital-trabalho, como produto da divisão “territorial” do trabalho, por exemplo. A partir dessas três concepções ligadas ao território, Haesbaert (2011, p. 94) o define como: O território envolve sempre, ao mesmo tempo (...), uma dimensão simbólica, cultural, através de uma identidade territorial atribuída pelos grupos sociais, como forma de “controle simbólico” sobre o espaço onde vivem (sendo também, portanto, uma forma de apropriação), e uma dimensão mais concreta, de caráter político-disciplinar [e políticoeconômico, deveríamos acrescentar]: a apropriação e ordenação do espaço como forma de domínio e disciplinarização dos indivíduos. 32 O autor reconhece a importância da distinção entre essas quatro dimensões segundo as quais usualmente o território é focalizado, mas procura ampliá-las, apresentando outra perspectiva de análise na qual essas dimensões se inserem dentro da fundamentação filosófica de cada abordagem. O autor discute a conceituação de território a partir de dois binômios: materialismo-idealismo e espaçotempo. Entenda-se que, quanto ao binômio materialismo-idealismo, Haesbaert qualifica como perspectivas materialistas a “natural”, a econômica e a política; e qualifica como idealista a perspectiva cultural ou simbólica do território. Ele entende que tais perspectivas podem ser analisadas tanto a partir de uma visão do território que chamou de “parcial” (que enfatiza uma dessas perspectivas, seja a “natural”, a econômica, etc.) ou que essas perspectivas podem ser analisadas a partir de uma visão integradora de território, para atender a questões que envolvem todas elas juntas. O binômio espaço-tempo também é apresentado em dois sentidos: i. ii. Seu caráter mais absoluto ou relacional: no sentido de incorporar ou não a dinâmica temporal (relativizadora), seja na distinção entre entidade físico-material (como coisa ou objeto) e social-histórica (como relação); Sua historicidade e geograficidade, isto é, se trata de um componente ou condição geral de qualquer sociedade e espaço geográfico ou se está historicamente circunscrito a determinado(s) períodos(s), grupo(s) social(is) e/ou espaço(s) geográfico(s). (HAESBAERT, 2011, p. 41). A abordagem segundo o binômio espaço-tempo consiste na visão relacional de território onde este é compreendido como “[...] completamente inserido dentro de relações social-históricas” (HAESBAERT, 2011). Essa abordagem coincide com aquela feita por Souza (2003), onde o território é visto prioritariamente como um conjunto de relações sociais, um campo de forças. Haesbaert (2011) sinaliza que a interpretação de Souza (2003) é justamente cuidadosa, pois não nega a materialidade do território e, por isso, evita uma ”desgeografização” do território. Quando utilizadas as categorias do materialismo dialético, tem-se uma posição de território que privilegia a sua dimensão material, econômica, contextualizada historicamente, definindo-se a partir de relações sociais, ou seja, tem um sentido relacional (HAESBAERT, 2011). Assim sendo, a abordagem desta pesquisa utiliza essa posição que considera todas as dimensões relacionadas. 33 Observa-se, no entanto, que há um movimento crescente de novas incorporações no conceito por várias áreas de conhecimento. Não se pode deixar de citar, por exemplo, o termo “território político”, que está relacionado à concepção de fronteiras, especialmente as fronteiras estatais, o que permite relacionar a estudos do campo da geografia, da economia, da sociologia, etc. Também a concepção de “território simbólico”, que se refere ao espaço de construção de identidade, sendo usado em estudos antropológicos, sociológicos e psicológicos. Nesse sentido, Ratzel (1990), pensador clássico da Geografia, traz o sentido político nos estudos de território, estabelecendo diálogo com diversas áreas do saber. Ele considerava o território como um espaço qualificado pelo domínio de um grupo humano, sendo definido pelo controle político. Para ele, não é possível conceber um estado sem território. O estudo do ser humano, seja individualmente, seja associado à família, a tribo ou ao Estado pressupõe também o estudo do território. Reforçando a sua posição, esse pensador, em seu texto, sinaliza: Quando se trata de um povo em via de incremento, a importância do solo pode talvez parecer menos evidente; mas pensemos em um povo em processo de decadência e verificar-se-á que esta não poderá absolutamente ser compreendida, nem mesmo no seu início, se não levar em conta o território. Um povo decai quando sofre perdas territoriais. Ele pode decrescer em número, mas ainda assim manter o território no qual se concentram seus recursos; mas se começa a perder uma parte do território, esse é, sem dúvida, princípio da sua decadência futura. (RATZEL, 1990, p. 74). Com o crescimento dos estudos das questões ambientais – ordenamento, gestão do espaço, entre outros –, a centralidade do Estado no processo de ordenamento e gestão de alguns territórios tem sido motivo de reflexão. O caráter político desse debate é notório: de um lado, os “macropoderes” são demarcados por interesses econômicos e pelas relações políticas institucionalizadas; e, de outro, os “micropoderes”, muitas vezes mais simbólicos, produzidos e vividos localmente (HAESBAERT, 2011). No Lago de Itaipu se percebe essa relação, partindo da formação do lago (macropoderes) para a geração de energia, passando para seus diversos usos atuais, como a pesca e o turismo (micropoderes). O território, assim, é fruto de “[...] uma relação desigual de forças, envolvendo o domínio ou controle político-econômico do espaço e sua apropriação simbólica, ora conjugados e mutuamente reforçados, ora desconectados e contraditoriamente articulados” (HAESBAERT, 2006, p. 121). 34 Para Neves (1996, p. 271), os territórios “são espaços de ação e de poderes. Os territórios contemporâneos têm diferentes inserções na globalidade que é historicamente fragmentada”. Assim, percebe-se que há uma ligação entre território e poder, mas também é perceptível a ideia de apropriação do território e é essa apropriação que transforma o território, (re)criando-o. Aplica-se, a esse processo, o conceito de territorialização descrito por Haesbaert (2011, p. 97), quando afirma: Territorializar-se, desta forma, significa criar mediações espaciais que nos proporcionem efetivo “poder” sobre nossa reprodução enquanto grupos sociais [...]. O que seria fundamental “controlar” em termos espaciais para construir nossos territórios no mundo contemporâneo? Além de sua variação histórica, precisamos considerar sua variação geográfica: obviamente territorializar-se para um grupo indígena da Amazônia não é o mesmo que territorializar-se para os grandes executivos de uma empresa transnacional. Cada um desdobra relações com ou por meio do espaço de formas as mais diversas. Para uns, o território é construído muito mais no sentido de uma áreaabrigo e fonte de recursos, a nível dominantemente local; para outros, ele interessa enquanto articulador de conexões ou redes de caráter global. Rogério Haesbaert demonstra que o território possui diferentes níveis de uso, desde os mais simples, como moradia, e até outros mais complexos, como as redes ou as conexões globais. Os pescadores do Lago, portanto, utilizam seu território como forma de reprodução e de manutenção do seu grupo social. Há autores que dizem que, no bojo da crise contemporânea, estaríamos vivendo um processo de reterritorialização, ou o que, segundo Haesbaert, seria a construção de novos territórios. A desterritorialização seria, então, um processo característico da sociedade globalizada. Desse modo, embasado nas reflexões de Haesbaert, verifica-se que, anteriormente à formação do Lago, existia uma realidade territorial diferente da atual, com terras agricultáveis, e que, a partir da formação do Lago de Itaipu, forma-se um novo território, atuando novos atores e predominando outras atividades. Haesbaert (2011) diz que a desterritorialização refere-se ao abandono (forçado ou não) do território, enquanto que a reterritorialização refere-se à construção de novos territórios. Dessa forma, esses processos de territorialização, desterritorialização e reterritorialização estão ligados, incessantemente e, por isso, também estão em unidade. complementam-se 35 Saquet (2010) complementa a ideia, reforçando que esses processos acontecem ao mesmo tempo para diferentes indivíduos e que é na descontinuidade que se reproduzem elementos/aspectos inerentes à vida diária dos sujeitos sociais, no mesmo ou em diferentes lugares. Assim, os processos de territorialização e de desterritorialização se confundem e os principais elementos que constituem a territorialização também constituem a desterritorialização. Há perda, mas há a reconstrução da identidade, acontecem mudanças nas relações de poder, de vizinhança, de amigos, de novas relações sociais, de elementos culturais, que são reterritorializados; há redes de circulação e comunicação, que substantivam a desterritorialização, o movimento, a mobilidade. (SAQUET, 2010, p. 163). De acordo com Ianni (1997, p. 94), a desterritorialização “[...] manifesta-se tanto na esfera da economia como na política e cultura”. Assim, para esse pensador, “[...] desterritorizar significa dissolver ou deslocar o espaço e o tempo [...]”, pois os indivíduos carregam consigo esses elementos. Quando o indivíduo morador da região inundada pelo Lago de Itaipu, precisou obrigatoriamente se retirar (adquirindo novas terras no entorno ou em outras regiões a partir da indenização da Itaipu), ele abandona aquele território, assim se desterritorializa. Leva consigo sua antiga noção de espaço e tempo, que por muitas vezes, não consegue desfazer (dissolver) essa noção, e, não podendo viver adequadamente a realidade escolhida, decide retornar ou permanece “perdido” até a acontecer sua adaptação. De acordo com Haesbaert (2011), pode haver uma desterritorialização cotidiana ou a passagem constante de um território a outro sem que, para isso, o território seja destruído, mas apenas abandonado pelo indivíduo. Com a formação do Lago de Itaipu, parte (física) do território foi destruído (aquele relacionado as terras agricultáveis e vilas rurais), depois precisou ser abandonado, não por vontade dos moradores, mas por imposição da Itaipu, para haver, posteriormente, uma reconstrução ou readaptação territorial com novos usos. O território torna-se um instrumento de exercício de poder e de contrapoder. A Itaipu (Estado), a partir de decretos, obriga a população lindeira a deixar suas terras, mediante indenização, porém um segmento da sociedade civil (pequenos 36 agricultores em sua maioria) se manifesta contrária e luta para impedir a formação do Lago. Sem sucesso, esse grupo é forçado a abandonar suas terras. A força hegemônica do Estado prevalece e “[...] carrega sempre, indissociavelmente, o papel de destruidor de territorialidades previamente existentes, mais diversificadas, e a fundação de novas, em torno de um padrão políticoadministrativo mais universalizante” (HAESBAERT, 2011, p. 198). Assim, o Estado foi responsável pelo novo território promovido com a formação do Lago de Itaipu: A construção da hidrelétrica de Itaipu proporcionou o início de grandes transformações sociais, econômicas e políticas no cenário regional, o qual, gradativamente, vem se organizando. Em decorrência disso, a formação do Lago de Itaipu trouxe uma nova configuração territorial aos municípios “atingidos”. Foi, portanto, a partir da Itaipu Binacional que se instaurou um novo cenário regional, onde estão presentes novos projetos de mudanças, como a reterritorialização denominada de Projeto Costa Oeste, conduzida pelo governo do Estado do Paraná. (SOUZA, 2009, p. 126). Outras contribuições importantes para a pesquisa se referem às ideias de Raffestin (1993). Em sua obra, importante referência para a construção do conceito de território na Geografia, o autor concebe o espaço como algo dado, considera o espaço como receptáculo, “[...] o espaço é, de certa forma, ‘dado’ como se fosse uma matéria-prima. Preexiste a qualquer ação. ‘Local’ de possibilidades, é a realidade material preexistente a qualquer conhecimento e a qualquer prática” (p. 144). Para esse pensador, espaço e território não são termos equivalentes, pois o espaço é anterior ao território. O território se forma a partir do espaço e é resultado de uma ação conduzida por um ator sintagmático (ator que realiza a fusão de um ou mais elementos/um programa), em que, ao se apropriar de um espaço, o ator “territorializa” o mesmo espaço: “O espaço é a ‘prisão original’, o território é a prisão que os homens constroem para si” (RAFFESTIN, 1993, p. 144). E acrescenta: [...] ao se apropriar de um espaço, concreta ou abstratamente, o ator territorializa um espaço onde se projetou um trabalho, seja energia e informação, e que, por conseqüência, revela relações marcadas pelo poder. [...]) o território se apóia no espaço, mas não é o espaço. É uma produção a partir do espaço. Ora, a produção, por causa de todas as relações que a envolve, se inscreve num campo de poder [...]. A principal contribuição de Raffestin (1993) para esta pesquisa é, porém, a proposição de uma abordagem relacional do território, na qual território é 37 indissociável do poder. Tomando essa proposição como referência, parte-se do princípio de que as relação de poder desempenhadas pelos sujeitos no espaço produzem o território. A intensidade e a forma da ação de poder nas diferentes dimensões do espaço originam diferentes tipos de territórios. Para o autor mencionado, o território é produto dos atores sociais, do Estado ao indivíduo, passando por várias organizações, pequenas ou grandes. São esses atores que produzem o território, composto por malhas, nós e redes, partindo da realidade inicial dada, que é o espaço, passando à implantação de novos recortes e de novas ligações. Dessa maneira, a malha, também denominada tessitura, é a projeção de um sistema de limites, ou seja, de fronteiras mais ou menos funcionalizadas. Nas palavras de Raffestin (1993): A tessitura é sempre um enquadramento do poder ou de um poder. A escala da tessitura determina a escala dos poderes. Há poderes que podem intervir em todas as escalas e aquelas que estão limitadas às escalas dadas. Finalmente, a tessitura exprime a área de exercício dos poderes ou a área de capacidade dos poderes. (p. 154). Nessa sua concepção, o poder define-se pela capacidade dos atores de agir, de realizar as ações e de produzir efeitos, ou seja, de fazer uso do território e de transformá-lo, respondendo aos interesses e às demandas dos atores a ele pertencentes. Enfim, a compreensão de território, para Raffestin (1993), passa pela compreensão da construção do território marcado pelas relações de poder exercido por pessoas ou por grupos. Sem o poder não se define o território. Já Souza (2003, p. 79) enfatiza dois processos no entendimento do território, quais sejam, a dominação e a influência. Propõe ele que é essencial saber “[...] quem domina ou influencia e como domina ou influencia esse espaço? [e também] quem influencia ou domina quem nesse espaço, e como?”. Dessa forma, assumimos que, dependendo dos objetivos do sujeito que produz o território, a ação de poder pode configurar apropriação, dominação ou influência. Essas relações de poder são desempenhadas pelos sujeitos que produzem o espaço e têm objetivo de criar territórios. Esses são os mesmos sujeitos apresentados por Brunet (2001): o indivíduo (e/ou a família), os grupos, as coletividades locais, o Estado, a autoridade supranacional e as empresas. Todos eles exercem o seu poder e influência. 38 Ao exercerem seu poder no espaço para a criação de territórios, os sujeitos promovem o processo de territorialização-desterritorialilzação-reterritorialização (T-DR), como mencionado anteriormente. Para caracterizar a disputa entre os sujeitos no processo de T-D-R pode-se utilizar também a noção de poder proposta por Raffestin (1993, p. 53), que a define como “[...] um processo de troca ou de comunicação, quando, na relação que se estabelece, os dois pólos fazem face um ao outro ou se confrontam. As forças de que dispõem os dois parceiros (caso mais simples) criam um campo: o campo do poder.” Apesar de todas as diversidades semânticas e diversas concepções, os ideais de domínio e de poder abrangem todas essas conotações de território por diversos autores. Dentre os autores da Geografia que se debruçam sobre o conceito de território, é consensual que o território é indissociável da noção de poder e que é limitante concebê-lo unicamente como os limites político-administrativos dos países. Em Brunet (2004), o território é um recorte espacial horizontal18 (os limites do país). A partir deste recorte, realiza uma análise espacial, ou seja, uma análise do espaço territorializado pelo Estado. Assim, o território é o espaço do país. O autor enfatiza a diferença entre espaço e território: “[...] a idéia de território é ao mesmo tempo mais vigorosa e mais restrita do que aquela de espaço, que a contém” (BRUNET, 2004, p. 17). Para ele, o geógrafo estuda o espaço geográfico e os espaços; alguns desses são vistos como territórios. Essas colocações demonstram que, para Brunet (2004), o território é formado a partir do espaço. Já Milton Santos apresenta uma concepção de território muito próxima daquela de Roger Brunet. Em sua obra Santos e Silveira (2008) realizam um exercício de operacionalização das construções teóricas, principalmente aquelas apresentadas em Santos (1996). Ao escreverem sobre o território como espaço de um país, os autores propõem a noção de “espaço territorial”, que significa a presença de um Estado, de um espaço e de uma nação (ou mais nações). Para os autores, o território, anterior ao espaço geográfico e, portanto, a base material, “[...] em si mesmo, não constitui uma categoria de análise ao considerarmos o espaço geográfico” (SANTOS & SILVEIRA, 2008, p. 247). Em uma abordagem voltada aos estudos de Milton Santos entende-se a categoria de território usado como sinônimo de espaço geográfico. De acordo com 18Brunet (2004, p.39-51) apresenta uma análise do território francês. 39 Santos e Silveira (2008, p. 247), “[...] quando quisermos definir qualquer pedaço do território, devemos levar em conta a interdependência e a inseparabilidade entre a materialidade, que inclui a natureza e o seu uso, que inclui a ação humana, isto é o trabalho e a política”. De fato, espaço e território não se opõem absolutamente, mas, antes, são engendrados social e historicamente, como afirmam Raffestin (1993) e Moraes (2000). Para Haesbaert (2009) não se trata de distinguir de maneira rígida espaço de território, pois os dois termos seriam expressões de dimensões sociais. Santos (1996, p. 51) propõe que o espaço seja compreendido como “[...] um conjunto indissociável, solidário e também contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de ações, não considerados isoladamente, mas como o quadro único no qual a história se dá”. Bernardes et al.(2001) nos convidam a considerar o espaço geográfico como sinônimo de território usado, entendendo que este tanto é resultado do processo histórico quanto é base material e social das novas ações humanas. Afirmar o uso do território implica dizer que o território não é limitado por suas dimensões geométricas ou físicas; significa dizer que ele não se reduz aos seus atributos formais, pois estes só designam a circunscrição de uma coisa. Como afirma Silveira (2008, p. 3), “[...] elterritorio usado no es una cosa inerte o un palco donde la vida se da. Al contrario, es uncuadro de vida, híbrido de materialidad y de vida social”. Santos et al. (2000) propõem que o território usado é tanto o resultado do processo histórico quanto a base material e social das novas ações humanas. Tal ponto de vista permite uma consideração abrangente da totalidade das causas e dos efeitos do processo socioterritorial. A proposição do conceito de território usado está voltada principalmente à operacionalização do conceito de espaço geográfico. Mesmo propondo a categoria de território usado e assumindo a análise a partir dela, os autores utilizam o termo território durante todo o trabalho. O território, da forma como utilizado pelos autores, diz respeito ao espaço do país (sistemas de ações e sistemas de objetos) e também inclui na análise tanto as dinâmicas/configurações internas do Brasil como a sua relação com outros territórios. Segundo Santos (2006, p. 13-14), hoje tudo o que é considerado essencial no mundo se faz a partir do conhecimento do que é território: O território é o lugar em que desembocam todas as ações, todas as paixões, todos os poderes, todas as fraquezas, isto é, onde a história 40 do homem plenamente se realiza a partir de manifestações da sua existência [...] o território não é apenas o conjunto dos sistemas naturais e de sistemas de coisas superpostas; o território tem que ser entendido como o território usado, não o território em si. O território usado é o chão mais a identidade. A identidade é o sentimento de pertencer àquilo que nos pertence. O território é o fundamento do trabalho; o lugar da residência, das trocas materiais e espirituais e do exercício da vida. A expressão “território usado”, para Santos, é quase um correlato direto de espaço (objeto da Geografia): “O território usado, visto como uma totalidade, é um campo privilegiado para a análise na medida em que, de um lado, nos revela a estrutura global da sociedade e, de outro lado, a própria complexidade do seu uso” (Santos et al., 2000, p. 12). Segundo Santos et al. (2000), na Geografia, o espaço resulta de um passado histórico, da densidade demográfica, da organização social e econômica e dos recursos técnicos dos povos que habitam os diferentes lugares, portanto, está impregnado de história. Território consiste em algo que é produzido e consumido por práticas sociais. Trata-se de um produto construído, vivido e utilizado como meio de sustentação para as práticas sociais. Ao fazer a distinção entre território como recurso e território como abrigo, Santos afirma que o território usado é tido como um recurso para os atores hegemônicos, ou seja, ali eles têm a garantia de realização de seus interesses particulares, e seus usos. Mesmo assim, no entanto, “[...] para os atores ‘hegemonizados’ trata-se de um abrigo, buscando constantemente se adaptar ao meio geográfico local, ao mesmo tempo em que recriam estratégias que garantam a sua sobrevivência nos lugares” (SANTOS, 2000, p. 12-13). O termo “uso do território” tem uma longa história. Ele pode ser encontrado em muitos momentos e textos, dos quais, para ficar em apenas alguns, mas em compensação cometer muitas injustiças, enumeramos quatro: em Marx (1981), em Ratzel (1898), em Calabi e Indovina (1992[1973]) e em Santos (1994). Desses autores, destacamos o último, pois sistematizou o termo e o transformou no conceito de “uso do território” dentro de uma proposta de método que coloca o “território usado” como agente condicionante para as ações sociais no transcurso do tempo. Sendo histórico, o território é condição e produto do trabalho social. Nesse processo, as normas e as regras inscrevem-se na materialidade, orientando a cultura imaterial. Ribeiro (2005) lembra que os objetos contêm a ação (possível e 41 necessária), da mesma maneira que a ação refaz os usos dos objetos, atribuindo-lhes atualidade. Segundo essa concepção, o território em si não seria objeto de análise social, mas o território usado (SANTOS, 1994), que corresponde às ações que dinamizam as formas (materiais ou imateriais) e estas, que condicionam as ações ulteriores. Segundo Santos (1996, p. 270-271), o uso do território: [...] supõe, de um lado, uma existência material de formas geográficas, naturais ou transformadas pelo homem, formas atualmente usadas e, de outro lado, a existência de normas de uso, jurídicas ou meramente costumeiras, formais ou simplesmente informais [...] e ainda que não se formulem outras normas escritas ou consuetudinárias de seu uso, o território nacional, ou local, é, em si mesmo, uma norma, função de sua estrutura e de seu funcionamento. O território usado seria um híbrido de duas dimensões: uma métrica ou geométrica e outra social. A métrica territorial relaciona-se às distâncias físicas na determinação da extensão de um território. Inclusive, um território não termina nas bordas de suas praias, pois algumas milhas à frente ainda é exercida a soberania de um Estado (o mar territorial), tanto quanto, com o advento dos aviões e dos satélites, discute-se a soberania do espaço aéreo, sempre a partir de cálculos de distâncias físicas. A segunda, que não deixa de incorporar a primeira, mas que não se restringe a ela, relaciona-se ao efetivo uso que, por meio do trabalho e das técnicas disponíveis a uma sociedade segundo uma época e um lugar, se faz do território. Sem dúvida, as relações políticas assumem papel de destaque no uso do território, mas o próprio território é um agente organizador da sociedade na medida em que ele se impõe às ações sociais. O território resulta do trabalho humano, pois, depois de trabalhada, a matéria se humaniza. Por isso há uma simbiose entre as ações humanas e os objetos, os quais, depois de humanizados, condicionam o trabalho. Para Santos (1996), o território, composto por um sistema de fixos (imóveis) e de fluxos (que se movem), incorpora o trabalho social. Fixos e fluxos tendem a exigir do ser humano certo comportamento ou, em outras palavras, a matéria trabalhada e humanizada se impõe ao trabalho que está em processo, que está sendo realizado. O território trabalhado registra e conserva em si a memória de trabalhos antecedentes, ao mesmo tempo em que porta em si o enriquecimento contínuo do acontecer atual. 42 Pelas palavras de Santos (1985, p. 9), “[...] a periodização da história é que define como será organizado o território, ou seja, o que será o território e como serão as suas configurações econômicas, políticas e sociais”. Ressaltando a dialética dos processos históricos, ele nos ensina que cada momento histórico, cada elemento muda seu papel e sua posição no sistema temporal e no sistema espacial e, a cada momento, o valor de cada qual deve ser tomado da sua relação com os demais elementos e com o todo. O território também se configura pelas técnicas, pelos meios de produção, pelos objetos e coisas, pelo conjunto territorial e pela dialética do próprio espaço. Somado a tudo isso, Santos (1985) vai mais adiante e consegue penetrar, conforme suas proposições e metas, na intencionalidade humana. Para ele, a relação entre o homem e o meio é dada pela técnica de um conjunto de meios instrumentais e sociais com os quais o homem realiza sua vida, produz e, ao mesmo tempo, cria espaço (SANTOS, 1994). Silva (2011a), em sua pesquisa, aborda o território e as mudanças contemporâneas, confirmando que, com o conceito de território usado, é possível instrumentalizar teoricamente e metodologicamente a compreensão da produção social do espaço, identificando não somente os grandes agentes transformadores do espaço, mas também como esses agentes destroem a história dos lugares, impedem e limitam outras economias territorialmente criadas. Assim se pode trabalhar com os dois conceitos reciprocamente. Quando se estuda o território não se pode deixar de destacar os indivíduos a partir do seu trabalho, produção social, mas também o sentimento de pertencimento, de apropriação são elementos importantes, ou seja, a questão do simbolismo é vinculada ao território. Na contribuição de Corrêa (1996), o território é o espaço revestido da dimensão política, afetiva ou ambas. Corrêa (1996, p. 251) aponta que a palavra “território” vem do latim e significa “terra pertencente a alguém”. Entretanto, esse “pertencer” não está diretamente relacionado necessariamente à propriedade da terra, e sim à sua apropriação. Segundo ele, essa apropriação possui dois significados. O primeiro refere-se ao controle do território efetivo; o segundo refere-se à dimensão afetiva que a apropriação pode assumir, sendo associada à identidade de determinados grupos tendo relação com a afetividade espacial. Assim, o “[...] conceito de território vincula-se a uma geografia que privilegia os sentimentos e simbolismos 43 atribuídos aos lugares [...]” (CORRÊA, 1996, p. 251). Assim, percebe-se que há uma dimensão simbólica que destaca a afetividade e o apego que os indivíduos depositam no território que eles identificam como sendo o seu território, no que se refere ao estudo dessa categoria. O território enche o espaço com conteúdos particulares, relacionados a construções históricas entre pessoas, organizações e Estado. A territorialidade, segundo Corrêa (1996), refere-se ao conjunto de práticas e a suas expressões materiais e simbólicas, que garantiriam uma apropriação e uma permanência em um dado espaço por determinados grupos sociais, organizacionais. David Harvey, já na década de 1980, afirmava que o entendimento do conceito de espaço – e acrescentemos, o de território – não passa meramente pelo debate filosófico. As respostas estão vinculadas às ações humanas, ou seja, à compreensão das práticas sociais e cotidianas no espaço (HARVEY, 1985). Souza (apudGUEDES, 2009, p. 33) acrescenta que os territórios são construídos e desconstruídos nas mais diferentes escalas espaciais e temporais, em um campo de forças onde se manifestam relações de poder espacialmente delimitadas. Assim, o território deve ser abordado em sentido amplo, multidimensional e multiescalar, sem restringir-se/limitar-se a um espaço uniescalar como o do EstadoNação, mas tratando o conceito de acordo com os contextos históricos e geográficos em que foi produzido (HAESBAERT, 2011, p. 96). Percebe-se isso quando se analisa a posteridade da formação do Lago de Itaipu, pois que, antes de 1982, o mesmo território em análise era concebido por terras agricultáveis. Famílias de pequenos agricultores, comunidades e vilas rurais trabalhavam nesse local. A partir do alagamento surge outro território, constituído de outros sujeitos, ou até dos mesmos, mas com características diferentes. Assim, a temporalidade e a espacialidade mudam constantemente. Por isso, o território da pesca em análise deve ser abordado em sentido amplo, multidimensional e multiescalar. Segundo compreender o Sposito território (2004), existem atualmente. O também dois caminhos para se primeiro caminho refere-se ao estabelecimento de redes de informações, que, devido ao acelerado desenvolvimento tecnológico, propicia a disseminação de informações cada vez mais rapidamente, tornando-se assim necessário romper distâncias. Dessa forma, “[...] os territórios perdem as fronteiras, mudam de tamanho dependendo do domínio tecnológico de um 44 grupo ou de uma nação, e muda, consequentemente, sua configuração geográfica” (SPOSITO, 2004, p. 114). O segundo caminho é o do questionamento do retorno do indivíduo e sua escala do cotidiano “[...] como formas de apreensão das dimensões territoriais e da capacidade de projetar a liberdade como meio de satisfação das necessidades individuais” (SPOSITO, 2004, p. 115). Sposito (2004) demonstra que uma concepção naturalista do território é amplamente difundida e essa “[...] concepção clássica do imperativo funcional acaba por transformar o território em um elemento da natureza, pelo qual se deve lutar para conquistar ou proteger” (SPOSITO, 2004, p. 113). Dessa forma, o indivíduo cria laços com o seu território, demonstrando apego e sentimentos em relação a esse lugar que ele conquista ou protege. Há também a concepção mais voltada para o indivíduo e que se refere à territorialidade e à sua apreensão. Trata-se do território do indivíduo, seu ‘espaço’ de relações, seu horizonte geográfico, seus limites de deslocamento e de apreensão da realidade. A territorialidade, nesse caso, pertence ao mundo dos sentidos e, portanto, da cultura e das interações, cuja referência básica é a pessoa e sua capacidade de se localizar e de se deslocar (SPOSITO, 2004, p. 113). Assim, o território é o lugar onde o indivíduo realiza todas as suas ações e, por isso, cria laços afetivos e de identidade em relação a esse lugar. Quando o indivíduo é obrigado a sair desse território, construído e experienciado, há um rompimento desses laços de afetividade. No caso do território do Lago de Itaipu, ali ocorreu esse fato, obrigando, na década de 1980, os moradores a sair de suas terras, sendo difícil seu restabelecimento em outras áreas, assim como ocorreu em várias implantações de usinas hidrelétricas pelo Brasil, os famosos “grandes empreendimentos”, assunto estudado por Cruz e Silva (2010). Conforme Haesbaert (2011, p. 85), “[...] o território é um dos principais conceitos que tenta responder à problemática da relação entre a sociedade e seu espaço”. Por esse motivo, conforme o autor, quando muito se fala no enfraquecimento dessa relação entre sociedade e espaço mais necessário se faz rediscutir o território e as transformações que nele ocorrem. Essas transformações ocorrem e são decorrentes da apropriação do homem e da sua ação, que acaba por determinar e modificar o território. É o que ocorre no 45 caso da formação do Lago de Itaipu, uma vez que, a partir da ação de alguns indivíduos, houve uma mudança que definiu o futuro não só das ações, mas também da vida dos antigos moradores. Também é importante observar as combinações de territorialidades e temporalidades, de mudanças e de continuidades, no tempo e no espaço, através da análise da processualidade histórica e transescalar, denominada articulação territorial (SAQUET, 2010). Dessa forma, compreende-se o território como articulador de conexões ou de redes em escala global, mas também como área-abrigo e fonte de recursos em escala local (HAESBAERT, 2011). Essa articulação territorial mencionada por Haesbaert (2011) que é o objeto desta pesquisa, partindo dela é que se compreenderão os sujeitos, as entidades, as relações e os interesses envolvidos na comunidade de pescadores da Colônia Z11. Trata-se de dinâmica percebida quando ocorreu o processo de indenização dos moradores da região do Lago, que saíram de suas terras para se territorializar em outras, refazendo seu novo território. O Lago de Itaipu, agora território da hidrelétrica, a ela servindo de reservatório, passa a ser usado também para outras finalidades, como a pesca, por exemplo. A territorialidade, vista como um componente do poder, não significa apenas um meio para criar e manter a ordem; trata-se, para Raffestin (1993), de um conjunto de relações efetivado pelos homens como membros de um grupo social e com exterioridade: “Essas relações são mediadas pelas línguas, religiões e tecnologias. [...] As relações humanas são simbólicas e materiais” (SAQUET, 2010, p. 79). Essa territorialidade é percebida na Colônia de Pescadores na forma de vida, no cotidiano, no trabalho, nas relações entre as entidades colaboradoras. A delimitação dos territórios é a materialização das relações de poder que estão ocorrendo em um determinado espaço. Essa materialização é sempre produto do desejo e da necessidade de sobrevivência e representa todo um conjunto de fatores, dos quais uns são físicos, outros humanos: econômicos, políticos, sociais e/ou culturais. Assim, falar em território e territorialidade significa também fazer uma referência implícita à noção de limite, que exprime a relação que um grupo mantém com uma dada porção do espaço. Logo, delimitar implica isolar ou subtrair momentaneamente ou, ainda, manifestar um poder numa área precisa. O limite do 46 território dos pescadores do Lago de Itaipu e da Colônia Z11 é precisamente compreendido pelos sujeitos da pesca. Com toda a discussão promovida até aqui, considera-se que o conceito de território é bem amplo e deve ser utilizado além dessas abordagens. Entretanto, buscou-se relacionar as ideias de cada autor que discute o para contribuir com o entendimento do território pesqueiro do Lago de Itaipu. Seria impossível afirmar qual abordagem é mais pertinente para a pesquisa, pois todas analisam e contribuem de alguma forma a pesquisa. Mas, os conceitos de território e de território usado, como aqui definidos, são utilizados no trabalho como direcionadores das construções e das análises da pesca. Do conceito de território usado, similar a espaço geográfico, segundo Santos (2000, 2006), tem-se como referência a necessidade de considerar sistemas de objetos e sistemas de ações de forma indissociável em um processo contínuo pelo qual a sociedade transforma a natureza, construindo e reconstruindo o espaço através do seu trabalho. Essa concepção leva a pensar na interação entre as forças criadoras; os sujeitos sociais que, por meio de suas estratégias, influenciam a produção do espaço. Daí surge o território, resultado da impressão do poder no espaço, territorializado pelo sujeito territorial, que é movido pela intencionalidade. O conceito de território também é importante quando é no território que a vida cotidiana acontece. Por isso, muitos autores escrevem sobre o território do cotidiano, território onde os eventos do dia a dia acontecem em forma de hábito. De acordo com Barcellos, território e cotidiano são palavras-chave, pois, [...] ao contrário de noções herdadas do Iluminismo, não tem a pretensão de abarcarem todas as esferas do real [...] elas podem ou não organizar as visões do mundo, visto que permitem perceber a complexidade das relações existentes no campo social permitindo ver as ambigüidades da vida dos homens. (BARCELLOS, 1995, p. 41). Por isso se justifica a preocupação com estudos que abordem a construção/destruição de territórios, principalmente neste estudo, pois não está em jogo apenas um espaço que serve a determinados interesses do poder econômico, mas, acima de tudo, falar de territórios é falar de lugares de experiências de vida, de cotidianidade, de desejos e de sonhos, de trocas de experiências, de afeição, de razão de se viver. 