UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ – UNIOESTE
CAMPUS DE FRANCISCO BELTRÃO
PROGRAMA DE PÓS–GRADUAÇÃO – STRICTO SENSU NÍVEL DE MESTRADO
EM GEOGRAFIA
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO – PRODUÇÃO DO ESPAÇO E MEIO AMBIENTE
LINHA DE PESQUISA: DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E DINÂMICAS
TERRITORIAIS
GRAZIELE FERREIRA
COMUNIDADE DE PESCADORES ARTESANAIS NO LAGO DE ITAIPU CONFLITOS TERRITORIAIS NA COLÔNIA Z11 DE SÃO MIGUEL DO
IGUAÇU/PR.
FRANCISCO BELTRÃO – PR
Junho, 2014
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ – UNIOESTE
CAMPUS DE FRANCISCO BELTRÃO
PROGRAMA DE PÓS–GRADUAÇÃO – STRICTO SENSU NÍVEL DE MESTRADO
EM GEOGRAFIA
GRAZIELE FERREIRA
COMUNIDADE DE PESCADORES ARTESANAIS NO LAGO DE ITAIPU CONFLITOS TERRITORIAIS NA COLÔNIA Z11 DE SÃO MIGUEL DO
IGUAÇU/PR.
Dissertação de Mestrado apresentada à
banca examinadora do Programa de PósGraduação de Mestrado em Geografia, da
Universidade Estadual do Oeste do Paraná,
como requisito parcial para a obtenção do
título de Mestre em Geografia – Área de
Concentração: Produção do Espaço e Meio
Ambiente.
Linha
de
Pesquisa:
Desenvolvimento Econômico e Dinâmicas
Territoriais.
Orientador: Prof. Dr. Edson Belo Clemente
de Souza
FRANCISCO BELTRÃO – PR
Junho, 2014.
DEDICO
Aos meus paizinhos queridos, Inácio e
Noeli, que lutaram frente ás dificuldades
da vida, me ensinando a persistir sempre.
Minhas inspirações de vida. Também á
minha amada irmã, Micheli.
Ao meu esposo e companheiro de todas
as horas Cleverson, que sempre me
apoiou e incentivou.
Aos pescadores e pescadoras do Lago de
Itaipu, pessoas humildes de coração, que
buscam manter a esperança e a alegria
de viver. Lutam incansavelmente por
condições dignas de vida, e, que serviram
de exemplo para mim.
AGRADECIMENTOS
Essa dissertação do mestrado foi sendo construída ao longo do tempo e por
diversas mãos que ajudam, por isso lembro e sou muito grata a todos que me
auxiliaram nessa longa caminhada. Considero pessoalmente que este é resultado de
um esforço coletivo de todos!
Inicio agradecendo Deus pelo dom da vida, pela fé e perseverança para
vencer os obstáculos. Obrigado pela preciosa oportunidade, por ouvir minhas
angústias diariamente, por acalmar meu coração e por oportunizar a escrita desses
singelos agradecimentos.
Minha gratidão em especial para:
A Instituição: UNIOESTE- Universidade Estadual do Oeste do Paraná,
Campus de Francisco Beltrão, por possibilitar o aperfeiçoamento de meu
conhecimento científico.
Ao professor orientador Edson Belo Clemente de Souza, pelo interesse e
dedicação na pesquisa (de um tema pouco explorado), pelas horas de leitura e pelas
sugestões riquíssimas. Obrigado pela orientação e pela condução desta pesquisa.
Aos professores do PPG em Geografia, pela possibilidade de discussões,
leituras e conhecimento durante as disciplinas.
Aos funcionários da biblioteca da Unioeste; à secretária do mestrado
Andreia, pela prestabilidade e agilidade, sempre disposta á ajudar.
A Faculdade Uniguaçu-Faesi e ao coordenador do curso de Geografia, Jair
Raffaelli, pela compreensão nas ausências das aulas.
Aos colegas de curso, pela oportunidade de conviver com pessoas com
formações, trajetórias e histórias de vida tão distintas, mas que por compartilhar
tantos sonhos e anseios acabam se tornando amigos em pouco tempo. Foram
muito importantes e não precisam estar pertos para se fazerem presentes.
Amigos que jamais esquecerei, querida Elisandra, quantas conversas e
confidências, parece que nos conhecemos há tanto tempo! Obrigada pelas
matrículas e milhares de favores que fizestes! Aline e Karise sempre companheiras!
Léia, Juliane, Anderson, Vânia, Adriana, Suelen, Luana, Jéssica e Alex adorei
conviver com vocês! Doida da Josi e a serena Bea, inesquecível ENG 2012! E
muitos outros amigos, amigos de disciplinas, dos trabalhos de campo, de
congressos e cursos. Não conseguirei relatar todos, mas foram extraordinários!
Aos parentes, amigos e amigas, próximos ou distantes, que ofereceram as
mais diversas formas de apoio, torceram por mim, oraram por mim, discutiram ideias
e informações, todos formam importantes!
A tia da Pensão: Dona Maria, uma senhora de 76 anos, inigualável! Muito
disposta, animada, justa, caridosa, companheira, com uma história de vida
formidável! Obrigada pelas inúmeras vezes que ficou esperando eu chegar com o
ônibus ás 01 hr da manhã!
Ao Ir. Marista Aloísio Kuhn, amado e respeitado tio avô, que muito me
auxiliou, responsável pela primeira correção ortográfica da dissertação para a
qualificação. Muito obrigado pela ajuda e pelas orações!
Ao Celio Escher, corretor ortográfico da dissertação que muito me ajudou.
Obrigado pela dedicação, sempre disposto a corrigir.
Um agradecimento particular, a comunidade pesqueira da Colônia Z11, sem
vocês essa pesquisa não existiria! Aos pescadores entrevistados e todos que de
alguma maneira contribuíram para a coleta de dados, onde conquistei muitos amigos
e conheci um pouco da realidade dessas pessoas humildes de coração. Obrigado
pelas experiências e lições de vida que levarei sempre comigo, o amor á vida e a
natureza, o respeito uns com os outros. Agradeço os “passeios” de barco, os
almoços e as conversas. Aprendi muito com vocês!
Ao
presidente
da
Colônia
Z11,
Adilson
Borges,
pela
paciência,
disponibilidade e prontidão em responder minhas dúvidas, fornecer os dados, me
acompanhar no campo e nas casas dos pescadores! Obrigado pelo “se precisar
estamos aí”!
Por fim, e de maneira muito especial, à minha família, pessoas que amo
muito, mamãe Noeli, papai Inácio e maninha Micheli por ter me acompanhado
nesta difícil, mas também agradável caminhada. Sem o apoio e a oração de vocês
teria sido impossível chegar aqui!
Mãe pelas dezenas de vezes que se preocupou: “Nega você nem come
direito! Vai dormir mais cedo hoje! Se cuida!” Obrigado Mãe!
Pai pelas vezes que ligava preocupado com as viagens, sempre querendo
me ajudar, pela sua dedicação e apoio obrigado!
Muito obrigado família pela compreensão nos períodos em que me dediquei
às tarefas, ficando ausente das festas, passeios e rodadas de chimarrão.
Ao Cleverson meu esposo, companheiro de caminhada, a quem além de
muito obrigada pela paciência e ajuda, talvez deva algumas desculpas por não
poupá-lo das tensões desse trabalho. Obrigado pelas viagens para fazer as
entrevistas, pela companhia nas idas á Francisco Beltrão, pela colaboração sempre:
“Amor eu faço isso, vai estudar!”
Enfim, sou grata a todos que contribuíram de forma direta ou indireta para
realização da pesquisa.
[...] talvez não tenhamos conseguido fazer o melhor,
mas lutamos para que o melhor fosse feito [...]. Não
somos o que deveríamos ser, mas somos o que iremos ser.
Mas graças à Deus, não somos o que éramos.