47 Na tentativa de aprofundar o debate, no próximo item relacionam-se os conceitos de território, de territorialidade e de identidade socioterritorial às práticas sociais cotidianas de pescadores artesanais, importantes na análise desse território pesqueiro. 1.3 O Cotidiano e a Territorialidade do Pescador Artesanal Para a compreensão do modo de vida do pescador artesanal é indispensável discutir o conceito de cotidiano, relacionando-o com a territorialidade. Por isso, buscase entender o cotidiano através da abordagem do estudo do comportamento humano em sua situação social, e do modo como os indivíduos ou as pessoas aparecem para os outros no seu dia a dia, ou seja, em seu espaço do cotidiano. Certeau (1999, p. 31) fala que: O cotidiano é aquilo que nos é dado a cada dia (ou que nos cabe em partilha), nos pressiona dia após dia, nos oprime, pois existe uma opressão do presente. Todo dia pela manhã, aquilo que assumimos, ao despertar, é o peso da vida, a dificuldade de viver, ou de viver nesta ou noutra condição, com esta fadiga, com este desejo. O cotidiano é aquilo que nos prende intimamente, a partir do interior. É uma história a meio-caminho de nós mesmos, quase em retirada, às vezes velados. Não se deve esquecer este “mundo memória”, segundo a expressão Péguy. É um mundo que amamos profundamente, memória olfativa, memória dos lugares da infância, memória do corpo, dos gestos da infância, dos prazeres... Como objeto de análise das ciências humanas, o estudo do cotidiano está em grande expansão. Segundo Lefebvre (1991), o cotidiano é uma soma de insignificâncias, não de insignificantes. A banalidade é importante na vida, o levantar, abrir a janela, apreciar o tempo, sentir os sons e os cheiros do dia ao amanhecer. Considerando diferenciados graus de banalidade, Lefebvre (1991) faz a leitura da vida cotidiana sob uma ótica da racionalidade instrumental, ou seja, para ele o capitalismo colonizou a vida cotidiana, criando uma cotidianidade repleta de significações, de signos, onde o consumo é dirigido. Assim, o consumo, incentivado pela produção capitalista, fornece a base de sustentação da constituição do capitalismo como sistema de reprodução de relações sociais de produção. Assim, o cotidiano banal se torna objeto da organização social capitalista. 48 O estudo do cotidiano compreende a análise do indivíduo de modo geral, envolvido em relações com outros indivíduos, sendo que o espaço é o meio que possibilita a conexão entre as coisas. Sua compreensão já está submetida à compreensão imediata do mundo vivido, que é a soma de todas as ações e de todas as intervenções junto ao meio onde o indivíduo vive, criando, dessa forma, uma experiência de vida, cada qual com a sua experiência. Segundo Gil e Gil Filho (2008), é no “mundo vivido” de indivíduos ou dos pequenos grupos, no bairro ou na comunidade que ocorrem relações diferenciadas entre as pessoas, onde ocorrem diferentes tipos de espacialidades e de temporalidades. Essas formas distintas entre os grupos sociais que compõem o “mundo vivido”, pois cada um vivencia o seu cotidiano de modo específico, possuem uma diversidade de visões previamente elaboradas e apresentadas corporalmente através de suas ações no mundo banal. Nessa “Geografia do Cotidiano” existem cenários de interação no espaço público, o que Goffman (1975) considera como a representação teatral, partindo do caráter dramatúrgico, é a maneira como o indivíduo se apresenta a outras pessoas em situações comuns como no trabalho e no lazer, podendo, para isso, utilizar diferentes tipos de fachadas. O palco são lugares do cotidiano, conhecidos ou não dos atores. Na Geografia Humanista-Cultural há teóricos que explicam o mundo vivido muitas vezes diferenciando-o de espaço, como é o caso de Tuan (1980), que afirma que o espaço se transforma em lugar à medida que o conhecemos e o dotamos de valor, à medida que esse lugar corresponde a um uso, ou seja, a uma prática social vivida. Assim, a percepção em relação ao “lugar” é diferente de indivíduo para indivíduo. Juan, nessa obra referida, por sua vez, sistematizou as categorias do espaço antropológico utilizando o termo “espaço vivido” como um espaço que deve ser sentido em “primeira pessoa”, onde o indivíduo se sente bem. É o espaço individual da vida cotidiana. Claval (1989) faz parte da Nova Geografia Cultural e trabalha o “lugar” como um território comunitário, onde os estilos de vida são semelhantes. Almeida (2003) informa que o espaço, além de ser produto das atividades humanas, tem múltiplas valorizações e caracteriza-se por atributos estruturais, funcionais e afetivos, podendo, dessa forma, ser considerado como o lugar onde 49 homens e mulheres, ideologicamente diferentes, procuram impor suas representações, suas práticas e seus interesses. Essas representações são, de acordo com Moscovici (2003), um produto da interação e de comunicação, sugerindo que constituam como campo específico: “O estudo de como e por que as pessoas partilham o conhecimento e desse modo constituem sua realidade comum, de como transformam idéias em práticas” (MOSCOVICI, 1998, p. 164). É um olhar da realidade, das relações interpessoais que ocorrem no cotidiano, prendem a atenção, o interesse e a curiosidade das pessoas, fazendo com que, muitas vezes, haja uma compreensão e pronunciamentos a respeito do que ocorre. Para se chegar a essa articulação, o autor afirma que isso é o “senso comum” de representações sociais verdadeiras e faz parte da vida em sociedade. As representações sociais acontecem em todas as ocasiões e lugares onde as pessoas se encontram informalmente e se comunicam, seja no ponto do ônibus, na saída das crianças da escola, na lanchonete de uma universidade, etc. Para o autor: As representações sociais, por seu poder convencional e prescritivo sobre a realidade, terminam por constituir o pensamento em um verdadeiro ambiente onde se desenvolve a vida cotidiana. Trata-se de uma compreensão individual, mas não de indivíduos que pensa sozinho, pois o pensamento é criado, comentado, discutido em grupo. É a arte da conversação, da troca de experiências, tornam algo ou alguém não familiar em algo ou alguém familiar. (MOSCOVICI, 1998, p.47). Neste debate sobre o cotidiano, é importante relacionar os termos territorialidade e identidade socioterritorial, pois permitem evidenciar as ações e as experiências concretas de pescadores artesanais, os aspectos simbólicos das relações socioterritoriais e os códigos nativos. Por meio de depoimentos, os pescadores traduzem seus sentimentos em relação à realidade da pesca “antigamente” e nos dias atuais. Esse debate possibilita afirmar uma posição de respeito à diversidade, às possibilidades de escolhas sobre o modo de vida, à preservação das culturas tradicionais e do meio ambiente. Milton Santos (2006, p. 20) ressalta que, na atualidade, impera a lógica da “ditadura do dinheiro”, do lucro, que representa os interesses particulares, e há um aparato político, jurídico e ideológico constituído para facilitar e viabilizar a lógica de 50 interesses particulares, desmantelando, se necessário, todos os demais interesses presentes nos territórios. Ao realizar a atividade pesqueira, os pescadores e as pescadoras cultivam saberes e acabam constituindo uma cultura distinta, dentro de um cotidiano muito peculiar. Essa especificidade nos remete ao conceito de identidade socioterritorial, conforme empregado por Haesbaert (1999, p. 172): Toda identidade territorial é uma identidade social definida fundamentalmente por meio do território, ou seja, dentro de uma relação de apropriação que se dá tanto no campo das idéias quanto no da realidade concreta. O espaço geográfico constitui, assim, parte fundamental dos processos de identificação social. O conceito de identidade “socioterritorial” empregado reforça a ideia de que “[...] não há território sem algum tipo de identificação e valorização simbólica (positiva ou negativa) do espaço pelos seus habitantes” (HAESBAERT, 1999, p. 172). Lopes et al. (2011) relatam que os pescadores artesanais estabelecem, no processo de trabalho, uma relação muito particular com os elementos da natureza. Isso faz parte da construção do seu conhecimento e quanto maior é a interação, maior é a possibilidade de sucesso na pescaria. Essa relação produz um sentimento de pertencimento e de ajuda a caracterizar a sua identidade socioterritorial. Na atividade pesqueira há um saber tácito que é passado de geração para geração. Esse saber nativo advém da experiência e define escolhas estratégicas que influenciam diretamente o desenvolvimento da atividade. Os ‘pesqueiros’, por exemplo, são definidos por marcas simbólicas, vinculadas à tradição de posse e de uso do local por parte do grupo de pescadores que pratica a pesca familiar ou pesca de parceria (FURTADO, 2008). A água, espaço de produção primária, é onde se delineia (objetiva e simbolicamente) a territorialidade segundo códigos nativos. Esses códigos (demarcação de pesqueiros, trajetos, etc.), muitas vezes, conflitam com os de direitos convencionais. Os pescadores estão expostos às dinâmicas territoriais em função do avanço da industrialização sobre seus territórios e de políticas públicas nacionais e regionais com externalidades que afetam suas relações grupais e ambientais, seus modos de vida e de trabalho, e interferem na construção de sua identidade (FURTADO, 2008). 51 Para Marques (2001, p. 148), “[...] a territorialidade na pesca é um fenômeno que se manifesta sob vários aspectos”. Esse pensador relata que, já em 1960, havia estudos que descreviam o comportamento dos pescadores em relação à demarcação dos lugares de pesca e à escolha do melhor lugar para jogarem as suas redes. Para evitar conflitos quanto ao uso do local, os pescadores tinham um acordo, ou seja, quando o primeiro grupo chegava, fazia uma demarcação com o remo na areia e os demais iam posicionando os seus remos atrás, conforme a ordem de chegada (MARQUES, 2001), não havia necessidade de uma demarcação e regulação formal – o território é definido pelo costume e pelas práticas de trabalho. Interessante avaliar esses códigos entre pescadores artesanais, que ganham especificidades de acordo com a região e ajudam a desvelar as características simbólicas de uma atividade profissional tradicional. Importante é destacar que, em várias regiões do Brasil, principalmente nas regiões litorâneas, a cultura pesqueira vinha conseguindo manter-se, apesar da urbanização e do crescimento do turismo. Por outro lado, porém, nas localidades em que se instalam grandes empreendimentos industriais ou grandes empreendimentos como as hidrelétricas, a pesca artesanal sobrevive com muita dificuldade. A lógica dos grandes empreendimentos altera o modo de vida não só da cidade onde está instalada, mas de toda a região. O ritmo acelerado das mudanças acaba inviabilizando o modo de vida do pescador, seja em relação à preservação dos costumes, seja em relação ao acesso aos recursos pesqueiros. Cada território cria e é constituído de territorialidades que lhe dão formas e significados. Relações e práticas sociais estabelecidas no cotidiano entre os próprios atores, a natureza e demais territórios, configuram a territorialidade, que, ao se transformar, modifica o território também. A territorialidade, construída e vivenciada, no tempo e no espaço, por um grupo social, no caso dos pescadores, traduz ao território características próprias, materiais e imateriais, objetivas e subjetivas, construindo uma identidade cultural, numa relação de pertencimento entre os indivíduos e os territórios, o que pode ser assim descrito: Pertencemos a um território, não o possuímos, guardamo-lo, habitamo-lo, impregnamo-nos dele. Além disto, os viventes não são os únicos a ocupar o território, a presença dos mortos marca-o mais do que nunca com o signo do sagrado. Enfim, o território não diz respeito apena à função ou ao ter, mas ao ser. Esquecer este princípio 52 espiritual e não material é se sujeitar a não compreender a violência trágica de muitas lutas e conflitos que afetam o mundo de hoje: perder seu território é desaparecer. (BONNEMAISON e CAMBRÈZY, 1996, p. 13-14 apud HAESBAERT, 2011, p. 73). Segue-se, portanto, que a relação do pescador com o território acontece a partir da sensação de pertencimento, a partir da posse/uso deste, incluindo todos os aspectos históricos que aquela parcela física (lago), causando uma identidade única e que explica toda a formação sociocultural de um povo. Por possuírem um forte sentimento de pertencimento aquele território e por conservarem sua identidade, esses pescadores seguem o princípio explicado por Haesbaert, de que “A força desta carga simbólica é tamanha que o território é visto como ‘um construtor de identidades’, talvez o mais eficaz de todos”. (2011, p. 73). Como defende Haesbaert (2005), as sociedades tradicionais conjugavam a construção material “funcional” do território como abrigo e base de “recursos”, com uma profunda identificação que recheava o espaço de referentes simbólicos, fundamentais à manutenção de sua cultura. O território é importante para todas as sociedades, tanto para sua sobrevivência física como cultural, demonstrando a importância que possui para a construção social e para a existência étnica, dentro de suas cerimônias e práticas tradicionais. Devido a isso, faz-se importante a existência de um território onde o grupo de pescadores possa desenvolver-se culturalmente, economicamente e socialmente. Tudo isso foi evidenciado no Lago de Itaipu. Durante pesquisas de campo registraram-se vários relatos e experiências de pescadores que, na sua simplicidade, deixavam transparecer o esforço em manter-se na atividade pesqueira, alegando vários motivos que serão relatados em outro capítulo. O Lago de Itaipu é palco de diferentes usos e de diversos conflitos. Construído com o objetivo de reservar água para a Usina Hidrelétrica de Itaipu, é também usado pelos municípios afetados como território de atividades turísticas, sobretudo as praias artificiais. Outros potenciais aproveitados: pesquisas ambientais, pesca, aquicultura. Para Silva (2011a), o estudo desses processos atuais e modernos de uso do espaço processos que se realizam pela lógica econômica, mas também pelas ações e normatizações do Estado mostra a modernização excludente, pois, ao criar 53 inovações sociais e espaciais, excluem pessoas e instituições, bem como desvalorizam e liquidam outras formas de trabalho anteriormente existentes: Na verdade, em contextos do século XIX e de toda a mutação implementada pelo pós-fordismo, pelo pós-modernismo e pelo crescimento da flexibilização e das crises sucessivas do capitalismo, reconhece-se cada vez mais a importância das atividades tradicionais como referências não apenas de identidade e pertencimento, mas de trabalho, de economia, de construção de sociabilidade e vida coletiva, numa constatação de que o modo de produção capitalista passa cada vez mais a conviver e a necessitar de outras formas de produzir. Por isso, ao invés da pesca artesanal desaparecer no território brasileiro, tende a crescer e incorporar mais trabalhadores em pleno contexto de desemprego estrutural. A economia política, portanto, nos ajuda a compreender as relações sociais e as formas de apropriação do espaço e dos recursos (humanos, naturais, saberes, etc.). A economia política do território permite identificar a totalidade em que se inscrevem as relações econômicas (as disputa por território, os projetos em disputas, as ações diversas e as práticas do Estado, as articulações que são políticas entre os agentes) (SILVA, 2011a, p. 10). Assim, percebe-se que a atividade da pesca artesanal como um todo, inclusive a pesca no Lago de Itaipu19, convive com uma série de limites, por depender do território e das condições ambientais, que são disputadas pela modernização e a ampliação da ocupação espacial imposta por grandes agentes econômicos nacionais e internacionais. A escassez dos recursos naturais decorrente das peculiaridades humanas ajuda a provocar desconexões e rearranjos nos territórios e, consequentemente, nas identidades socioterritoriais. Isso afeta diretamente as relações entre pescadores, fazendo com que seu cotidiano fique abalado, aumentando o conflito entre eles, como também com outros setores da sociedade. Em síntese, o conceito de território é aqui assumido na sua complexidade, envolvendo aspectos econômicos, políticos, culturais e ambientais. Território é aqui assumido como espaço-tempo demarcado pelas intenções das ações humanas na apropriação, no acesso, no controle e no uso das condições materiais e simbólicas. E vai além disso, pois é a partir do cotidiano e das articulações que os autores mencionam as redes e as apresentam como responsáveis pela configuração desses territórios, assunto a ser discutido a seguir. 19 Será abordado no Capítulo III. 54 1.4 As Redes e as Relações de Poder No Dicionário de Geografia, dirigido por Pierre George (1970), a rede pode ser enxergada segundo pelo menos três sentidos: polarização de pontos de atração e difusão (redes urbanas); projeção abstrata (meridianos e paralelos do globo); projeção concreta de linhas de relações e ligações (redes hidrográficas, redes técnicas territoriais e redes de telecomunicações hertzianas). Em uma análise de Santos (1996), do que vem a ser uma rede, esse geógrafo conduz as análises sobre a formação de tessituras em que os “nós” fazem parte de sua composição. Nesse método de análise, a “rede” é como mecanismo para estabelecer variados contatos, estes dados pelas relações que envolvem questões de circulação e de comunicação de bens materiais e imateriais no atual contexto global, numa perspectiva de significação e de significado. É importante ponderar que não existe homogeneidade dos territórios como também não existe homogeneidade das redes. A homogeneização é um mito. Segundo Bakis (1990), tal como citado por Santos (1996, p. 268), “[...] o espaço permanece diferenciado e esta é uma das razões pelas quais as redes que nele se instalam são igualmente heterogêneas”. As redes são, ao mesmo tempo, concentradoras e dispersoras, condutoras de forças centrípetas e de forças centrífugas. As redes enquadram-se em duas matrizes: na da materialidade (concretas) ou denominadas redes de proximidade territorial e na de imaterialidade (abstratas) ou redes de proximidade relativa Sobre os dois tipos de rede, Lencioni (2011, p. 141) relata que: “a rede de proximidade territorial é formada por redes materiais, em especial a circulação”, neste caso a autora se refere a redes de circulação viária, por exemplo. As redes de proximidade relativa se referem, [...] às redes imateriais, como a rede de fluxos de informação e comunicação, as quais não se pode esquecer, requerem infraestrutura material...As redes imateriais permitem que o que está territorialmente distante fique próximo e, nesse sentido, a rede proporciona uma aproximação (LENCIONI, 2011, p. 142). No Lago de Itaipu, ambas as redes se complementam, garantem maior fluidez, encurtam distâncias e mudam o espaço. Tais redes representam formas 55 específicas de organização/ articulação que pode ser social (grupos, instituições, firmas), urbana, econômica, política, técnica.Como propõe Haesbaert (2006, p. 337), as redes surgem como novos elementos na configuração dos territórios, sendo possível falar de território-rede. Para o autor, é necessário compreender o convívio entre territórios-área e territórios-rede, sendo os últimos “[...] marcados pela descontinuidade e pela fragmentação que possibilita a passagem constante de um território ao outro” A compreensão da relação entre esses territórios demonstra que, ao contrário do que fazem acreditar os discursos da globalização, o território ganha cada vez mais importância (HAESBAERT, 2006). Nesse sentido, o conceito contribui para a pesquisa a partir do momento que o território da pesca no Lago de Itaipu pode ser dividido em vários territórios (as Colônias e as Associações), que estão interligadas num território-rede. O papel das redes é indispensável para o entendimento do território, como pode ser notado em Souza (2003b), Sposito (2004) e Haesbaert (2006). Este último adota essa nova realidade na formação dos territórios, pois propõe a multiterritorialidade como “[...] predominância [...] de relações sociais construídas a partir de territórios-rede, sobrepostos e descontínuos” (HAESBAERT, 2006, p. 338). A multiterritorialidade se configura pela “[...] possibilidade de acessar ou conectar diversos territórios, o que pode se dar através de uma ‘mobilidade concreta’, no sentido de um deslocamento físico, quanto ‘virtual’, no sentido de acionar diferentes territorialidades mesmo sem deslocamento físico. [...] como no ciberespaço” (HAESBAERT, 2006, p. 344). Com base em Souza (2003), é possível dizer que o território-rede pode se configurar como uma rede que articula territórios-área e não possui necessariamente a característica da exclusividade. Por não ter necessariamente a característica da exclusividade, nos territórios-rede são mais comuns relações de poder que denotam influência. Esses territórios podem sobrepor-se, pois a área (extensão) nem sempre é importante para todos os sujeitos territoriais; pode ser que lhes interesse a influência sobre os pontos para a elaboração de redes ou então os outros sujeitos (a mão de obra, os consumidores, fiéis, eleitores, etc.). Mesmo que a superfície seja importante para o território de um determinado sujeito, outros territórios poderão se estabelecer na mesma área, caso não disputem dimensões com o sujeito territorial que a domina, seja através da propriedade ou de outro tipo de dominação exclusiva. Esses territórios não são excludentes e, caso não 56 haja coincidência de interesses entre eles, podem coexistir; ao contrário, surge uma relação conflitiva que ocasiona o processo de T-D-R. Esses sentidos podem ser contatados na realidade da pesca artesanal no Lago de Itaipu. Sendo o Lago uma superfície usada por vários sujeitos com interesses distintos (pescadores, turistas, geradores de energia), todos se estabelecem na mesma área, coexistem, porém existem também relações de poder e de domínio conflitivas nesse território. Sobre as redes e o poder, Raffestin (1993, p. 83) esclarece que toda estratégia integra a mobilidade e, por consequência, elabora uma função circulaçãocomunicação – é uma função de poder, onde: “A circulação imprime a sua ordem”. Nesse caso, o poder não consegue evitar o que pode ser visto ou controlado. Uma trama complexa recobre esses territórios contemporâneos, redefinindo seu conteúdo e transformando a natureza das ações nele empreendidas. Essa trama é formada por um conjunto de diferentes redes que, num movimento dialético, ao mesmo tempo interligam e fragmentam o território. Para Manuel Castells, as sociedades, no período contemporâneo, estão vivendo num espaço caracterizado por uma profusão sem precedentes dos fluxos, conhecendo uma economia que o mesmo pensador denomina de “global”, e um “capitalismo informacional”, o que o leva a reconhecer a sociedade atual como “sociedade em rede” (CASTELLS, 1999). Quanto à natureza das redes geográficas, aqui referindo trabalhos de Milton Santos e de Roberto Lobato Corrêa, pode se afirmar que a organização espacial se revela, de um lado, a partir de elementos fixos, constituídos como resultado do trabalho social. E, de outro lado, através de fluxos que garantem as interações entre os fixos. Fixos e fluxos originam as redes. Corrêa, investigando as dimensões de análise das redes geográficas, entende-as como “[...] ‘um conjunto de localizações geográficas interconectadas’ entre si ‘por certo número de ligações’” (CORRÊA, 2001, p.107). É a partir da atual configuração do meio geográfico que as redes promovem novas possibilidades de uso do território para a produção, ou seja, constroem estratégias verticais de uso e de comando das ações. “Há diferentes redes recobrindo a superfície terrestre, redes que são planejadas, espontâneas, formais e informais, temporárias e permanentes, materiais e imateriais, regulares e irregulares” (CORRÊA, 2001, p.190). 57 Hoje as redes são produtoras de aceleração, e não é por outra coisa que a sua característica primeira é a informação. A prioridade não é apenas distribuir, ainda que essa atividade seja indispensável, mas o aspecto principal das redes atuais é fazer circular dados e informações que precedem e organizam as atividades de distribuição no território, e sob esse aspecto muitos dos fluxos que percorrem redes diferenciadas não podem ser visualmente percebidos. Desse modo, quando o fenômeno de rede se torna absoluto, é abusivamente que ele conserva esse nome. Na realidade, nem há mais propriamente redes; seus suportes são pontos (SANTOS, 1996). Animadas por fluxos, que dominam o seu imaginário, as redes não prescindem de fixos – que constituem suas bases técnicas - mesmo quando esses fixos são pontos. Assim, as redes são estáveis e, ao mesmo tempo, dinâmicas. Fixos e fluxos são intercorrentes, interdependentes. Ativas e não-passivas, as redes não têm em si mesmas seu princípio dinâmico, que é o movimento social. Esse movimento tanto inclui dinâmicas próximas locais, quanto dinâmicas distantes, universais, movidas pelas grandes organizações (SANTOS, 1996, p. 188). Tomando o espaço geográfico como um conjunto indissociável de sistemas de objetos e de sistemas de ações (SANTOS, 1996), a rede pode ser compreendida como um sistema verticalmente orientado pela e para a ação/intenção de determinados agentes, para a coordenação do trabalho que flui entre pontos específicos no território. É assim que podemos compreender que o caráter das redes não reside apenas na materialidade, mas, sim, nas estratégias políticas de organização dos diferentes agentes e pontos no território, que são mobilizados e coordenados por outros agentes na intenção de desenvolver objetivos específicos. O poder nas discussões sobre relações territoriais é um elemento imprescindível. Na análise de Raffestin (1993), o espaço é anterior ao território. O território se forma a partir do espaço e é resultado de uma ação conduzida por um ator sintagmático. Ao se apropriar de um espaço, o ator territorializa o espaço e as relações de poder são responsáveis pela forma de territorialização. É durante a produção de um espaço ou de um território, espaço físico, balizado, modificado, que sofre transformações pelas redes, circuitos e fluxos, onde se instalam as relações sociais, o trabalho e as forças divergentes/convergentes de poder. 58 Enfim, a discussão sobre “redes” vem tomando espaço significativo nas reflexões sobre as ações coletivas e individuais, em particular aquelas que dizem respeito a garantias de demandas políticas, econômicas e sociais por intermédio de ações contra-hegemônicas, que são ações coletivas ou individuais de oposição a uma dada realidade política, econômica e social. As relações sociais têm elementos de poder que libertam e aprisionam, a depender das lutas travadas e dos interesses em pauta em determinada arena social, demonstrando uma forma particular de organização, mas não livre do processo de coação. Esse processo “força” a criação de redes. Relacionando as discussões com a realidade pesqueira analisada, vale destacar a posição de Raffestin (1993), posição que reforça a ideia de que o território é fruto de relações sociais amplas e que envolvem a Itaipu, o Estado (MPA), indivíduos (pescadores) e organizações em uma malha de nós e de redes, partindo da realidade concreta, que é o espaço, passando à implantação de novos recortes e de novas ligações (Colônias e Associações). Vale também destacar a de Santos (1996), que afirma que, mesmo os sujeitos hegemonizados recriam estratégias e buscam garantir a sua sobrevivência nos lugares. Essa é a forma como entendemos os pescadores, que criam redes de relações para sobreviverem, fazendo-o a partir do seu modo de vida e da venda do pescado. 1.5 A Configuração de um Território Pesqueiro O território consiste em uma categoria de análise geográfica que engloba as questões de uso, de gestão e de domínio de uma parcela do espaço geográfico por agentes de escalas de atuação diferenciados, englobando os diversos níveis de poder presentes na sociedade, das relações internas às localidades ao Estado Nacional (MORAES, 1984; RAFFESTIN, 1993; RATZEL, 1990). A gestão do território constitui um poderoso meio para, através da organização do espaço, viabilizar a existência e a reprodução do conjunto da sociedade (CORREA, 1992). Nas palavras do autor, esta possui “[...] uma historicidade que se traduz em agentes sociais e práticas espaciais distintas” (1992, p. 115). 59 No caso da atividade pesqueira, articulam-se no território os domínios da água (não apenas na perspectiva horizontal, mas também em profundidade), da terra e dos fenômenos atmosféricos. Quanto aos últimos, pescadores buscam conhecer para saber agir e reduzir os riscos de seu trabalho. A terra é o espaço da morada, da realização do pescado enquanto mercadoria e alimento. São as águas os espaços da produção, apropriados pelos pescadores e onde parte significativa da territorialidade pesqueira se manifesta. Os territórios de produção pesqueiros, construídos pelos pescadores a partir do trabalho e da apropriação da natureza, podem ser delimitados mesmo na fluidez do meio aquático. Sobre eles os pescadores exercem algum tipo de domínio e são objetos de disputas e de conflitos, em especial quando se defrontam com estruturas de produção diferenciadas (piscicultores e produtores em grande escala) disputando os mesmos recursos. Para Cardoso (2007), tais territórios se manifestam em escalas distintas, desde aqueles ligados ao ponto de pesca individual, até vastas áreas consideradas pesqueiros tradicionais de uma ou outra localidade de pescadores. Propostas no sentido de reconhecimento formal dos territórios das sociedades de pescadores estão presentes em vários documentos de encontros realizados pelos pescadores artesanais e suas organizações20. Na escala local, e de maneira informal, encontram-se pescarias com um forte componente territorial, tais como o “lanço” de pesca no Rio São Francisco, as “marambaias” - atratores de pescado construídos artesanalmente por pescadores cearenses, o revezamento de áreas relatado por pescadores da Ilha Grande–RJ (CARDOSO, 2001), as “cercadas” e “caiçaras”, observadas por Diegues (1994) em Parati–RJ e Alagoas-CE, o “direito a vez”, observado por Lima (1997) em Itaipu–RJ. As diferentes escalas da questão territorial da produção pesqueira podem ser definidas para o caso brasileiro, em uma sistematização presente no Quadro 2: 20 Segundo Cardoso (2007) essa formalização de territórios é bem comum no país do Chile, onde os territórios são delimitados para os pescadores artesanais. Disponível em: <http://www.ub.edu/geocrit/b3w-761. htm>. Acesso em: 20 maio 2012. 60 Quadro 2: Territórios da Produção Pesqueira no Brasil – Uma Sistematização Escalas Situação Local Informal Local Formal Local Formal Tipo Pontos de Pesca Lanços Direito a Vez Revezamento de Áreas Cercadas Caiçaras Marambaias Outras Armadilhas fixas de captura: cerco fixo, cerco flutuante, aviõezinhos, currais de pesca, outras. Empreendimentos aquícolas Local/Regional Formal Parques aquícolas Reservas extrativistas Nacional Mar territorial Zona Econômica Exclusiva Formal Instrumentos Normatizadores Acordos internos às comunidades Licenças de instalação Licenças de instalação Licenças de instalação Sistema Nacional de Unidades de Conservação Legislação Nacional CONVEMAR Tratados internacionais Fonte: CARDOSO, 2007. Os pescadores, individualmente ou em grupo, delimitam seus pontos de pesca e seus pesqueiros. Por vezes, o acesso ao pesqueiro é controlado por regras sociais e constitui um bem familiar. No Paraná, o Instituto de Estudos e Assessoria ao Desenvolvimento – CEADES e o MAP dividem o estado em três territórios da pesca e aquicultura: Território Lindeiro, Território Norte e Território do Litoral. O objetivo dessa criação e distribuição dos territórios foi para buscar a mobilização do setor para o debate do desenvolvimento territorial, o aprimoramento da política territorial e o fortalecimento dos colegiados e conselhos. Os pescadores das Colônias de Pesca do Lago pertencem ao Território Lindeiro, e são representados por um colegiado. Existem nesse território denominado Lindeiro, oito colônias e duas associações21 distribuídas no Lago de Itaipu, em 1350 km2 de água, que banha 16 municípios, como se pode verificar na Figura 3: 21São elas: Colônia de Pescadores Profissionais Z12-Foz do Iguaçu; Colônia de Pescadores Profissionais Itaipulandiense-Itaipulândia; Colônia de Pescadores Profissionais Nossa Senhora dos Navegantes-Santa Helena; Colônia de Pescadores Profissionais São Francisco-Entre Rios do Oeste; Colônia de Pescadores Profissionais Z15- Marechal Cândido Rondon; Colônia de Pescadores Profissionais Z13-Guaíra; Colônia de Pescadores Profissionais de Santa Terezinha de Itaipu; Associação Bragadense de Pescadores- Pato Bragado; Associação dos pescadores Artesanais de Guaíra (AGUA)-Guaíra. 61 Figura 3: Lago de Itaipu e Municípios Lindeiros Brasileiros 1- Novo Mundo-MS 9- Santa Helena –PR 2- Guairá-PR 10- Diamante d`OestePR 3-Terra Roxa-PR 11- Missal-PR 4- Mercedes-PR 12- Itaipulândia –PR 5- Marechal Cândido Rondon-PR 6- Pato Bragado-PR 7- Entre Rios do Oeste-PR 8- São José das Palmeiras-PR 13- Medianeira –PR 14- São Miguel do Iguaçu-PR 15- Santa Terezinha de Itaipu-PR 16- Foz do Iguaçu-PR Fonte: Itaipu Binacional <(www.itaipu.gov.br)> Periodicamente (de dois em dois anos) se realiza o Encontro Estadual dos Territórios Pesqueiros do Estado do Paraná, quando se apresentam e trocam experiências dos territórios da pesca, experiências levadas pelos pescadores e pelos aquicultores dos três territórios. No último encontro foram objetos de destaque no Território Lindeiro as experiências do pescado na merenda escolar, realizado no município de Marechal Cândido Rondon, bem como o estudo para o enlatamento de pescado de água doce (no caso de pacu e de tilápia); a experiência do Desenvolvimento Rural Sustentável – DRS, do Banco do Brasil, a qual tem apoiado a criação de pacu em tanque-rede no município de São Miguel do Iguaçu, em parceria com a Colônia de Pescadores Z11. No Território do Litoral existe uma cozinha comunitária, do Clube de Mães da “Ilha das Peças”, onde todo o pescado consumido na cozinha é comprado dos próprios pescadores da ilha. Esse grupo de mulheres tem ainda uma pequena mercearia onde atendem os moradores da mesma ilha. A experiência relatada é uma experiência viva de economia solidária e que dá a certeza de que uma outra economia é possível. O território da Bacia do Paranapanema (Norte) apresentou um projeto com capacidade de instalar 18 mil tanques redes no território e a construção de dois (2) 62 frigoríficos para processar a produção de pescado do local, estimada em 500 mil toneladas de capacidade dos reservatórios. Em localidades como essas relatadas, ali existe uma maior coesão social e instrumentos de gestão das pescarias são construídos coletivamente, como os "Regulamentos Internos" presentes. Segundo Cardoso (2007), isso ocorre também com pescarias de algumas localidades do litoral cearense, ou os "Acordos de Pesca" presentes nas pescarias dos lagos do Baixo Amazonas. Nessas modalidades de gestão, a fiscalização é realizada pelos próprios pescadores e formas de sanção são definidas de maneira comunitária, tais como a suspensão temporária do direito de pescar. Nas escalas locais, definidos formalmente, alguns instrumentos de captura representam a apropriação territorial de uma porção do espaço aquático. É o caso de algumas armadilhas fixas de captura como os currais de pesca, os cercos (covos) fixos e flutuantes, as redes de espera e espinhéis (Figura 4), cuja instalação requer a permissão da Marinha e de órgãos ambientais e permitem ao proprietário, de maneira individual ou em grupo, a exclusividade de exploração da área onde o instrumento é instalado (CARDOSO, 2007). Figura 4:Armadilhas Fixas: redes de espera, espinhéis e covos Fonte: Pesquisa de Campo - 2012. 