Martin Luther King
SUMÁRIO
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS .................................................................... iii
LISTA DE FIGURAS .................................................................................................. iv
LISTA DE QUADROS E TABELAS ........................................................................... v
LISTA DE APÊNDICES E ANEXOS .......................................................................... vi
RESUMO................................................................................................................... vii
ABSTRACT.............................................................................................................. viii
APRESENTAÇÃO ...................................................................................................... 9
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 13
PROCEDIMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS DA PESQUISA ...................... 17
ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO ........................................................................... 21
CAPÍTULO I - O TERRITORIO E DEMAIS CONCEITOS: CONTEXTUALIZAÇÃO E
DEBATE.................................................................................................................... 23
1.1 O Conceito de Pescador ................................................................................... 26
1.2 Concepções de Território, Território Usado e Territorialidades ................... 30
1.3 O Cotidiano e a Territorialidade do Pescador Artesanal ............................... 47
1.4 As Redes e as Relações de Poder ................................................................... 54
1.5 A Configuração de um Território Pesqueiro ................................................... 58
CAPÍTULO II- A PESCA NO BRASIL E SUAS INTER-RELAÇÕES ....................... 65
2.1 Panorama Geral da Pesca Brasileira no Mundo ............................................. 67
2.2 As Colônias de Pesca e o Histórico das Instituições Representantes da
Pesca ........................................................................................................................ 70
2.3 A Pesca: Uma Questão de Política Pública..................................................... 76
2.3.1 Por uma conceituação de política pública ........................................................ 77
2.4 O Panorama da Pesca e da Aquicultura no Brasil ......................................... 81
2.5 A Produção Pesqueira Nacional e Regional ................................................... 83
2.5.1 Sobre a Pesca Extrativa e a Aquicultura no Continente ................................... 86
2.5.2 O Plano Safra da Pesca e Aquicultura ............................................................. 91
CAPÍTULOIII - A PESCA NO LAGO DE ITAIPU ...................................................... 96
3.1 O Contexto na Pesca no Lago de Itaipu .......................................................... 96
3.1.1 A reprodução da Pesca no Lago de Itaipu ..................................................... 103
3.2 Os Conflitos da Pesca no Lago de Itaipu ...................................................... 109
3.2.1 Os Conflitos Territoriais da Pesca no Lago de Itaipu ..................................... 110
3.3 O Processo de Produção, Criação e Venda do Pescado e suas Interfaces no
Lago de Itaipu e na Colônia Z11........................................................................... 114
CAPÍTULO IV - O PESCADOR DA COLÔNIA DE PESCA Z11 ............................ 132
4.1 A Comunidade de Pescadores Artesanais: Uso e Ocupação do Território da
Pesca ...................................................................................................................... 133
4.2 Características dos Pescadores da Colônia Z 11 ......................................... 138
4.2.1 Modo de Vida dos Pescadores: estratégias de sobrevivência ....................... 142
4.3 Formação e Atuação da Colônia Z11 ............................................................. 152
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 162
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 167
ANEXOS ................................................................................................................. 180
APÊNDICES ........................................................................................................... 195
iii
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
ABCC
AI-5
BB
BP 3
CAB
CDED
CEADES
CIPAR
CGU
CNBB
CONEPE
CPP
DRS
EMBRAPA
FAO
IBAMA
IBGE
INSS
IPARDES
MMA
MONAPE
MPA
NUPÉLIA
ONU
PRONAF
PRONAFPesca
RGP
SEAP/PR
Associação Brasileira de Criadores de Camarão.
Ato Institucional número 5
Banco do Brasil
Bacia do Paraná 3
Cultivando Agua Boa
Centro Brasileiro de Estudos Demográficos
Instituto de Estudos e Assessoria ao Desenvolvimento –
Governo Federal
Políticas e programas como: Centros Integrados da Pesca Artesanal
Controladoria Geral da União
Confederação Nacional dos Bispos do Brasil
Conselho Nacional de Pesca e Aquicultura
Conselho Pastoral dos Pescadores
Desenvolvimento Regional Sustentável
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
Agricultura e a Alimentação
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
Instituto Nacional do Seguro Social-Ministério da Previdência Social
Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social
Ministério do Meio Ambiente
Movimento Nacional dos Pescadores
Ministério da Pesca e Aquicultura
Núcleo de Pesquisas em Limnologia, Ictiologia e Aquicultura
SEBRAE
SIM
SNUC
Organização das Nações Unidas
Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar –
Projeto para pescadores artesanais
Registro Geral da Pesca
Secretaria Especial da Aquicultura e Pesca da Presidência da
República
Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas
Sistema de Inspeção Municipal
Sistema Nacional de Unidades de Conservação
SUDEPE
Superintendência de Desenvolvimento da Pesca - Governo Federal
UEM
UFPR
UNIOESTE
Universidade Estadual de Maringá
Universidade Federal do Paraná
Universidade Estadual do Oeste do Paraná
iv
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Mapa de Localização da Área em Estudo.................................................14
Figura 2: Trecho do Lago de Itaipu...........................................................................15
Figura 3: Lago de Itaipu e Municípios Lindeiros Brasileiros......................................61
Figura 4: Armadilhas Fixas: redes de espera, espinhéis e covos.............................62
Figura 5: Organograma da Classificação dos Agentes do Setor Pesqueiro pelo
Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA)...................................................................75
Figura 6: Gráfico da Produção de Pescado (de todo o tipo) por Regiões em 2010,
Brasil .........................................................................................................................85
Figura 7: Gráfico da Produção de Pescado (t) Nacional da Pesca Extrativa
Continental em 2009 e 2010 Discriminada por Região..............................................88
Figura 8: Gráfico da Produção de Pescado (t) da Aquicultura Continental entre 2008
e 2010.........................................................................................................................89
Figura 9: Gráfico da Produção de Pescado(t) da Aquicultura Continental por Unidade
de Federação.............................................................................................................90
Figura 10: Localização das Áreas e Zonas de Pesca no Reservatório de Itaipu.....102
Figura 11: Localização dos Pontos de Pesca em Todo o Lago de Itaipu................106
Figura 12: Fotos do Rebaixamento das Águas do Lago de Itaipu...........................113
Figura 13: Tanques-rede no Lago de ItaipU............................................................118
Figura 14: Localização dos Municípios que Possuem Frigoríficos de Peixe na
Mesorregião Oeste do Paraná .................................................................................120
Figura 15: Foto de Anúncios de Venda de Pescado em frente as Casas de
Pescadores...............................................................................................................125
Figura 16: Fotos de Pescadores Limpando e Vendendo Peixe...............................126
Figura 17: Localização dos Pontos de Embarque e Desembarque da Comunidade de
Pescadores Z11........................................................................................................132
Figura 18: Fotos da Entrada dos Pontos de Pesca.................................................134
Figura 19: Foto de Moradias Próximas aos Pontos de Pesca.................................134
Figura 20: Fotos da Limpeza do Pescado em Casa e no Ponto de Pesca .............135
Figura 21: Pescadores Retirando o Pescado pela Manhã ......................................136
Figura 22: Gráfico Síntese da Dedicação Exclusiva à Pesca no Lago de Itaipu.....143
Figura 23: Gráfico das Principais Atividades Desenvolvidas pelos Pescadores em
2009..........................................................................................................................144
Figura 24: Fotos de Plantio de Fumo e de Mandioca..............................................146
Figura 25: Pescadores com Aparelhamento Rede de Pesca .................................149
Figura 26: Almoço no Ponto de Pesca.....................................................................150
Figura 27: Foto dos Barracos no Ponto de Pesca...................................................152
Figura 28: Fotos da Estrutura da Sede da Colônia Z11...........................................156
Figura 29: Unidade de Abatedouro no Ponto de Pesca e Pescadores.....................159
Figura 30: Fotos de Reuniões com Agentes Políticos, Representantes do MPA e
Pescadores................................................................................................................160
v
LISTA DE QUADROS E TABELAS
QUADROS
Quadro 1: Pescadores e Pescadoras Entrevistados..................................................20
Quadro 2: Territórios da Produção Pesqueira no Brasil – Uma Sistematização........60
Quadro 3: Produção de Pescado (t) Nacional por Modalidade - de 2009 e 2010......84
TABELAS
Tabela 1: Produção (t) Total de Pescados dos Maiores Produtores em 2009 e
2010...........................................................................................................................68
Tabela 2: Produção de Pescado (t) Nacional e Participação Relativa do Total da
Pesca Extrativa Marinha e Continental dos Anos de 2008, 2009 e 2010 .................87
Tabela 3: Produção Total, Continental e Marinha da Aquicultura no Brasil entre 2008
e 2010........................................................................................................................89
Tabela 4: População Total dos Municípios e População da Área de Alagamento –
1975...........................................................................................................................98
Tabela 5: Características Gerais dos Pescadores da Colônia Z11..........................139
Tabela 6: Características socioeconômicas.............................................................141
vi
LISTA DE APÊNDICES E ANEXOS
APÊNDICES
APÊNDICE 1 Questionários realizado aos pescadores...........................................196
APÊNDICE
2 Questões das entrevista realizadas com os sujeitos da
pesquisa................................................................................................198
ANEXOS
ANEXO 1 Parecer Consubstanciado do Comitê de Ética.......................................181
ANEXO 2 Ata de algumas reuniões mensais da Colônia Z11................................182
ANEXO 3 Zonas e Áreas de Pesca do lago de Itaipu............................................186
ANEXO 4 Estatuto da Colônia Z11.........................................................................188
vii
COMUNIDADE DE PESCADORES ARTESANAIS NO LAGO DE ITAIPU CONFLITOS TERRITORIAIS NA COLÔNIA Z11 DE SÃO MIGUEL DO IGUAÇU/PR.