63 Portarias normativas definindo áreas e instrumentos proibidos ou permitidos para a pesca, formuladas e emitidas pelos órgãos legisladores da atividade pesqueira, criam uma área de atuação formal para a atividade pesqueira. Diferentemente, as práticas informais e ilegais, como as dos pescadores clandestinos ou as dos pescadores amadores que pescam além do seu consumo, sofrem fiscalização e a aplicação de sanções (multas e apreensão dos apetrechos de pesca) por parte de órgãos do Estado, tais como IBAMA ou pela Polícia Ambiental ou Florestal, porém não acabando com essa prática clandestina. Ainda em âmbito local, a mobilidade dos pescadores delimita as áreas de pesca. Embarcações de menor autonomia exploram áreas mais restritas, situadas nas proximidades da moradia dos pescadores. Se essas áreas passam a ser exploradas por embarcações maiores vindas de outras localidades ou ainda por pescadores sem RGP, os conflitos pelos recursos pesqueiros se estabelecem, pois o pescador artesanal profissional não permite a atuação de outros pescadores sem habilitação para a prática (RGP), denunciando-os aos órgãos competentes, ainda que esses terceiros, por sua vez, tentem burlar a legislação constantemente. Para Cardoso (2007), em uma escala de abrangência maior, situada a meio caminho entre a local e a regional, encontramos instrumentos formais de gestão da atividade pesqueira que definem territórios de produção marinhos, mas aqui não se aprofundou a discussão dessa temática por não fazer parte da pesquisa. As áreas de aquicultura consistem em formas territoriais de uso de parte do espaço aquático que possuem dimensões locais. Os cultivos aquáticos necessitam de autorização dos órgãos estatais para a sua implantação. Tal autorização dá ao cultivador a concessão de uso de certa parcela do espaço aquático, isso revelando uma apropriação territorial dos corpos d'água. Em alguns trechos do litoral brasileiro e ao longo dos lagos de barragem existe a possibilidade de implantação de Parques Aquícolas, delimitando e destinando áreas prioritárias para a implantação dos cultivos. Os cultivos são concessões aos criadores, concessões que delimitam a área concedida através de tanques-rede, por exemplo, e que não pode ser utilizada por outros. O conflito se estabelece dada a exiguidade de áreas propícias aos cultivos e à presença de estruturas de produção diversificadas, com cultivos empresariais disputando áreas de cultivos com pequenos aquicultores, ou mesmo com áreas utilizadas por sujeitos que praticam apenas a pesca artesanal. 64 A Pesca do Lago de Itaipu também é legalizada pelas normativas e pelos decretos federais, principalmente pela Lei Federal n° 10.683, de 28 de maio de 2003, mais as leis do MPA e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). Tudo é fiscalizado por esses órgãos em conjunto com o Instituto Ambiental do Paraná (IAP) e a Polícia Florestal. Existe a proibição da pesca em época de piracema, proibição que é instruída pelo IBAMA, por meio da Normativa 25/2009 e reforçada no Paraná pela Portaria nº 242/2011, do Instituto Ambiental do Paraná (IAP). São quatro meses no ano em que se proíbe a pesca com redes, de 1º novembro de um ano a 28 de fevereiro do ano contíguo seguinte. O IAP também realiza, com pescadores dos municípios lindeiros ao Lago de Itaipu, no Oeste do Paraná, a identificação e o cadastro das redes dos pescadores profissionais. Isso é realizado a partir de um lacre instalado junto à primeira boia das redes para facilitar a fiscalização ambiental em reservatórios da região, bem como coibir a pesca predatória. Dessa forma, os fiscais do IAP e os policiais ambientais podem identificar qual rede é de qual pescador e facilitar a retirada das redes ilegais nos reservatórios. As escalas demonstradas até aqui podem ser consideradas como uma sistematização dos níveis em que a territorialidade pesqueira pode ser entendida. As normas e as leis da pesca são exigidas em território nacional e causam inúmeros embates e conflitos entre os sujeitos que praticam a atividade, legal ou ilegalmente. No Lago de Itaipu a realidade não se mostra diferente e também os órgãos competentes realizam fiscalizações constantes sobre as áreas pesqueiras. A partir desse embasamento teórico, no próximo capítulo se discute a realidade pesqueira no Brasil e suas inter-relações com a pesca global e local. 65 CAPÍTULO II- A PESCA NO BRASIL E SUAS INTER-RELAÇÕES Este capítulo decorre da elaboração de alguns apontamentos pertinentes a pesquisa sobre a produção e o consumo pesqueiro e aquícola 22 no mundo e no Brasil, com especificação também nas regiões brasileiras, realizando uma caracterização geral do tema para compreender e situar a pesca no Lago de Itaipu. Visto que, a pesca no Lago é predominantemente artesanal, com projetos voltados a criação de peixes, é necessário entender as características como um todo. O território pesqueiro do Lago de Itaipu (simbólico e material) é regido por normas e leis vigentes no Brasil, por isso, compreende-se o processo histórico, as instituições e os órgãos administrativos aos quais cabe a responsabilidade pela pesca, pela formação das colônias e pela sua estruturação. Como foi discutido o conceito de território na pesca artesanal pelo primeiro capitulo, é importante neste capitulo ponderar sobre a base histórica de lutas dos pescadores artesanais, que buscam melhores condições de vida e trabalho; leis e políticas públicas. Essa luta ressalta as diferentes relações de poder da pesca, do pescador, do intermediário, do aquicultor ao Estado. Por isso, o capítulo tem também o propósito de refletir sobre as políticas públicas do Brasil voltadas para a pesca, especialmente a mais atual, que é denominada “Plano Safra da Pesca e Aquicultura”23. De pronto cabe afirmar que a pesca se insere numa dinâmica muito complexa e que envolve, principalmente: (a) os pescadores artesanais e suas organizações; (b) o Estado e suas diversas políticas públicas; e (c) os grupos que promovem a pesca industrial e a aquicultura. Nesse sentido, uma breve síntese histórica da formação das colônias de pescadores e da criação de políticas públicas da pesca ajuda a compreender as dimensões que as políticas ocuparam e seu papel em diferentes modelos de desenvolvimento, evidenciando os conflitos de interesses e as diferentes relações de poder na pesca. A “aquicultura” pode ser definida como o processo de produção em cativeiro, de organismos com hábitat predominantemente aquático, tais como peixes, rãs, camarões, entre outras espécies. Pode ser continental ou marinha, sendo esta última subdividida em carcinicultura, piscicultura, cultivo de algas, ostreicultura, etc. (ABCC, 2009). 23 O ‘Plano Safra da Pesca e Aquicultura’ 2012/2013/2014, criado pelo governo de Dilma Roussef (2011-2014), consiste num instrumento para tornar mais efetivas as políticas econômicas e sociais do governo federal voltadas à cadeia produtiva da pesca e da aquicultura (Ver mais adiante, neste capítulo). 22 66 A pesca é uma atividade histórica, seja no mundo, seja no Brasil. Em âmbito nacional, a ocupação dos espaços dedicados a essa atividade, sobretudo os costeiros, remete a períodos pretéritos da civilização. No Brasil, a pesca era exercida pelos índios quando os portugueses chegaram. Os índios, por seu conhecimento dos mares e rios, forneceram técnicas, como a linha e o anzol, as redes, as pequenas armadilhas, os currais, o artesanato e a secagem de pescado ao sol. Todas as técnicas herdadas foram adaptadas, ao longo do tempo, pelos caboclos, pelos negros, pelos mulatos e pelos brancos. Os pescadores fazem parte da história brasileira em momentos cruciais, desde a independência até as revoltas sociais (SILVA, 1988). Silva (1988), ao estudar a história dos pescadores artesanais no Brasil Colônia, diz que a gênese dos pescadores brasileiros está vinculada à história da submissão de grupos socialmente oprimidos pelo europeu – o índio e o negro. Muitos autores contemporâneos registraram, em suas pesquisas, a influência indígena e negra na pesca e na agricultura de subsistência, como Lima (2002), ao analisar as comunidades pesqueiras marítimas do Ceará, ou como Silva (1993), quando compreende a formação dos jangadeiros de Pernambuco, entre outras análises da Região Nordeste e do Estado do Espírito Santo. Da pesca artesanal nasceram, e são preservadas até hoje, diversas tradições, festas típicas, rituais, técnicas e artes de pesca, além de lendas do folclore brasileiro. Também deu origem às comunidades que simbolizam toda a diversidade e riqueza cultural do povo brasileiro, como os caiçaras (Rio de Janeiro, São Paulo e Paraná), os açorianos (Santa Catarina), os jangadeiros (Região Nordeste) e os ribeirinhos (região amazônica). Na maioria das vezes, a atividade está tradicionalmente ligada às comunidades costeiras e ribeirinhas, que historicamente desenvolveram inúmeras artes de pesca (arrasto, cerco, vara, tarrafa, espinhel, etc.), adaptadas às características de cada região e ao tipo de embarcação. Existem, porém, lugares onde a pesca é uma atividade recente devido às transformações espaciais, mas precedida de significações. A manutenção da pesca como atividade econômica viável e autossustentável tem grande importância social e cultural, pois qualifica os membros das comunidades em áreas afins à sua história de vida, ou ainda surge como uma alternativa de renda para algumas comunidades. Guardadas as particularidades regionais, ela sobreviveu 67 a diversos ciclos de crescimento econômico, porém relatos de pescadores 24 evidenciam que vem aumentando, consideravelmente, a dificuldade de manter um padrão de vida digno na pesca. O que ocorre é que a atividade interage também com as modalidades de uso dos espaços litorâneos e/ou dos recursos hídricos no continente, modalidade de uso que, em geral, estão marcadas pela expansão da atividade turística e industrial, pela discussão da privatização e remodelação dos organismos de gestão das águas, pelo controle e pela gestão na cadeia produtiva da pesca. Isso acaba remodelando a vida pesqueira artesanal, pois, sem o suporte necessário para a manutenção dessa classe, os pescadores sobrevivem em condições adversas. Essas situações provocam reflexões para uma análise da atividade em seu setor produtivo que comporta questões eminentemente geográficas, comprova a existência dos conflitos de interesses existentes no cotidiano dos pescadores artesanais. Por isso o conceito de território é pertinente para analisar a realidade pesqueira, pelas relações de poder estabelecidas, pelo modo de vida, pela formação e a gestão do território e pelas políticas públicas. O Ministério da Pesca e Aquicultura25(MPA) declara que grande parte do pescado de boa qualidade que chega à mesa do brasileiro é fruto do trabalho dos pescadores artesanais. Os recursos pesqueiros marítimos, costeiros e continentais constituem importante fonte de renda, geração de trabalho e alimento e têm contribuído para a permanência do homem no seu local de origem, nas comunidades do litoral e também naquelas localizadas à beira de rios e de lagos. Do mar, dos rios e dos lagos tiram o seu alimento e renda de forma sustentável. São milhares de brasileiros, mais de 600 mil, que sustentam suas famílias e geram renda para o país, trabalhando na captura de peixes e frutos do mar, no beneficiamento e na comercialização do pescado (MPA, 2013). 2.1 Panorama Geral da Pesca Brasileira no Mundo A produção mundial de pescado (proveniente tanto da pesca extrativa quanto da aquicultura) atingiu aproximadamente 168 milhões de toneladas em 2010, representando um incremento de aproximadamente 3% em relação a 2009.Os 24 Dados obtidos nas entrevistas da pesquisa (2010, 2013) e por Niederleet al. (2005). MPA 2010. Disponível em: <http://www.mpa.gov.br/index.php/pescax/artesanal>. Acesso em: 20 mar. 2013. 25BOLETIM 68 maiores produtores foram a China com aproximadamente 63,5 milhões de toneladas, a Indonésia com 11,7 milhões de toneladas, a Índia com 9,3 milhões de toneladas e o Japão com cerca de 5,2 milhões de toneladas. Neste cenário, o Brasil contribuiu com apenas 0,75% (1.264.765 t) da produção mundial de pescado em 2010, ocupando o 19° lugar, caindo uma posição em relação ao ranking geral de 2009 como demonstra o Tabela 1. Tabela 1: Produção (t) Total de Pescados dos Maiores Produtores em 2009 e 2010 Posição 1º 2º 3º 4º 5º 6º 7º 8º 9º 10º 11º 12º 13º 14º 15º 16º 17º 18º 19º 20º 21º 22º 23º 24º 25º 26º 27º 28º 29º 30º País China Indonésia Índia Japão Filipinas Vietnã Estados Unidos Peru Rússia Mianmar Chile Noruega Coreia do Sul Tailândia Bangladesh Malásia México Egito Brasil Espanha Taiwan Marrocos Canadá Islândia Dinamarca Nigéria Argentina Reino Unido Coreia do Norte França 2009 Produção 60.474.939 9.820.818 7.865.598 5.465.155 5.083.218 4.870.180 4.710.653 6.964.446 3.949.267 3.545.186 4.702.902 3.486.277 3.201.134 3.287.370 2.885.864 1.874.064 1.773.713 1.092.889 1.240.813 1.184.862 1.060.986 1.176.914 1.147.952 1.169.597 811.882 751.006 864.583 770.157 713.350 674.455 Fonte: MPA, 2011 % 36,95 6,00 4,81 3,34 3,11 2,98 2,88 4,26 2,41 2,17 2,87 2,13 1,96 2,01 1,76 1,15 1,08 0,67 0,76 0,72 0,65 0,72 0,70 0,71 0,50 0,46 0,53 0,47 0,44 0,41 2010 Produção 63.495.197 11.662.343 9.348.063 5.292.392 5.161.720 5.127.600 4.874.183 4.354.480 4.196.539 3.914.169 3.761.557 3.683.302 3.123.204 3.113.321 3.035.101 2.018.550 1.651.905 1.304.795 1.264.765 1.221.144 1.166.731 1.145.174 1.126.178 1.086.704 867.523 817.516 814.414 813.746 713.350 674.404 % 37,69 6,92 5,55 3,14 3,06 3,04 2,89 2,59 2,49 2,32 2,23 2,19 1,85 1,85 1,80 1,20 0,98 0,77 0,75 0,72 0,69 0,68 0,67 0,65 0,52 0,49 0,48 0,48 0,42 0,40 Em relação à produção de pescado oriundo somente da pesca extrativa em 2010, tanto marinha quanto continental, o Brasil registrou uma produção de 785.366 t, 69 passando a ocupar a 25° colocação no ranking mundial, caindo duas posições em relação ao ranking de 2009.E Em relação à produção aquícola mundial de 2010, o Brasil ocupa a 17° posição no ranking mundial, com 479.399 t em 2010, mantendo a mesma posição em relação a 2009. (BOLETIM MPA, 2011) Os dados gerais colocam a pesca artesanal e aquícola do Brasil no cenário mundial em situação pouco promissora e, conforme estudos de Niederle e Grisa (2006), não é dada a devida importância aos pescadores. Vale ressaltar que as estratégias políticas historicamente adotadas no Brasil pautaram-se por um modelo “desenvolvimentista” focado no crescimento econômico acelerado, cujos maiores beneficiados são os grandes grupos econômicos. Nesse cenário, percebe-se que a preocupação política está pautada nos grupos com maior produção pesqueira enquanto que os modos de vida tradicionais não são valorizados econômica e culturalmente. Nos últimos anos, a necessidade de superação das crises econômicas acirrou, ainda mais, a concorrência e a demanda de exploração e controle dos recursos naturais pelos oligopólios dos vários setores econômicos: petróleo e gás, mineração, hidroelétricas, agronegócios, pesca industrial, entre outros. O crescimento das atividades nesses setores tem gerado impactos socioambientais que comprometem as diversas formas de vida nos territórios da pesca artesanal. Por sua vez, as ações das políticas locais em apoio à pesca em geral atendem a nichos de mercados monopolizados que acabam por beneficiar os chamados “atravessadores” ou as grandes indústrias pesqueiras. Diante desse quadro de realidade, o pescador tradicional consegue manter-se apenas nos limites da subsistência na atividade. O histórico do desenvolvimento do setor pesqueiro no Brasil pode ser encontrado em diversos pesquisadores que abordam a questão, como Silva (1972), Diegues (1983), Melo (1975) e Cardoso (1996). Dentre eles se destaca a análise de três processos alavancados pelo Estado na política pesqueira: o primeiro é a formação do Estado nacional na década de 1960; o segundo é a modernização da pesca (industrial) promovida pela Superintendência de Desenvolvimento da Pesca (SUDEPE) em 1970; o terceiro é a consolidação dos nacionalismos marinhos. Esses processos trouxeram uma crise de gestão das pescarias que atualmente tentam melhorar sua condição a partir da criação do MPA. 70 Nos próximos itens busca-se um resgate histórico da constituição das colônias, das instituições administrativas responsáveis e das políticas públicas da pesca. Admitindo-se a complexidade do território e da territorialização da pesca artesanal, faz-se necessário entender como se dá a organização aqui chamada de institucional, protagonizada principalmente pelo Estado; a organização social, que reflete o engajamento político dos pescadores via colônia de pesca; e como essas duas instâncias da organização do grupo se contradizem e se relacionam no processo de luta dos pescadores artesanais. Toda essa organização é entendida como estratégica para a sobrevivência do grupo social dos pescadores. Posteriormente, nesta pesquisa, se rediscutem outros apontamentos do panorama brasileiro da pesca artesanal em continente por regiões brasileiras. 2.2 As Colônias de Pesca e o Histórico das Instituições Representantes da Pesca O Estado moderno constitui-se em um conjunto de instituições públicas que envolvem múltiplas relações com o complexo social num território delimitado. O Estado detém o poder e a autoridade para fazer as políticas se tornarem válidas para a população, porem esta pode e deve reivindicar melhores atuações estatais. Harvey (2004), ao analisar a lógica territorial do Estado, considera que este não é inocente, nem necessariamente passivo em relação a esses processos, pois, uma vez que reconheça a importância de promover e capturar a dinâmica regional como fonte de seu próprio poder, ele pode procurar influenciar a dinâmica por meio de suas políticas e ações. Assim, o Estado também é responsável pelas normativas e leis que estruturam a pesca, por conseguinte, pode-se afirmar que este pode ser influenciado pela ação dos movimentos sociais, que surgem a partir do empoderamento das comunidades locais, face a seus confrontantes, advindo do sentimento de politização da coletividade (MELLO-THÉRY, 2011). A dinamicidade desse processo de luta por espaços, travada entre pescadores e Estado, configura o dilema contemporâneo entre a dicotomia da economia de mercado e a preservação de modos de vida tradicionais. A questão do movimento das comunidades de pescadores e as empresas de pesca ilustra a luta e as divergências do setor. De um lado, encontram-se aqueles 71 que se diferenciam de um todo para buscar os direitos que lhes pertencem, mas são negados; do outro, o hegemônico, que busca a homogeneização dos espaços, das culturas e a unificação da história para o controle dos meios de produção. Embora seja basilar na pesquisa o conceito de território na pesca e sua multiplicidade, tem-se a presença de grandes empresasXpescadores artesanais que mesmo constituindo a multiplicidade apontam ao dualismo e o conflito intenso, onde o poder hegemônico das empresas minimizam os pescadores. Assim, a pesca no Brasil é palco da luta entre as ideologias de modernização/produtividade e de identidade cultural entre a população tradicional, tendo como seu maior oponente o próprio movimento social e a sua incapacidade em gerenciar o todo de forma eficaz para combater as empresas privadas e alcançar a figura do Estado (CARDOSO, 2001a). A principal forma de organização social dos pescadores são as chamadas Colônias. Segundo a historiografia, as colônias de pesca, posteriormente colônia de pescadores, constituem a forma de associativismo predominante na pesca artesanal. As colônias foram fundadas sob a tutela do Estado, demonstrando aos pescadores artesanais o controle e a dominação política dos órgãos governamentais, mas apenas com a promulgação da Constituição Federal de 1988 os pescadores artesanais conquistaram avanços no que tange aos seus direitos sociais e políticos26. Todo o transcurso evolutivo desde as primeiras colônias de pescadores no Brasil, fundadas a partir de 1919 pela Marinha de Guerra, até a Constituição de 1988, foi marcado por intensas lutas pelo descaso na pesca do país (MORAIS, 2009). O Estado só passa a investir no setor por dois motivos principais: por que o país começou, no século XX, a importar peixes, apesar de possuir um vasto litoral e uma diversidade de águas interiores e também pelo interesse do Estado em defender a costa brasileira após a Segunda Guerra Mundial. Com o lema: Pátria e Dever, o Estado teve como objetivo estabelecer regulamentações e conceder incentivos à produção. Ocorre que a base de sustentação dessas políticas, até hoje, é de exploração econômica dos recursos naturais a partir da modernização das atividades da pesca (CARDOSO et al., 2012). 26 As colônias de pescadores, através do artigo 8º da Constituição de 1988, foram equiparadas aos sindicatos de trabalhadores rurais, recebendo a configuração sindical. 72 As colônias, nesse período, eram definidas como agrupamento de pescadores ou agregados associativos. Para poder desenvolver a atividade pesqueira os pescadores eram obrigados a se matricular nas colônias. Com a instituição do Estado Novo, na era Vargas, a organização dos pescadores passou por algumas mudanças. Através do Decreto nº 23.134/1933 foi criada a Divisão de Caça e Pesca, cujo objetivo era gerenciar a pesca no país. Os pescadores passaram para o controle do Ministério da Agricultura, que elaborou o primeiro Código de Pesca em janeiro de 1934, subordinando os pescadores à Divisão de Caça e Pesca. Através dos primeiros sindicatos de trabalhadores, sindicatos predominantemente urbanos, as relações entre os pescadores e o Estado assumiram diferentes configurações daquela do período de sua fundação, com mais autonomia e luta de classe. A politização do movimento dos pescadores vem acompanhada de uma maior visibilidade desses sujeitos sociais e pela valorização de seu saber, mas sem muitos resultados. Na década de 1960 foi criada a Superintendência de Desenvolvimento da Pesca (SUDEPE), sendo extinta a Divisão de Caça e Pesca. O novo órgão teve como finalidade a promoção, o desenvolvimento e a fiscalização da pesca. Com o golpe militar de 1964, as relações entre o Estado e os movimentos sociais, de um modo geral, foram cortadas, culminando com fechamento dos sindicatos. Tempos depois, o Código de Pesca foi instituído em pleno AI-5 do regime militar, isso tendo ocorrido mediante a assinatura do Decreto-Lei nº 221, de 28 de fevereiro de 1967. Essa legislação regulamentou a atividade pesqueira no país e consistiu numa forte característica punitiva e empresarial, condizente com as concepções da política militar. Somente a nova Lei de Pesca, que substituiu o Decreto-Lei nº 221/1967, foi aprovada em junho de 2009, depois de 14 anos tramitando pelas casas legislativas brasileiras. A nova Lei regulamenta o entendimento de que pescadores e aquicultores devem ser considerados como produtores rurais, o que garante o acesso ao crédito subsidiado para o financiamento da produção. Como cada Lei é fruto de um contexto histórico e econômico, essa mais recente Lei de Pesca vem a atender aos interesses financeiros da pesca industrial e da aquicultura, atividade esta que somente de forma pontual era citada no Decreto-Lei nº 221, de 1967. 73 Retornando aos tempos do decreto-lei de 1967, nesse mesmo período, o Estado incentivou a implantação da indústria pesqueira nacional e a atividade pesqueira artesanal foi esquecida: “A pesca artesanal, entre 1967/1977, havia recebido somente 15% do equivalente aos fundos investidos na indústria pesqueira através de incentivos fiscais” (DIEGUES, 1983, p. 137). Desde então a organização dos pescadores retornou para a tutela do Ministério da Agricultura, que instituiu um novo estatuto para as colônias de pescadores mediante a Portaria nº 471, de 26 de dezembro de 1973. As colônias se mantiveram sob a denominação de sociedade civil, porém ficaram subordinadas ao controle do Estado, das Federações e da Confederação Nacional de Pescadores, conforme podemos verificar no parágrafo 2º do artigo 1º da referida portaria: “As colônias de pescadores se obrigam a estreita colaboração com as autoridades públicas, com as respectivas Federações e com a Confederação Nacional de Pescadores”. Também na alínea “c” do artigo 26 consta: “Compete à diretoria da colônia, cumprir e zelar pelo cumprimento deste Estatuto, do Regimento Interno, das deliberações da SUDEPE, da Confederação Nacional dos Pescadores e Federação, bem como das autoridades navais”. Esse estatuto ainda prevalece até os dias de hoje em muitas colônias do país. No ano de 1985, a Confederação Nacional de Pescadores fez uma convocação a todas as federações estaduais, encaminhando a realização de assembleias, e que elegessem delegados para compor um grupo que veio a denominar-se de “Movimento Constituinte da Pesca”. Esse movimento teve como finalidade discutir, elaborar e apresentar propostas aos deputados e senadores constituintes, reivindicando a inclusão das propostas dos pescadores artesanais na nova Constituição. O Movimento Nacional dos Pescadores (MONAPE) teve início nesse período, quando pescadores de diferentes estados do país se juntaram para discutir a pesca no Brasil e propor a inclusão das reivindicações dos pescadores artesanais na então nova Constituição Brasileira (BRASIL, 1988). Após a promulgação da nova Constituição, em 1988, identificam-se alguns avanços acerca da organização dos pescadores artesanais. As colônias foram equiparadas, em seus direitos sociais, aos sindicatos de trabalhadores rurais. Abriram-se possibilidades de as colônias elaborarem seus próprios estatutos, adequando-os à realidade de seus municípios. O artigo 8º da Constituição trata 74 exclusivamente de questões comuns às colônias e aos sindicatos de trabalhadores rurais. Destacamos o inciso I do referido artigo: “A lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical”. Foram conquistas importantes para o setor, mas que precisam ser continuadas. Não se sabe ao certo quantos pescadores estão inscritos nas colônias, pois a forma de controle existente é muito precária. Muitas colônias não são presididas por pescadores e envolvem muitas pessoas que não exercem a pesca como profissão. Também, em grande parte, não exercem uma função de defesa ou organização da categoria, sendo, com frequência, apenas um espaço para despachar documentos (CARDOSO, 2007). Em nível estrutural, a Lei Federal nº 7.735, de 22 de fevereiro de 1989, extinguiu a SUDEPE e criou o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA) e dos Recursos Naturais Renováveis, vinculado ao Ministério do Interior. Esse novo órgão passa a ter a responsabilidade de gerenciar e promover o desenvolvimento do setor pesqueiro do país. Mediante a Lei Federal nº 8.746, de 9 de dezembro de 1993, foi criado o Ministério do Meio Ambiente e da Amazônia Legal, que passou a incorporar as representações de pescadores artesanais. Essa incorporação ocorreu até 1998, quando o Ministério da Agricultura voltou a incorporar os pescadores artesanais dentro de sua estrutura. Mais tarde, com a Lei Federal nº 11.958, de 29 de junho27 de 2009, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva transformou a Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca em Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA), atendendo ao anseio histórico dos pescadores e dos aquicultores do país. Para o MPA: A criação do Ministério foi resultado de um esforço conjunto, entre poder público e sociedade civil. O marco inicial, no entanto, se deu no dia 1º de janeiro de 2003, quando o Governo Federal editou a Medida Provisória nº 103 (hoje Lei nº 10.683) que criava a Secretaria Especial da Aquicultura e Pesca (SEAP). O órgão federal, ligado à Presidência da República, ficou responsável por fomentar e desenvolver políticas voltadas ao setor pesqueiro no conjunto de seus anseios. Desde então, a base desses anseios está fundamentada nos marcos de uma nova política de gestão e ordenamento do setor, mantendo o compromisso com a sustentabilidade ambiental no uso dos recursos pesqueiros. (MPA, 2012). 27 Considerado o Dia do Pescador. 75 O corpo profissional, as funções e os cargos comissionados da SEAP/PR foram integralmente transferidos para o Ministério recém-criado, o que mostra a continuidade da política executada até então (Diário Oficial da União, 29/6/2009). Assim como a SEAP, o MPA também é responsável pelo registro dos setores ligados à pesca. Esse registro é o que garante os direitos, como é o caso do Seguro Defeso, dos direitos previdenciários, dos créditos e a da participação nas políticas implementadas pelo Ministério. A classificação adotada pelo órgão pode ser visualizada na Figura 5: Figura 5: Organograma da Classificação dos Agentes do Setor Pesqueiro pelo Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA) Fonte: Cartilha do Usuário do Registro Geral da Pesca (RGP) – SEAP/PR. O que se pode notar com uma análise da conjuntura da criação da SEAP e, posteriormente, do MPA, é que, mesmo sendo esta uma demanda dos pescadores artesanais, esses órgãos não criaram uma política que verdadeiramente incentivasse e apresentasse soluções às questões da pesca artesanal. Ao contrário, a própria carta que deu origem à Secretaria trazia apenas um dos seus onze itens tratando especificamente da Pesca Artesanal, estando os demais todos voltados para a pesca realizada com maior participação de tecnologias, o que retira o protagonismo do saber artesanal do pescador (KUHN, 2007). Já o Ministério da Pesca e Aquicultura, que acumulou todas as funções da antiga Secretaria, assim como ela, não elaborou políticas específicas para a pesca artesanal, preocupando-se em executar ações para o incentivo e o aumento da produção de pescado no país, nas modalidades extrativa e aquícola, como, por 76 exemplo, a Cessão de Águas Públicas da União para fins de Aquicultura e o fortalecimento da maricultura28. Essa afirmação encontra eco nas palavras de Vasconcelos, de Diegues e de Sales. Segundo eles: A SEAP, no entanto, ao herdar do extinto DPA / MAPA grande parte de suas diretrizes, atribuições e políticas, prioriza os temas relativos à aquicultura e à pesca industrial, fato confirmado por depoimentos de funcionários da Secretaria, acarretando em parca disponibilização de recursos humanos e materiais das outras instâncias para atendimento dos assuntos da pesca artesanal. (VASCONCELOS, DIEGUES, SALES, s/d, p. 63). Partindo desse contexto histórico da tutela da pesca pelo Estado, abordamse, no próximo item, as políticas públicas incrementadas no setor e de que forma auxiliaram ou não a pesca artesanal, transcrevendo a atual situação dessa atividade. 2.3 A Pesca: Uma Questão de Política Pública Durante muito tempo a Geografia Política ou clássica restringiu-se a estudar as relações de poder que se davam entre Estados e determinados territórios. Esse campo de estudo não pode ignorar a emergência dos atores sociais que interagem com o Estado, como os movimentos sociais, as organizações internacionais, os blocos econômicos, as empresas privadas, as organizações não governamentais, etc. Esses agentes foram de grande contribuição uma vez que as relações de poder sobre determinados territórios já não eram mais exclusividade dos Estados, passando a ocorrer também entre diferentes grupos sociais. No final dos anos de 1980 e meados dos anos de 1990, no Brasil e na América Latina, houve certa desmobilização dos movimentos sociais, que só voltaram a ter uma maior ação na virada para o século XXI. Adquiriram características que foram decisivas para a obtenção de uma atuação mais presente e objetiva. Esses movimentos deixaram de lado padrões hierárquicos, assim como padrões classistas, passando a compreender temas difusos e a buscar distintas formas de autonomia, Entende-se por “maricultura” o cultivo de animais e plantas em águas salgadas. A prática da maricultura costeira é uma forma de produção nova no Brasil e poderá assumir importância estratégica para a sobrevivência das comunidades litorâneas que começam a se interessar pela inclusão dessa modalidade. Disponível em: <http://www.sebrae.com.br/setor/aquicultura-e-pes cadosetor/especies-cultivadas/maricultura>. Acesso em: 15 dez. 2013. 28 77 como autodeterminação, planejamento estratégico, flexibilidade, universalização de demandas particulares e capacitação de pessoal (CARDOSO et al., 2012). Criaram-se identidades coletivas ligadas à definição de seus membros, como eles viam-se a si mesmos e o seu relacionamento com o ambiente num processo de interação, de negociação e de oposição de diferentes orientações, o que acabou por gerar grupos mais conscientes de suas realidades e possibilidades (GOHN, 2003). Nesse contexto, as políticas públicas são importantes ferramentas da pesca e se busca compreender como são vistas pelo movimento dos pescadores, além de discorrer sobre suas relações com o Estado e com as empresas pesqueiras privadas, atores sociais diretamente ligados às políticas formuladas para o setor pesqueiro. 