RESUMO
Esta pesquisa objetiva analisar a formação do território da pesca no Lago de Itaipu,
especificamente na localidade pesqueira da Colônia Z11, do município de São Miguel
do Iguaçu, Estado do Paraná, Brasil. O elemento que motivou o estudo foi a
compreensão do processo de formação deste território pesqueiro: um território
construído (a partir do alagamento), imposto à população, com variados usos e
conflitos, que envolvem variados agentes com diferentes interesses, como os
pescadores artesanais e os pequenos agricultores, o Ministério da Pesca e
Aquicultura, a Colônia de Pescadores e a Itaipu Binacional. Para este estudo, a
metodologia utilizada baseou-se em leituras bibliográficas, no levantamento de dados
estatísticos da pesca artesanal no Brasil e no Lago de Itaipu, bem como nas políticas
públicas do setor pesqueiro, no processo histórico das colônias de pesca, e nos
trabalhos de campo que contemplam entrevistas e aplicação de questionários. Dos
resultados obtidos, cabe destacar que o pescador da Colônia Z 11 é pescador pela
realidade imposta; pesca em um lago artificial, um território repleto de sujeitos
variados e de conflitos; pratica a pluriatividade; vive em comunidade descontínua
(distante geograficamente uns dos outros); e a pesca, além de um ofício, é importante
fonte de renda. Não obstante, a realidade mostra a atividade fragilizada pelas
dificuldades no circuito da extração, produção e comercialização do pescado. Nas
comunidades ribeirinhas ao Lago de Itaipu, muitos agricultores familiares,
trabalhadores rurais e até urbanos passaram a exercer a atividade pesqueira
frequentemente a partir da formação do lago de Itaipu. Essa nova alternativa de renda
e de vida abarca costumes, modo de viver, agora inter-relacionados, formando um
novo território, como resultado da readaptação e das novas relações de poder. Esse
novo sujeito social reinventa-se e amplia-se territorialmente, em um espaço
conflituoso.
Palavras-chave: Lago de Itaipu; Pescadores artesanais; Território pesqueiro,
Conflitos territoriais.
viii
COMMUNITY OF ARTISANAL FISHERMEN IN LAKE ITAIPU – TERRITORIAL
CONFLICTS IN THE COLONY Z11 IN SÃO MIGUEL DO IGUAÇU/PR
ABSTRACT1
This research aims to analyze the formation of the fishing territory in Itaipu Lake,
specifically in the fishing town of Colony Z11, in São Miguel do Iguaçu, Paraná State,
Brazil. The element that motivated the study was the understanding of the formation
process of this fishing territory: a territory built (from flooding), imposed on the
population, with varied uses and conflicts involving different actors with different
interests, such as artisanal fishermen and small farmers, Ministry of Fisheries and
Aquaculture, Fishing Colony and ItaipuBinacional. For this study, the methodology
used was based on literature reading, on statistics survey of artisanal fisheries in
Brazil and in the Itaipu Lake, as well as on public policy in the fishing sector, on the
historical process of fishing colonies, and on field work that include interviews and
questionnaires. From our results, it is worth noting that the fisherman of Colony Z 11 is
a fisherman because of the reality imposed; he fishes in an artificial lake, a territory full
of varied subjects and conflicts; practices pluriactivities; lives in a discontinuous
community (geographically distant from each other); and fishing, besides craft, is an
important source of income. Nevertheless, reality shows the activity weakened by the
difficulties in the extraction, production and marketing of fish circuit. In the riverine
communities of Itaipu Lake, many family farmers, farm workers and even urban
farmers began to engage in fishing activities frequently since the formation of Itaipu
Lake. This new alternative income and life spans customs, way of life, now
interrelated, forming a new territory as a result of upgrading and new power relations.
This new social subject reinvents itself and expands territorially, in a conflictual space.
Keywords: Itaipu Lake; Artisanal fishermen; fishing territory; Territorial conflicts.
1
Traduzido por Dayane Kelly Israel Smaniotto.
9
APRESENTAÇÃO
Comunidades de Pescadores Artesanais no Lago de Itaipu
Recordo de minha infância, vivida às margens do Lago de Itaipu, em uma
comunidade rural, no ano de 1995 mais ou menos. Gostava de ouvir as histórias
contadas pelos moradores das comunidades lindeiras ao Lago de Itaipu, inclusive da
minha comunidade, relatando como eram suas vidas antes da formação do Lago e
depois da “imensidão de água” que inundara suas terras.
O que mais me chamava atenção era o saudosismo das lembranças
passadas, quando os moradores descreviam sua trajetória e seu trabalho árduo na
roça, recordando das pescarias nos Rios Paraná, Iguaçu e Ocoí e de como eram as
comunidades, em uma terra próspera e que se desenvolvia “aos olhos de todos.”
Também muito me intrigava a forma como essa batalhadora população
afetada pelo alagamento das terras reaprendeu a viver e a manter seus costumes e
seu trabalho, reinventado-os conforme a realidade territorial, pois, a partir da
formação do lago, tiveram que aprender a utilizar esse novo espaço, não por eles
escolhido, mas a eles imposto. Caso contrário, teriam que sair do lugar onde viveram
por anos e cujas vilas ajudaram a fundar. Muitos efetivamente saíram e buscaram
refazer a vida em outro município, em outro estado ou mesmo em outro país (como
Paraguai ou Bolívia).
Meu primeiro contato com o Lago de Itaipu foi ainda criança. Costumava
nadar e brincar muito nele, passando a entender que a relação existente entre as
comunidades ribeirinhas e o Lago era intrínseca, pois ele servia para alguns como
lazer e diversão, enquanto para outros como um tormento na vida, sinal de tristeza de
uma vida interrompida e, ainda, para muitos outros como uma nova alternativa.
Alguns moradores falavam do atraso que o Lago trouxe a suas vidas e da
interferência climática, local que acreditam existir devido à imensidão do espelho de
água represada e das novas alternativas de atividade, como a pesca artesanal no
Lago.
Esse contato que tive com a vida ribeirinha, a pesca, permitiu participar de
momentos importantes e inesquecíveis, como o preparo das redes, as idas e vindas
10
da pescaria, as confraternizações. Todas as histórias contadas pelos moradores
fizeram com que eu construísse um referencial para vida.
Como me interessava muito por essa realidade, passei a relacionar esse
universo de forma acadêmica quando, no final da graduação em Geografia na
Faculdade de Ensino Superior de São Miguel do Iguaçu, UNIGUAÇU-FAESI, em
2007, pesquisei sobre as alterações climáticas causadas pelo Lago e percebidas pela
população local. Nesse trabalho me debrucei sobre dados de pesquisa para o
entendimento dos aspectos positivos e negativos em relação ao Lago de Itaipu,
principalmente sobre dados ligados à agricultura e ao clima da região.
Com esse estudo foi possível analisar os sujeitos que se relacionam
diretamente com o Lago e constatei o crescente grupo de pescadores envolvidos
nessa
realidade,
agora
percebidos
como
sujeitos
que
agem
sobre
seu
espaço/território, não apenas como contadores de histórias da infância.
No ano seguinte iniciei, através de um curso de pós-graduação lato sensu na
mesma instituição, um estudo sobre a territorialização da pesca no Lago de Itaipu,
observando e descrevendo alguns pontos de pesca no Lago, especificamente pontos
no município de São Miguel do Iguaçu. Esse curso proporcionou a oportunidade de
estabelecer novos contatos com diversos pescadores e conhecer mais sobre a vida e
o cotidiano deles, gente que aprendeu a utilizar um território a eles impostos e, assim,
reaprendeu a viver neste. Toda essa realidade mais as entrevistas com os
pescadores, tudo isso me mostrou os fortes traços culturais desse povo, sua garra e
determinação com que enfrentam os problemas dessa classe. E esse universo
passou a me fascinar mais ainda.
As primeiras ideias do projeto de pesquisa para o mestrado começaram a
surgir no decorrer da realização da pesquisa sobre a territorialidade. Naquela
oportunidade me chamou a atenção o número de pescadores nas colônias e nas
associações do Lago de Itaipu, e a forma como viviam seu cotidiano, adaptando-se
àquela realidade a eles imposta, sendo que muitos desses pescadores tinham na
pesca uma nova alternativa de renda enquanto outros, uma nova forma de vida.
Por isso busquei continuar o estudo sobre os pescadores do Lago de Itaipu
quando ingressei na pós-graduação stricto sensu - nível de mestrado da Unioeste, em
Francisco Beltrão, agora com um propósito maior de analisar as comunidades de
pescadores, estudando desde sua formação, sua organização, seu modo de vida e
11
como usam esse território, tendo, nesse estudo, a orientação do professor Dr. Édson
Belo Clemente de Souza.
Inicialmente, a intenção era estudar todas as comunidades pesqueiras do
Lago de Itaipu, sendo oito colônias e duas associações, com 950 pescadores no total.
Depois, porém, em conversa com o professor Édson, chegamos à conclusão de que
seria uma empreitada de que possivelmente não daríamos conta em dois anos de
pesquisa. Por isso buscou-se analisar a comunidade de pesca da Colônia Z 11 de
São Miguel do Iguaçu.
Procuramos entender como ocorreu à formação desse território de pesca a
partir da formação do Lago de Itaipu, em 1982. A Colônia Z11 é local onde já existiam
pescadores antes, que usavam o Rio Paraná e seus afluentes, porém eram em
menor quantidade. Interessante é destacar que o processo de formação da colônia de
pescadores pode ser considerado recente, mas a organização e a luta da classe não
deixaram de emanar de uma série de particularidades.
Esses preexistentes pescadores, para se adaptarem às nova realidade
“imposta” (da formação do Lago), passaram e continuam passando por intensos
problemas de sobrevivência, iniciando com o alagamento das terras (pois também
eram agricultores), passando para rebaixamentos periódicos das águas devido à falta
de chuvas na bacia superior do Rio Paraná (o que leva à escassez de peixes), a falta
de incentivos governamentais e de financiamentos, etc. Também lutam pelo direito à
pesca profissional e pelo reconhecimento da profissão. Os pescadores realizam a
pesca como alternativa fundamental frente às dificuldades vividas pelos moradores
lindeiros ao Lago de Itaipu e não apenas em decorrência de uma tradição pesqueira,
visto que ainda é um processo recente (iniciado em 1982).
Devido a toda essa especificidade espacial, as alterações econômicas,
geográficas e sociais, a constituição e as estratégias vivenciadas pela comunidade
pesqueira artesanal, devido a tudo isso, faz-se relevante compreender esse processo
de formação e de uso de um território.
Essas particularidades tornaram, então, o estudo relevante, por se tratar de
uma pesca em moldes artesanais, em água doce, em um lago construído
artificialmente para a produção de energia elétrica a priori, onde o pescador também
é agricultor, que formou um território para nele viver e lutar por melhores condições
de vida. Nesse território, várias esferas de poder atuam e precisam ser
12
desmistificadas e compreendidas, como é o Estado com suas políticas públicas, a
Usina de Itaipu, as entidades da pesca e, finalmente, o pescador tentando sobreviver.
Realizamos entrevistas com pescadores, com representantes da Itaipu e com
parceiros deles (DRS/Banco do Brasil, Prefeitura Municipal e Câmara Municipal), o
que possibilitou um aprendizado fundamental. As apreensões que tiramos dessas
entrevistas/conversas vão muito além do que, por ora, apresentamos na dissertação.
São ensinamentos além da pesquisa e que mostram que, apesar da sociedade em
que vivemos – onde a classe dos pescadores é cercada de incertezas e esquecida
pelas políticas públicas –, o pescador nos revela, por vezes de modo mais explícito,
outras vezes de maneira mais sutil, que vale a pena apostar nos sujeitos da história,
na sua luta pelas condições dignas do trabalho pesqueiro.
Nessa etapa, ouvir foi o que mais fiz. E as dificuldades encontradas foram
tantas, mas não tanto quanto os ensinamentos. Algumas conversas foram longas e
riquíssimas de informações. Outras, porém, foram breves.
Esta análise geográfica do território que se propõe nesta pesquisa busca,
principalmente, entender esse território como o resultado da apropriação e das
relações de poder.
Os pescadores artesanais constituem-se como um grupo social que, no ato
de produzir, agem, concomitantemente, na produção do espaço e na apropriação do
território. Assim, o território da pesca no Lago de Itaipu está em constante processo
de valorização e de ação de poderes internos e externos.
Os pescadores artesanais são entendidos, nesta pesquisa, como formadores
de um todo de cotidiano singular, ou seja, como um grupo diferenciado no Modo de
Produção Capitalista, grupo que, embora esteja inserido nesse sistema, possui outra
lógica de relação/produção/apropriação do território. Para esse grupo social, o
território possui importante valor simbólico e profissional.
A busca pelo entendimento dessa dinâmica, pelas lembranças e pelas as
inquietações dessas comunidades de pescadores me despertou para a realização
desta pesquisa. Espero que todas as informações que disponibilizarei sirvam de
reflexão e contribuam para as discussões sobre os pescadores artesanais e o
território.
13
INTRODUÇÃO
A trajetória da pesca artesanal confunde-se com a história da humanidade,
pois desde os primórdios dos tempos o ser humano usa e retira da natureza aquilo de
que necessita para sua sobrevivência. A pesca, atividade extrativa, é a última
atividade humana de caça realizada em grande escala (DIEGUES, 1983). Refletir
sobre a pesca significa refletir sobre uma atividade que vem construindo “sociedades”
(DIEGUES, 2004), moldando “modos de vida” distintos conforme o lugar em que
vivem, e um âmbito geográfico, formando “territórios” específicos repletos de conflitos
e de particularidades.
Busca-se empreender esta análise a partir da escala local, que é importante
quando se entende que a escala local é integrante de uma totalidade maior e que
permite a conexão com outros processos de outras escalas. A noção de totalidade
direciona o estudo, na medida em que a colônia de pescadores analisada, a Colônia
Z11, composta por pescadores do Lago de Itaipu, é vista como resultado da ação
territorial dos pescadores. Já a escala temporal varia entre o período anterior à
formação do Lago2 e entre 1982 até os dias atuais.