2.3.1 Por uma conceituação de política pública Segundo Callouet al. (2008), política pública nada mais é do que o exercício de tornar públicos os interesses e as aspirações dos indivíduos e das coletividades – classes sociais, pescadores, etnias, gêneros, gerações. Esse ato também é condição, no espaço público, para a definição da institucionalidade democrática. Os estudos sobre políticas públicas no Brasil, no campo específico da pesca artesanal, vêm sendo desenvolvidos a partir de meados dos anos de 1990 e frente às transformações socioeconômicas globalizadas. Segundo Callou (1994), as fracassadas tentativas históricas para desenvolver a pesca nacional trouxeram repercussões sociopolíticas negativas sobre a vida das populações pesqueiras, porque a pesca tem sido vista, de forma geral, como uma atividade marginal, com desorganização política e dificuldades financeiras. É fato que as políticas públicas modificaram sua implementação com a Constituição de 1988, transferindo várias responsabilidades do governo federal e estadual para o municipal. Esse cenário de autonomia e de descentralização administrativa passa a deixar a população mais próxima dos processos decisórios das demandas locais fator positivo para a atividade. Segundo Bourdieu (1997, p. 19): Se compreendermos as políticas públicas como uma agenda consensuada em virtude de interesses de indivíduos, grupos ou segmentos de classe que lutam pela legitimação de seus discursos e ações, o poder que permeia essas interações consiste numa virtualidade prática e não deixa de ser ele próprio um meio de 78 representação da trama de relações sociais e do ato de medir e controlar. Dessa forma, por intermédio do lugar que demarca a posição dos atores sociais, a política pública é o meio e o fim de múltiplas relações de controle, de vizinhança, de distanciamento e de aproximação para fins de criar e de recriar lugares de poder (RAFFESTIN, 1993). Essas políticas públicas são as ações do governo, ações essas estabelecidas em legislações específicas e que se caracterizam como a principal ferramenta para o desenvolvimento local num dado campo de ação, seja nacional, estadual ou municipal. As políticas públicas deviam dar conta das demandas, principalmente dos setores marginalizados da sociedade, considerados mais vulneráveis, mas nem sempre ocorre desta forma, por isso que, a partir da pressão e da mobilização, a sociedade civil tenta influenciar na agenda do poder público. Historicamente, a postura dos órgãos públicos frente ao setor pesqueiro foi pautada por políticas descontinuadas. A edição de instrumentos legais, a abertura de linhas de crédito, o fomento à produção e à organização dos pescadores e das pescadoras, nem sempre consideraram as demandas do setor, como se discute mais adiante neste texto. A recente atitude do Estado de reorganizar as políticas públicas para a atividade pesqueira, em grande medida expressada na criação do MPA, demonstra um reconhecimento da importância do segmento. Se esse segmento de produção nacional tinha estado, há alguns anos, à margem das políticas estatais de financiamento e crédito, de seguridade social e de desenvolvimento tecnológico, atualmente essas políticas parecem ter produzido alterações no setor. Mesmo assim, contudo, a excessiva concentração dos investimentos no setor empresarial exportador pode tornar uma proposta de reorientação do padrão produtivo e mudança social em reafirmação dos privilégios, o que tem implicação cada vez mais grave sobre as possibilidades de persistência das formas de pesca artesanal (BRASIL, 2003). A pesca artesanal, contudo, sobrevive e dá vida a um universo social cada vez mais diversificado e heterogêneo. Como demonstram estudos recentes (NIEDERLE et al., 2005; SACCO DOS ANJOS et al., 2004; e SOUZA, 2002), novas fontes de trabalho e renda, que permitem ingressos mais seguros se comparados 79 com as incertezas da pesca, configuram talvez a principal transformação em termos de diversificação de rendas e de trabalhos na atualidade. Dentro desse contexto social, há outros aspectos importantes, da cultura e das tradições e costumes que adquirem relevância e robustez, dando uma identidade única e concisa a qualquer pescador, pois, no contato com outras culturas contemporâneas, esses povos se hibridizam, “[...] desenvolvendo formas particulares de conhecimento e de organização social para a utilização dos recursos naturais e conservação dos recursos” (DIEGUES, 1993, p. 18). Assim, para fazer a análise proposta nesta pesquisa é preciso compreender as características do território pesqueiro no Lago de Itaipu, território composto por pescadores artesanais oriundos de uma complexa e diversa realidade, de surgimento, de formação e de vivência entre pescadores e agentes políticos. O Estado interferiu e interfere diretamente nas transformações da pesca, e o faz como indutor de um processo de desenvolvimento tecnológico excludente, que impossibilita aos pescadores artesanais a inserção nesse processo, por não possuírem renda para isso, e interfere, com seus objetivos políticos, geopolíticos ou econômicos, negativamente na reprodução das comunidades pesqueiras, porque são privilegiados interesses de empresas privadas e suas necessidades de mão de obra barata (ABDALLAH e BACHA, 1999). A análise histórica das colônias de pesca demonstra que as políticas atuam em dois sentidos: estabelecer regulamentações e conceder incentivos à produção. E ainda se pode acrescentar que a base de sustentação dessas políticas é a exploração econômica dos recursos naturais, fazendo-o a partir da modernização das atividades da pesca, mas sendo uma modernização voltada ao crescimento da produção, não à valorização da cultura e da vida dos pescadores artesanais. Prova disso é que, a partir da década de 1960, a atividade pesqueira, por regulamentação de uma política de incentivos fiscais, desenvolveu a chamada pesca industrial, voltada, preferencialmente, para o mercado externo. Então começam a aparecer as relações de poder e os conflitos entre as classes pesqueiras e a atuação dos movimentos sociais se tornam importantes, principalmente para lutar pelos recursos, que são voltados quase que exclusivamente para a pesca industrial. Para Paiva e Paiva, “Os resultados dessas políticas não geraram o desenvolvimento pretendido nem da pesca industrial, nem da pesca artesanal” (1967, p. 28). Ao contrário, 80 A modernização e os incentivos à industrialização da pesca provocaram a depredação de várias espécies de peixes e crustáceos, comprometendo a vida das comunidades litorâneas. Ao lado disso, os pescadores e pescadoras apontavam problemas graves decorrentes do sobre-esforço de pesca, da especulação imobiliária nas praias e do turismo, que expulsou, e expulsa, sistematicamente, as comunidades pesqueiras dos seus territórios tradicionais. (CALLOU, 2010, p. 46). Da SUDEPE para o IBAMA, investimentos para a pesca surgem, porém insuficientes. Somente em 2003, com a criação da SEAP, o governo reconhece a necessidade de investir e subsidiar a pesca artesanal e elabora um plano estratégico de desenvolvimento, criando instrumentos específicos para tornar mais efetivas as políticas econômicas e sociais do governo. A constatação explicita ao refazer esse caminho histórico do Brasil, é de que, as políticas públicas, em sua maioria, sejam antigas ou contemporâneas, são indiferentes às reivindicações dos pescadores. Aos governos interessa apenas as tecnologias que podem promover a modernização e o desenvolvimento do setor pesqueiro e aquícola do empresariado nacional, ou seja produção em grande escala que privilegia grupos específicos e não populações. As mudanças e criações de órgãos responsáveis pelo assunto foram constantes, representando as mudanças de concepção dos governantes sobre o tema e os atores envolvidos. Nesse sentido, um esforço para superar a invisibilidade das culturas tradicionais da pesca brasileira passa, irredutivelmente, pela esfera política. Como Habermas (1990) menciona, os movimentos sociais são vistos, agora, como fatores dinâmicos na criação e na expansão dos espaços públicos de discussão e de empoderamento da sociedade civil. Em suma, “[...] as medidas que foram adotadas não evitaram a sobreexploração dos recursos, tendo sido, muitas vezes, apenas paliativas e de caráter assistencialista e produtivista, sem considerar os fatores limitantes da produção biológica e organização humana” (ISAAC et al., 2006, p. 181). Pela análise feita até o momento, pode-se perceber que existem conflitos entre a pesca artesanal e industrial, pois os objetivos divergem de um setor a outro e as investidas do governo são diferentes para cada um, sendo insuficientes e inadequadas para a pesca artesanal. Sendo que a pesca artesanal devido sua fragilidade econômica e pela importância cultural e social, necessita de subsídios estatais para se manter de forma mais digna. 81 2.4 O Panorama da Pesca e da Aquicultura no Brasil Conforme mencionado e segundo a Controladoria Geral da União29,por muitos anos o Estado brasileiro esteve ausente dos processos de estímulo ao desenvolvimento socioeconômico das comunidades pesqueiras e de políticas estratégicas para o desenvolvimento da pesca e da aquicultura. A produção nacional de pescados no Brasil não chegava a um milhão de toneladas/ano e a aquicultura representava menos de 30% do total dessa produção. O consumo de pescados no Brasil não alcançava 7 kg/hab./ano. Por falta de investimentos estratégicos no setor, o Brasil não conseguia competir com outros países na exploração da pesca no Oceano Atlântico. As cadeias produtivas da pesca e da aquicultura encontravam-se desestruturadas, principalmente no que se refere à infraestrutura instalada, acarretando consideráveis perdas e desperdícios à produção nacional – fator impeditivo à geração de produtos para atender à demanda existente, relegando o setor e o país a condições bastante periféricas nesse tema (CGU, 2010). A dificuldade de acesso ao crédito desabilitava a estruturação da aquicultura, que, mesmo havendo aptidão para a produção, sofria com o fato de que uma das principais dificuldades era a articulação com os agentes financeiros para a criação e a qualificação das linhas de crédito voltadas às necessidades dos pescadores e dos aquicultores (MORRONE, 2010). Todas essas dificuldades repercutiram na realidade e demonstram as enormes disparidades do desempenho do pescado no país que persistem até hoje. O Boletim Estatístico da Pesca e Aquicultura (MPA, 2010) analisa e indica o aumento do consumo per capita de pescado. Os dados de 2003 apontavam que um brasileiro consumia em média 6,8 kg/ano e, segundo os dados mais recentes, o consumo de peixe pelo brasileiro está na ordem de 9 kg/ano. Buscando auxiliar a suprir o consumo, a União potencializou a grande disponibilidade de água, principalmente em reservatórios hidrelétricos, criando parques aquícolas. A legislação que estabelece os marcos legais para a atividade nas águas brasileiras é recente, inclusive no Lago de Itaipu foram concedidos três áreas para parques aquícolas, possibilitando a criação de peixes. 29 MINISTÉRIO da Pesca e Aquicultura. Dados políticos da pesca. GRU, 2010. Disponível em: <http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/PrestacaoContasPresidente/2010/Arquivos/5.1.26.pdf>Acesso em: 23 jan. 2012. 82 Apesar da cessão de três mil áreas aquícolas de 2008 a 2011, há demanda para mais de cem mil áreas. São muitos os estudos que devem ser realizados para que sejam cedidas essas áreas de forma sustentável e também são muitos os órgãos governamentais e ambientais que devem ser consultados para que todas as licenças sejam concedidas e a atividade regularizada. É importante compreender a o atual panorama da pesca no país. Inicialmente foi demonstrada a situação do Brasil em produção de pescados no mundo 30. Porém, em uma análise específica e nacional, o país demonstrou que existe déficit de extração e de produção de pescado, pois são deficitários os investimentos pesqueiros e o consumo interno tem aumentando muito, inclusive de variedades que não existem no Brasil. Em um país com costa marítima tão ampla, além de grande quantidade de rios e de lagos com potencial para serem explorados essa realidade poderia ser diferente. A partir de 2009 se inicia um processo de melhorias na pesca, por causa da consolidação do MPA como instituição governamental. A conjuntura da aquicultura e da pesca inicia novos caminhos, com a promoção de políticas públicas e de programas mais efetivos para a pesca31. Por conta das desigualdades na pesca, o MPA afirma que adotou a abordagem territorial na implantação de suas políticas, com vistas a reduzir as desigualdades, principalmente as regionais, por meio da inserção competitiva do segmento da pesca e aquicultura. Afirma que suas diretrizes vieram a estimular processos participativos de planejamento e a gestão social do desenvolvimento sustentável da pesca, bem como a qualificar as demandas de políticas públicas de acordo com as diferentes realidades territoriais (MPA, 2012). Importante ponderar que na última década, obviamente, aconteceram conquistas, como o direito à livre associação e o reconhecimento, pelo INSS, do pescador e da pescadora como segurados especiais. Outras conquistas foram mais regionais ou locais, como as experiências dos acordos de pesca e a implantação de reservas extrativistas, isso ocorrendo a partir do entendimento da própria comunidade 30 No item 2.1 deste capítulo, demonstrou-se que o Brasil se encontra na 19a colocação mundial em Produção de Pescados. 31 Políticas e programas como: Centros Integrados da Pesca Artesanal (CIPAR), Apoio à Organização Produtiva de Trabalhadoras da Pesca, Apoio a Pequenos Empreendimentos na Pesca Artesanal, Apoio à Cadeia Produtiva – Fábricas de Gelo, Caminhões Frigoríficos, Caminhões Feira; Qualificação e Inclusão Social de Pescadores/as - Programa Pescando Letras, Telecentros Marés, Cursos Técnicos Integrados em Pesca e Aquicultura; Apoio à Organização de Fóruns de Gestão da Pesca, Capacitação de Pescadores/as e Organizações do Setor, enfim, Distribuição de Cestas de Alimentos. 83 quanto à necessidade de serem utilizados mecanismos legais em defesa dos seus espaços de trabalho e moradia. Apesar disso, o enfrentamento dos outros problemas ainda é um grande desafio. A questão da degradação ambiental, colocando em risco a continuidade da atividade milenar da pesca, sem contar a omissão dos vários governos em favor de uma política concisa para a pesca, tem prejudicado sobremaneira a atividade da pesca artesanal. Seus trabalhadores e empreendedores, em geral, têm baixa escolaridade, baixa renda e vivem em condições de vulnerabilidade ambiental e de precariedade social. Assim, a pesca artesanal, apesar de seu reconhecimento junto ao Estado como atividade econômica e posto de trabalho, vive nos limites da formalidade/informalidade. Isto se deve a vários fatores que vale a pena desvelar ao longo desta pesquisa, tais como: dificuldade de modernizar o setor, dificuldade de acesso às políticas públicas (defeso) e aos financiamentos do PRONAF, dificuldade de infraestrutura de armazenamento e de abastecimento do pescado e dos frutos do mar, dificuldades de vender no mercado ampliado (atacado). (SILVA, 2011, p. 5). A prática e a realidade pesqueira diferem da teoria das políticas públicas. Dessa forma, necessário se faz o fortalecimento das organizações dos pescadores, pois somente elas lutam por políticas públicas visando melhorias verdadeiras nas comunidades pesqueiras, como relatado já relatado. 2.5 A Produção Pesqueira Nacional e Regional A produção pesqueira nacional (pesca e aquicultura32), segundo dados da EMBRAPA (2006), vem demonstrando um leve crescimento na década passada, pois em 2003 obteve uma produção de 990.889 toneladas, passando, em 2009, para 1.240.813 de toneladas (maior cifra desde 2003). Importante é ponderar, nesta análise, que os números do pescado começam a aumentar a partir de 2009, juntamente com a criação do MPA. 32 O termo “aquicultura” expressa o processo de produção em cativeiro, de organismos com hábitat predominantemente aquático, tais como peixes, camarões, rãs, entre outras espécies. A aquicultura apresenta-se como uma atividade alternativa à prática extrativista, que tem ultrapassado seus limites sustentáveis, e revela-se como uma opção interessante para empreendedores de todos os portes. 84 A EMBRAPA (2006) fez uma análise da pesca extrativista no Brasil e constatou, na produção pesqueira nacional, uma forte presença da pesca extrativista33. A pesca extrativista no Brasil é ainda dominada pela pesca marinha, mas, apesar de as estatísticas de produção pesqueira ainda serem alvos de controvérsia, uma análise temporal da contribuição do peixe proveniente da pesca continental mostra sua importância no cenário nacional. Dados estatísticos do IBGE e do IBAMA, no período de 1960 a 2003, mostram que, enquanto na pesca marinha se observou uma queda do volume capturado a partir de 1985, o total de pescado advindo de águas continentais continuou a crescer. Em 2003, a produção estimada de pescado total no Brasil foi de 712.143,50 toneladas, sendo 68% (484.592,50t) de águas marinhas e 32% (227.551t) de águas continentais. (p. 10). Somando-se a produção marítima com a do continente, para o ano de 2010, a produção de pescado do Brasil foi de 1.264.765 toneladas, registrando-se um incremento de 2% em relação a 2009, sendo a pesca extrativa marinha a principal fonte de produção de pescado nacional, responsável por 536.455 toneladas (42,4% do total de pescado), seguida, sucessivamente, pela aquicultura continental (394.340 toneladas; 31,2%), pesca extrativa continental (248.911 toneladas; 19,7%) e aquicultura marinha (85.057 toneladas; 6,7%) (Ver Quadro 4). Quadro 3: Produção de Pescado (t) Nacional por Modalidade - de 2009 e 2010 Fonte: Boletim Estatístico (MPA, 2010). 33 A expressão “pesca extrativa” significa a retirada de organismos aquáticos da natureza sem seu prévio cultivo. Esse tipo de atividade pode ocorrer em escala industrial ou artesanal, assim como pode acontecer no mar ou no continente. 85 Percebe-se a partir do quadro uma redução de 8,4% na produção de pescado oriunda da pesca extrativa marinha em 2010 em comparação com 2009, resultado de um decréscimo de 49.217 toneladas, comprovando a tese que a pesca de Interior vêm tendo maiores investidas do governo, o país é privilegiado em relação a abundância de recursos d’agua. Assim, a produção da pesca extrativa continental e a aquicultura continental e marinha fecharam em alta, em relação a 2009, com um acréscimo de 3,9%, 16,9% e 9%, respectivamente. Analisando a produção de pescado (de todo tipo) por regiões em 2010, a Região Nordeste foi a que assinalou a maior produção de pescado do país, com 410.532 toneladas, respondendo por 32,5% da produção nacional. As regiões Sul, Norte, Sudeste e Centro-Oeste vieram logo em seguida nesta mesma ordem, registrando-se, respectivamente, 311.700 toneladas (24,6%), 274.015 toneladas (21,7%), 185.636 toneladas (14,7%) e 82.881 toneladas (6,6%), como pode ser visto na figura do gráfico a seguir: Figura 6: Gráfico da Produção de Pescado (de todo o tipo) por Regiões em 2010, Brasil 450.000 410.532 400.000 350.000 311.700 300.000 274.015 250.000 185.636 200.000 Toneladas 150.000 82.881 100.000 50.000 0 Região Nordeste Região Sul Região Norte Região Sudeste Região Centro-Oeste Fonte: Elaborado por Graziele Ferreira com base nos dados obtidos através do Boletim Estatístico (MPA, 2010). Ao observar o gráfico, constata-se que a Região Sul está em segundo lugar na produção de pescados, pois se destaca na produção de peixes pela aquicultura 86 fazendo os números crescerem. A Região Norte territorialmente maior e mais densa em rios, porém com pouca área litorânea, se encontra em terceiro lugar. No próximo item se descreve a situação da pesca extrativa e da aquicultura de interior, dentro do continente, que faz parte da realidade da pesca no Lago de Itaipu. 2.5.1 Sobre a Pesca Extrativa e a Aquicultura no Continente Sendo esta pesquisa referente à pesca em um lago de hidrelétrica, a pesca no Lago de Itaipu, é importante entender o campo de atividades classificado como “pesca continental” ou “pesca de interior” que são termos referindo a noção de pesca em água doce. Segundo a EMBRAPA (2006), pode-se dizer que a pesca de água doce é uma atividade tradicional no Brasil. Em muitas regiões é a única fonte de proteína e a forma de trabalho disponível às populações ribeirinhas. No Pantanal, por exemplo, além da pesca profissional artesanal, a pesca esportiva tem se transformado numa das principais atividades de captura dos estoques de peixes de água doce. Essa atividade está ligada a outras, como a catação de iscas vivas (que também é pesca profissional artesanal); a de piloteiro, a atividade do indivíduo que atua como guia para os pescadores amadores; e a de donos de “pesqueiros”, que oferecem pequenas pousadas, que, por assim dizer, servem de base para os pescadores e, nas grandes cidades, a pesca em represas também se tornou uma fonte de renda e de sustento para populações carentes. De acordo com Petrere Jr. (1995), a pesca continental no Brasil é praticada de forma intensiva na Bacia Amazônica, nos açudes nordestinos, na Bacia do Rio São Francisco, em rios da Bacia do Leste, como o Rio Paraíba do Sul, na Bacia do Paraná e na Bacia do Alto Paraguai. Porém percebe-se que a produção é muito mais expressiva nas águas marinhas que nas continentais, principalmente pela maior extensão de água, pela facilidade de uso e estruturação dos portos de pesca e pelo maior incentivo governamental. Em um cenário mais recente (2009 e 2010), a análise se mostra positiva, uma vez que se registrou um aumento de 4% na produção da pesca continental. Esse cenário denota uma suave recuperação da produção após a queda observada em 2009 (239.493 toneladas) em relação a 2008, quando foram capturados 261.283 87 toneladas de pescado de origem continental. A Tabela seguinte demonstra esses números comparando a pesca extrativa marinha da continental. Nos dados não apresentam os números da aquicultura. Tabela 2: Produção de Pescado (t) Nacional e Participação Relativa do Total da Pesca Extrativa Marinha e Continental dos Anos de 2008, 2009 e 2010 Fonte: Boletim Estatístico, MPA, 2010. Quando se observam os dados especificamente em cada uma das regiões brasileiras em relação à pesca extrativa continental, tem-se resultados diferentes da pesca em todas as suas modalidades. Nota-se que a Região Norte liderou o cenário nacional nesse item, sendo responsável por 55,7% da produção pesqueira de água doce brasileira, a qual foi fortemente impulsionada pelos Estados do Amazonas (70.896 toneladas) e do Pará (50.949 toneladas), que, somadas, foram responsáveis, praticamente, pela metade da produção pesqueira extrativa continental do Brasil (49% do total capturado), veja no gráfico a seguir: 88 Figura 7: Gráfico da Produção de Pescado (t) Nacional da Pesca Extrativa Continental em 2009 e 2010 Discriminada por Região Fonte: Elaborado por Graziele Ferreira com base nos dados obtidos através do Boletim Estatístico (MPA, 2010). Os dados do gráfico demostram que a segunda região com maior participação na produção pesqueira continental foi a do Nordeste e, assim como nos anos anteriores, as Regiões Sudeste, Centro-Oeste e Sul apresentaram produções pouco expressivas em comparação com as demais, sendo responsáveis por 23.276 toneladas, 13.041 toneladas e 5.084 toneladas, respectivamente. Agrupadas, essas três regiões representaram apenas 16,6% da pesca continental do país. Com relação à produção aquícola, seguindo o padrão observado nos anos anteriores, a maior parcela dessa produção é oriunda da aquicultura continental, na qual se destaca a piscicultura continental, que representou 82,3% da produção total nacional. A produção aquícola de origem marinha, por sua vez, apesar de ter sofrido uma redução de sua participação na produção aquícola total nacional em relação aos anos anteriores (22,8% em 2008 contra 17,7% em 2010), conforme Tabela 3. 89 Tabela 3: Produção Total, Continental e Marinha da Aquicultura no Brasil entre 2008 e 2010 Fonte: Boletim Estatístico (MPA, 2010). Percebe-se, ao analisar a Tabela e o gráfico seguinte (Figura 8), que houve um significativo aumento no triênio 2008-2010 da produção aquícola continental diferente da realidade da produção aquícola marinha. Figura 8: Gráfico da Produção de Pescado (t) da Aquicultura Continental entre 2008 e 2010 Fonte: Elaborado por Graziele Ferreira com base nos dados obtidos através do Boletim Estatístico (MPA, 2010). Com os dados é possível constatar o crescimento da produção dessa modalidade (aquicultura continental), pode ser atrelado ao desenvolvimento do setor, que, por sua vez, deu-se pela ampliação de políticas públicas que facilitaram o acesso aos programas governamentais existentes, tais como o Plano Mais Pesca e Aquicultura, desenvolvido pelo MPA. A Região Sul foi a que assinalou a maior produção de pescado do país, com 133.425,1 toneladas, respondendo por 33,8% da produção nacional na aquicultura. As Regiões Nordeste, Sudeste, Centro-Oeste e Norte vieram logo em seguida, nesta 90 mesma ordem, registrando-se 78.578,5, 70.915,2, 69.840,1 e 41.481,1 toneladas, respectivamente. A análise da produção nacional de pescado por Unidade da Federação para o ano de 2010 demonstrou que o Estado do Rio Grande do Sul continua sendo o maior polo produtor de pescado do Brasil, com 55.066,4 toneladas, seguido pelos Estados de São Paulo (com 45.084,4 toneladas) e o Ceará (com 38.090,9 toneladas), conforme mostra a Figura 9. Figura 9: Gráfico da Produção de Pescado(t) da Aquicultura Continental por Unidade de Federação Fonte: Boletim Estatístico, MPA, 2010. As análises dos dados do MPA principalmente, demonstram a diversidade brasileira em relação às modalidades de pesca. Existem diferenças em relação à pesca extrativista e a aquicultura de interior (foco da pesquisa) no país. Algumas regiões se destacam na pesca extrativa, como é o caso da Região Norte, e outras na aquicultura, como a Região Sul. Isso ocorre porque cada região possui especificidades distintas, algumas com território e densidade de rios maior, outras com área litorânea maior, outras ainda com maior incentivo destinado à aquicultura. Não obstante é importante mencionar a dificuldade de conseguir dados oficiais da pesca artesanal, pois e uma atividade histórica que inicialmente não fora mensurada. No MPA que se conseguiu os mais relevantes e atuais dados, responsáveis pela visão geral da pesca no pais. Os dados revelam um crescimento acentuado da aquicultura no conjunto geral da produção pesqueira brasileira, o que suscita preocupação, uma vez que a lógica que predomina na atividade aquícola tem 91 sido uma lógica empresarial que, assim como ocorreu com a SUDEPE nos idos da década de 1960 e 1970, isso vem confrontar os moldes da pequena produção com os moldes da grande produção capitalista. Nesse confronto, historicamente, o pescador artesanal sucumbe e vê-se obrigado a inserir-se num mundo que não é o seu. No Lago de Itaipu também prevalece essa realidade, onde os pescadores artesanais acabam a margem dos programas do governo pela dificuldade de acesso e pela burocracia, aliada a prevalência de investimentos na aquicultura e piscicultura. Sobre esses programas do governo federal se discute uma ação estratégica o Plano Safra da Pesca e Aquicultura, de 2012, posterior ao Plano Mais Pesca e Aquicultura, de 2008 –, em que o discurso apresenta o objetivo de minimizar as carências das políticas integradas e estruturantes realizadas até o momento, buscando a inclusão socioeconômica, a identidade territorial e o respeito ao meio ambiente. O discurso propagado tem o intuito de gerar renda aos pescadores e aquicultores e de produzir um alimento saudável para a população. Por esse motivo, a aquicultura vem ganhando espaço privilegiado nas políticas públicas, parecendo ser uma estratégia de governo voltada a concretizá-la como um negócio promissor e lucrativo no país, como é divulgado por essa mesma política34. Assim, certamente se faz pertinente para esta pesquisa compreender a lógica dessa política pública da pesca, presente também na Colônia Z11. 2.5.2 O Plano Safra da Pesca e Aquicultura Os dados do MPA mostram que estavam registrados e ativos, em setembro de 2011, cerca de 970 mil pescadores35, dos quais 957 mil eram pescadores e pescadoras artesanais. Esse contingente de trabalhadores está organizado, atualmente, em cerca de 760 associações, 137 sindicatos e 47 cooperativas. Porém é importante ressaltar que existem muitos pescadores artesanais que não possuem registro, e nem por isso deixam de ser pescadores, pois para tais o que os classifica como tal é seu modo de vida e não um papel de registro. Se o pescador artesanal na maioria da vezes é esquecido pelo estado, sem registro é totalmente invisível. 34 35 DADOS da pesca. Disponíveis em: <http://www.mpa.gov.br/index.php/informacoes-eestatisticas/estatistica-da-pesca-e-aquicultura>. Acesso em: 5 jun. 2013. Percebeu-se um crescente aumento de pescadores registrados, pois em 31/12/2010 existiam 853.231 pescadores profissionais, distribuídos nas 27 Unidades da Federação. 92 A criação do Ministério da Pesca é tida, pelo governo federal, como uma forma de resolver problemas vivenciados pelos pescadores, desde problemas sociais até aqueles tipicamente ambientais. Por isso, o desenvolvimento da aquicultura supostamente preservaria a pesca extrativista, pois, em tese, esta não provocaria danos ao meio ambiente. Ocultou-se, no discurso, qualquer outro elemento que pudesse causar degradação aos pescadores extrativistas. Dentre os desafios propostos pela política analisada, o aumento da produção pesqueira é apregoado como forma de garantia alimentar, geração de renda, aumento do consumo e preservação do meio ambiente: “O aumento da produção pesqueira está relacionado, especialmente, ao desenvolvimento da aquicultura, que apresenta grande potencial de crescimento”.36 Também como justificativa, o governo inclui em sua retórica a existência de grande potencial de águas a serem exploradas no Brasil com o desenvolvimento da aquicultura e que a pesca extrativa, além de escassa, não tem apresentado possibilidades de crescimento: Assim, o governo se comprometeu a atuar em dois pontos considerados essenciais: o licenciamento ambiental e a cessão de águas de domínio da União. A pesca extrativa, no mar e nas águas continentais, tem possibilidades restritas de crescimento, haja vista o histórico de crescimento das pescarias no Brasil e no mundo...37 Para o relatório do Plano Safra da Pesca e Aquicultura, o Brasil tem todas as condições de se transformar em um grande produtor de pescado para atender à crescente demanda nacional e mundial. Existem cerca de 8 mil km de litoral e 8,2 bilhões de m3 de água doce, formando a maior reserva do mundo. É fato a considerar é que a intervenção do Estado na atividade pesqueira não é recente, como discutido anteriormente. Chama a atenção o caráter ideológico que envolve as justificativas do projeto, o qual enfatiza a importância da pesca e dos pescadores na economia nacional e tenta convencer que existem políticas públicas que vão ao encontro das necessidades dos pescadores, porém a pratica remete a dificuldade de concretizar os objetivos. O Plano Safra da Pesca e Aquicultura é implantado em 2012/2013/2014 como um instrumento para tornar mais efetivas as políticas econômicas e sociais do 36 INCENTIVO A AQUICULTURA. Disponível <https://i3gov.planejamento.gov.br/textos/livro2/2.4_Incentivo_a_aquicultura.pdf>. Acesso maio 2013. 37 Idem. em: em: 5 93 governo federal voltadas à cadeia produtiva da pesca e aquicultura, com o objetivo de ampliar as ações governamentais e o desenvolvimento sustentável por meio de medidas de estímulo à competitividade e ao empreendedorismo. O Plano tem por meta produzir 2 milhões de toneladas anuais de pescado até 2014. O governo federal, nesse relatório, considera a pesca e a aquicultura como atividades fundamentais para a inclusão social, pois que, segundo ali explicitado, atualmente cerca de 1 milhão de trabalhadores tiram sua renda do pescado e, dentro da cadeia produtiva, o setor gera 3 milhões de empregos indiretos. Para que o setor seja ainda mais produtivo, competitivo, inclusivo e sustentável é preciso aprimorar técnicas de cultivo e manuseio, ampliar a assistência técnica, modernizar equipamentos, investir em pesquisa e garantir mais estrutura à cadeia produtiva. O Plano vai implantar novos parques aquícolas em lagos e represas de várias regiões do Brasil. Por meio de diversas linhas de crédito, os pequenos pescadores e aquicultores poderão investir em novas estruturas, equipamentos e barcos. São financiamentos com benefícios exclusivos para cada produtor: os agricultores familiares, as cooperativas, as pescadoras, o jovem pescador e as marisqueiras. Serão beneficiadas em torno de 330 mil famílias com mais crédito, juros menores e prazos bem mais estendidos. A ampliação do volume de crédito disponível para pescadores e aquicultores será acompanhada de assistência técnica. Este apoio é fundamental para o desenvolvimento e a execução de projetos. Regiões com grande potencial para a aquicultura, como as do Norte e Nordeste, terão recursos para desenvolver o seu potencial. Assim será possível reduzir as desigualdades sociais e erradicar a pobreza em muitas famílias. Com o Plano Safra da Pesca e Aquicultura os agricultores familiares poderão aproveitar as estruturas de irrigação para a produção de pescado. A assistência técnica que hoje já é oferecida para a atividade agrícola será estendida para a aquicultura. Os técnicos darão orientação sobre como investir melhor no negócio, evitar o desperdício e manter a saúde do pescado. O Plano permitirá que pequenos e médios produtores tenham uma alternativa de renda e possam oferecer um alimento saudável para as suas famílias. A presença da mulher é muito importante em várias atividades pesqueiras. Será oferecido financiamento a mais de 46 mil marisqueiras para aquisição de freezer e fogões. Também terão apoio especial cerca de 90 mil pescadoras que poderão renovar seus apetrechos de pesca. A pesca e a aquicultura têm muito a oferecer às novas gerações. Jovens formados em pesca ou aquicultura poderão obter financiamento de até R$ 15 mil para iniciar seus empreendimentos. Além disso, jovens pescadores e aquicultores pertencentes a famílias enquadradas no Pronaf poderão obter crédito para apoiar a atividade pesqueira. As cooperativas e associações de pesca e aquicultura serão fortalecidas pelo Governo Federal com o objetivo de aumentar a competitividade dos pequenos e médios produtores no mercado. Essas organizações terão melhores condições de qualificar a gestão dos empreendimentos e facilitar o acesso ao mercado, com produtos padronizados e de boa qualidade. 94 Entre 2012 e 2014 serão criadas diversas bases de assistência técnica para atender as cooperativas e associações em todas as regiões do Brasil. As unidades contarão com profissionais qualificados para apoiar pescadores e aquicultores. Os produtores terão ainda assistência técnica dos órgãos estaduais. (PLANO SAFRA DA PESCA E AQUICULTURA, 2012, p. 7-14). Percebe-se, no discurso, que o governo enfatiza mais a criação de peixe que a permanência na pesca extrativista. Seria então contraditório falar em preservação (muito comentado nos planos e metas das políticas da pesca, inclusive esta) tendo em vista tal posicionamento. Identifica-se certa intencionalidade do governo, que prioriza a produção, a competitividade e a inovação técnica. Os pescadores da Colônia Z11 demonstram sua indignação sobre o Plano Safra da Pesca, pois, para eles, “o discurso não chega à mesa”, ou seja, criticam a atuação do governo nas investidas na aquicultura, deixando-os à margem do desenvolvimento. Mencionam melhoras na atividade, mas, segundo eles, são provenientes também de muita luta ao longo de muitos anos. A prática ainda é pouca frente à teoria, diz o presidente da Colônia. Todos os projetos de desenvolvimento usam o discurso de que as políticas públicas possibilitam maior proximidade com a sociedade e suas reais necessidades, como se essas políticas fossem fruto da participação e vontade da população: O desenvolvimento econômico e social passa pela participação da própria comunidade. A abordagem territorial do enfrentamento da pobreza, da exclusão social, da degradação ambiental, das desigualdades regionais, sociais e econômicas são objetivos dessa política. (...) Definidos como prioridade pelo Plano Mais Pesca e Aquicultura, os territórios aproximam o governo e a sociedade que passam a unificar esforços para que todos ganhem com isso. Trabalhadores, empresários, pesquisadores, lideranças municipais, estaduais e federais, gestores públicos e a sociedade civil como um todo38. Sanfelice (2012), ao analisar o mundo do trabalho dos pescadores artesanais e as novas mudanças, relata que todos os discursos percorrem um caminho, iniciado com a valorização da pesca e do pescador, seguido da afirmação da dependência dos pescadores para com lagos e mares como meio de sobrevivência, para então incutir um discurso que os culpabiliza da escassez de recursos e falta de preservação 38 PLANOS E POLÍTICAS. Disponível em: <http://www.mpa.gov.br/#planos_e_politicas/territorios>. Acesso em: 21 abr. 2013. 95 ambiental, tendo o pescador que contribuir sem questionar com os projetos do governo. Isso causa grandes perdas no que diz respeito à sua profissão, ao seu trabalho, ao seu modo de vida, mas, mesmo assim, muitos pescadores acabam aceitando as propostas já prontas do governo e das empresas (como a Itaipu). Os pescadores pesquisados convivem com essa situação, em que a existência de programas (do Plano Safra) voltados à pesca no Lago não garante a sobrevivência do pescador, principalmente não garante a manutenção do seu modo de vida, como se verifica no próximo capítulo, onde se discute a situação da pesca no Lago de Itaipu. Ao analisar as políticas públicas (Plano Safra da Pesca) no Lago, os pescadores relataram estar insatisfeitos, pois os objetivos não são alcançados. Poucos conseguem efetivar um financiamento, alegam não conseguirem devido a burocracia e a ineficiência do programa. Isso demonstra que o programa é extremamente ideológico, não sai do papel como diz o pescador. 96 CAPÍTULOIII - A PESCA NO LAGO DE ITAIPU O município de São Miguel do Iguaçu perdeu 26.253 ha de sua área com a formação do Lago de Itaipu, foi o terceiro mais atingido em percentual - com 21,49% de perdas territoriais e, recebe royalties39 como forma a compensar os prejuízos. Segundo IPARDES a economia municipal é baseada na agropecuária, destacando-se na produção de soja, milho e criação de galináceos e suínos. Porém, nos últimos 10 anos vêm se destacando a pesca artesanal no Lago de Itaipu, uma alternativa para os moradores afetados e lindeiros ao Lago no município. Essa alternativa e/ou ofício se verifica também em toda a extensão do Lago, conforme segue a discussão. 3.1 O Contexto na Pesca no Lago de Itaipu A construção da Hidrelétrica de Itaipu e seu reservatório artificial, reconfigurou a região oeste paranaense e suas relações socioeconômicas, comprometendo 101.093 hectares do território. As águas do lago inundaram áreas urbanas e rurais, resultando na desapropriação de 44 mil famílias. Ribeiro (2006, p. 72) comenta que: Em média, os municípios atingidos pelas águas de Itaipu sofreram uma queda de 8,5% em sua renda tributária, mas alguns foram mais duramente castigados: Foz do Iguaçu, 31,2%; São Miguel do Iguaçu, 21%; Santa Helena, 26%. A formação do Lago de Itaipu modificou a estrutura territorial, bem como as relações no território, “[...] a formação do lago não mudou apenas o aspecto geográfico da região, alterou sua própria essência. A agricultura base da economia regional começou a ceder lugar à atividade turística (...)” (SOUZA, 2009, p. 26), acrescenta-sea pesca como outra atividade praticada. Antes do alagamento, a agricultura era a principal atividade econômica e de permanência na região, devido à fertilidade do solo. A construção da Hidrelétrica proporcionou um movimento migratório, muitas pessoas que viviam no campo perderam suas terras em virtude do alagamento, e vieram para as cidades em sua grande maioria. Houve um processo de atração populacional, principalmente, para 39 Uma forma de compensar os danos causados aos municípios, através de uma quantia fixa mensal em dólares, paga pela Itaipu Binacional, tendo por base a área alagada em cada município. 