A Colônia Z11, localizada no município de São Miguel do Iguaçu – conforme
Figura 1 - tem esta designação em função de que se situa na Área 11 de pesca 3-,
onde a pesca profissional artesanal é uma forma particular de trabalho e de modo de
vida no Lago de Itaipu. A caracterização da microrregião 4 onde se encontra o
município de São Miguel do Iguaçu é importante para compreender a lógica do
desenvolvimento do Oeste do Paraná e a formação da comunidade pesqueira.
Observando a Figura5 1 a seguir, se vê a localização da área em Estudo:
2
Adotou-se ao longo da dissertação o uso da palavra Lago (em letra maiúscula), referindo-se ao Lago
de Itaipu.
3 Divisão elaborada pela Itaipu será abordado na sequência.
4 Segundo o Ipardes, São Miguel do Iguaçu faz parte da Microrregião Geográfica Foz do Iguaçu e da
Mesorregião Geográfica Oeste Paranaense.
5 Optou-se por empregar o conceito de “Figura” para todas as ilustrações, fotos, imagens, mapas e
gráficos do trabalho, exceto quadro e tabela, conforme as orientações para elaboração de trabalhos
acadêmicos (monografias, dissertações e teses), descrito na NBR 14724, de 2011.
14
Figura 1: Mapa de Localização da Área em Estudo
Fonte: Base Cartográfica: IBGE (2003). Elaboração REOLON, Cleverson A. Organizado por:
FERREIRA, Graziele.
O município de São Miguel do Iguaçu,contava, em 2010, com uma população
de 25.755 habitantes, dos quais 63,97% residiam na área urbana (IBGE 6). Do
montante de habitantes que vivem na área rural, 9.279 pessoas, 180 delas (1,3%)
praticam a pesca artesanal no município, sem contabilizar os pescadores
esporádicos.
Percebe-se, na figura acima, que São Miguel do Iguaçu faz limite, ao Norte,
com o município de Itaipulândia e com a República do Paraguai (através do Lago de
Itaipu), ao Sul, com a República da Argentina (através do Parque Nacional do
Iguaçu), a Leste, com os municípios de Medianeira e Serranópolis do Iguaçu e, a
Oeste, com os municípios de Foz do Iguaçu e de Santa Terezinha de Itaipu.
6
CIDADES. Disponível em: <http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/home.php>. Acesso em: 5 set. 2009.
15
Concentra parcela de duas grandes unidades ambientais: o Parque Nacional do
Iguaçu e o Lago de Itaipu.
Outro aspecto importante quanto à regionalização do município é sua
condição fronteiriça, próximo à Tríplice Fronteira Brasil-Paraguai-Argentina, também
por ser margeado pelo Parque Nacional do Iguaçu e pelo Lago do reservatório de
Itaipu, transformando-se em um local de interesse turístico e político para o Estado do
Paraná.
É na represa de Itaipu, construída para a geração de energia elétrica e no
lago apropriado para outros diversos fins7, que se constitui o estudo, onde os
processos de reprodução e reconstrução espacial e suas interações sociais
evidenciam uma especificidade territorial, desencadeada por um processo de
formação de um novo território (a partir do alagamento das terras  antes
agricultáveis  para formação de um lago artificial). Dessa forma, esse território
passou por mudanças significativas na sua configuração, organização e formas de
uso. A Figura 2 mostra parte do Lago de Itaipu, onde existe atuação dos pescadores:
Figura 2: Trecho do Lago de Itaipu
Fonte:MAISTURISMO.NET.
Disponível em: <http://www.maisturismo.net/foz-do-iguaçu-pr-brasil/lago-itaipu/>.
Acesso em: 10 jan. 2014.
7
Além da geração de energia, o Lago de Itaipu tem por uso o turismo e a pesca.
16
O Lago de Itaipu teve sua formação completa em 1982, após a construção da
barragem de Itaipu. Foram 16 municípios atingidos com o alagamento de inúmeras
propriedades e áreas para formar o lago em uma proporção satisfatória a produção
de energia elétrica. No total são 1350 km2 de agua que reconfiguram a região.
Com a mudança no território, as perdas de terras foram grandes e a expulsão
de agricultores e moradores lindeiros foi característico em todos os municipios, que
possuem sua base econômica na agricultura severamente prejudicada. Foi
necessário uma readaptação da realidade imposta, novos atores e sujeitos passam a
atuar na região alagada: são os pescadores artesanais.
Os pescadores artesanais existiam anteriores ao Lago de Itaipu, atuando nos
rios da região eram poucos e sem eficaz organização de classe (haviam apenas duas
Colônias em toda a extensão, Guaíra e Foz do Iguaçu). O Lago propiciou uma nova
alternativa de vida e de renda através da pesca artesanal, assim os pescadores
começam a se multiplicar de forma efetiva, são 950 pescadores cadastrados no
Ministério da Pesca sem contar os esporádicos.
Essa nova realidade alterou a vida de comunidades e pessoas dos
municípios atingidos pelo Lago, formando novos(s) território(s) e modos de vida dos
pescadores, que constantemente são invisíveis perante a sociedade, a Itaipu e os
órgãos políticos, sendo que a luta por seus direitos e presente no dia a dia do
pescador artesanal.
Tais apontamentos demonstram que a pesca artesanal assume importância
como objeto de pesquisa, que comporta discutir e analisar o processo de formação
territorial da pesca no Lago de Itaipu, reconhecendo cada ator, suas relações de
poder e conflitos, desvendando e entendendo as especificações e as particularidades
dessa formação territorial.
Os objetivos específicos do trabalho delineiam-se no sentido de verificar a
produção e a configuração desse novo território pesqueiro, desde a formação do
Lago até os dias atuais, evidenciando a territorialidade existente por meio de suas
ações cotidianas e os conflitos, inerentes às relações de poder estabelecidas.
Esses objetivos tratam-se, pois, de: (i) identificar e mapear os pontos de
pesca do Lago de Itaipu para localizar a área de atuação e influência dos pescadores,
delimitando assim a abrangência do território como um todo, bem como a área
específica da análise, ou seja, os pontos da Colônia Z11 (com auxílio de dados e
mapas cedidos pela Itaipu e utilizando o Google Earth); (ii) caracterizar, através de
17
fontes bibliográficas, o setor pesqueiro, setor muito importante para realizar também
uma análise da pesca artesanal nacional e regional do Lago de Itaipu, e de São
Miguel do Iguaçu, detendo-se nas questões da pesca continental no país, questões
como o processo histórico das colônias de pesca, sua estruturação, seus problemas,
o papel da Itaipu e outras instituições, e as políticas públicas para o setor; (iii)
observar, questionar e entrevistar foram ferramentas importantes para concretizar o
terceiro objetivo, o de entender a relação e a vivência cotidiana dos pescadores na
construção do seu território, a organização social, as relações de poder e os conflitos
de interesses dos envolvidos nesse processo. Buscou-se verificar a pesca como um
ofício, ou uma alternativa e uma fonte de renda das famílias no entorno do Lago de
Itaipu; e, enfim, (iv) abranger a força do movimento dos pescadores, em variadas
circunstâncias adversas (rebaixamento da lâmina de água do lago; distribuição e
comercialização do pescado; manutenção de programas assistenciais das instituições
envolvidas; poluição da água, etc.) e as relações de poder instituídas nesse território,
objetivo que se tornou primordial para a pesquisa.
Para a compreensão da dinâmica territorial foi necessário um panorama de
aspectos sociais, históricos e geográficos da Comunidade de Pescadores no Lago de
Itaipu. Assim, “[...] o território deve ser abordado em sentido amplo, multidimensional e
multiescalar, tratando o conceito de acordo com os contextos históricos e geográficos
em que foi produzido” (HAESBAERT, 2006, p. 96).
PROCEDIMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS DA PESQUISA
Para o desenvolvimento desta pesquisa, fez-se a escolha de determinados
procedimentos metodológicos, procedimentos que realmente dessem conta do
entendimento do objeto pesquisado. Utilizou-se um levantamento bibliográfico como
base de sustentação teórica, para compreender epistemologicamente o tema e para
potencializar a pesquisa empírica. Procurou-se elucidar conceitos importantes para a
pesquisa,
tais
como
território,
territorialidades,
redes,
pescador
artesanal,
comunidades, cotidiano e modo de vida.
Os conceitos utilizados na pesquisa são complementares e correlatos entre
si, pois o estudo da pesca no Lago deve levar em consideração a sobreposição entre
eles. A territorialidade está relacionada ao território, pois o território, enquanto espaço
socialmente e historicamente produzido, possui identidades  que se transformam ao
18
longo do tempo conforme a necessidade da sociedade –, que são as territorialidades,
e que frequentemente entram em conflito devido à diversidade dos sujeitos e dos
interesses.
Essas territorialidades se reproduzem no meio social, na comunidade de
pescadores artesanais, como na pesquisa, onde estão interligadas num sistema de
redes, de relações territoriais, econômicas e sociais.
Outro procedimento utilizado foi a coleta de dados secundários, através das
informações disponíveis na Prefeitura Municipal, na Colônia de Pesca, no Ministério
da Pesca e Aquicultura (MAP), dados da Controladoria Geral da União (CGU), da
EMBRAPA, da Superintendência Federal da Pesca e Aquicultura (SFPA-PR), e da
Itaipu.
A pesquisa se pauta também no levantamento de fontes orais, advindas dos
pescadores pelas técnicas de coleta de histórias de vida, de entrevistas semidiretivas
e abertas, diário de campo e questionários, partidas da investigação participante que
pressupõe um intenso contato com o grupo social, por meio de observações in loco
nos mais variados espaços e contextos.
A investigação participante apresenta limitações e armadilhas, mas ela
também é de grande riqueza para a pesquisa social, especialmente aquelas que
envolvem grupos em situação de conflito.
Com a técnica de coleta de histórias de vida, conforme Victoria et al. (2000, p.
67), “[...] busca-se compreender o desenvolvimento de vida do sujeito investigado e
traçar com ele uma biografia que descreva a sua trajetória até o momento atual”.
Considerar a história de vida do informante é considerar também o fato de ela
fornecer elementos importantes, como os culturais, para a compreensão da própria
história pelo pesquisador. Essa técnica é realizada ao longo de vários encontros,
após estabelecer confiança entre pesquisador e pesquisado.
O diário de campo é considerado um instrumento essencial e básico de
registro de dados de um pesquisador, pois é o registro fiel e detalhado de cada visita
a campo, independente da utilização de outras técnicas (VICTORIA et al., 2000).
O recurso da entrevista semidiretiva, de acordo com Michelat (1989, p. 192),
“[...] por oposição à entrevista dirigida, tem o objetivo de contornar certos
cerceamentos das entrevistas por questionários com perguntas fechadas que
representam o polo externo da diretividade”. As informações desse tipo de entrevistas
são consideradas correspondentes a níveis mais profundos, pois a liberdade que é
19
dada ao entrevistado facilita a produção da informação, que poderia ser omitida a
outro tipo de entrevista.
A abordagem de campo, condicionada à autorização do Comitê de Ética de
Pesquisa em Seres Humanos da Unioeste8, iniciou com as observações das reuniões
em 20129, passando pelas entrevistas10, conversas e questionários11 para coletar e
tratar os dados fornecidos pelos sujeitos envolvidos com a pesca e com os
pescadores da comunidade pesqueira pertencente à Colônia Z11.
Para este estudo foi necessário fazer um recorte espacial na área de estudo.
Inicialmente pensada em todas as comunidades pesqueiras do Lago de Itaipu, porém,
devido às dimensões espaciais, às intensidades das relações territoriais e ao tempo
exíguo para dissertar, passamos a delimitar uma comunidade, pertencente a um
município lindeiro ao Lago e pertencente à Colônia Z11.
De acordo com Gil (1994), dependendo da natureza dos dados da pesquisa e
da abrangência dos elementos do universo, não é possível utilizar todo o universo
amostral. Assim, é frequente o uso de uma amostra, ou seja, de uma parte dos
elementos que compõem esse universo. Então, para delimitar a amostra
representativa a ser analisada quantitativamente, investiu-se em um conjunto de vinte
pescadores entrevistados (n=20) na Colônia Z11.
Quanto à escolha dos pescadores entrevistados, ela foi parcialmente aleatória,
tendo sido privilegiados os indivíduos mais antigos na profissão e que tinham a pesca
como atividade principal, e também indivíduos que ingressaram em épocas diferentes
na profissão da pesca. Buscou-se identificar três subamostras, com indivíduos a partir
dos seguintes critérios: (i) pescador que pesca há muito tempo ou até mesmo já
parou de pescar, mas praticou a atividade por longa data; (ii) pescador com tempo
médio de pesca; e (iii) pescador com pouco tempo de atividade. Desta maneira,
essas classificações foram determinadas não pela idade, mas pelo tempo de pesca
definido e pelo reconhecimento dos próprios pescadores das comunidades. Além
disso, procurou-se priorizar os indivíduos determinados pelos próprios pescadores,
que indicavam quem eram os mais experientes e respeitados pelo grupo.
Além dos 20 entrevistados que praticavam a pesca artesanal, entrevistaramse mais cinco (5) sujeitos, sendo o presidente da Colônia (Adilson Borges), o
8
Ver ANEXO 1- Parecer Consubstanciado do Comitê de Ética.
Ver a ata de algumas reuniões no ANEXO 2.
10 Ver APÊNDICE 2.
11 Ver APÊNDICE 1.
9
20
presidente do DRS - Desenvolvimento Regional Sustentável - do Banco do Brasil de
São Miguel do Iguaçu (Valmir Matiello), Superintendente do Meio Ambiente da Itaipu
Binacional (Jair Kotz), o Secretário Municipal da Agricultura (NacletoTres) e
representante dos Vereadores (Nilton Wernke). Todos concederam os dados e
depoimentos de livre vontade, conscientes de que os dados seriam utilizados para a
pesquisa universitária. Alguns, por se sentirem constrangidos, solicitaram para não
ser gravado o depoimento (apenas transcrito).
Essas entrevistas aconteciam à medida que o contato era estabelecido,
algumas agendadas com antecedência, tanto nos pontos de pesca, como na sede da
Colônia Z11 ou como na casa dos pescadores. Dessa forma, à medida que os
pescadores se mostravam dispostos, as entrevistas eram realizadas.
Ao nomear os entrevistados pescadores, não foram utilizados seus nomes
próprios, mas as iniciais de cada nome, como apresentado a seguir no Quadro1:
Quadro 1: Pescadores e Pescadoras Entrevistados
Elaboração: Graziele Ferreira, 2013.
O questionário, que também fez parte da coleta de dados, foi aplicado a cada
pescador profissional (que fora deixado na Colônia e entregue aos mesmos para
responderem
pessoalmente,
sendo
devolvidos 124
questionários). Com
as
21
observações do cotidiano e do pescador nos pontos de pesca, as reuniões na Colônia
Z11, as conversas com os pescadores, efetuou-se a elaboração de um diário de
observação (diário de campo).
Após o levantamento de todos os dados primários, foi realizada a
organização dos mesmos, através da transcrição das falas coletadas nas entrevistas,
na sistematização dos dados das histórias de vida e na seleção e organização dos
dados relevantes à pesquisa relatados nas anotações do diário de campo. Após a
análise disso tudo, elaboramos os capítulos desta dissertação.
ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO
A partir das problemáticas elencadas para análise deste trabalho, a
dissertação foi estruturada em quatro capítulos. Com essa estruturação objetivou-se
atender ao desígnio geral da pesquisa, desenvolvendo o tema de forma articulada e
clara, e evidenciando as inter-relações nas escalas de análise abordadas.