97 Foz do Iguaçu, região para onde grandes contingentes populacionais se direcionaram para trabalhar na construção da hidrelétrica. As 44 mil famílias das áreas inundadas sofreram a desapropriação, pois, milhares delas foram obrigadas a deixar suas terras e migrar para outros lugares. Junto com o processo de desapropriação tiveram que migrar e, consequentemente, se desenraizaram: O enraizamento é talvez a necessidade mais importante e mais desconhecida da alma humana. É uma das mais difíceis de definir. O ser humano tem uma raiz por sua participação real, ativa e natural, na existência de uma coletividade que conserva vivos certos tesouros do passado e certos pressentimentos do futuro. Participação natural, isto é, que vem automaticamente do lugar, do nascimento, da profissão, do ambiente. Cada ser humano precisa ter múltiplas raízes. (WEIL, 1979, apud MATTIELO, 2011, p. 249). O desenraizamento se verifica quando há relações de dominação e de exploração econômica e política que submetem a cultura, a memória e os valores de um determinado grupo social. Esse desenraizamento verifica-se na fala de um agricultor que teve que deixar sua terra no Oeste do Paraná: Eu voltei lá em novembro de 1982... Quando fui, vi aquela água toda. Porque lá onde eu morava tem 30 metros de água... Inundou tudo, tudo... onde tinha escola, onde tinha igreja, onde a gente começou... Nossa... Isso dói... Ah! Isso mexe com a pessoa! Não dá pra você entender o que é isso. A gente levou essa surra... foi difícil (SilvênioKolling, em entrevista a MATIELLO, 2011, p. 253). Portanto, percebe-se, no depoimento do agricultor expropriado, que as mudanças proporcionadas pela construção da hidrelétrica não estão relacionadas somente à perda da terra, mas do território, das relações sociais que ali se estabeleciam. A construção da Usina provocou imensas perdas simbólicas, culturais e identitárias às famílias que tiveram que sair de suas terras, sem serem consultadas sobre a aprovação, ou não, da obra. É extremamente doloroso saber que não poderá mais sequer rever o lugar da casa, a rua ou estrada, o lugar de encontro comunitário formado pela igrejinha, a escolinha, o campinho de jogo, o bosque, a churrasqueira. Talvez uma fotografia guarde a imagem pálida do que desapareceu sob as águas, mas aos poucos, tanto no papel como na memória, vão se apagando os traços do que foi cenário de toda uma rica história (MAZZAROLLO, 2003, p. 44). 98 A esse processo de desenraizamento, podemos chamar de desterritorialização que esses agricultores sofreram, imposto pelo Estado, sob a ação da Itaipu. Segundo Haesbaert (2011) o que ocorre, é um processo de reterritorialização, por quem detém o poder, como o Estado e o capital e, um processo de desterritorialização para o povo, que teve que abandonar o território onde vivia: É justamente por meio dessa forma versátil de reterritorialização dos “de cima” que se forja, por outro lado, grande parte da desterritorialização dos “de baixo”, através do agravamento da desigualdade e da exclusão pela concentração da renda, do capital (dos investimentos) e da infraestrutura, associada à ausência de políticas efetivas de redistribuição; aos investimentos mais na especulação financeira do que no setor produtivo, gerador de empregos, e à globalização da cultura do status e do valor contábil em uma sociedade de consumo estendida a todas as esferas da vida humana (HAESBAERT, 2011, p.367). A Tabela a seguir demonstra os habitantes dos municípios atingidos pelo alagamento, fato que causou um impacto social e, a população de São Miguel do Iguaçu foi uma das mais atingidas, sendo que 8.639 pessoas; em Santa Helena e Marechal Cândido Rondon o número foi mais expressivo (12.181 e 10.600 respectivamente). Tabela 4: População Total dos Municípios e População da Área de Alagamento - 1975 POP. TOTAL1 MUNICÍPIOS POP. TOTAL2- ÁREA COMPROMETIDA % Guaíra 47.482 3.659 7,71% Terra Roxa 55.268 146 0,26 Mal. Cândido Rondon Santa Helena 63.458 10.600 16,70 38.831 12.181 31,37 Matelândia 35.473 70 0,20 Medianeira 45.216 1.540 3,41 São Miguel do Iguaçu Foz do Iguaçu 36.436 8.639 23,71 49.538 5.609 11,32 Sub-região 371.702 42.444 11,42 Estudo sub-regional oeste do Paraná- Convênio SUDEPESUL/UFPR;1 IBGE-Centro Brasileiro de Estudos Demográficos (CDED). A população total é a soma das populações urbana e rural. (IBGE-190-1975) Fonte: SOUZA (1992, p. 39) - Adaptado por FERREIRA, 2013. 99 A Tabela demonstra que 23,71% dos habitantes São Miguel do Iguaçu viviam nas áreas inundadas, causando um impacto social, deslocamento da população, reorganização da parte que ficou. O setor agrícola perdeu parte considerável de suas melhores terras, diminuindo o número de propriedades e desempregando as pessoas. Comunidades inteiras foram submersas, a produção agropecuária diminuiu assim como o comércio, a arrecadação de impostos reduziu e os empregos urbanos foram, também, afetados. Os habitantes da região migraram para as mais diversas regiões, como cidades da própria região Oeste do Paraná, para o Norte do país e também para o Paraguai: A expulsão desse contingente populacional das zonas rurais fez com que o mesmo se concentrasse, em grandes levas, nas cidades maiores da própria região (Cascavel, Toledo, Mal. Cândido Rondon, Foz do Iguaçu, onde muitos indivíduos são, ainda, dependentes de emprego temporário na zona rural – bóias-frias) ou em outras cidades do Estado e do País (Curitiba, cidades do Sudeste); a migração deuse, também, visando à ocupação interna do Estado do Paraná (Pitanga); por fim, grande parte desse contingente da população rural deslocou-se em direção às novas fronteiras de ocupação do território brasileiro (Rondônia, Mato Grosso e Acre) e mesmo fora do País, como é o caso da ocupação da margem paraguaia da represa de Itaipu, por brasileiros (“brasiguaios”) (Boletim de Geografia, 1991, apud SOUZA, 2009, p.58). Esse movimento migratório e a constituição de um novo espaço, a partir da formação do lago mudaram as atividades econômicas, o setor agrícola perdeu parte considerável de suas melhores terras, diminuiu o número de propriedades, submergiram comunidades inteiras, diminuindo a produção agropecuária e a arrecadação de impostos. Afetou também as relações sociais dos municípios envolvidos, dentre elas, a que mais interessa para a presente análise é o território da pesca. Os pescadores que já atuavam no Rio Paraná eram contrários a formação do reservatório, e juntamente com demais populares que moravam nas regiões futuramente inundadas se manifestaram e montaram acampamento próximo ao pátio de obras da barragem, buscando impedir a construção, mas não foram ouvidos. A pesca, anterior ao Lago de Itaipu, no Rio Paraná e seus afluentes, sempre foi intensa, desde a época dos indígenas até os dias atuais. Porém, antes de ter um caráter profissional, a atividade era realizada como meio de subsistência ou mesmo 100 lazer, como atesta essa passagem em Maccari (1999, p. 89), sobre a pesca no município de Marechal Cândido Rondon: Com relação às atividades de caça e pesca, essas não representavam somente uma atividade que propiciava horas de lazer, mas em muitos casos foram um meio de suprimir a penúria e carestia de gêneros alimentícios.(...) Os peixes chegaram a pesar 60 kg. Sua carne era vendida, trocada por outras mercadorias, ou mesmo distribuída para moradores da vila. Nos anos 50 tanto as pescarias como as caçadas costumavam ser fartas. Ao falar da pesca, em Santa Helena, até a década de 1960, Colodel (1988, p. 266) também afirma que a pesca era uma atividade esporádica, voltada ao lazer e subsistência, mesmo com a abundância de peixes no Rio Paraná: As pescarias geralmente eram feitas no Rio Paraná e os colonos que moravam mais para o interior se utilizavam de outros rios como o São Francisco, São Francisco Falso, Dois Irmãos, Pacuri, Morena e Ocoí. Poucos os colonos que faziam das pescarias um divertimento planejado, embora algumas vezes, alguns se reuniam, para, nas margens dos rios, passarem algumas horas de convívio e de descanso. Mesmo com o Rio Paraná tendo grande quantidade e variedade de peixes, a pesca não se apresentava como uma atividade corriqueira para os colonos aqui residentes no início da colonização. O produto dessas pescarias era usado como uma variação na dieta alimentar e por isso não era uma atividade de monta. Porém, essa realidade mudou com o surgimento do Lago de Itaipu, muitos foram aqueles que viram a pesca como uma alternativa de trabalho e optaram por ela para sobreviver, não na forma de subsistência, mas como uma profissão e um modo de vida. Sobre isso Machado (2002, p. 6) declara que: Esses trabalhadores que, antes do alagamento, eram um número reduzido multiplicaram-se. De acordo com relatos de pescadores, cerca de 50 a 60 pessoas viviam informalmente da pesca, em Santa Helena, sendo que entre 1985 e1992 esse número chegou a cerca de 480 pescadores. A categoria de pescadores passou a ser formada principalmente por indivíduos indenizados que não quiseram ir embora de seu município, por outros para os quais o dinheiro recebido não foi suficiente para uma mudança de vida, ou ainda, em alguns casos, por indivíduos que receberam suas indenizações, muito tempo depois de terem suas terras alagadas. 101 O pescador IF de São Miguel do Iguaçu atesta essas informações: “Meu pai foi indenizado pela Itaipu; ficou por aí um tempo, depois foi para o Paraguai (...) Eu tive família aqui e fiquei morando aqui, perto das terras alagadas. Aí pensei em virar pescador... tá meio difícil, mas sou pescador também além de plantá o que tenho.”40 O depoimento do pescador CKK aponta no mesmo sentido: “Eu me tornei pescador porque moro perto do lago e a Itaipu incentiva a gente a pesca... ela indenizou nossa terra e hoje como temo pouco recurso a pesca é uma alternativa.”41 Esses relatos demonstram que a realidade dos pescadores em São Miguel do Iguaçu não foi diferente de outros locais. Como a formação do Lago de Itaipu alterou significativamente a realidade da paisagem geográfica, as comunidades pesqueiras passam a ser constituídas a partir de 1982, em busca da representatividade política de uma nova profissão emergente. A Itaipu passa a incentivar o uso do lago para pesca extrativa e, principalmente, para a criação de peixes, estudos referentes à pesca 42 em seu território vêm sendo realizados desde 1985 pela Nupélia43 (UEM) em parceria com a Itaipu. A Itaipu divide esse território da pesca no lago em 12 áreas de pesca 44, agrupadas, em três zonas de pesca, como observado na figura a seguir. 40 Entrevista cedida pelo pescador IF em 1/06/2013. Entrevista cedida pelo pescador CKK em 05/07/2013. 42 Relatórios de estudo realizados pela UEM/NUPÉLIA/ITAIPU BINACIONAL. 43 Núcleo de Pesquisas em Limnologia, Ictiologia e Aquicultura da Universidade Estadual do Paraná. Realizam anualmente estudos referentes aos pescadores artesanais do Lago de Itaipu. 44ZONA FLUVIALÁrea 1 – Guaíra; Área 2 - Guaíra e imediações; Área 3 - Oliveira Castro: município de Guaíra; Área 4 – Arroio Guaçu-município de Mercedes; Área 5 - Porto Mendes. ZONA DE TRANSIÇÃOÁrea 6 - Pato Bragado; Área 7 - Entre Rios; Área 8 - Santa Helena; Área 9 - Vila Celeste. ZONA LACUSTRE.Área 10 São José do Itavó; Área 11 São Miguel do Iguaçu; Área 12 Santa Terezinha do Itaipu. 41 102 Figura 10: Localização das Áreas e Zonas de Pesca no Reservatório de Itaipu Fonte: UEM/NUPÉLIA/ITAIPU BINACIONAL, 2009. A denominação desse território baseado CEADES denomina “território lindeiro” a região do Lago de Itaipu. Essa divisão demonstra a existência oficial de um território, porém a análise proposta da pesca no lago se dá também pelo território concebido como espaço social produzido, (alagamento das terras e formação do reservatório da Usina de Itaipu), seja no que se refere às delimitações físicas (o lago), seja no que diz respeito à construção das relações sociais de poder e de suas representações simbólicas (a vida dos pescadores). Destacam-se as especificidades e particularidades no modo de vida e na formação dos pescadores artesanais no Lago de Itaipu, que interagem nos processos de construção da territorialidade e do território pesqueiro. Como organização do espaço, pode-se dizer que o território responde, em sua primeira instância, a necessidades econômicas, sociais e políticas de cada 103 sociedade e, por isso, sua produção está sustentada pelas relações sociais que se estabelecem. Sua função, porém, não se reduz a essa dimensão instrumental, ele é também objeto de operações simbólicas e é nele que os atores projetam suas concepções de mundo. Compreende-se que cada colônia se apropriou de uma parte do território pesqueiro, constituindo seu próprio território a partir dos pontos de desembarque e das relações estabelecidas entre os pescadores. Assim os pontos de pesca no lago e a Colônia se caracterizam como parte do território da comunidade de pescadores, onde passam a maior parte de sua vida, relacionando-se e trocando conhecimentos, a partir da territorialidade expressa nas relações. 3.1.1 A reprodução da Pesca no Lago de Itaipu Os pescadores do Lago vivem a expansão das relações sociais capitalistas à medida que precisam viver novas relações de produção. Isso tudo é reflexo de um estágio de desenvolvimento das forças produtivas da sociedade moderna. Por isso compreender a reprodução da pesca só é possível através da análise da estrutura e da articulação dos indivíduos com essas forças produtivas. Vivem as incertezas e dificuldades de sobreviverem exclusivamente da pesca, como será verificado no próximo capítulo e, o risco de perder o seu modo de vida, restando uma profissão determinada pela conjuntura muitas vezes imposta, mas necessária para resistirem. Sendo a pesca um trabalho considerado autônomo, sem patrão, sem jornada e renda fixa, não significa menos trabalho, pelo contrário. Foi constatado por meio das observações e entrevistas que o trabalho da pesca exige uma dedicação para além do rio ou lago, pois precisam realizar a limpeza, armazenagem, comercialização do pescado, além da busca de iscas, a fabricação e o conserto das redes e espinhéis. O trabalho do pescador é uma tática de vida, uma forma de produção alternativa, porém, constata-se que o mesmo acaba dependente dos condicionantes naturais e, principalmente, refém do modo de produção, que o coloca como um trabalhador para a sobrevivência. Assim, a escolha de ser pescador não pode ser compreendida apenas como natural, como desejo, mas sim como fruto de uma sociedade determinada pelas forças produtivas. Aquele que quisesse permanecer no 104 mesmo local, não teve a opção de escolha, precisou adequar se à nova realidade do lago. É importante caracterizar esses pescadores no que se refere ao trabalho, às artes da pesca, embarcações, estrutura dos pontos e barracos, ou seja, compreender como ocorre a reprodução da pesca no Lago de Itaipu. Para isso utilizou-se além das observações de campo, dados do último relatório técnico publicado pela UEM/NUPÉLIA/ITAIPU BINACIONAL, de 2011. O relatório se configura como importante ferramenta de análise e compreensão da realidade pesqueira, porém é importante esclarecer que embora representa os dados oficiais da pesca no lago, o relatório não exprime toda a real situação pesqueira, pois os pescadores acabam omitindo alguns dados e situações. Sendo um estudo direcionado pela própria Itaipu, dados que não interessam a empresa podem ser desconsiderados. Com esta visão e apesar dela, este relatório contribuiu satisfatoriamente para a pesquisa. O primeiro dado importante se refere ao número de pescadores e sua profissionalização. Para o relatório, a “opção" e/ou migração para o trabalho da pesca tem consolidado gradativamente a profissionalização da categoria: O número de pescadores titulares cadastrados em 2008 foi de 855. (...) Durante o período de monitoramento da pesca no reservatório de Itaipu, o número de pescadores titulares em atividade aumentou gradativamente, entre 1987 e 1993, apresentando pouca alteração até 1997. No ano seguinte, houve um decréscimo (...) resultante do reordenamento da pesca realizado pelo IBAMA, que, após o recadastramento dos pescadores profissionais, impôs restrições ao exercício da atividade daqueles em situação ilegal. (...) mantendo os níveis similares até 2008, aumentando no ano seguinte (UEM/NUPÉLIA/ITAIPU BINACIONAL, 2011, p. 18). O mesmo relatório aponta que “[...] entre os pescadores entrevistados em 2008, 20,5% declararam que não tinham outra profissão, antes de ingressar na pesca“ (UEM/NUPÉLIA/ITAIPU BINACIONAL, 2011, p. 21). Entre as variadas profissões anteriores apresentadas no relatório, o maior contingente veio do meio rural (58,2%), destes 46,6% eram agricultores e 11,6% volantes. Também a proporção dos pescadores que se dedicam à pesca exclusivamente foi de 45,8% em 2008. Entre os 46,4% que declaram ter outra atividade complementar se destacam a “agricultura (27,8%), volante urbano (21,2%), atividade autônoma (11,1%), apicultura (6,9%) (UEM/NUPÉLIA/ITAIPU BINACIONAL, 2011, p. 23). e volante rural (5.4%)” 105 Esses dados reforçam a tese de que a profissão vem se consolidando no Lago de Itaipu, porém, tem sido encarada por várias pessoas como complemento de renda, por inúmeros fatores, entre eles, a dificuldade de ser exclusivamente pescador. Os dados do monitoramento do rendimento socioeconômico da pesca (2011) retratam que para 94% dos pescadores a renda mensal é inferior a dois salários. Ressalta-se, no entanto, que o sistema da pesca é dinâmico, com as pessoas entrando na atividade pesqueira e saindo dela, partilhando o tempo com as colheitas agrícolas e outros trabalhos temporários. Assim, mesmo o número médio anual de pescadores titulares, útil para um dimensionamento do esforço de pesca, é inferior ao número de pessoas que estiveram efetivamente envolvidas na atividade durante o ano. O número de pescadores titulares vem aumentando gradativamente desde 1987, quando foram registrados 327. Atualmente existem cerca de 950 profissionais que vivem da pesca no Lago de Itaipu, podendo o número ser bem superior a mil pescadores, se somados aqueles que pescam esporadicamente ou que se associam a outra atividade econômica. Estes atuam em 63 pontos de pesca estruturados pela Itaipu e autorizados pelo IBAMA, como pode ser observado na Figura 11 a seguir. 106 Figura 11: Localização dos Pontos de Pesca em Todo o Lago de Itaipu Fonte: 1º Workshop Tilápia-Itaipu Binacional, 2013. Os dados do relatório apontam e isso foi possível de verificar a campo, que a pesca no reservatório tem peculiaridades, é uma atividade liderada pelos homens, mas as mulheres são bem atuantes trabalham na manutenção do acampamento, limpeza do pescado, dedicação aos filhos e conserto dos aparelhos de pesca. Em 1998, apenas 15 mulheres eram responsáveis por apetrechos de pesca, revistas e venda de pescado (titulares), a maioria (53%) atuando na zona fluvial. Atualmente, são 146 que possuem licença para pescar. Em muitos casos, trabalham junto ao marido, no entanto, cada um é responsável pelo seu material de pesca. Em algumas famílias da zona lacustre, a mulher pesca próximo ao acampamento visando à dieta familiar, enquanto o companheiro se desloca para regiões mais distantes, à 107 procura de lugares mais piscosos. Além disso, desempenham papel importante na criação de peixes em tanque-rede, pois são elas que realizam o cozimento da alimentação do pacu. Quanto às artes da pesca utilizadas no reservatório de Itaipu compreendem redes de espera (simples e tresmalhos), espinhéis45, anzóis (espera, galho, cavalinho, linhada e caniço), tarrafas46, fisgas47 e covos48. As redes de espera são os aparelhos de pesca tradicionalmente mais utilizados no reservatório de Itaipu, especialmente, em seus trechos intermediários e internos (transição e lacustre). Muitos pescadores e seus familiares fazem as suas próprias redes, adquirindo o material de comerciantes de artigos de pesca, peixeiros ou em suas colônias de pesca. O pagamento por esse material, quando adquirido das peixarias, é feito em parcelas e, geralmente, na forma de pescado, já o financiamento do material pelo Banco do Brasil não é uma prática muito utilizada. Quanto ao tipo de embarcação, a mais utilizada pelos pescadores do reservatório de Itaipu é a de madeira, compreendendo 59,6% dos pescadores em 2008. O uso mais frequente de barcos de madeira é explicado por: (i) menor custo para sua aquisição (cerca de 5 a 6 vezes mais barato que o barco de alumínio); (ii) possibilidade de fabricação própria; (iii) facilidade na manutenção da embarcação, efetuada geralmente pelo próprio pescador; (iv) matéria prima facilmente encontrada nas serrarias da região; (v) ausência de rebites que, ao se soltarem, atrapalham a operação dos materiais de pesca. (UEM/NUPÉLIA/ITAIPU BINACIONAL, 2011). É utilizada a propulsão por meio do remo; pescadores de baixa renda ou pequenos proprietários rurais, próximos às margens do reservatório, se valem do motor tipo motosserra, por rabeta49 e motor de centro50. Os pescadores do reservatório de Itaipu, em sua maioria (44,8%), vivem em áreas urbanas, entendendo-se como tal a periferia, as vilas e os patrimônios ribeirinhos. Muitos dos pescadores vivem na área urbana permanecem nos 45Espinhéis são compostos por uma corda trançada de polipropileno, com linhas de 2 m de comprimento a cada 3m, com anzóis na extremidade. 46 Tarrafa é uma rede circular com pesos que pode ser chumbada, com uma corda presa ao centro. 47A fisga consiste em uma peça de ferro ou madeira em forma de seta ou tridente, presa a um cabo, que é arremessada sobre o peixe. 48 O covo é feito de tela plástica com uma abertura de aproximadamente 20 m, montada sobre armação de ferro galvanizado, com uma extremidade fechada e a outra dotada de abertura no fundo de um cone. 49 Motor com potência 3,4 HP é dotado de um sistema de transmissão em rabeta (varão com até 2m de comprimento), com eixo cardã direto, sem diferencial. Utiliza motor de dois tempos. 50 Motor estacionário de 7 a 12 HP. 108 acampamentos, realizando as tarefas básicas da pesca, retornando para casa nos finais de semana, ou ainda praticam a pesca no final de semana. Do restante, 31,9% vivem na zona rural, em pequenos lotes de terras; esses pescadores que habitam as áreas rurais são mais frequentes nas zonas de transição e lacustre; e 6,8% vivem no acampamento em barracos. A partir da estruturação das colônias de pesca, sobretudo as das zonas de transição e lacustre, com o apoio das prefeituras, esses barracos foram dotados de uma melhoria considerável, passando a contar com piso em cimento ou cerâmico, paredes de tábuas, rede de luz, água encanada e construção de sanitários, além de, em alguns casos, atracador para as embarcações. A disponibilidade de energia elétrica tem para o pescador, um papel importante na conservação do pescado, com possibilidade de armazenamento e busca de melhor preço de venda. Além disso, a possibilidade de produzir gelo para manter o pescado refrigerado durante as revistas dos aparelhos de pesca reduz as perdas por deterioração, sobretudo no verão, quando esse processo ocorre mais rapidamente. A energia elétrica trouxe melhorias também no abastecimento de água para a limpeza do pescado e avanços nas estruturas dos pontos de pesca. Esses progressos tiveram grande implicação no sistema de pesca, na medida em que impuseram restrições ao acesso à atividade, controlando assim o esforço de pesca, sabidamente elevado, na área do reservatório. Entre as limitações ao ingresso de novos pescadores destaca-se a necessidade de investimento inicial para o uso dos pontos de pesca e acampamentos, visto que os custos para a implantação da rede de energia elétrica e manutenção foram divididos pelos usuários, sendo requerido dos novos pescadores o pagamento de uma taxa de adesão de valor variável, dependendo das benfeitorias do acampamento. Segundo o mesmo relatório da Itaipu/UEM, existe muita dificuldade entre os pescadores, de ingressar na área de influência de outra colônia, devido às benfeitorias conquistadas em sua Colônia, ou ponto de pesca. Isso por que existe diferenciação entre as residências, barracos, construídos pelos mesmos. Em alguns pontos são mais bem estruturadas do que outros, ou ainda os pescadores constroem fora da faixa de proteção determinada pela Itaipu Binacional e não conseguem vender. Quanto às condições do trabalho do pescador se mostram insalubres dentro das embarcações, ou de alguns acampamentos, especialmente, nos locais de 109 evisceração do pescado, o que podem explicar a elevada incidência de doenças da pele. Os problemas renais, dores musculares e de coluna são os que mais acometem os pescadores. Partindo dessa descrição e análise parcial da realidade da pesca no lago, dos atuais territórios de atuação51, busca-se compreender no momento, a lógica da extração e produção de peixes, realizadas por pescadores e demais sujeitos envolvidos com a pesca e, os conflitos políticos de interesses particulares existentes nesse processo. 3.2 Os Conflitos da Pesca no Lago de Itaipu Sob a perspectiva de uma abordagem territorial da pesca, se faz importante compreender as questões simbólicas e a materialidade. Assim a lógica econômica da atividade pesqueira e as esferas da produção são relevantes aspectos da materialidade do território que merecem destaque, pois o pescador necessita condições financeiras dignas de vida. Assim busca-se identificar as principais áreas produtoras do pescado no Lago de Itaipu em distintas escalas, as estruturas produtivas, o papel que a atividade exerce na localidade ou região, a distribuição espacial dos pescadores e dos recursos, as formas de processamento e de consumo do pescado, entre outras temáticas. Andrade (1974) e George (1978), dentre outros autores de compêndios de Geografia Econômica, apontam para a importância da atividade pesqueira enquanto processo econômico, destacando as diferenciações entre as áreas de pesca e sua finalidade, os principais recursos e países pesqueiros. No Lago de Itaipu, a atividade pesqueira assume importância econômica e social à medida que um contingente significativo de trabalhadores tem na pesca e nas atividades ligadas ao setor, sua principal ou secundária fonte de renda. Evidente que não se trata de um dos setores predominantes na economia regional e brasileira, porém, contribui com sua parte para esse conjunto. A categoria dos pescadores artesanais do Lago, como de grande parte do país, é tida como um dos grupos sociais onde predomina uma situação de pobreza, 51 Esse termo faz referência aos pontos de pesca espalhados pelos municípios lindeiros, pertencentes às várias Colônias de Pesca ou Comunidades pesqueiras do Lago. 110 sendo predominantemente em terra e não na água que as causas dessa situação são manifestadas, refletindo situações de moradia, saneamento, nutrição, escolaridade e saúde inadequadas, presentes em grande parte das comunidades pesqueiras.52 A cadeia de intermediação do pescado talvez seja uma das mais longas, presentes no setor primário. Aliando-se ao fato da perecibilidade do pescado enquanto mercadoria, esses fatores resultam numa transferência de renda do pescador para os setores de distribuição e comercialização do pescado. A inconstância das capturas, inerente à pesca extrativa, compromete também os rendimentos dos pescadores. A economia do pescado apresenta vários agentes envolvidos e em conflito: pescadores, intermediários, peixarias, fábricas de gelo, atacadistas, estabelecimentos de varejo, processadoras do pescado, indústrias, prefeituras dentre outros. Neste sentido, pela abordagem de Geografia Econômica do pescado, poder entender as cadeias e redes de produção do pescado e os conflitos territoriais no Lago de Itaipu, atentando para o conjunto do processo produtivo e as relações de subordinação ou cooperação entre os agentes econômicos. Por isso, a questão da organização da produção pesqueira merece uma atenção especial. Com a presença de duas formas distintas de produzir: pesca extrativa e aquicultura, subdivididas por sua vez em estruturas de maior ou menor concentração de capital, constata-se a partir das discussões anteriores (capítulo 2) que as políticas pesqueiras atuais priorizam o aumento da produção de peixes, a aquicultura, deixando a pesca extrativa em segundo plano. Isso afeta o pescador do Lago de Itaipu. Esse item propõe compreender de que forma se dá a comercialização do pescado no lago de Itaipu, especialmente, na Colônia Z11, podendo ocorrer a partir da extração e venda do pescado, bem como da produção do próprio peixe. Entender o jogo de interesses existentes, que geram uma série de divergências e envolvem nesses conflitos territoriais, os sujeitos que fazem uso do lago e da pesca. 3.2.1 Os Conflitos Territoriais da Pesca no Lago de Itaipu Para existir algum conflito em determinado território é necessário que o indivíduo sinta-se ligado a ele de alguma forma; que haja interesse particular ou 52 Será abordada no próximo capítulo a realidade socioeconômica dos pescadores do Lago de Itaipu. 111 coletivo, que possua identidade com a comunidade pesqueira. Para Diegues (1998) o processo de construção da identidade do pescador profissional artesanal, ocorre pela alteridade e formas como reconhecem seu semelhante; pela reafirmação dos significados (sentidos partilhados pelo coletivo); e pela afirmação de pertença ao lugar. Valencio afirma que: “(...) a identidade repousa na firmação de sua identidade, do seu direito de estar no lugar e de retirar dele seu provimento, de entender que sua sobrevivência reside na fruição da multidimensional daquele lugar.” (2007, p. 30). Quando há interesses diversos, apropriações diferentes do mesmo território existem conflitos. No Lago de Itaipu a realidade não é diferente. Convivem pescadores artesanais profissionais, alguns já aposentados, pescadores amadores e pescadores clandestinos que usam o mesmo espaço, além disso, a Itaipu acaba disputando o lago entre a produção de energia e a pesca, além da existência das atividades turísticas. Essas disputas pelos recursos pesqueiros contribuem na minimização da capacidade de reprodução e sobrevivência dos peixes e, que por conseguinte, comprometem a capacidade da reprodução social pesqueira, os quais estão diretamente relacionados com as disputas pela água doce e descuido com seu manuseio no lago. Os pescadores artesanais profissionais do Lago têm garantido seus direitos pelo MPA, possuem RGP cadastrado no ministério. Isso permite o uso das águas sem restrições, desde que obedeça à legislação e às regras da pesca, proibido somente no período de desova dos peixes. Realizam essa atividade para o sustento familiar, tanto para subsistência como para a venda do excedente. A pesca clandestina, embora seja algumas vezes uma atividade de sustento familiar, é considerada grande atuante da exploração predatória direta dos recursos pesqueiros, uma vez que exerce práticas similares ao dos pescadores profissionais artesanais, pois possui o mesmo acesso aos apetrechos de pesca e facilidade em ocupar o local de pesca do profissional, mas tornando-o competitivo em relação à obtenção do pescado, adotando estratégias fora das regras, como por exemplo, malhas pequenas fora da legislação. A pesca amadora é outra categoria legalmente permitida e explora os recursos pesqueiros, com fins de lazer e desporte, praticados com linha de mão, vara 112 simples, caniço, molinete ou carretilha e similares, com utilização de iscas naturais e artificiais. Ainda que sua atividade seja permitida com restrições, em nenhuma hipótese a pesca amadora pode implicar na comercialização do produto. O aumento significativo do número de pescadores amadores, atuando em clubes, em áreas que são exploradas concomitantemente pela pesca artesanal, prejudica o exercício da profissão do pescador artesanal, uma vez que os amadores cortam suas redes, roubam seus peixes, desdenham de sua carência e luta cotidiana pelo fato de gozarem de uma situação financeira mais privilegiada (VALENCIO, 2007). O que é lazer para o pescador amador, é trabalho e meio de vida do pescador artesanal profissional. Essa realidade é observada, também, no Lago de Itaipu. Os pescadores artesanais relatam as dificuldades enfrentadas com a atuação dos pescadores amadores na época dos torneios e em outros períodos, dos pescadores clandestinos e dos contrabandistas: “Esses pescadores clandestinos usam o lago sem cuidado nenhum, não respeitam a época do defeso, roubam redes e os barracos da gente, eles não cuidam como a gente. (...) Os amadores tem dinheiro para comprar iscas boas, nos não, nós temo que produzir. Ele tem um serviço que dá muito dinheiro, o escritório dele. Nós temo que se virá como dá. Acho que alguém tinha que tomar atitude de mudar isso, a Itaipu devia fiscalizar mais. Ainda tem os contrabandistas que vivem passando pelo lago, eles não incomodam por que a gente não incomoda eles, mas dá medo desses cara, eu evito pesca quando tão lá.”53 A partir do reconhecimento e da identificação com o território, as práticas desenvolvidas distinguem determinado grupo, criando sua identidade social e coletiva. A realidade da pesca do Lago revelou também aos poucos uma ou mais identidades coletivas. As afinidades com o meio ambiente e as percepções ambientais se desenvolvem ao longo do tempo e, vão garantindo sua permanência e resistência desse modo de vida. Outro desafio ou conflito das comunidades pesqueiras do Lago, como na Colônia Z11, consiste em delimitar o acesso aos espaços e aos recursos diante de um ambiente imprevisível, teoricamente considerado de livre acesso. Imprevisível, pois, o fechamento das comportas da Usina de Itaipu, para o aumento da produção de energia elétrica, ou a escassez de chuvas, ocasiona o rebaixamento do lago, o que na época da desova (ou piracema, entre os meses novembro a fevereiro) 53 Entrevista Cedida pelo pescador CLP em 20/05/2013. 113 provoca a queda do estoque pesqueiro, porque dificulta a desova. Na figura a seguir se observa várias fotos que demonstram o leito do Lago baixo na época da desova, os pescadores avaliando a situação, que dificulta a reprodução dos peixes, provocando diminuição dos estoques pesqueiros. Figura 12: Fotos do Rebaixamento das Águas do Lago de Itaipu Fonte: Pesquisa de Campo - Outubro de 2012. Percebe-se nesse espaço lagunar, que se destacam situações paradoxais, expressas através da tensão existente entre a competição e a cooperação. Os 114 conflitos passam a ocorrer a partir das disputas por recursos entre os pescadores, exigindo perspicácia e experiência e, entre os gestores (ITAIPU, MPA), quando rebaixam o lago ou quando mudam as normas da pesca. Buscou-se compreender os fatores que levam a clandestinidade dos pescadores no Lago, que não ocorre em grande número na Colônia Z11 (pelo menos dez), mas somado ao lago como um todo é um fenômeno mais expressivo. Através dos relatos dos pescadores profissionais e do trabalho de campo percebe-se que a existência destes está atrelada principalmente ao fato de ser cobrado mensalidade pelas colônias e associações (algumas mais abusivas que outras), também por terem que pagar valores absurdos para renovar as carteiras de pescador. Disso tem se a constatação que para ser considerado pescador artesanal no Lago de Itaipu é necessário possuir registro. Porém existem pescadores que não possuem o registro e que não deixam de ser pescadores artesanais, pois se identificam como pescadores e vivem como um. Mas esse pescador é totalmente invisível para o governo, para a sociedade e sobretudo para os próprios pescadores cadastrados, que os querem longe do Lago por não pagarem os “deveres”. Outros conflitos de interesses no território da pesca aparecerão no próximo item a ser discutido, como a problemática das condições de comercialização da pesca como meio de sobrevivência para quem a pratica e, a atuação de agentes políticos e dos pescadores nesse processo. 