No primeiro capítulo apresentou-se uma discussão sobre os conceitos da
geografia importantes na análise do objeto em estudo. A utilização dos termos
“território” e “territorialidade” exigiu precauções, pois as intencionalidades e as
relações de poder muitas vezes camuflam a realidade. Por isso foram debatidos por
Haesbaert (2006), Raffestin (1993) e Souza (2003). Também o conceito de “rede” foi
explicitado, agora baseado nas ideias de Raffestin (1993), de Correâ (2001), de
Castells (1991) e de Santos (1996, 2000), tendo as redes assim sido compreendidas
e esquematizadas.
Procurou-se moldar um conceito de “pescador artesanal” adequado à
realidade, visto que existem particularidades nas comunidades, desde o próprio
território pesqueiro, a organização dos pescadores e seu modo de vida, processos
específicos locais (difíceis de encontrar em outros lugares). Isso foi estudado com
base nas contribuições de Diegues (1983, 1994), de Cardoso (2001), de Lima (1997),
de Silva (2011) e de Resende (2006). Esse embasamento teórico serviu de suporte
para os demais capítulos da dissertação.
O segundo capítulo foi destinado à compreensão da pesca artesanal em
cenário nacional e regional, compreendendo o potencial pesqueiro continental,
quantificando o pescado e entendendo sua interferência na economia. Buscou-se
22
analisar as políticas públicas nacionais, estaduais e municipais destinadas ao setor,
sem, no entanto, esquecer do processo histórico da formação das colônias de pesca
no Brasil. Discutiu-se o trabalho das entidades que representam e dão assistência à
pesca no Lago de Itaipu.
No terceiro capítulo se analisa o contexto da pesca no Lago de Itaipu e na
região Oeste paranaense. Analisamos, para esse fim, a formação da Colônia de
Pescadores Z11 e as políticas públicas que chegam até ela, as esferas econômicas
envolvidas, renda do pescado, a pesca como turismo, os tanques-rede (pisciculturaprodução), destacando a resistência ou permanência da população nesse território e
a adequação do espaço proporcionado pela Itaipu. Analisamos, enfim, os conflitos
territoriais dos variados sujeitos da pesca.
No quarto e último capítulo, com o relatório da Universidade Estadual de
Maringá (UEM) e da Itaipu (instituições parceiras de pesquisa sobre a pesca no Lago
de Itaipu) e com a interpretação dos dados primários coletados em campo na Colônia
Z11 (nos pontos de pesca e na casa dos pescadores), buscou-se caracterizar o
sujeito pescador artesanal do Lago de Itaipu e da Colônia e entender quem são os
pescadores, por que são e como são. Aí estão incluídas informações sobre se a
família participa da pesca, como é a atuação da mulher, como se configura o
cotidiano e o modo de vida dos pescadores, partindo de observações in loco,
questionários e entrevistas.
O texto das considerações finais apresenta as impressões e as análises finais
da pesquisa. Nessas considerações estão incluídas as imbricações do uso do
território da pesca no Lago de Itaipu.
23
CAPÍTULO I - O TERRITORIO E DEMAIS CONCEITOS: CONTEXTUALIZAÇÃO E
DEBATE
Este primeiro capítulo discute os conceitos e as categorias geográficas na
busca da compreensão dos sujeitos (pescadores) e do objeto (pesca no Lago de
Itaipu) da pesquisa. Durante os estudos preliminares, ficou evidenciada a
necessidade de primeiro discutir o conceito de pescador artesanal para, só
posteriormente, construir um conceito adequado à realidade do pescador do Lago de
Itaipu. Contribuíram para isso autores como Diegues (1983), Silva (2011a) e Guedes
(2009).
Com Raffestin (1993), Haesbaert (1999, 2006, 2011), Santos (1996, 2000,
2006), Ratzel (1990), Corrêa (1996), Souza (2003), Castells (1999) e Sposito e
Saquet (2004) buscou-se compreender território, território usado, territorialidade e
redes na pesca artesanal.
Através das ideias de Lefebvre (1991), Claval (1985), Tuan (1980), Moscovici
(2003), Goffman (1975) e Bourdieu (1998) empreitou-se entender o conceito de
cotidiano e o modo de vida em comunidades, visando analisar em outro capítulo a
maneira como ocorre a convivência dos pescadores.
Nesse estudo da pesca artesanal no Lago de Itaipu busca-se conceituar esse
pescador, porém procurando conceituação sem pretensão de defini-lo de modo
rígido. Isso supõe compreender que existem especificidades nos grupos sociais de
pescadores, pois que variam de uma localidade para outra; e busca-se, pois, uma
noção ampla que conceitue e faça entender a pesca artesanal nessas localidades
pesqueiras do Lago de Itaipu.
Aqui o território precede todos os outros conceitos em razão de que ele é
concebido como espaço social produzido (alagamento das terras e formação do
reservatório da Usina de Itaipu), seja no que se refere às delimitações físicas (o
Lago), seja no que diz respeito à construção das relações sociais de poder e de suas
representações simbólicas (a vida dos pescadores). Destacam-se as especificidades
e particularidades no modo de vida e na formação dos pescadores artesanais no
Lago de Itaipu, que interagem nos processos de construção da territorialidade e do
território pesqueiro.
Como organização do espaço, pode-se dizer que o território responde, em
sua primeira instância, a necessidades econômicas, sociais e políticas de cada
24
sociedade e, por isso, sua produção está sustentada pelas relações sociais que o
atravessam. Sua função, porém, não se reduz a essa dimensão instrumental; ele é
também objeto de operações simbólicas e é nele que os atores projetam suas
concepções de mundo.
São, assim, vários os níveis de análise e de escalas espaciais que permitem
a compreensão do território. O olhar geográfico, portanto, além de ser seletivo quanto
aos níveis de análise, é também multiescalar. O território se pluraliza segundo
escalas e níveis historicamente constituídos, englobando escalas como o local, o
município, o estado, a região e o país, chegando ao global. Essas diferentes escalas
não constituem um continuum, mas níveis imbricados ou superpostos.
Esta dissertação não considera somente o território em nível local (Colônia
Z11) no Lago de Itaipu, onde ocorrem as relações sociais mais diretas, mas também,
as escalas regionais, nacionais e também globais, partindo do entendimento das
demais colônias de pesca no Lago e da legislação pesqueira nacional até as
abordagens e consumo mundial do pescado.
O território é, para aqueles que têm uma identidade territorial com ele, como é
o caso dos pescadores do Lago de Itaipu, resultado de uma apropriação simbólicoexpressiva do espaço, sendo portador de significados e de relações simbólicas,
deixando marcas pela história e pelo trabalho humano, o que, no caso, pode ser
apreendido pela forma de adaptação à nova realidade, imposta a partir da formação
do Lago na década de 1980.
Por meio do conceito de “território usado”, também abordado na pesquisa, o
território é resultado de processo histórico quanto às bases material e social das
ações humanas. Trata-se de uma questão de método que reconhece a análise mais
abrangente da totalidade, das causas e dos efeitos do processo socioterritorial.
O conceito de território usado, como espaço geográfico12 que é, permite uma
visão mais abrangente e totalizadora da Geografia. Desse modo se reconhecem as
ações dos grandes agentes modernizadores e as ações dos agentes não
hegemônicos, mas que também produz espaço geográfico. Assim, o território usado
permite identificar a totalidade de todos, identificando, por meio do pensamento
processual, as relações entre lugar, formação socioespacial e mundo.
12
Partiu-se da definição de Santos (1996), definição segundo a qual o espaço geográfico é um
conjunto indissociável, solidário e, também, contraditório de sistemas de objetos e de sistemas de
ações não considerados isoladamente, mas como o quadro único no qual a história se dá.
25
Além de entender o território pesqueiro no Lago, a discussão sobre “redes” se
torna significativa nas reflexões sobre as ações coletivas e individuais dos
pescadores, em particular naquelas redes que dizem respeito a garantias de
demandas políticas (organização da Colônia Z11), econômicas (venda do pescado) e
sociais (modo de vida).
As relações sociais têm elementos de poder que libertam e aprisionam, a
depender das lutas travadas e dos interesses em pauta em determinada arena social,
demonstrando uma forma particular de organização, mas não livre do processo de
coação. Esse processo “força” a criação de redes.