3.3 O Processo de Produção, Criação e Venda do Pescado e suas Interfaces no Lago de Itaipu e na Colônia Z11 Como apontado as políticas públicas trazem um caráter ideológico de justificativas dos projetos criados, enfatizando a importância do pescador e da pesca na economia nacional, porém, demonstram muitas vezes que não vão ao encontro das reais necessidades dos pescadores, essas políticas demagogas manipulam os resultados conforme o interesse de grupos seletos, o governo e empresários. Muitas ainda priorizam apenas a criação de peixes: aquicultura. A Itaipu Binacional, devido a escassez de peixes nas aguas do reservatório, vem incentivando o cultivo de peixes em tanques-rede, através do programa “Mais peixe em nossas Águas”, pelo projeto Cultivando Água Boa. Segundo o discurso do 115 projeto tem o objetivo de proporcionar uma fonte de renda aos pescadores e suas famílias de forma sustentável. O Programa Cultivando Água Boa (CAB) é uma ampla iniciativa socioambiental concebida a partir da mudança na missão institucional da Itaipu Binacional, promovida em 2003. Trata-se de uma estratégia local para o enfrentamento dos problemas relacionados à água e seus usos múltiplos (a produção de alimentos e de energia, o abastecimento público, o lazer e o turismo), problemas estes que a própria Itaipu foi responsável no momento da criação do Lago artificial, consequência da barragem. Na verdade, esse programa é uma iniciativa para conservar as margens do Lago evitando a erosão que acabaria com a vida útil do reservatório, isso se torna fundamental para a Itaipu, que busca incansavelmente alcançar os novos objetivos estratégicos para a empresa. No discurso ideológico se propõe a alcançar objetivos ligados à sustentabilidade socioambiental (para conscientizar a sociedade), mas busca excelência/eficácia operacional principalmente na geração/distribuição de energia. “Gerar energia elétrica de qualidade, com responsabilidade social e ambiental, impulsionando o desenvolvimento econômico, turístico e tecnológico, sustentável, no Brasil e no Paraguai” (ITAIPU BINACIONAL, 2003). No CAB são desenvolvidos 20 programas e 65 ações que vão desde a recuperação de microbacias, a proteção das matas ciliares e da biodiversidade, até a disseminação de valores e saberes que contribuem para a formação de cidadãos dentro da concepção da ética do cuidado e do respeito com o meio ambiente. O CAB é um movimento de participação permanente, que envolve a atuação de aproximadamente dois mil parceiros, dentre órgãos governamentais, ONGs, instituições de ensino, cooperativas, associações comunitárias e empresas. Interessante ponderar que a Itaipu usou uma estratégia muito inteligente, envolvendo a sociedade e demais segmentos em prol dos objetivos, assim se tornam responsáveis e cuidadores do Lago para a empresa. Dentre os vários programas do CAB existe o programa “Mais Peixes em Nossas Águas” que no discurso busca melhoria na qualidade de vida para diversas comunidades pesqueiras da região da Bacia do Paraná 3, fazendo da aquicultura uma alternativa de renda para muitas das famílias do entorno do Lago. Muitos pescadores, que viam sua atividade se deteriorar a cada ano, passaram a fazer, 116 também, o cultivo de peixes, o que tem aumentado o volume pescado e, consequentemente, a renda mensal (CULTIVANDO ÁGUA BOA, 2013). Segundo a Itaipu, muitas foram as ações que beneficiaram os pescadores, como: •Compatibilização da faixa de preservação permanente que protege as margens do reservatório com a atividade pesqueira, o programa obteve o devido licenciamento junto ao IBAMA. São 63 pontos de pesca licenciados; •Disponibilização de mais de 500 tanques-rede às colônias de pescadores para o cultivo de peixes (piscicultura), juntamente com um trabalho de capacitação e orientação técnica. •Produção de mais de 50 mil peixes juvenis da espécie pacu, para povoamento dos tanques-rede. •Capacitação de mais de 650 pescadores e suas famílias. •Edição e distribuição de mais de 2 mil exemplares da cartilha Boas Práticas de Manejo em Aquicultura. •Demarcação e licenciamento de três parques aquícolas, que juntos têm potencial para produzir mais de 6 mil toneladas de peixe por ano. •Estruturação e manutenção de uma estação de pesquisa com 70 tanques-rede no Refúgio Biológico Santa Helena, por meio de um convênio entre Itaipu, Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste – campus de Toledo) e a Seap. •Adequação de 15 pontos de pesca com módulo de uso coletivo, com o objetivo de proporcionar melhores condições de higiene e limpeza para o manejo do pescado. As prefeituras participaram com a instalação da rede de água, enquanto a energia elétrica foi viabilizada pelo programa Luz para Todos, do Governo Federal.54 Embora o programa demonstre inúmeros resultados positivos na visão da Itaipu, principalmente aqueles ligados a aquicultura, muitos pescadores relataram que a realidade é outra, ao adotar essa prática de criação de peixes, ficaram impossibilitados de praticar a pesca extrativista como anteriormente, pois a criação exigia muito tempo e ainda possui custo alto de rações. Além disso, o projeto foi imposto sem discussão e aprovação dos pescadores. “A Itaipu ajudaria os pescadores de verdade se soltasse mais alevinos no lago e, se não baixassem as águas, parece que sempre baixa na piracema, quando o peixe se reproduz” diz o pescador SP. Apesar de todo o estudo de viabilização do projeto realizado pela Itaipu, os pescadores relataram participar por falta de opção e de renda na pesca extrativa. Ainda é importante ponderar que é de interesse da Itaipu promover projetos aos pescadores artesanais, pois estes se tornam “cuidadores do Lago” pois precisam do recurso para sobreviverem. Passam a exercer uma função estratégica a Itaipu, 54 CULTIVANDO Água Boa. Disponível em: <http://www.cultivandoaguaboa.com.br/>. Acesso em: 21 dez. 2013. 117 que aplica um discurso que é dever e função social dos pescadores e população ribeirinha cuidar do meio que vivem, evitando desmatamento, poluição de rios etc. A Itaipu, com suas práticas, segue com o discurso e tenta mostrar sua preocupação com a preservação do meio-ambiente e a solução de problemas sociais da pesca: Nesse contexto, surgiram dentro da Itaipu políticas voltadas à sustentabilidade da atividade da pesca na Bacia do Paraná 3. Essas ações foram incorporadas ao ‘Cultivando Água Boa’, no programa produção de ‘Peixes em Nossas Águas’. A grande inovação foi apresentar aos pescadores o processo de cultivo de peixes, uma alternativa sustentável à pesca extrativista. A implantação do programa iniciou pelo diálogo com as famílias de pescadores (...). Por meio de parcerias e convênios, tiveram início atividades de pesquisa na área de aquicultura e capacitação de pescadores e produtores para o manejo de peixes. (...) É um programa que promove a inclusão social, valoriza os pescadores e melhora a qualidade de vida daqueles que tiram o sustento das águas. “De quebra a população toda da região passou a contar com maior produção pesqueira” (destaque nosso) o que tornou esse importante alimento, de alto valor nutritivo, mais acessível aos consumidores.55 Constata-se aqui a preocupação com a causa dos pescadores, mas aliada ao aumento da produção e consumo do pescado, indicando que o projeto tanque-rede está inserido numa dinâmica industrial capitalista. Portanto, os objetivos da estatal visam promover a industrialização do pescado na região, diferente dos objetivos publicados no site da Itaipu: Assim surgiu o projeto que busca promover a inclusão social, o resgate e a valorização da categoria dos pescadores. Busca proporcionar também melhor qualidade de vida aos pescadores, assentados, pequenos produtores e comunidades indígenas, diminuir o esforço da pesca no reservatório, aumentar a produção pesqueira, promover o desenvolvimento sustentável da aquicultura e piscicultura da BP3(Bacia do Paraná 3).56 Os pescadores relatam que existem pressões políticas, em especial, as oriundas da Itaipu, cujas orientações de seu plano produtivo desprezam a forma de trabalho do pescador artesanal profissional, desqualificando seu modo de trabalho seja nas formas de relações de trabalho, captura ou manejo – e induzindo-o a enquadrar-se na ocupação de aquicultor. 55CULTIVANDO Água Boa. Disponível em: <http://www.cultivandoaguaboa.com.br/>. Acesso em: 21 dez. 2013. 56 MAIS Peixes em Nossas Águas. Disponível em: http://www.itaipu.gov.br/meioambiente/mais-peixesem-nossas-aguas>. Acesso em: 11 maio 2013. 118 Reconhecidas como legítimas, as institucionalidades da pesca produzem publicamente uma nova imagem de sociabilidade, nos seus recortes econômicos e políticos fazendo reconhecer e aprovar sua visão de progresso. Assim tentam desfazer, portanto, não só os conflitos dos usos do território, mas também, aqueles dos usos tradicionais, sendo, esses últimos, os que têm no recurso uma centralidade no fazer cotidiano de uma identidade coletiva. Fica evidente a fragilidade da pesca extrativista, que tenta sobreviver no Lago de Itaipu, pois os esforços estão centrados na aquicultura. Mesmo frente às investidas da Itaipu pela produção de peixe (aquicultura), que revela um novo foco de modernização na pesca e, talvez, uma violência simbólica contra os pescadores e seu modo de vida, estes tentam manter os traços tradicionais da pesca e as relações intergrupo. Ficou explícito em muitas entrevistas e relatos, que os pescadores preferiam pescar, extrair do Lago seu sustento, porém pela instabilidade do estoque é preciso criar meios para sobreviver como os tanques-rede. A figura 13 apresenta uma foto que mostra os tanques-rede no lago, devido à falta de pescado no reservatório, os pescadores acabam obrigados a desenvolver a atividade. Figura 13: Tanques-rede no Lago de Itaipu Fonte: Pesquisa de Campo, 2012. 119 Toda essa lógica de extração e produção de peixes está ligada ao processo de comercialização, que se analisa a partir de agora. Para essa análise foram utilizadas as informações colhidas durante as observações e entrevistas, além de levantamentos de outros estudos sobre a pesca no reservatório e, o relatório da UEM/NUPÉLIA/ITAIPU. Segundo o SEBRAE, o processo de criação e industrialização do pescado teve início no Estado do Paraná: “O Estado pioneiro foi o Paraná, que imprimiu um ritmo empresarial à atividade, estruturando a produção. Começaram a surgir os primeiros frigoríficos específicos para o beneficiamento da tilápia, nos municípios de Toledo e Assis Chateaubriand”.57 Segundo Sanfelice (2012) existem sete (7) frigoríficos em funcionamento na Mesorregião Oeste e, o peixe mais produzido para o abate é a tilápia. Segundo levantamento realizado, o pescado abatido nos frigoríficos é fruto da atividade criatória de tanque-rede e tanque-terra (escavado) e não da pesca extrativista, como é o caso de São Miguel do Iguaçu, que utiliza a mão de obra dos pequenos agricultores, produtores de peixe em açudes, além dos pescadores artesanais que se dedicam à criação de peixes em açudes. Nesse município ainda existe a transformação do peixe pacu em polpa, destinado para a merenda escolar: A produção de polpa de pacu deriva da produção/cultivo de peixes pacus em tanque-rede, no Lago de Itaipu. São produtores, pescadores e piscicultores cadastrados no Programa Nacional de Fortalecimento à Agricultura Familiar (Pronaf), pelas Colônias e Associações dos Municípios Lindeiros. Os mentores estão em conversação com os prefeitos para que o produto seja incluído definitivamente na merenda das escolas.58 Na figura a seguir se destaca a localização desses frigoríficos. 57 SEBRAE. Disponível em: http: <//www.biblioteca.sebrae.com.br/bdsBDS.nsf/pdf>. Acesso em: 13 maio 2013. 58 PISCICULTORES colocam no mercado a polpa do pacu. Disponível em: <http://www.opresente.com.br/geral/piscicultores-colocam-no-mercado-a-polpa-do-pacu-5114/>. Acesso em: 5 ago. 2012. 120 Figura 14: Localização dos Municípios que Possuem Frigoríficos de Peixe na Mesorregião Oeste do Paraná Fonte: SANFELICE (2012, p. 138) Esse modelo de produção (tanques-rede) projetado pela Itaipu traz consigo uma série de problemas. Segundo relato dos pescadores a criação do pacu em tanques-rede não foi bem sucedida, os resultados não agradam devido à conversão (engorda) de o peixe ser baixa e, devido ao fato deste possuir muito espinho, o que dificulta a venda. A espécie de peixe tilápia seria melhor opção financeira, em função de uma rápida e intensa conversão alimentar. Para Sanfelice (2012) e segundo dono do frigorífico de peixes São Miguel, a demanda dos frigoríficos prioriza a criação e produção de peixe, não oportunizando a pesca extrativa do Lago de Itaipu, pois esta não é capaz de manter um estoque fixo e constante de pescado, devido à instabilidade do recurso. Quando mencionado a possibilidade da formação de cooperativas para criação de peixe pelos pescadores artesanais do lago, o dono do frigorífico relatou que é uma característica pouco comum, sem resultados relevantes na região e que isso não possibilitaria a venda do pescado, pois a especialidade do frigorífico é o peixe tilápia. 121 Em entrevista, a maioria dos pescadores demonstrou insatisfação com a produção de pacu em tanques-rede, o que causou a desistência dessa produção. Isso pode ser percebido no relato do pescador da Colônia Z11. “Olha eu tive tanque rede, mas eu gastava tudo em comida. Tive que pegar dinheiro emprestado para paga ração e comida, era todo dia cozinhar a lavagem deles e levar lá, ai nem dava tempo de pescar no lago. Quando vendi o peixe, que muitos nem gostam, faltou o dinheiro que emprestei...acredita...Eu nem quero mais tanque rede, só se fosse de tilápia, que os cara da Itaipu falaram que ele come menos e engorda mais.”59 Para os pescadores a melhor opção seria criar a tilápia, porém, por se tratar de uma espécie exótica, não é permitida no Lago. Existe um tratado bilateral entre os países, Brasil e Paraguai, tendo como meta preservar as espécies nativas, a tilápia é considerada um peixe invasor, mas já é facilmente encontrada em praticamente todas as regiões do reservatório. “Eu costumo capturar tilápias por todo o lago nas minhas pescarias, ela está solta por aí já e, não prejudica as outras espécies”, diz o pescador JLF. Em entrevista com o Superintendente do Meio Ambiente da Itaipu Jair Kotz, fica evidente que existem vários fatores convergindo para que um antigo anseio de pescadores de municípios lindeiros ao lago de Itaipu se concretize. Líderes paraguaios, ligados à Itaipu e também ao Ministério da Agricultura, manifestam-se a favor da criação de tilápias pelo sistema de tanques-rede em áreas do reservatório. A reivindicação dos pescadores é antiga e o projeto não avançava justamente em função de entraves que estariam do lado paraguaio. Embora confirme o aceno favorável de autoridades paraguaias ao projeto, Jair Kotz observa que a autorização definitiva precisa passar por estudos e análises técnicas, bem como pela aprovação formal dos respectivos ministérios e dos órgãos ambientais dos dois países. “Demos mais um passo sim pela engorda de tilápias em tanque no lago, no entanto outras fases precisarão ser enfrentadas”, conforme Jair, que se diz um otimista quanto à materialização do projeto. Todas as Colônias de Pescadores do lago realizaram um abaixo assinado, já entregue a autoridades, que pede liberação e pressa na implantação do sistema de tanque-rede. Foi entregue em 19 de março de 2013 no encontro intitulado 1º Workshop de Tilapicultura em Tanque-rede da Bacia do Rio Paraná, ao diretor geral da Itaipu Jorge Sameck, responsável em encaminhar ao governo federal exigindo uma solução 59 Entrevista cedida pelo pescador TH em 22/05/2013. 122 para a questão60. Essa passa a ser uma questão fundamental à sobrevivência das famílias de pescadores que dependem do lago de Itaipu. Segundo o presidente da Colônia de Pescadores Z11, Adilson Borges agora é preciso mobilizar nossos líderes, principalmente, parlamentares, para assegurar essa nova possibilidade de trabalho na região lindeira. A luta dos pescadores de engorda de tilápia pelo sistema de tanque tem cerca de dez anos, mas foi amadurecida, principalmente, nos últimos três. Todos os presidentes das Colônias aprovam o projeto, Flávio Kabroski de Foz do Iguaçu, relata que: “[...] diante da necessidade crescente de produção de alimentos, principalmente peixe, é incoerente manter uma estrutura desse tamanho desprezada. A atividade de produção de Tilápia, com o devido suporte dos agentes técnicos e ambientais envolvidos, valorizaria famílias de pescadores tão sofridas e acostumadas a pouco, além disso haveria menor pressão de captura aos peixes nativos e, com isso, seria criado aos poucos um mecanismo de proteção e de gradativa elevação do número de exemplares nativos, para que os pescadores continuassem a extrair também o peixe.” O futuro da produção pesqueira no Lago de Itaipu e em São Miguel do Iguaçu, é discutido constantemente pelos pescadores, Itaipu e Conselho de Desenvolvimento dos Municípios Lindeiros ao Lago de Itaipu61. Analisado o circuito de produção e venda do pescado, ficam explícitos muitos problemas. Além da questão da necessidade de mudar a espécie produzida em tanque rede, é preciso adequar os 15 módulos de manejo primário do pescado construídos pela Itaipu. Estes módulos não estão sendo devidamente utilizados pela falta de proximidade da gestão pública municipal com a atividade da pesca. As prefeituras 60 No texto do Jornal O Paraná: Território da pesca no Lago de Itaipu (Cascavel-PR, p. A2 - A2, 04 abr. 2013), relata essa situação da pesca no Lago de Itaipu. 61 Foi fundado em Santa Helena em 1990 descrito como pessoa jurídica, de direito privado, sem fins lucrativos, exercendo sua atividade com autonomia administrativa e financeira. São membros do Conselho as cidades de Mundo Novo – MS, Guaíra, Marechal Candido Rondon, Santa Helena, Missal, São Miguel do Iguaçu, Medianeira, Santa Terezinha de Itaipu, Diamante D'Oeste, Terra Roxa e Foz do Iguaçu, mais tarde, após processo de emancipação política, ingressaram na associação também, os municípios de Mercedes, Pato Bragado, Entre Rios do Oeste, São José das Palmeiras e Itaipulândia. Formado por representantes das Prefeituras Municipais, Câmaras de vereadores e Associações Comerciais dos dezesseis municípios lindeiros, o Conselho surgiu devido à necessidade que se apresentava nestes municípios, que viviam a expectativa dos royalties, de um órgão que os representasse. Pois, embora existisse a AMOP - Associação dos Municípios do Oeste do Paraná, havia a necessidade de uma organização que defendesse especificamente os interesses dessa região ribeirinha, por isso, representantes desses três segmentos se reuniram juntamente com outras autoridades da região e da Itaipu Binacional, formando o Conselho. O Conselho de Desenvolvimento dos Municípios Lindeiros ao Lago de Itaipu tem por finalidade promover o desenvolvimento sócioeconômico urbano e rural de toda a região de forma integrada, respeitando as diferentes características de cada município, contando sempre com a parceria da Itaipu Binacional. 123 precisam dar certificação do produto via Vigilância Sanitária e isso não está acontecendo. A Itaipu buscou alternativas e fomos atrás de uma máquina que desossa o peixe. Vários municípios já estão incluindo essa polpa do peixe desossado no cardápio da merenda escolar, mas isso não é suficiente. É preciso uma política local para que tenha essa carne do peixe na merenda. Estamos conseguindo aos poucos convencer várias prefeituras pela inclusão do peixe62. Segundo a Itaipu, o objetivo do tanque-rede é proporcionar condição de complementação de renda para os pescadores através de uma alternativa de cultivo de peixe. Entretanto, se o produtor não tiver para quem vender a sua produção, esta será inviável. Temos aqui uma área potencialmente produtiva no reservatório, que possui uma das melhores qualidades de água do Brasil. Só para registrar, na pesca extrativa o reservatório de Itaipu tem uma das maiores produções: de oito a dez quilos de pescado por hectare/ano. Isso é uma das maiores produções naturais em reservatório no Brasil. Mas a quantidade de extração é cada vez maior e temos que, na comunidade, digerir essa questão da venda de Tilápia. A cadeia produtiva não tem sequência para o pacu, que é o peixe produzido em tanque-rede. Os frigoríficos da região, juntos estão abatendo hoje em torno de 60 toneladas de tilápia por dia. Estes empreendimentos não estão voltados para outro tipo de peixe. Segundo o Ministro da Pesca Marcelo Crivella se a tilápia fosse liberada, a produção poderia aumentar significativamente: de 1,2 mil toneladas para mais de 100 mil toneladas de peixe anualmente63. A Tilápia em tanque-rede possui grande vantagem, além de ter um mercado mundial já cativo, o filé praticamente não tem espinhas em comparação com o pacu. Isso faz com que não haja restrição de consumo. Atualmente a comercialização do pescado extraído e criado é um problema, seria importante que existisse um sistema de vigilância sanitária único na região para que os produtores possam comercializar sua produção certificada para qualquer lugar, pois a produção do lago satura os municípios lindeiros. Não existindo comercialização certificada para o peixe, resta a pesca extrativista um circuito de comercialização bem pequeno se comparado à aquicultura da região. O pescador artesanal se torna responsável por todo o processo de venda 62 63 Relato de Irineu Motter Gestor do Projeto Tanque-rede. Relato de Irineu Motter Gestor do Projeto Tanque-rede. 124 do pescado na grande maioria das vezes, ou se submete a intermediários que acabam explorando-o. Como é possível perceber no relato da pescadora da Colônia Z11: “A Itaipu construiu os pontos de abate, mas o problema que não existe o SIM do município. Por isso temos que nos vira limpa e para vender o peixe. Seria tão bom poder usar a construção que tem no ponto de pesca. As vezes vendemos na cidade ou o pessoal vem buscar, mas as vezes a gente vende pra alguém que vai vender depois bem mais caro...nosso lucro fica pra essa pessoa.”64 O relatório da Itaipu/UEM (2011) menciona que atualmente as etapas envolvidas na comercialização do pescado desembarcado no reservatório de Itaipu apresentam marcantes variações, tanto no número de intermediários, entre o pescador e o consumidor, como na importância que cada sujeito representa no processo (volume comercializado). Primeiramente, é relevante considerar que o consumo de pescado entre os pescadores e seus familiares é muito frequente. Todos se valem do pescado em suas refeições, pelo menos uma vez por semana. O pescado destinado à alimentação dos pescadores e familiares pertence a categorias variadas, porém, sempre de baixo valor comercial. O pescador comercializa a maior parte da produção com os atravessadores 65; já os peixeiros66 tiveram maior importância no comércio do pescado, em anos anteriores. Com a redução nas capturas e a maior capacidade de conservação do pescado pelos próprios pescadores, além dos melhores valores obtidos nas vendas a varejo para a população ribeirinha, a importância dos intermediários vem reduzindo. Recentemente, somente a Colônia de Pescadores Nossa Senhora dos Navegantes, em Santa Helena, continua a adquirir o pescado dos seus pescadores para vendê-lo. Outras tiveram importante papel na comercialização do pescado da região, entre elas as colônias de Guaíra, Marechal Cândido Rondon e Foz do Iguaçu. Em contrapartida, a venda para bares e mercados aumentou, nos anos recentes. As vendas são, sobretudo, para estabelecimentos comerciais localizados próximos às praias artificiais do reservatório de Itaipu e dos “pesque e pague”. Neste 64 Entrevista cedida pelo pescador MJS em 30/04/2013. Atravessador se refere ao indivíduo que compra o pescado do lago e revende na cidade. 66Peixeiro: termo que se refere a pessoa física ou jurídica, que geralmente reside em vilarejos ou cidades próximas ao reservatório. Percorre sua área de comercialização duas ou três vezes por semana, levando gelo, combustível e, em muitos casos, a cesta básica semanal do pescador, retornando com o pescado. 65 125 último caso, a comercialização envolve, especialmente, juvenis capturados vivos de espécies com interesse comercial. Para o relatório da Itaipu/UEM (2011) a venda direta aos consumidores, denominada “picado”, é realizada pelos pescadores que têm sua moradia no perímetro urbano ou nas vilas, sendo mais frequente nas cidades de Guaíra e Santa Helena. O pescador atua como vendedor ambulante, percorrendo o trajeto de bicicleta. Alguns colocam anúncio em frente a sua casa, realizando as vendas em seu próprio domicílio (Veja na foto a seguir). Figura 15: Foto de Anúncios de Venda de Pescado em frente as Casas de Pescadores Fonte: Pesquisa de Campo – março de 2013. É frequente, também, a venda nos pontos de desembarque, característico também em São Miguel do Iguaçu. Os pescadores retiram o pescado do lago e limpam-no, enquanto os compradores aguardam, como se vê nas fotos: 126 Figura 16: Fotos de Pescadores Limpando e Vendendo Peixe Fonte: Pesquisa de Campo - 2010. Outro aspecto importante se refere aos cuidados com a aparência e o tipo do pescado desembarcado, este é classificado, para efeitos de comercialização, em seis categorias, incluindo uma denominada “refugo”, não comercializada. Essa classificação é feita com base na aceitação da espécie no mercado consumidor e no tamanho do exemplar. Assim, certa espécie, com grande valor comercial, pode ser classificada em qualquer uma das categorias, dependendo do porte. O aspecto do pescado na hora da comercialização pode depreciar o produto. Exemplares danificados por mordidas de piranhas normalmente são recusados ou comprados com valor inferior. A comercialização na atividade extrativista é realizada com o pescado congelado, conservado em gelo ou a fresco, nessa ordem de importância. A 127 comercialização de peixes in natura correspondeu a 20,3% do pescado comercializado em 2009 (Itaipu/UEM, 2011). Entretanto, a comercialização a fresco dos armados é um procedimento muito comum, especialmente na zona fluvial, onde a espécie é mais abundante. Isso é possível pelo fato de as capturas serem mantidas vivas em viveiros ou “sangas” até a chegada do peixeiro, quando os peixes são abatidos e comercializados. A pesca na Colônia Z11 está com os circuitos de comercialização fragilizados, pela escassez de peixe, pela inviável criação de pacu, pelo abandono do poder público municipal, por não fornecer o SIM (Sistema de Inspeção Municipal), impossibilitando o consumo na merenda escolar e a venda no comércio local de forma regularizada. Embora o município tenha um frigorífico de peixes, não existe convênio com pescadores, devido a pouca expressividade de pescado e pela espécie inadequada (pacu) que se cria em tanque rede. Observam-se nos mercados locais peixes oriundos de outros lugares, enquanto poderia ser vendido o peixe do Lago de Itaipu se estivesse regularizada a venda. O descaso dos gestores políticos no município é notável. Após entrevista realizada com Vereador Nilton Wernke e o Secretário de Agricultura NacletoTres constatou-se a falta de projetos e políticas de apoio aos pescadores. Ambos relataram a importância do pescador para o município, “os pescadores geram renda para nosso município, extraem e produzem peixe para nossa alimentação, temos orgulho deles” relata Nacleto. Porém não existe apoio efetivo dos gestores, uma fez que consideram a Itaipu responsável pelo pescador: “a Itaipu possui projetos para melhorar a vida do pescador, nós fazemos o que podemos”, diz o vereador. A partir do contato com a diretoria da colônia, foi relatado que há atuação de muitos políticos, vereadores e empresários locais, mas em determinadas situações, principalmente em época de eleição, sem efetivar qualquer projeto. Como relatado por uma pescadora ao indagá-la sobre a atuação dos políticos locais: “Olha eles aparecem na política de eleição e quando algum pescador quer se registrar como profissional, ou renovar a carteira...ajudam com a papelada e depois pedem voto. Agora fazer algum projeto ou ajudar a gente a vender para o frigorífico isso não fazem.”67 67 Entrevista cedida pela pescadora NF em1º/06/2013. 128 Esse convívio apresenta a existência dos poderes locais na organização do movimento, principalmente, vereadores, demonstrando não apenas interesses individuais como políticos e assistencialistas, quando o pescador precisa encaminhar seu seguro desemprego. Sendo a política importante na compreensão das particularidades do território e da gestão pesqueira, a geografia política contribui para isso. Para Castro (2005, p. 37) “A geografia política, como uma das suas divisões, cabe refletir sobre as questões colocadas pelas dimensões inerentes às relações entre a política-controle dos conflitos de interesses, decisões e ações - e o território - base material e simbólica do cotidiano social.” Em contrapartida ao descaso, observa-se na Colônia Z11 a evolução das ações organizacionais do grupo de pescadores, que se constitui em 180 pescadores cadastrados, buscam melhorias nas condições econômicas. Para isso, se reúnem mensalmente, para discutir os problemas e entraves da pesca, organizam reuniões com outras colônias e representantes da Itaipu, entidades e sindicatos participam de movimentos/manifestações e abaixo-assinados. Sobre os movimentos sociais, de acordo com DANIEL (1988, p. 31): “O que define as condições de existência de movimentos sociais não é o nível de pobreza, mas a consciência de uma necessidade. A despeito disso, é preciso que essa necessidade também possua sua base material.” A Colônia Z11 enquanto entidade representativa dos pescadores apresenta uma pluralidade de associados, onde se encontra pescadores que possuem outras profissões, comerciantes e, principalmente, agricultores. Mas é possível a convivência e a colaboração de todos a partir de suas aptidões. Os interesses de grupos ou indivíduos se expressam quando adotam um discurso, exprimindo seus anseios a partir da efetiva participação em reuniões, conversas, seminários e, principalmente, nas assembleias gerais, em que os pescadores buscam exercer sua cidadania, seus direitos em busca de novas alternativas de renda. A Colônia Z11 conseguiu elaborar seu estatuto social próprio em 2003, aproximando o seu regimento à realidade da pesca do município. Esta iniciativa fortaleceu o poder de ação dos pescadores a partir do momento em que eles próprios, utilizando-se do discurso da autonomia, redigiram suas normas de direitos e deveres para com a categoria dos trabalhadores na pesca, em todo o município. 129 Assim, demonstrando a gestão pública e política na colônia de pescadores, outro elemento que merece destaque, é o poder local: Entende-se por poder local segundo DOWBOR (1999) a composição de forças, ações e expressões organizativas no nível da comunidade, do município ou da micro-região, que contribuem para satisfazer as necessidades, interesses e aspirações da população local, para a melhoria de suas condições de vida: econômicas, sociais, culturais, políticas. Para TEIXEIRA (2002), existem duas formas de poder local no país: os municípios (a forma mais característica e antiga de administração local) e as freguesias, estas se constituem como pessoas coletivas territoriais dotadas de órgãos representativos. As relações do poder local com o Estado têm várias vertentes, de entre as quais se destacam as seguintes: - o poder local e o poder central cooperam na resolução dos problemas das populações - de forma coordenada, partilham o esforço administrativo e financeiro. O poder central do Estado distribui verbas às freguesias e, por outro lado, fiscaliza o cumprimento da lei, o poder local, democraticamente eleito, tem a autonomia administrativa e representa as populações perante o Estado, fazendo-lhe chegar os seus problemas e reivindicações. Assim, percebe-se a atuação dos poderes no Lago de Itaipu e na Colônia Z11. O poder centralizador do Estado, por exemplo, atua através de vários órgãos: O IBAMA, enquanto órgão de gerenciamento da pesca realiza visita às colônias, orientando e, principalmente, fiscalizando os pescadores. O Banco do Brasil, através de financiamentos de equipamentos de pesca através do PRONAF- Pesca (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar). O MPA, a partir de suas normas e leis. A Itaipu e as Universidades atuam como parceiras na pesquisa e efetivação dos projetos, também, como principal colaboradora em eventos e auxílio aos pescadores, como tanques-rede e, áreas para abate de peixes nos pontos de pesca, pela melhoria da qualidade de vida dos pescadores, diminuindo o esforço de pesca através da criação de peixe e priorizando a produção pesqueira. O poder local da Colônia é mediado pela sua diretoria, tendo um presidente, um tesoureiro, uma secretária e os conselheiros. Na condição de direção, aqueles 130 profissionais da pesca, têm papel fundamental a desempenhar para garantir o êxito da gestão e lutar por melhorias. Os pescadores reivindicam de sua diretoria a luta pela concessão de benefícios previdenciários e melhorias, como por exemplo, o seguro desemprego que já é uma realidade, que contempla aos pescadores um salário mínimo mensal, no período da piracema em que é proibida a pesca, para a procriação das espécies. A convivência entre os pescadores é indispensável para a geração do poder local. Uma das grandes dificuldades percebidas nas reuniões na colônia de pescadores do município de São Miguel do Iguaçu é a renúncia ao poder. Muitos pescadores isolam-se, deixam de participar da vida política de sua unidade de representação, não comparecem às reuniões, parecem viver no anonimato. Embora outros façam essa prática muito bem. A atuação política no âmbito local é fragilizada quando se analisa essa colônia de pesca, sobretudo devido à falta de meios de capacitação e de recursos materiais, mas esse grupo vem em busca do amadurecimento político. Com essa ideia corrobora SILVA (2008, p.70): “Os grupos, entretanto, tendem a atuar de maneira relativa, mas não completamente autônoma, já que se articula em partidos políticos, entidades de classe e/ou associações para ganharem legitimidade”. Enquanto espaço de discussão e de orientações políticas, a colônia de pesca tem apresentado um vasto campo para de lutas políticas dos pescadores e demonstração do poder local. Esta tipo de atuação está presente no cotidiano da Colônia Z11, quando, por exemplo, promove palestras, encontros, reuniões e, quando analisa e discute as ações das entidades representantes da pesca. Enfim, a colônia é composta por pescadores que de um modo geral, participam das atividades voltadas para o amadurecimento da consciência crítica da realidade e lutam por seus direitos. Porém, quando existem eleições os pescadores têm receio de participar da diretoria e demonstrar sua maneira de gestão. Constatou-se que existe atuação direta da diretoria para com os órgãos políticos e empresarias que circulam pela colônia, buscando melhoras na gestão pesqueira, no modo de vida do pescador, priorizando sua renda e seus costumes. Percebe-se as pressões políticas, em especial, as oriundas da Itaipu, cujas orientações de seu plano produtivo desprezam a forma de trabalho do pescador 131 artesanal profissional, desqualificando seu modo de trabalho induzindo-o a enquadrar-se na ocupação de aquicultor. Isso demonstra uma realidade nacional presente no Lago de Itaipu, de fomento à aquicultura e à pesca industrial e, que estaria, “sob um viés produtivista, legitimado tanto pela necessidade de formalização do emprego dos trabalhadores que já se encontram nessas atividades, quanto para os pescadores artesanais, que são levados a enxergá-las como alternativa adequada (geralmente, única) de emprego e renda” (Valencio et al, 2003, p. 283). Embora a preferência dos pescadores em extrair o peixe seja explicita, percebe-se que a maioria acabaria aderindo a ideia de produzir em tanque-rede, se dedicar também, não exclusivamente, a aquicultura, isso devido à escassez do pescado. Porém o maior entrave se refere ao tipo de espécie produzida, o pacu traz prejuízos e inviabiliza a atividade, já a tilápia seria uma espécie de melhor conversão alimentar e aceitação comercial. No capítulo seguinte será analisado como os pescadores da Colônia Z11 vivem nessas incertezas da pesca, como sobrevivem e se relacionam. 132 CAPÍTULO IV - O PESCADOR DA COLÔNIA DE PESCA Z11 No presente capítulo se discute a realidade dos pescadores artesanais da comunidade pesqueira da Colônia Z11, realidade fortemente marcada pela intervenção do Estado e da Itaipu Binacional, além de provinda de um território conflituoso, porém com o modo de vida e costumes bem peculiares. Esses pescadores artesanais são agentes sociais singulares na medida em que suas interações revelam estruturas simbólicas específicas, isto é, disposições, habilidades, expectativas e crenças arraigadas e particulares que os ajustam nas regularidades do mundo. Para tanto, são apresentados e debatidos os dados das respostas aos questionários (180 questionários entregues, 124 respondidos), os das entrevistas (em número de 20) e os das observações realizadas. Obteve-se um universo total de 180 pescadores artesanais em atividade68, pescadores que atuam em quatro pontos de embarque e desembarque localizados à margem do Lago de Itaipu, como pode ser visualizado na figura a seguir: Figura 17: Localização dos Pontos de Embarque e Desembarque da Comunidade de Pescadores Z11 Fonte: UEM/NUPÉLIA/ITAIPU BINACIONAL, 1999. Google Earth, 2012. Adaptado por FERREIRA, G. 2013. 68 Os dados foram fornecidos pela Colônia Z11. 133 4.1 A Comunidade de Pescadores Artesanais: Uso e Ocupação do Território da Pesca A rápida organização de Associação para Colônia, as diversidades, as experiências dos pescadores e os conflitos territoriais chamam a atenção para a Colônia Z11. Os pescadores da Colônia se vivem na Área 11- entre a margem direita do rio Ocoí e a margem esquerda do rio Passo Cuê - englobando a Vila Ipiranga, São José do Ocoí, Santa Rosa do Ocoí, Paulistana, Mauritânia, Saquarema e as cidades de São Miguel do Iguaçu e Medianeira. Os trechos com maior atividade pesqueira ocorrem nas partes alagadas do rio Ocoí e arroio Pinto. Essas comunidades são da área rural do município de São Miguel do Iguaçu, que juntamente com pescadores da área urbana desse município e, alguns do município de Medianeira constituem a comunidade pesqueira. A comunidade de pescadores em estudo se constituiu e constitui de maneira distinta em relação a outras comunidades. O primeiro item distintivo é o fato de que esses pescadores não se encontram morando na mesma localidade, mas, sim, em áreas diferentes no município, distantes umas das outras. O segundo item é consequência do fato de que a convivência maior desses sujeitos ocorre na Colônia e nas atividades relacionadas à pesca artesanal no ponto de pesca. Essas características possibilitam chamar o grupo de comunidade, pois se reúnem por objetivos e interesses comuns, trabalham em equipe, dividem as dificuldades, trocam experiências, convivem e decidem as regras. Isso está explicitado no relato do pescador AB: “Nós somos um grupo, mesmo não morando no mesmo lugar a gente se reúne todo mês na Colônia para discutir os problemas, nos encontramos nos pontos, ajudamos uns aos outros quando é preciso. A gente se visita e conversa sobre as coisas da pesca, empresta material um do outro... somos uma comunidade de pescadores.”69 Alguns pescadores residem próximos dos pontos de pesca, ou mesmo na cidade, possuindo um barraco no seu ponto de atuação (Figuras 18 e 19). Alguns ainda passam maior parte da semana no ponto, porém a Itaipu não permite essa prática de morar na área de preservação permanente. 69 Entrevista cedida pelo pescador AB em 25/4/2013. 134 Figura 18: Fotos da Entrada dos Pontos de Pesca Fonte: Pesquisa de Campo março de 2013. Figura 19: Foto de Moradias Próximas aos Pontos de Pesca Fonte: Pesquisa de Campo março de 2013. Assim, os pontos de pesca (no Lago) e a Colônia se caracterizam como parte do território da comunidade de pescadores, onde passam a maior parte de sua vida, relacionando-se e trocando conhecimentos, como será discutido mais adiante. As famílias pesqueiras, no geral, são constituídas de forma que o chefe da família é sempre o homem, que é quem efetivamente realiza a pesca, auxiliado pelos outros integrantes da família, esses outros representados pela mulher, que também é pescadora e muito influente nas tomadas de decisão, e pelos filhos, que são 135 ajudantes. A mulher, na maioria das vezes, limpa os peixes em casa, quando o marido não faz a limpeza no ponto (Figura 20). Figura 20: Fotos da Limpeza do Pescado em Casa e no Ponto de Pesca Fonte: Pesquisa de Campo maio de 2012. A tradição da comunidade é retratada pelo associativismo familiar e de vizinhança, em que uns ajudam os outros, realizando a pesca artesanal com petrechos simples para a captura de uma espécie (covo, anzol, tarrafa) ou de várias espécies de peixes (redes de espera). Um exemplo citado pelos pescadores se refere a uma prática cotidiana, o uso das redes. Os meios de produção são as embarcações de madeira e as redes, as quais nascem do talhe coletivo à mão, seja envolvendo os colegas mais próximos, seja envolvendo os familiares. Canoas e redes são capital 136 materializado, em torno do qual é possível garantir autodeterminação, isto é, controlar o próprio tempo, processo e resultado do trabalho. A figura representa o resultado de uma noite de pesca com rede, tirada pela manhã, exemplificando uma prática de ajuda mútua. Figura 21: Pescadores Retirando o Pescado pela Manhã Fonte: Pesquisa de Campo 2010. O associativismo é bem visível e presente no trabalho da comunidade pesqueira, ora representada pelo compadrio dos pescadores (realizando a pesca em conjunto com outros pescadores, auxiliando uns aos outros, demonstrando os vínculos de amizade na pesca), ora representado pelo auxilio familiar, onde a família faz parte dos afazeres, como relatado pelo pescador SP ao dizer: “Quando a gente precisa de ajuda, se o filho não tá, um amigo pescador sempre tá pra ajudar”. 137 A escala de produção, pequena, assim como a destinação do peixe em parte para a subsistência, em parte para o comércio, em regime de economia familiar são elementos citados por Diegues (2004) sobre a pesca artesanal, elementos que também definem a pesca da comunidade do Lago. A atividade pesqueira consiste também em um processo de apropriação da natureza pelo trabalho humano. O conhecimento gerado nesse processo tem, entre as suas características, uma observação contínua da natureza e uma história vivida e observada de sucessão de contatos com o meio aquático. Por isso esse conhecimento tem servido à reprodução das pescarias e fornece elementos para a ação dos pescadores (CARDOSO, 2007). Nesse sentido, é possível analisar a atividade pesqueira a partir de uma perspectiva da cultura dos pescadores, a partir da sua relação com a natureza, da sua visão de mundo e das marcas deixadas nas paisagens onde a pesca se realiza. Esses pescadores da Colônia são artesanais e profissionais. A característica artesanal implica a autonomia do uso dos meios de produção, o saber tradicional no manejo das técnicas de captura e a produção social. Também recebe o atributo artesanal pela forma como a atividade se inscreve no corpo, nas técnicas corporais. O pescador da Colônia é ágil, queimado de sol, olhos atentos, compenetrado, o chapéu ou boné postos à cabeça, sempre preparado para perceber as circunstâncias da natureza. É sabedor da correlação entre as fases da lua e a movimentação dos cardumes, entre as águas, amansadas ou correntes, com o hábitat de predileção por várias espécies de peixes. Já o atributo profissional revela a característica econômica da captura atividade na qual o provimento para o autossustento está subordinado à realização de excedente e a conformação associativa e institucionalizada em torno de regras comuns, aceitas pelo Estado. A pesca profissional artesanal é uma ocupação devidamente reconhecida pelo Ministério do Trabalho, descrita no Código Brasileiro de Ocupações e amparada pelos direitos do trabalhador (VALENCIO et al., 2003). Foi possível observar, nas atitudes e nos meios comuns de agir durante a pesca, dois comportamentos que revelam um modo de vida particular. Um desses comportamentos é a camaradagem entre pescadores. Essa camaradagem se expressa pelo trabalho em duplas nas embarcações ou reunindo-se nas colônias, pela a solidariedade no fabrico e no acesso à sua tecnologia, ou pelo empréstimo de 138 embarcações, ou ajudando (com trabalho ou materiais) a executar tarefas para o bem de outrem. O outro comportamento é a generosidade, que ocorre principalmente pelo partilhamento do peixe como meio de sustento quando falta na mesa da família do colega. Desses dois comportamentos pode-se deduzir que existe no grupo uma ética que lida com o cotidiano do Lago como uma forma de coesão que tende a igualar, ao invés de diferenciar. Disso derivam os laços societais extraeconômicos do grupo, laços que, inclusive, que fazem com que diferenças não gerem apartação na convivência diária. A construção da identidade social do pescador é um processo em que a memória do grupo tem grande importância e está diretamente ligada com a questão da alteridade, pelos rituais de reafirmação dos significados e sentidos partilhados pelo grupo e pelo sentido de pertencer ao lugar (DIEGUES, 1998). Conforme Valencio et al. (2003, p. 277), a identidade social do pescador é formatada pela afirmação de sua territorialidade, de seu direito de estar no lugar e dele retirar seu provimento, de entender que sua sobrevivência reside no uso daquele lugar. O pescador não se afirma apenas como munícipe nem apenas como trabalhador com direito ao livre acesso ao local de trabalho. Afirma-se, sim, como “gente do Lago”, onde realizam sua atividade, onde constroem sua coesão social, sua identidade coletiva, um saber oriundo da memória oral, da interação com os peixes, da prática atemporal, da vida com o meio natural. 4.2 Características dos Pescadores da Colônia Z 11 A partir dos questionários entregues a todos os pescadores (180), que frequentavam as reuniões e que trabalhavam nos pontos de pesca, foi possível traçar as características gerais dos integrantes da comunidade pesqueira no município. Desse montante, 124 responderam ao questionário, respostas com as quais se pode caracterizá-los na tabela a seguir: 139 Tabela 5: Características Gerais dos Pescadores da Colônia Z11 Origem Estados da Gênero Situação conjugal Mulheres: 35% Casados/as: 70% Homens: 65% Solteiros/as: 10% Região Sul (RS, Viúvos/as ou SC e PR): 100% divorciados/as: 7% União Estável: 13% Fonte: Elaborado por Graziele Ferreira com base nos dados obtidos através da Pesquisa de Campo 2013. A idade constatada varia de 18 até 65 anos. A composição etária (considerando-se apenas o titular) revela o predomínio das classes de 35 a 55 anos. A idade média dos pescadores foi de 45, o que demonstra a baixa motivação despertada por essa atividade nos jovens. Ressalta-se, no entanto, que um grande contingente de adolescentes e préadolescentes exercem a pesca como ajudantes de seus pais ou parentes próximos mais idosos, não podendo, entretanto, se filiar às colônias nem se estabelecer como pescadores profissionais. Esses não foram computados nesta análise, visto que não são formalmente titulares. Em relação às pretensões futuras dos pescadores estabelecidos, 91% dos entrevistados manifestaram a intenção de permanecer na atividade. O principal motivo que os levou a essa intenção foi o reconhecimento da falta de qualificação profissional em outra área (“Só sei fazer isso”). Diferentemente, porém, quando perguntado aos pais e familiares sobre a pretensão dos jovens de continuarem na pesca, todos responderam que não, que devem estudar e procurar melhores condições de vida: “Minha filha nos ajuda sempre na pescaria, vai até junto com o pai pescar e revistar a rede, limpa o barraco e os peixes. Mas isso agora porque tá em casa com nós, mas quando chegar o tempo certo ela vai tentar faculdade ou um bom emprego. Por mais que ela diz que gosta, mas não tem como se sustentar só da pesca... tá bem difícil pra nós, mas a gente se vira, mas a gente espera vida melhor pros filhos.”70 70 Entrevista cedida pela pescadora NF em 1º/6/2013. 140 O pescador tem motivos de orgulho da sua profissão, seja pelo domínio de técnicas específicas de trabalho, seja pela interação peculiar com o meio ambiente natural e ressente-se da falta de valorização desses aspectos por muitas autoridades: “Eu gostaria que as autoridades olhassem o pescador como pessoas capazes de preservar o meio, trabalhar na atividade da pesca e levar o sustento para a família. Valorizar assim os direitos do pescador71.” Alguns pescadores afirmam que a sua profissão tornou-se uma opção gratificante de trabalho e outros afirmam que ela é uma forma alternativa de “ganhar a vida”. Assim, a atividade da pesca é, para alguns, a única alternativa de trabalho e, por conseguinte, a única garantia de sobrevivência familiar; para outros, é resultado não apenas das adversidades sofridas durante a vida da família, mas uma escolha por um modo de vida. Cerca de 60% dos pescadores relataram estar na profissão também porque gostam. Para eles, a pesca é uma atividade autônoma, “sem receber ordem de patrão” e sem horários fixos, além do contato com o meio ambiente e o prazer das pescarias. Existem ainda aqueles pescadores que estão desestimulados com a atividade de pesca (9%) e que pretendem abandoná-la, mas o principal motivo levantado foi a escassez do pescado e não motivos pessoais ou da comunidade. A maior parte dos pescadores é alfabetizada, mas com nível instrucional baixo, isto é, não concluíram o nível de ensino fundamental (65%). A carência de educação sistêmica impede que o pescador compreenda muitas regras e normas oriundas do mundo letrado e atrelado ao mercado. A interação política do pescador com outros agentes, muitas vezes conflitante, também fica comprometida, pois a articulação política pressupõe acesso e compreensão de um conjunto de informações sistematizadas no saber formal. Segundo Valencio et al. (2001, p. 196), “A limitada capacidade para ler age como uma barreira à capacidade de contrapor-se, defenderse e ampliar a representação política de suas demandas”. Embora o pescador suponha que o desempenho satisfatório de seu exercício profissional prescinda do conhecimento tradicional e que muito do esforço de captura dependa da habilidade física e do saber tradicional para o manejo dos apetrechos de pesca, portanto, fatores distantes dos conteúdos escolares, as novas tecnologias e 71 Entrevista cedida pelo pescador HL em 29/5/2013. 141 novas demandas, incluindo as de cunho político, poderão não ser assimiladas em razão da falta de escolaridade, o que os coloca em situação de vulnerabilidade. Outro aspecto de vulnerabilidade diz respeito à renda mensal média da pesca. A renda oriunda da pesca é relevante e situa-se em torno de dois salários mínimos. Todos os pescadores da Colônia Z11 revelam possuir uma renda modesta, como demonstra a Tabela seguinte sobre a renda e nível de instrução: Tabela 6: Características socioeconômicas Nível de Instrução Renda Alfabetizado: Fundamental incompleto: 65% Inferior a 1 salário mínimo: 30% Fundamental completo: 20% Médio completo: 9% Analfabeto: 6% De 1 a 3 salários mínimos: 70% Fonte: Elaborado por Graziele Ferreira com base nos dados obtidos através da Pesquisa de Campo 2013. Dos pescadores atuando como profissionais no Lago, 80% deles atuam desde constituição do lago em 1982. Além disso, 15% deles atuam ali como pescadores mesmo desde antes da formação do lago. Durante pesquisa realizada em 201172, já se constatou que muitos já pescavam antes mesmo de terem RGP: “Conheço como poucos as manhas da pesca no lago da hidrelétrica. São muitos anos tirando da água parte do meu sustento, boa parte dos anos vividos a bordo de um barco, primeiro no rio agora no lago. A Itaipu começa a incentivar a pesca alguns anos depois da formação do lago, para compensar os prejuízos que causou aos moradores com o alagamento das terras, então investe trazendo alevinos no lago e criando as colônias e pontos de pesca no entorno do lago, mas eu já pescava muito tempo antes de tudo isso, nem era obrigado a fazer a carteira de pescador, era só pescar.” (Pescador entrevistado em 2011). O levantamento revelou que os pescadores que responderam ao questionário são, na maioria, proveniente do meio rural (72% de agricultores, 23% de assalariados e 5% de autônomos). A proporção dos pequenos proprietários rurais no contingente 72 Pesquisa realizada para o TCC do Curso de Especialização em Gestão Ambiental em Municípios, UTFPR-Medianeira-PR, 2011. 142 de pescadores é uma característica bem acentuada, porém 90% diz fazer da pesca a principal fonte de renda. Esse quadro releva a falta de opção de trabalhos alternativos nos municípios lindeiros com o reservatório, levando a um aumento no número de pessoas que se dedicam também à pesca. Isso foi particularmente evidente entre os volantes rurais denominados “boias-frias” e pequenos proprietários rurais, devido aos problemas ocorridos na agricultura. Essa categoria de pescadores se utiliza da pesca para a complementação da renda familiar também em São Miguel do Iguaçu. Um dado importante percebido durante a pesquisa, e relatado pelo presidente da Colônia, é o fluxo (entrada e saída) de pescadores durante o ano, decorrente da sazonalidade nas atividades agrícolas, como plantio e colheita; das demandas de serviços temporários na vila; variação sazonal no rendimento da pesca; flutuações no preço do pescado, especialmente no período de quaresma; interdição da pesca na piracema; dificuldade em receber o seguro desemprego e flutuações na cotação do dólar e na intensidade da fiscalização na fronteira que inibe o comércio informal dos chamados “sacoleiros”. 4.2.1 Modo de Vida dos Pescadores: estratégias de sobrevivência Segundo o mais atual relatório da Itaipu/UEM (2011), a porcentagem de pescadores que se dedicaram exclusivamente à pesca foi 17,5%. Esse tanto foi acentuadamente inferior ao registrado no ano de 2008 (45,8%). Em 2005, este contingente era de 53,0%, em 2004 de 55,1%, em 2003 de 57,0% e em 2002 de 64,0%. Assim, verifica-se uma redução na dedicação exclusiva à pesca. 143 Figura 22: Gráfico Síntese da Dedicação Exclusiva à Pesca no Lago de Itaipu Dedicação exclusiva à pesca 64% 53% 55,10% 57% 45,80% 17,50% 2009 2008 2005 2004 2003 2002 Fonte: Elaborado por Graziele Ferreira com base nos dados obtidos através da Itaipu/UEM (2011). Conforme o relatório, essa redução está ligada à diversificação das atividades dos pescadores, com o envolvimento em atividades que pouco interferem na pesca, como a criação de abelhas, a criação de peixes em tanques-rede e atividades relacionadas à agricultura familiar. Os pescadores da Colônia Z11 relataram, porém, que o fator predominante dessa diminuição da exclusividade da pesca é a diminuição do pescado, sendo impossível sobreviver apenas da pesca. Por outro lado, 58,5% dos pescadores declararam que têm outra atividade que complementa a pesca e 24,1% não responderam a essa questão. Entre as principais atividades e em ordem de importância estão agricultura (29,3%), volante urbano (23,0%), apicultor (9,4%), aposentado (6,5%), autônomo (6,5%), outros (4,8%) e atividades de volante rural (3,7%). As demais atividades, com baixa porcentagem, são a criação de animais (2,3%), assalariados (2,0%), tanques-rede (1,7%) e atividades ligadas à pesca (1,4%) (ITAIPU/UEM, 2011, p. 36). Isso pode ser verificado na figura a seguir: 144 Figura 23: Gráfico das Principais Atividades Desenvolvidas pelos Pescadores em 2009 Fonte: ITAIPU/UEM (2012, p. 37). Como a pesca exclusiva não possibilita a garantia de sobrevivência para a maioria dos pescadores, é preciso desenvolver outras atividades na Colônia Z11 também. Foi possível identificar, pelos relatos e pela observação a campo, outras atividades sendo desenvolvidas por pescadores, como: pedreiro, diaristas no campo ou nas vilas, apicultor, produtor de leite e produtor de fumo e mandioca. Percebeu-se, porém, que, para muitos pescadores, reconhecer que conciliam outras atividades de ganho com a pesca não era uma situação facilmente admitida. Essa atitude é compreensível, pois essa condição pode ser reconhecida como uma descaracterização da profissão de pescador, sob pena de perder a carteira de profissional e o direito de pescar. Obviamente, porém, essa pluriatividade não deveria descaracterizá-los como pescadores. Reconheceram as dificuldades de sobreviverem apenas da pesca e que precisavam desenvolver outras atividades, mas, quando perguntados sobre a exclusividade do trabalho na pesca, afirmavam praticar. Por muitas vezes, ao chegar à propriedade ou à casa do pescador, deparamo-nos com esse pescador trabalhando na roça, no plantio de fumo, na produção de leite, ou ainda a esposa relatava que estava trabalhando por dia. Interessante é ponderar que, devido ao receio de admitir a prática de outras atividades, os pescadores sempre remetiam à prática de outro, sem, no entanto, admitir a sua: 145 “Olha a gente é pescador, sim... sempre pescamos e vivemos da pesca, mas, como dá pouco peixe, precisamos achar mais serviço. Dá pra sobreviver... mas assim é mais difícil. Alguns pescadores buscam em outros “servicinhos” uma ajuda nos gastos. Tem uns que tem uma roça, pouca coisa, sabe, e são pescadores também. Outros também trabalham como pedreiros, mas nem por isso não são pescadores. Eu digo isso pra senhora só, mas se alguém perguntá, não conheço nenhum pescador que trabalha com outro serviço. Mas que mal que tem, não tão roubando de ninguém, né... só assim pra conseguir viver um pouco melhor.”73 Segundo Kuhn e Germani (2009), a pesca artesanal desenvolve-se articulando atividades em terra e também em água. Essa articulação em terra não se limita apenas à prática da agricultura, mas, historicamente, o acesso à água é mediado pelo acesso à terra. É difícil pescar quando o pescador vive a quilômetros de distância do mar ou do rio. Assim, compreende-se que é a garantia do acesso à terra que garante o acesso à água. Alguns estudos fazem uma diferenciação entre pescador-lavrador e pescador artesanal (DIEGUES, 1983, 2004), porém, para efeitos deste trabalho, considera-se pescador artesanal mesmo aquele que articula pesca e agricultura, uma prática comum na comunidade. Isso se dá em virtude do fato de os pescadores assim se identificarem, ou seja, como pescadores artesanais, e pelo fato de eles utilizarem formas artesanais de captura de pescado. Considera-se que o que define uma pesca como sendo artesanal não é a exclusividade da atividade, mas a lógica que a sustenta. Devido às condições precárias, os pequenos proprietários rurais, além da pesca, optam pelo cultivo, sobretudo, da mandioca e do fumo, por não requererem gastos extraordinários com implementos agrícolas e por permitirem o emprego da mão de obra familiar. Isso pode ser observado na Figura 24: 73 Entrevista cedida pela pescadora LFK em 5/6/2013. 146 Figura 24: Fotos de Plantio de Fumo e de Mandioca Fonte: Pesquisa de Campo maio de 2012. Nota-se a diferenciação da importância da pesca para os pescadores. Constata-se, pelas entrevistas, que existem aqueles que pescam desde a infância, aqueles que nasceram numa família de pescadores ou aprenderam pescar com os pais (dos entrevistados foram 3). Outros têm na pesca apenas uma alternativa encontrada para aumentar a renda que era pouca na sua antiga ou atual ocupação, 147 como agricultores familiares e volantes. Há ainda aqueles que veem a pesca como uma forma de vida de grande importância, mesmo complementada com outra atividade. Um desses pescadores foi AH, que, ao ser perguntado sobre a importância da pesca em sua vida, emociona-se: “O peixe sempre foi um alimento que matava muito a nossa fome na infância. Meu pai ia pescá e me levava com ele. Não era aqui no lago, mas nos rios do Rio Grande do Sul. Eu gosto muito de pescá e pesco até hoje. Faz parte da minha vida e da minha história. Se não fosse a pesca do lago, agora eu estaria passando por muitas dificuldades. Não que a gente viva fácil, mas eu sempre pesco, sempre tenho uns peixinhos pra vendê em casa.”74 Pescadores que trabalharam até certo tempo em outra atividade ou conciliam a pesca com uma atividade (mesmo que não o admitam) encontraram na pesca uma possibilidade de sobrevivência. Assim, a maioria dos pescadores entrevistados são pescadores de profissão ou pessoas que apreenderam o ofício por variadas circunstâncias da vida: “Olha, como a Itaipu alagou a terra, eu era agricultor, ainda planto, mas como é pouco, daí pensei em virar pescador, por que isso ajudaria a minha sobrevivência, já que eu não quis sair daqui. Nem que o peixe seja pouco, o que vem já ajuda. Pelo menos a gente recebe um seguro na piracema que ajuda um pouco.”75 As entrevistas demonstram que as trajetórias ocupacionais e de vida são as mais diversas dos entrevistados, pois dois deles são aposentados, alguns optaram pela pesca como uma alternativa apenas para sobreviver (uma necessidade, “A gente pesca porque precisa.”), outros por gosto pela atividade, pelo modo de vida e pelo ofício, além da necessidade (“Eu preciso, mas gosto muito de pescar”). A pesca é compreendida não só como uma atividade de busca de peixe, mas como uma construção de relações sociais, relações essas marcadas por identidade, mas também por conflitos e contradições, que envolvem não somente os grupos pesqueiros, mas outros tantos agentes sociais, com interesses divergentes. A organização social da pesca profissional artesanal, através de seus processos e de suas formas de interação, produz um sujeito social (o pescador) dotado de um conhecimento tradicional que viabiliza não só sua atividade profissional, mas, também, seu modo de vida. Muitas famílias dependem da pesca não apenas como trabalho, mas como meio de produzir e de reproduzir um modo de 74 75 Entrevista cedida pelo pescador AH em 1º/5/2013. Entrevista cedida pelo pescador JLF em 28/5/2013. 148 vida e um campo societário caracterizados por relações de natureza econômica, política e cultural, tecnológica e ambiental que interferem nos sistemas de organização e hierarquia internas desse grupo e, por conseguinte, da organização social da pesca. Além disso, há outros agentes que interferem na organização social da pesca profissional artesanal e no modo de vida dessa população. A pesca no Lago de Itaipu não se constitui numa atividade de tradição secular. Ao contrário, constitui-se por uma tradição pesqueira recente, mas repleta de particularidades e de aspectos importantes a serem estudados pela geografia. Um aspecto provocativo do modo de vida do pescador provém, entre outras coisas, do modo como esses trabalhadores lidam com o tempo em suas vidas. Em meio a um contexto socioeconômico e cultural adverso em relação às formas de trabalho e de convívio social dos pescadores, eles surpreendem pela sua capacidade de resistência. Se, na atual dinâmica social, a regra é viver a dimensão temporal de maneira cada vez mais compulsiva, fazendo o máximo em mínimo de tempo, os pescadores apresentam uma lógica bastante própria no trato com tais dimensões da vida. Isso ficou bastante evidenciado nas falas dos pescadores com os quais pude dialogar: “A gente pode fazer as coisas, trabalhar como a gente quer, o tempo nós que decidimos, essa liberdade que é a parte mais boa de ser pescador. O contato com a natureza e com o lago são muito bons também. Eu adoro”. A associação e a dependência dos pescadores em relação ao universo natural se baseiam em saberes e técnicas locais de manejo do ambiente. Se “a pescaria tem um mistério”, como afirmou um pescador, ele reside exatamente nesse conhecimento acerca da natureza, que determina, por exemplo, que a saída para a pesca deva ocorrer de acordo com o vento nordeste, porque este aproxima o pescado do barranco, ou que as “noites escuras” dão mais peixe porque as redes ficam menos visíveis na água, ou que a “cheia” condiciona o retorno do lago porque o barco não pode encalhar nos galhos e árvores que estão no lago. A figura apresenta a volta e a preparo das redes de pescaria. 149 Figura 25: Pescadores com Aparelhamento Rede de Pesca Fonte: Pesquisa de Campo 2011. Nas falas dos entrevistados, percebe-se que suas representações ressaltam o apego ao estilo de vida próximo à natureza, uma vez que podem conciliar o trabalho na agricultura, pois a maioria mora perto do lago e ainda utiliza a pesca como apoio de renda, pois consideram difícil viver só do pescado. Concluem que, apesar das dificuldades, gostam de pescar. A Semana Santa é considerada o “Natal” dos pescadores, pois é o período mais movimentado do ano. Ao comentar sobre esse período, o pescador diz adorar essa época, onde se encontram vários pescadores e compradores: “A semana santa é que dá mais movimento, muita gente vem comprar peixe, encontramos muitos amigos pescadores e conversamos muito. É o tempo que a gente mais ganha com o peixe, ainda porque é logo depois da piracema, tem mais peixe.”76 O respeito entre os pescadores é característico. Nenhum invade o território do outro enquanto este o utiliza. Exemplo disso ocorre no ponto de ceva escolhido em um determinado local, onde o pescador aporta certa quantia de alimentos para atrair 76 Entrevista cedida pelo pescador AH em 1º/05/2013. 150 o pescado e ali lançar posteriormente suas redes e anzóis, ou ainda limpa um trecho do fundo do rio, retirando a galhada para lançar as redes, e esse espaço é utilizado por ele na temporada. A organização do espaço construído para dormir e guardar os equipamentos (terra), apesar da individualização do trabalho (apenas o pescador e seus cônjuges e filhos cadastrados como ajudantes), isso não impede que haja cooperação entre os pescadores. Muitas vezes, um ajuda o outro a limpar o peixe, a revistar redes, a consertar equipamentos. E ainda sobra tempo para conversas, baralho e almoços festivos, como se observa na Figura 26. Figura 26: Almoço no Ponto de Pesca Fonte: Pesquisa de Campo 2011. Os próprios barracos são edificações muitas vezes divididas entre dois até quatro pescadores, demonstrando quanto são organizados, colaborando mutuamente. Assim, o clima de amizade torna-se muito aberto. Os pontos de pesca possuem um ambiente bem familiar. Neles todos se conhecem, emprestam materiais de pesca bem como o barco, ajudando-se mutuamente, como comentado anteriormente. Existe um responsável pela organização dos pescadores em cada ponto, responsável a que alguns chamam de presidente do ponto. 151 As artes de pesca utilizadas no reservatório de Itaipu compreendem redes de espera (simples e tresmalhos), espinhéis, anzóis (espera, galho, cavalinho, linhada e caniço), tarrafas, fisgas e covos. Redes de espera são os aparelhos de pesca tradicionalmente mais utilizados. A embarcação mais utilizada pelos pescadores do reservatório de Itaipu é a de madeira. Essa forma mais rudimentar dos meios de produção exige maior força física desses pescadores, ora a necessidade de agilidade para se deslocarem até os pontos de pesca geralmente distantes; ora a força para armarem e recolherem os apetrechos de captura e peixes; ora retornando para casa para o remendo das redes e, só daí, o descanso. O ato de confeccionar seus equipamentos de trabalho a mão e em grupo, com os colegas e familiares, envolve comprometimentos mútuos de cooperação e de aprendizado, com ganhos econômicos e culturais revertidos em benefício de todos. Tais alianças podem garantir certa segurança no enfrentamento de situações adversas durante a vida cotidiana e sociabilizam o conhecimento estimulando mudanças interpessoais, no sentido de que a partir daí tomam decisões sobre suas vidas. Cada ponto de pesca comporta uma quantidade de pescadores, que constroem seus barracos77 com energia elétrica, cozinha e dormitório, onde armazenam materiais de pesca, o pescado, e onde há equipamentos preparados até para dormir algumas noites, conforme mostra a Figura 27, a seguir. 77 O termo “barraco” é utilizado pelos pescadores para designar as habitações construídas no ponto de pesca. Servem para fins de trabalho, sendo proibido uso para fins de residência. 152 Figura 27: Foto dos Barracos no Ponto de Pesca Fonte: Pesquisa de Campo maio de 2013. Para os pescadores, o trabalho não é submissão ao outro ou às leis dos outros, mas implica um compromisso com o outro e com o passado, ou seja, tê-lo como memória que se transmite e como cultura. 4.3 Formação e Atuação da Colônia Z11 Antes da formação do Lago de Itaipu em 1982, os pescadores do Rio Paraná não eram muitos e não possuíam uma organização de classe em São Miguel do Iguaçu e em outros municípios78. Alguns eram habilitados pela carteira de pesca da Colônia Z13 de Guaíra ou Z12 de Foz do Iguaçu. Depois, porém, com a liberação da pesca no lago em 1984, muitos identificaram nessa atividade um ofício para a sua vida ou nela identificaram, mais imediatamente, uma possibilidade de sobrevivência. No final da década de 1980, quando a pesca ainda era abundante no Lago de Itaipu, o número de pescadores registrados chegou próximo a 500 (MACHADO, 2002, p. 7). 78Butzge (2006) faz uma análise da linguagem e da identidade dos pescadores artesanais em Santa Helena, demonstrando essa realidade. 153 A criação da Colônia Z11, no entanto, não marca o início da pesca profissional em São Miguel do Iguaçu, pois tal atividade era praticada anteriormente pelos pescadores, que se organizaram em associação em 1997, passando a Colônia em 2005, e teve dois presidentes atuando, sendo Adilson Borges em exercício. Neste item busca-se compreender, a partir da presença dos pescadores materializada por suas reivindicações e na persistência em sobreviver da pesca, a formação e atuação dessa colônia de pesca. Os pescadores são organizados em movimento social, aglutinados por uma identidade de luta e como agentes de produção do espaço. Os interesses de grupos ou de indivíduos, quando revelados, adotam um discurso, exprimindo seus anseios a partir da efetiva participação em reuniões, conversas, seminários e, principalmente, nas assembleias gerais. Através do discurso vem à tona a identidade e a necessidade do pescador. Torna-se cada vez mais importante a contribuição do conhecimento dos pescadores na definição das políticas para o setor, talvez em função das falhas ocorridas ao longo das intervenções do Estado. A politização do movimento dos pescadores vem acompanhada de uma maior visibilidade desses sujeitos sociais e pela a valorização de seu saber. Através das formas cumulativas do processo de aprimoramento, que os pescadores sofrem, das suas práticas artesanais e modo de vida, absorvem e/ou produzem novos padrões pela adaptação ao ambiente natural ou humanizado. Podem-se exemplificar, aqueles pescadores que exigem a atuação da Colônia Z11 em busca de financiamentos para barcos e melhorias nos pontos de pesca. Ainda as reivindicações mais básicas da Colônia são novos investimentos, efetivação da cooperativa, implantação do SIM para a pesca no município e incremento do peixe na merenda escolar. Buscam a articulação com outros setores para que seja cumprida a legislação ambiental e para o encaminhamento de denúncias e lutas. Na comunidade pesqueira se observa a importância do direito à terra e à água não só para a reprodução das condições de existência dos pescadores, como também para a reprodução do seu modo de vida. Nesse contexto, ao desafio de acesso à terra é acrescentado outro desafio para os pescadores artesanais: o acesso à água e aos recursos pesqueiros. O acesso à água vem sendo limitado pelo desenvolvimento de grandes projetos de 154 aquicultura. A criação de peixes é uma das atividades que tem apresentado um crescimento expressivo no Brasil nos últimos anos, como discutido nos capítulos anteriores, sendo que a Itaipu vem incentivando essa prática. Tal atividade desenvolve-se nas áreas tradicionalmente usadas por pescadores artesanais. A lógica empresarial da aquicultura entra em conflito com a lógica artesanal da pesca e chama para a cena, novamente, a discussão do valor de uso e do valor de troca do espaço. Nesse sentido, o debate atualmente posto, especialmente por grupos que advogam a expansão da aquicultura, diz respeito ao caráter supostamente atrasado da pesca artesanal. Esse conjunto de ideias define a pesca como um estágio anterior à aquicultura, na qual esta é a evolução natural daquela. Esse debate encontra eco nas políticas públicas engendradas pelo Estado brasileiro e também pela ciência de modo geral, inserindo-se em uma discussão evolucionista e unilateral (KUHN e GERMANI, 2009). Isso revela o preconceito existente em torno da pesca artesanal. Desconsidera-se o seu papel cultural, de baixo impacto ao ambiente natural e sua importância econômica no que diz respeito à soberania e segurança alimentar, já que grande parte da produção artesanal é comercializada/consumida na escala local/regional. Desconsiderando tais questões, o Estado e a iniciativa privada alavancam a formulação de políticas e investimentos na atividade aquícola, levantando um falacioso discurso ideológico que consiste na integração do pescador artesanal com a aquicultura. Entretanto, aquicultura, definitivamente, não é política para pesca artesanal. Historicamente, para os pescadores artesanais, as águas são um espaço de uso comum, apropriado por saberes construídos ao longo dos anos e das gerações. Assim, portanto, na lógica da pesca artesanal, não podem existir cercas, embora existam territórios construídos a partir do conhecimento do espaço do lago. Tudo isso ficou explicitado nas falas dos pescadores do Lago quando questionados sobre a prática da aquicultura: “Pra falar a verdade, menina, a gente prefere pescar o peixe no lago, sem ter que criar ele no tanque, sem ter que ir todo dia pegar o barco e ir até o tanque tratá ele. E ainda a gente gasta tempo e gasta trato para o peixe comê, quando o lago tem comida. Mas fazê o quê!? É muito melhor armar rede, revistar ela, só que a gente acaba fazendo isso por que não tem muita opção, o peixe é pouco. E a Itaipu insiste 155 na criação de peixe, que é melhor pra gente ter mais dinheiro, mas a gente gasta com isso também.”79 Na busca pelos seus anseios que os pescadores se organizam em Colônias, e nestas que se processam as estratégias de territorialização do grupo social. Nesse aspecto, articular diferentes escalas de análise da organização dos pescadores contribui para o entendimento da realidade da comunidade pesqueira da Colônia Z11. Nesta pesquisa, entende-se como movimento social a articulação de um grupo unido por identidade e objetivos comuns e que busca ser reconhecido como sujeito de direito na sociedade. Assim, os movimentos sociais buscam romper com hegemonias e pautar questões sociais específicas ao grupo. É importante destacar que esse grupo, longe de ser homogêneo, apresenta contradições, heterogeneidades e rupturas. A consolidação do processo de organização político-social dos pescadores artesanais vem ao encontro de um momento histórico do nosso país, marcado pelo final do sombrio período ditadura militar e pela redemocratização. Silva (1988) relatou a participação e a importância dos pescadores na abolição da escravatura e na Revolta dos Cabanos, na tentativa de romper com a invisibilidade desse grupo quando da ocorrência desses fatos históricos. Na história recente do movimento dos pescadores, um grande marco de sua construção foi o Movimento Constituinte da Pesca. Com o fim do trabalho de elaboração da nova Constituição brasileira, os pescadores optaram pelo fim do Movimento Constituinte e, em seu lugar, fundaram o Movimento Nacional dos Pescadores (MONAPE). Além de ter havido essa articulação no período da Constituinte, pode-se analisar que se, por um lado, os resultados da Constituinte da Pesca foram positivos, no sentido de ter sido delegada uma maior autonomia organizativa aos pescadores, por outro lado saiu fortalecido um instrumento viciado de representação, que são as Colônias (KUHN, 2007). Isso levou os pescadores a adotarem outra estratégia de atuação, que é a retomada das Colônias, tentando dar a elas o seu caráter verdadeiramente representativo. 79 Entrevista cedida pelo pescador AH em 1º/5/2013. 156 A Colônia de Pescadores Z11 surge como reflexo desse processo, uma sociedade civil sem fins lucrativos, autônoma, órgão de classe dos pescadores profissionais, com sede e foro no município de São Miguel do Iguaçu. A sede da Colônia é bem estruturada, possui um salão (com muitas cadeiras) para reuniões, cursos e festas, possui 10 computadores para cursos de informática, possui uma sala para o escritório (onde atua a secretária) e possui uma cozinha equipada, tal como se pode observar na Figura 28, a seguir. Figura 28: Fotos da Estrutura da Sede da Colônia Z11 Fonte: Pesquisa de Campo maio e junho de 2013. 157 Todos os pescadores conhecem o estatuto da Colônia Z11, pois, antes de entrarem na colônia, precisam conhecer as normas, seus direitos e deveres80. A realização de assembleias gerais acontece numa periodicidade mensal, na segunda sexta-feira de cada mês, revelam a identidade de parcela dos pescadores que a compõem. O espaço de discussões política gira em torno dessas reuniões, nas quais se discute questões pertinentes à pesca no Lago, por pescadores, Itaipu, MPA, Emater, DRS, Cresol, Sindicato Rural e políticos locais e estaduais. Se, porém, se fizerem necessárias outras reuniões extraordinárias são realizadas. Todas as decisões são colocadas e discutidas em grupo, porém existe pouca interatividade entre pescadores e o presidente durante a reunião, mas nas conversas antes e depois da reunião eles conseguem se declarar mais facilmente. Demonstramse muito tímidos, porém quando a conversa se torna mais particular conseguem se manifestar com mais facilidade. Contudo, o presidente busca alcançar os anseios dos pescadores, no que se refere as lutas dos direitos, no que compete a Colônia. Durante as reuniões foi possível observar e constatar que os pescadores participam em pequena porcentagem (35%). Segundo os mesmos, eles podem faltar em algumas reuniões pelo regulamento da colônia, além de que ainda uns informam os outros das questões discutidas. Também a fala do presidente relata que a participação dos pescadores ainda é pouco expressiva. Segundo o presidente da Colônia, os pescadores, na sua maioria, iniciaram a atividade pesqueira com registro há menos de 8 anos, especificamente quando se iniciou o pagamento do seguro defeso. Até então muitos pescavam sem a carteira de pescador de forma clandestina. Após serem cadastrados como pescadores profissionais artesanais e iniciarem a pesca regularizada, deveriam buscar sua legalização perante a colônia, registrar seu barco, seu barraco, pagar anuidades e demais deveres descritos no estatuto. Percebeu-se a insatisfação dos pescadores no que se refere aos valores cobrados. Precisam pagar 15 reais por mês para serem sócios da Colônia além de 300 reais para renovar, cada 3 a 5 anos, a carteira de pescador artesanal. Os pescadores consideram as cobranças abusivas demais, relataram que outras colônias tem valores mais baratos, mas acabam pagando para poder pescar nos pontos de pesca no Lago e poderem receber o seguro na piracema. Como não 80 No ANEXO 4 segue o Estatuto da Colônia Z11. 158 existem valores fixados pelo governo, dando liberdade para cada diretoria das Colônias estabelecerem os valores. Por tudo isso entende-se a existência ainda da clandestinidade no Lago. Nesse viés considera-se a clandestinidade um grave problema na Colônia Z11. Neste item a colônia deixa de ser uma entidade reacionária em busca dos direitos dos pescadores e passa a ser uma instituição do governo. Os pescadores demonstraram estar intimidados a exigir valores mais justos, pois temem a punição, não poder mais renovar sua carteira, pois esta precisa ser assinada pelo presidente e posteriormente é encaminhada pela colônia ao MPA. Assim os pescadores ficam totalmente atrelados e dependentes a Colônia e as decisões unilaterais da diretoria. Outo problema percebido se refere a estrutura pesqueira da Colônia e do Lago que deixa a desejar, devido a ausência do SIM que impede a comercialização formal. Os circuitos do comércio estão fragilizados, mesmo com investidas das entidades como o DRS. A atuação do DRS foi relatada em entrevista com Valmir Matiello presidente deste órgão: “O DRS busca desenvolver sustentavelmente a pesca no Lago de Itaipu e em São Miguel do Iguaçu. Em parceria com a prefeitura buscamos promover festas, para o pescador ser reconhecido no município, estamos sempre dispostos a ajudar e encaminhar o pescador para conseguir incentivos e financiamentos. Anualmente ajudamos os pescadores da Colônia Z11 a realizar a Festa do Peixe, que promove a pesca e os ajuda a vender o pescado, sempre próximo a semana santa ”. Existem Unidades de Abate nos Pontos de Pesca instituídas pela Itaipu, mas sem o SIM fornecido pela prefeitura não podem funcionar. A figura 29 representa essas unidades e os pescadores atuando no ponto de pesca. 159 Figura 29: Unidade de Abatedouro no Ponto de Pesca e Pescadores Fonte: Pesquisa de Campo maio de 2013. Os pescadores buscam constantemente mudar essa realidade, sendo um dos assuntos mais discutidos, porém relatam que sentem falta de apoio, principalmente dos agentes políticos, nessa questão. Os pescadores avaliam positivamente a atuação da Colônia Z11 e se sentem representados por esta. O DRS do Banco do Brasil, a Itaipu, as prefeituras, as instituições de ensino parceiras, MPA estão sempre em articulação (Figura 30 representando alguns destes encontros), mas a realidade não muda ou, se muda, isso ocorre a passos bem lentos. 160 Figura 30: Fotos de Reuniões com Agentes Políticos, Representantes do MPA e Pescadores Fonte: Pesquisa de Campo maio a dezembro de 2012. Segundo o presidente da Colônia, é preciso urgentemente fortalecer a atuação das parcerias e convênios, tornando tudo mais eficiente. Precisa-se que os prefeitos estejam mais comprometidos com a realidade pesqueira do Lago. Todos os pescadores deixaram explícita a insatisfação com os políticos locais, como prefeito e vereadores, como relatado por um desses pescadores: “Todos quando são candidatos prometem ajudar a causa do pescador, mas ninguém faz nada. Prometeram colocar o peixe na merenda escolar, criar uma secretaria da pesca junto com a agricultura, prometeram dar ajuda financeira... meu, tanta coisa... até ajudar na questão do frigorífico... mas nada fizeram... entra um e sai outro e tudo fica assim... e nóis pescadores estamos aí esperando as promessas...”81 A institucionalização da pesca na Colônia remete a outro grupo social além dos pescadores. Seria formado pela Itaipu e pelo MPA, dotado de outra forma de conhecimento que viabiliza uma estrutura política que, por sua vez, formula o seu próprio poder, mantendo-se nele e se reproduzindo, e que interfere na organização 81 Entrevista cedida pelo pescador TH em 22/5/2013. 161 da pesca profissional artesanal e no modo de vida desses pescadores, pois estes acabam sempre se sujeitando às normas e leis criadas. Embora a maioria dos pescadores (60%) avalie a Itaipu Binacional como a instituição mais presente e atuante no dia a dia, muitos pescadores manifestaram sua indignação com a atuação desta no que se refere à diminuição do pescado pelo rebaixamento das águas e outros fatores já mencionados. É possível perceber que as políticas organizadas e proclamadas parecem apontar para uma orientação que despreza tanto a forma de trabalho do pescador profissional artesanal, no sentido em que desqualifica o modo de trabalho desse profissional, quanto despreza as relações de trabalho artesanal, a captura e o manejo pesqueiro e, por conseguinte, o seu modo de vida. O discurso de contribuir para a equidade do uso sustentável do recurso pesqueiro não elimina o risco e, na verdade, o amplia, pois as estratégias discursivas excluem a alteridade na busca da modernidade e tecnologia. Assim, pensar numa gestão participativa da pesca seria ideal, em que mecanismos de negociação e de consenso que envolvam o pescador estejam assegurados, pensando na possibilidade de reduzir o impacto da modernização do território sobre as comunidades de pescadores profissionais e assegurar o valor da tradição. É importante não permitir a ascendência dos interesses políticos que tomem a pesca como assunto de seus negócios e pretensões sem o devido benefício e compromisso ético com a categoria. Por isso, dever-se-ia sempre incluir o pescador em múltiplos processos socioambientais, em projetos e em políticas públicas. O pescador profissional artesanal, quando inserido num espaço de discussão, tem, aparentemente, certa autonomia da palavra, no sentido em que a liderança constituída pode solicitar o direito a falar dos problemas e das aspirações do grupo. Essa autonomia pressupõe que seja possível o pescador sentir-se membro de um grupo mais abrangente o qual as entidades dizem representar. As expectativas mencionadas pelos pescadores da Colônia Z11 esperam uma interação desta com os agentes e instituições da pesca em prol da preservação de seu modo de vida além da produção. Porém as políticas acabam apoiando investimentos em produtividade, não em manutenção ou em adequação das culturas pesqueiras. 162 CONSIDERAÇÕES FINAIS Dedicar-se a elaborar um trabalho dissertativo sobre a pesca artesanal e refletir sobre as suas principais problemáticas pressupõe o entendimento da pesca artesanal como uma atividade complexa e que forma territórios. A construção desses territórios perpassa por uma série de desafios e de conflitos, mas que tem como base comum a valorização capitalista do espaço geográfico e as diferenciações de interesses sociais, políticos e econômicos. A grande contradição que a análise geral da pesca artesanal revela no trabalho, é que essa atividade, apesar de possuir um forte significado econômico, cultural e ambiental, ela, no seu desenvolvimento, é desacompanhada de políticas públicas proporcionais à sua importância. O Estado brasileiro, historicamente, negligenciou a pesca artesanal, deixando-a desassistida nas necessidades essenciais para o seu fortalecimento e mesmo para a sua sobrevivência, sendo os pescadores artesanais considerados ineficientes e improdutivos. O que ocorre, porém, é que as estatísticas apresentadas e discutidas contradizem isso, pois os dados revelam que a pesca artesanal é um setor produtivo tão importante, em termos de produção, quanto a pesca industrial. Percebe-se, então, que a pesca artesanal necessita de muito mais do que apenas políticas de assistência social. Precisa também ser reconhecida como uma atividade econômica importante e, como tal, precisa dispor de políticas específicas para o seu desenvolvimento, tal qual ocorre com outros setores econômicos. Ao estudar a questão pesqueira do Lago de Itaipu, constata-se que a atuação dos pescadores forma o “território da pesca”, partindo do princípio de que toda relação de poder desempenhada por um sujeito no espaço produz um território, ao apropriarem e usarem esse espaço para as suas necessidades profissionais e cotidianas, por nele interagirem. As relações de poder existentes nesse território são desempenhadas pelos sujeitos, aos quais denominamos sujeitos territoriais. Esses sujeitos se apresentam como o pescador, a sua família, a coletividade da Colônia Z11, os grupos locais, o Estado, as empresas. Assim indissociável das relações de poder e dos conflitos que ali são estabelecidos, revela-se a territorialidade do pescador. 163 A territorialidade passa a ser identificada em perspectivas não apenas remetidas à materialidade (política, economia), mas vinculadas (e/ou incorporando) à dimensão simbólica também (imaterialidade). O Lago de Itaipu constitui oficialmente um território, o “território lindeiro”, legitima-se esse território a partir do espaço social produzido, (alagamento das terras e formação do reservatório da Usina de Itaipu), das delimitações físicas (Colônias e pontos de pesca) das relações sociais, de poder e de suas representações simbólicas (modo de vida dos pescadores). Esse fenômeno territorial é reconhecido aqui como produto das relações sociais de poder que se manifestam nas ações dos mais variados agentes sociais e, não apenas, como produto da ação estatal e, que resulta numa gama de conflitos territoriais. Nesse sentido, as considerações ora em apresentação têm o objetivo de retomar, não de forma conclusiva, mas, sim, de forma reflexiva, alguns pontos discutidos na formação e nos conflitos desse território pesqueiro. O pescador e a pesca do Lago de Itaipu possuem características bem específicas, por isso destacamos as seguintes: (i) Os pescadores se configuram numa comunidade pesqueira, por apresentarem características de companheirismo, ajuda mútua e convivência no trabalho diário da pesca, nas festividades e nas reuniões da Colônia Z 11, mesmo as moradias sendo distantes umas das outras. (ii) O pescador não possui uma tradição secular (pois o ofício é recente na região), isso não o torna menos pescador. Este se caracteriza por ser um pescador/agricultor na maioria dos casos. Mesmo afirmando que a pesca é sua principal fonte de renda, constatou-se a diversidade de atividades desenvolvidas, além da agricultura: apicultura, trabalhador informal no campo e na cidade, servente de pedreiro (pluriatividade). (iii) A atuação feminina no ambiente da pesca é bem expressiva. Os pescadores são, na maioria homens, são os que realizam a pesca no Lago. A mulher pescadora realiza trabalhos de ajuda e de limpeza do pescado. Os filhos ajudam até atingirem idade para estudar ou para trabalhar fora de casa. A arte de pescar e a utilização dos apetrechos de pesca são considerados atividade simples e artesanal, principalmente no que se refere à utilização dos barcos de madeira (com motor) e de redes. 164 (iv) Os conflitos territoriais são bem visíveis no que se refere ao uso do Lago por outros pescadores (profissionais, amadores e clandestinos), pelos contrabandistas, pela Itaipu Binacional com a produção energética (que rebaixa o nível do reservatório conforme sua conveniência e em decorrência do regime de chuvas da bacia superior do Rio Paraná) e pelo MPA, quando muda normas da pesca que afetam o grupo. Nos conflitos territoriais ficou explícito a clandestinidade como fator decorrente, principalmente, da atuação clientelista da Colônia, que deixando de lutar por direitos de forma gratuita, passando a exigir valores abusivos de mensalidade e taxas para renovação da carteira de pescador. (v) Os embates políticos são muitos, principalmente entre interesses estatais e dos pescadores. No jogo de interesses presentes no Lago de Itaipu, percebeu-se as intenções da Itaipu em desenvolver projetos idealizados em função da busca pela sustentabilidade econômica e ambiental. Mas na realidade, é pertinente para a Itaipu a existência dos pescadores, pois estes se tornam cuidadores do lago enquanto vivem nele. Quanto a criação de peixe em tanques-rede, projeto incentivado pela Itaipu visa a produção em quantidade, porém os pescadores, em sua maioria, preferem extrair o pescado mantendo seu modo de vida, não criar o pescado, mas, pela falta de estoque natural no reservatório e pela necessidade econômica, acabam realizando a atividade. Outro embate se refere aos circuitos da comercialização da pesca que estão fragilizados. A Colônia Z11 busca a criação do Sistema de Inspeção Municipal em São Miguel do Iguaçu, convênios com a Prefeitura Municipal e luta pela liberação de peixes do gênero Tilapia para a venda em frigorífico. Um dos graves problemas da pesca artesanal é o estoque natural de peixe e a questão da rede de comercialização deste produto, que em geral é realizada com a presença de intermediários e que se apropriam da renda dos pescadores artesanais. É preciso fazer com que a cadeia de produção se estruture no sentido de capacitar e fortalecer os pescadores artesanais. Com mais autonomia no processo produtivo, os pescadores teriam condições de vida mais dignas. No entanto depara-se com uma realidade difícil, a escassez do pescado no Lago, o que promove uma política divergente dos anseios do modo de vida artesanal. 165 Do ponto de vista da pesca, a execução de políticas (principalmente o projeto Mais Peixes em Nossas Águas) preveem a organização e a modernização do setor no Lago e na Colônia, estariam em busca da produtividade, onde os pescadores artesanais são levados a enxergá-la como alternativa adequada (geralmente única) para a resolução do problema, numa tentativa de disciplinar o pescador para a atividade criatória de peixe, mesmo o pescador do Lago preferindo extrair o pescado do reservatório. Os pescadores artesanais do Lago de Itaipu, da Colônia Z11 estão inseridos em um contexto de mudanças na pesca contemporânea mudanças marcadas pelo avanço do capitalismo, e que acabam sendo aceitas pela condição do pescador, sem pescado não pode ficar. Indagações e dúvidas aparecem no decorrer da pesquisa. Os pescadores, em sua maioria, surgem a partir da formação do Lago, sendo que já possuía outra ocupação ou profissão, geralmente na agricultura. Então esse sujeito é pescador ou é agricultor? A pesca é sua profissão, seu modo de vida, ou é apenas uma alternativa a mais? Pode-se dizer que os pescadores vivenciam a expansão das relações sociais capitalistas à medida que precisam viver novas relações de produção, não os descaracterizando por isso. Continuam pescadores artesanais mesmo criando pacu ou tilápia em ambientes confinados e que continuam pescadores mesmo trabalhando como agricultores e/ou em outras atividades. Isso pode ser dito, pois o que os faz pescadores é o seu sentimento de pertencimento a essa classe e ao seu território, é o seu modo de vida, é a sua convivência com o grupo e a comunidade. É justamente essa diversidade de sujeitos e de conceitos que caracteriza os pescadores da Colônia Z11. Trata-se de uma comunidade pesqueira com sujeitos distintos, mas com sua própria unidade e modo de vida. A construção desse território perpassa por uma série de desafios, mas que tem como base comum a organização, as relações de poder, os conflitos e o modo de vida. Desse modo, admite-se a complexidade do território na pesca artesanal e sua organização de grupo social figura como uma estratégia de territorialização. Por isso, cabe à organização dos pescadores a transformação na atividade, sendo necessário reescrever a correlação de forças em que a atividade se insere, vez que, ao contrário dos discursos hegemônicos atualmente difundidos, ficou demonstrado, nesta pesquisa, que a pesca artesanal apresenta grande viabilidade econômica, social e 166 ambiental. O pescador precisa deixar de ser invisibilizado pela sociedade e pelo Estado, deve mostrar sua força e importância. Para isso é necessário fortalecer a atuação do grupo e da Colônia, acabando com o clientelismo e formando lutadores. A partir do estudo dos pescadores artesanais foi possível construir o entendimento de que ser pescador artesanal é ser possuidor de um arcabouço de conhecimento que é histórica e culturalmente construído e, geralmente, transmitido de pai para filho, através dos tempos. São conhecimentos que dizem respeito às técnicas de captura de pescado aplicadas em relação aos ritmos da natureza. Mesmo assim, mais que isso, ser pescador artesanal pressupõe a construção de uma lógica diferenciada para se relacionar com a natureza. A discussão sobre o que significa ser pescador artesanal na comunidade não se limita à exclusividade na atividade pesqueira. Ela adquire outras dimensões, como a pluriatividade e os conflitos de interesses e de identidades que são necessárias para o sustento do grupo e a manutenção do território. A comunidade pesqueira da Colônia tem a organização do setor como estratégia de territorialização. A Comunidade tanto contribui para a construção do sistema organizativo institucional, quanto é diretamente influenciada por ele. Desse modo, admitindo-se que é o momento de colocar um “ponto final” no processo que envolve a pesquisa, vislumbra-se, como apontamento, reinterpretar mais elementos que aparecem no estudo, levando a perceber que a complexidade do território na pesca artesanal do Lago de Itaipu envolve uma maior gama de conflitos e de contradições. 167 REFERÊNCIAS ABCC. Associação Brasileira de Criadores de Camarão. História da Carcinicultura no Brasil. Disponível em:<http://www.abccam.com.br/historico2.html>. Acesso em 21 set. 2010. ABDALLAH, P. R., BACHA, J. C. “Análise Benefício/Custo da Política Brasileira de Incentivo Fiscal à Pesca”, In: Revista de Economia e Sociologia Rural.v. 37, n. 3, Brasília: SOBER, jul./set. 1999. ALMEIDA, Maria Geralda de. 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ZONA FLUVIAL Área 1 – Guaíra:Situada na cidade de Guaíra, na região de transição entre o ambiente lótico do rio Paraná e o lêntico do reservatório de Itaipu. O local é caracterizado por um alargamento do rio Paraná, onde este apresenta baixa profundidade e fundo de natureza rochosa. A influência do reservatório é menos pronunciada, sendo as águas superficiais ainda velozes. A pesca é exercida com tarrafas para a captura de cascudos. Área 2 - Guaíra e imediações: Localiza-se entre as imediações da cidade de Guaíra e a foz do arroio Capivari. É uma região relativamente estreita do reservatório, com grande profundidade, especialmente nos pontos coincidentes com o antigo leito do rio. Em seu leito da margem esquerda, ocorre uma mata de paliteiro, afogada quando do alagamento de terras paraguaias. A pesca nessa região é realizada predominantemente com espinhéis, para a captura de grandes bagres. As maiores concentrações de pescadores estão localizadas na vila Santa Clara, Taturi, Passo Itá, São João e Salto Maria. Área 3 - Oliveira Castro: Situada no distrito de Dr. Oliveira Castro, município de Guaíra. Essa área do reservatório apresenta-se pouco alargada. Na margem direita, ocorre grande acúmulo de vegetação arbórea em decomposição. Os pescadores encontram-se na vila de Dr. Oliveira Castro e nas localidades de Goiabeira, Água Verde, Salto 24, Córrego da Onça e Salamanca. A pesca nesta área, antes efetuada basicamente com anzóis para a captura de peixes de couro, passou no ano de 1997 a empregar com maior frequência redes de espera. Área 4 – Arroio Guaçu: Está localizada no distrito de Arroio Guaçu, município de Mercedes, até as imediações do arroio São Luiz. Apresenta um dos principais tributários da margem esquerda, o rio Arroio Guaçu, cujo curso médio e inferior apresentam-se sinuosos. A atividade pesqueira é realizada principalmente nas cercanias de sua desembocadura no reservatório, e envolve redes de espera e anzóis. Área 5 - Porto Mendes: Essa área localiza-se entre a foz do arroio São Luiz e a Sanga Apepu, distrito de Porto Mendes, no município de Mercedes. Sua margem direita apresenta os rios Possuelo e Carapã, importantes por apresentarem trechos não represados e grande número de lagoas marginais. Os pescadores atuantes na pesca comercial são moradores do patrimônio de Porto Mendes, ou lindeiros próximo às margens do reservatório. ZONA DE TRANSIÇÃO Área 6 - Pato Bragado: Situada no município de Pato Bragado, entre a foz do rio Branco e a margem esquerda do rio São Francisco. A pesca é realizada principalmente na porção alagada desses tributários. Os pescadores residem na cidade de Pato Bragado e imediações do reservatório. Pescadores oriundos de regiões mais afastadas do corpo do reservatório, como a de Marechal Cândido Rondon, deslocam-se para essa área para a pesca. Área 7 - Entre Rios: Localizada no município de Entre Rios, entre a margem direita do rio São Francisco e o distrito de São Clemente. Na margem direita do reservatório encontra-se o rio Itambey, um dos principais afluentes paraguaios. A pesca nessa região, baseada no uso de redes de espera, é realizada principalmente nos braços da margem esquerda do reservatório, formados pelo alagamento de antigos afluentes do rio Paraná, em especial o rio São Francisco. A pesca também é realizada nos riachos e córregos do Marreco, Facão Torto, Sanga Alegre e Felicidade. Área 8 - Santa Helena: Situada entre o distrito de Subsede São Francisco e o rio Dois 187 Irmãos, no município de Santa Helena. A pesca nessa área é realizada principalmente nas partes alagadas do antigo leito do rio São Francisco Falso, afluente de grande porte em sua margem esquerda. A este, segue-se, em ordem de importância, o rio Dois Irmãos. Entre os apetrechos de pesca, destacam-se as redes de espera, que predominam também na atividade de pesca nas áreas seguintes. Área 9 - Vila Celeste: Localizada em Vila Celeste, distrito de Santa Helena, entre as localidades de Santa Helena Velha e o rio São Vicente. A pesca é realizada, sobretudo, nas localidades de São Vicente Grande, São Vicente Chico, Santa Helena Velha, Moreninha, Esquina Rosa e Dom Armando. Essa área recebe, em sua margem direita, o rio Limoy, maior afluente paraguaio. ZONA LACUSTRE. Área 10 São José do Itavó: Trecho do reservatório localizado entre a foz do rio São João e a margem esquerda do rio Ocoí. A pesca nesse trecho é exercida por pescadores oriundos das cidades e vilas ribeirinhas, como as de Vila Natal, Padre Feijó/distrito de Missal, Sol de Maio, Esquina Gaúcha, Itacorá, Santa Inês e Jacutinga, localizadas no município de Itaipulândia. A pesca é exercida principalmente no rio São João e nas entradas de braços do reservatório. Área 11 São Miguel do Iguaçu: Localizada no município de São Miguel do Iguaçu, entre a margem direita do rio Ocoí e a margem esquerda do rio Passo Cuê, englobando os centros de pescadores de Vila Ipiranga, São José do Ocoí, Santa Rosa do Ocoí, Paulistana, Mauritânia, Saquarema e as cidades de São Miguel do Iguaçu e Medianeira. Os trechos com maior atividade pesqueira ocorrem nas partes alagadas do rio Ocoí e arroio Pinto. Área 12 Santa Terezinha do Itaipu: Compreende o trecho do reservatório entre a margem direita do rio Passo Cuê e a área de proteção próxima à barragem do reservatório de Itaipu (Refúgio Biológico de Bela Vista). Os pescadores concentramse nas localidades do Alto do Bela Vista, Barro Preto, Três Lagoas, Alvorada do Iguaçu, Pinho e na cidade de Santa Terezinha do Itaipu. Essa área apresenta em sua margem esquerda o rio Gabiroba, em cujo leito alagado ocorre um expressivo esforço de pesca. 188 ANEXO 4 Estatuto da Colônia Z11 189 190 191 192 193 194 195 APÊNDICES APÊNDICE 1 Questionários realizado aos pescadores..........................................196 APÊNDICE 2 Questões das entrevista realizadas com os sujeitos da pesquisa....................................................................................................................198 196 APÊNDICE 1 Questionários realizado aos pescadores UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA – NÍVEL DE MESTRADO INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS Questionário: pescadores do Lago de Itaipu (todos) 1- Perfil dos pescadores Nome:..................................................................................................... 1.1) Sexo: ( ) Feminino ( ) Masculino 1.2 ) Estado civil ( )casado(a) ( ) solteiro (a) ( ) viúvo(a) ( ) separado(a) 1.3) Idade:................................. Nascido em qual Estado:....................................Município.......................................... 1.4 )Grau de escolaridade: ( ) não possui escolaridade ( ) 1º grau incompleto ( ) 1º grau completo ( ) 2º grau incompleto ( ) 3º grau incompleto ( ) 3º grau completo ( ) Superior ao 3º grau 1.5) Renda familiar: ( ) Inferior a 1 salário mínimo ( ) 1 a 4 salários mínimo ( ) 5 a 10 salários mínimo ( ) Acima de 10 salários mínimo 1.6Outra Profissão ( ) Agricultor ( )assalariado ( ) pescador ( ) autônomo 1.7Pesca á quantos anos ? ( ) antes da formação do Lago ( )Desde 1982 ( ) Desde 1995 ( ) Desde 2005 Oucoloque o ano................... 2. Avaliação da pesca - Instituições 2.1) Você considera o Lago de Itaipu um território voltado para a pesca artesanal? Sim( ) Não ( ) 2.2) Você acha que o ponto de pesca e o Lago possuem estrutura qualificada para seu trabalho? Sim( ) Não ( ) 2.3) Se sua resposta for afirmativa, por quais motivos isso ocorre? ( )Equipamentos de pesca suficientes e adequados; ( ) Pescado suficiente; ( ) Incentivo da Itaipu e entidades locais; ( ) Ponto de pesca bem estruturado; ( )Auxilio desemprego na época da piracema ; ( ) Destinação de venda ao pescado; ( ) Preservação ambiental adequada. ( ) Outros _________________ 2.4) Se sua resposta for negativa, por quais motivos isso ocorre? ( )Equipamentos de pesca insuficientes e inadequados; ( ) Pescado insuficiente; ( ) Falta de incentivo da Itaipu e entidades locais; ( ) Ponto de pesca mal estruturado; ( ) Insuficiente destinação de venda ao pescado; ( ) Falta de preservação ambiental adequada; ( ) Pesca predatória; ( ) Outros _________________ 197 2.5) Sua família consegue sobreviver apenas com a renda da pesca? Sim( ) Não ( ) 2.6) Com a receita obtida do pescado você conseguiu investir e melhorar suas condições de trabalho e de vida? Sim( ) Não ( ) Pouco ( ) 2.7) O que reformou ou adquiriu? ( )Equipamentos de pesca, como rede e barco; ( ) Reforma de embarcação e/ou barraco; ( ) Bens duráveis dentro de casa; ( ) Outros_____________ 2.8) Tem alguém em sua família que está adotando esse legado ( pescador)? Sim( ) Não ( ) Com que frequência pesca no Lago ? ( ) diariamente ( ) semanalmente ( ) quinzenalmente ( ) mensalmente 2.9) Quais as medidas que deveriam ser adotadas para melhorar a pesca ? ( ) Aumento do período da despesca ou piracema ( ) Maior incentivo da Itaipu na soltura de alevinos e outras espécies; ( ) Aumento da fiscalização e dos subsídios econômicos; ( ) Trabalho de conscientização com a população em relação a pesca predatória e cuidados com o meio ambiente; ( ) Parcerias com a prefeitura, como a inclusão da polpa de peixe na merenda escolar; ( ) Criação de cooperativas; Participa de alguma cooperativa da pesca? ( ) sim ( ) não 2.10) De que forma avalia atuação da Itaipu na pesca artesanal de seu município? ( ) ótima ( )boa ( )regular ( )péssima Relate os motivos que levaram essa conclusão. O que a Itaipu faz (ou não) pelos pescadores. ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 2.11) Relate quais incentivos recebem de órgãos públicos e como estes atuam na pesca artesanal do Lago de Itaipu: DRS:______________________________________________________________________ MAP:______________________________________________________________________ SFPA-PR: ______________________________________________________________ Políticos locais (prefeitura e câmara de vereadores) ___________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ 3. Avaliação da Colônia de Pesca Z11 3.1) Como você avalia o trabalho da Colônia de Pesca Z11 (presidente )? ( ) ótimo ( )bom ( )regular ( )péssimo Relate os motivos que levaram essa conclusão. ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 3.2) Com que frequência vai as reuniões e assembleias promovidas pela Colônia de Pesca Z11? ( ) Sempre ( )Algumas vezes ( )Raramente ( )Nunca Justifique.____________________________________________________ 3.3) Como você avalia a organização da Colônia e pescadores Z 11 e seu envolvimento com outras colônias ? Relate. ___________________________________________________________________________ 3.4) Prefere pescar no Lago de Itaipu ou criar peixe em tanque rede ? Por quais motivos? 198 APÊNDICE 2 Questões das Entrevistas realizadas com os sujeitos da pesquisa UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA – NÍVEL DE MESTRADO INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS Entrevista: pescadores do Lago de Itaipu Iniciais do Nome: Idade: Por quais motivos se tornou pescador artesanal no Lago de Itaipu? O que mais gosta em ser pescador? Qual a importância social e econômica de um pescador para a colônia e para a sociedade? O lago é importante para você? O que você pensa sobre a atuação da colônia de pescadores Z11 e da Itaipu? Relate seu cotidiano de pescador num dia que sai para pescar? __________________________________________________________________________ INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS Entrevista: Presidente DRS e Banco do Brasil-SMI Qual a importância do DRS para as Colônias de Pescadores do Lago de Itaipu, especialmente a ColôniaZ11? Como o DRS promove o desenvolvimento do território da pesca? Quais são as parcerias do DRS com os pescadores? O que mudou para os pescadores com as parcerias? Relate. Qual a importância social e econômica de um pescador para a colônia e para a sociedade? ___________________________________________________________________________ INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS (IV) Entrevista: Itaipu Binacional Quais os incentivos que a Itaipu Binacional apresenta para o setor pesqueiro? Estes chegam aos pescadores de que forma? Como a Itaipu Binacional contribui para os pescadores do Lago de Itaipu na manutenção do território da pesca? Quais as medidas tomadas pela Itaipu Binacional para o fortalecimento da pesca artesanal nos municípios lindeiros ao Lago? __________________________________________________________________________ INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS 199 Entrevista: PREFEITURA Como a Prefeitura Municipal de SMI avalia o setor pesqueiro no município (importância social e econômica do setor e do pescador)? Quais os incentivos que a Prefeitura Municipal de SMI apresenta para o setor pesqueiro? Estes chegam aos pescadores de que forma? Quais as medidas tomadas pela Prefeitura para o fortalecimento da pesca artesanal nos municípios lindeiros ao Lago a partir desta gestão? ________________________________________________________________________ INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS Entrevista: Presidente Colônia de pescadores Z11 do Lago de Itaipu Relate quando e como foi a formação da Colônia de Pescadores Z11? Quantos são os associados da Colônia Z11? Quantos são associados á Cooperativa? Trace o perfil dos pescadores. Antes da existência da colônia como os pescadores se organizavam e eram representados? Existem parcerias com outras colônias de Pesca do Lago de Itaipu?Qual(is)? Como funciona? Existem outros parceiros da Colônia de pescadores Z11 que contribuem para sua gestão e organização territorial? Como o senhor na categoria de Presidente da Colônia avalia a Colônia de pescadores Z11 e sua importância para os pescadores e a sociedade em geral? Quais são as principais dificuldades enfrentadas no setor pesqueiro? Quais os benefícios que a organização da colônia oferece aos pescadores? Qual tem sido a relação da colônia com órgãos públicos? Qual a importância social e econômica de um pescador para a colônia e para a sociedade? O que é exigido da pessoa que tem interesse em ser um pescador no lago e associado á colônia Z11? __________________________________________________________________________ INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS Entrevista: Câmara de Vereadores. Como a Câmara Municipal de SMI avalia o setor pesqueiro no município (importância social e econômica do setor e do pescador)? Quais os incentivos apresentados para o setor pesqueiro? Estes chegam aos pescadores de que forma?