Em uma análise de Santos (1996), do que vem a ser uma rede, o autor
conduz para a formação de tessituras onde os “nós” fazem parte de sua composição.
Nesse método, a “rede” é como mecanismo para estabelecer variados contatos,
dados pelas relações que envolvem questões de circulação e de comunicação de
bens materiais e imateriais no atual contexto global, numa perspectiva de significação
e significado13.
Relacionando ao conceito de território, indissociável ao conceito de rede, vale
destacar a posição de Raffestin (1993), que reforça a ideia do território como fruto de
relações sociais amplas e que envolvem Estado, indivíduo e organizações em uma
malha de nós e de redes, partindo da realidade concreta que é o espaço, passando à
implantação de novos recortes e ligações.
Nesse sentido, é pertinente também destacar a ideia de Santos (1996), que
afirma que mesmo os sujeitos hegemonizados recriam estratégias e buscam garantir
a sua sobrevivência nos lugares. Assim é necessário que os pescadores vivam em
comunidades e coexistam com suas diferenças, que por vezes demonstram um
cotidiano harmonioso outras vezes conflituoso.
O cotidiano pode ser estudado pela geografia e, nesta pesquisa, o cotidiano
aparece como o modo de ser, de fazer, de representar, numa visão do olhar das
pessoas que vivem, passam ou habitam um bairro de uma cidade ou de uma
“Significado” é a categoria imanente à vida, presente em toda manifestação de vida ou memória, na
medida em que expressa algo. É correlato às categorias históricas de “sentido”, “significação”, “fim” e
“valor”. Significação é o que é representado ou expresso por um sinal, um sistema de sinais, um
gesto, um fato. (DILTHEY, Wilhelm Guillermo. Crítica de larazón histórica. Barcelona: Península.
1986. ÍMAZ, Eugenio. El pensamiento de Dilthey. 1. Reimpressão. México: Fondo de Cultura
Econômica.1979. Disponível em: <http://www. recantodasletras.com.br/artigos/1499783>. Acesso
em: 12 dez 2013).
13
26
comunidade. Pelo fato do seu uso habitual, o cotidiano pode ser considerado como a
privatização progressiva do espaço público (CERTEAU, 1999).
Considerando tudo isso, este capítulo traz uma discussão inicial abordando
os conceitos dentro da temática que busca esclarecer o objeto e os sujeitos em
estudo, iniciando com o conceito de pescador, passando ao de território, de
territorialidade, de redes e de cotidiano.
1.1 O Conceito de Pescador
O pescador do Lago de Itaipu apresenta certa singularidade, pela sua
atuação e modo de vida, quando comparado ao conceito de pescador artesanal no
Brasil. Por isso se torna relevante para a pesquisa compreender esse conceito e
construir um próprio, condizente com a realidade do pescador do Lago. Para tanto,
embasou-se o entendimento principalmente em Antonio Carlos Diegues, pensador
que é referência no estudo das populações tradicionais e pesqueiras.
Para Diegues (1983), a diversidade de pescadores no Brasil é imensa e bem
distinta, tendo características bem peculiares de uma localidade para outra; por isso,
faz-se relevante o conhecimento empírico dessas comunidades pesqueiras, antes de
estudá-las.
Quando se busca a conceituação, o autor elabora algumas categorias de
pescadores:
agricultor/pescador,
pescador/artesanal
e
pescador/proletário,
ressaltando suas características e como se gerou essa diferenciação.
Segundo Diegues (1983), o pescador brasileiro tem origem nas comunidades
ribeirinhas e costeiras que combinavam agricultura e pesca, mas existem muitas
diferenciações. O agricultor/pescador tem identificação maior com elementos que
caracterizam a forma do trabalho agrícola e familiar, sendo a pesca uma atividade
complementar que objetiva alimentação e renda; constitui uma categoria muito
representativa até 1960, e continua até hoje em algumas comunidades pesqueiras
como a dos Caiçaras14. Já os pescadores/artesanais são, para o mencionado autor,
aqueles que obtêm sua renda exclusivamente da pesca. Enquanto isso, o
“Caiçara”é uma palavra de origemtupie refere-se aos habitantes das zonaslitorâneas e que vivem
dapescade subsistência e ainda o termo caiçara designa diversos itens de cunho cultural no litoral
brasileiro (DIEGUES,1983).
14
27
pescador/proletário surge principalmente no Sul e no Sudeste do Brasil, onde
empresas de pesca com frotas particulares contratam os indivíduos para trabalharem.
Pode-se definir que pescadores artesanais são aqueles que, na captura e no
desembarque de toda e qualquer espécie de organismos aquáticos, trabalham
sozinhos e/ou utilizam mão de obra familiar ou não assalariada, explorando
ambientes ecológicos localizados próximos à costa ou em rio, pois, em geral, a
embarcação e a aparelhagem utilizadas são simples e tradicionais, e, para tal fim,
possuem pouca autonomia (DIEGUES, 1973).
Outra definição pesquisada para este trabalho teve como base a Lei Federal
nº 11.959, de 29 de junho de 200915, que conceitua que a pesca artesanal existe
quando praticada diretamente por pescador profissional16, de forma autônoma ou em
regime de economia familiar, com meios de produção próprios ou mediante contrato
de parceria, desembarcado, podendo utilizar embarcações de pequeno porte. Pela
lei, considera-se que atividade pesqueira artesanal são aqueles trabalhos de
confecção e de reparos de artes e de petrechos de pesca, os reparos realizados em
embarcações de pequeno porte e o processamento do produto da pesca artesanal.
Complementa-se essa definição com base no Registro Geral de Pesca - RGP
(SEAP, 2006), segundo o qual existem as seguintes categorias: pescador profissional
(classificado como artesanal ou industrial), aprendiz de pesca, armador de pesca,
embarcação pesqueira, indústria pesqueira, aquicultor e empresa que comercializa
organismos aquáticos vivos.
O conceito de pescador para o Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA) está
baseado na Instrução Normativa nº 6, de 16 de abril de 2010, do MPA, onde
encontra-se as seguintes definições (MPA, 2010):
- Pescador Profissional: pessoa física, brasileiro nato ou naturalizado,
bem como o estrangeiro portador de autorização para o exercício
profissional no País, desde que atendam os demais requisitos
estabelecidos nesta Instrução Normativa, e que exerça a pesca como
atividade principal e com fins comerciais, fazendo dessa atividade sua
profissão e principal meio de vida, podendo atuar na pesca artesanal
ou na pesca industrial, definido da seguinte forma:
15
A Lei Federal nº 11959/2009 dispõe sobre a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável da
Aquicultura e da Pesca, regula as atividades pesqueiras, revoga a Lei Federal nº 7.679, de 23 de
novembro de 1988, dispositivos do Decreto-Lei Federal nº 221, de 28 de fevereiro de 1967, e dá
outras providências.
16 Conforme a Lei Federal nº 11959/2009, “Pescador Profissional” é definido como: a pessoa física,
brasileira ou estrangeira residente no país que, licenciada pelo órgão público competente, exerce a
pesca com fins comerciais, atendidos os critérios estabelecidos em legislação específica.
28
- Pescador Profissional na Pesca Artesanal: aquele que exerce a
atividade de pesca profissional de forma autônoma ou em regime de
economia familiar, com meios de produção próprios ou mediante
contrato de parceria, podendo atuar de forma desembarcada ou
utilizar embarcação de pesca com propulsão ou a remo.
- Pescador Profissional na Pesca Industrial: aquele que, na condição
de empregado, exerce a atividade de pesca profissional em
embarcação de pesca de qualquer tamanho.
- Aprendiz de Pesca: aquele que, maior de 14 e menor de 18 anos,
atua de forma desembarcada ou embarcada como tripulante em
embarcação de pesca, observadas as legislações trabalhista,
previdenciária e de proteção à criança e ao adolescente, bem como as
normas da Autoridade Marítima.
Para o MPA, a pesca artesanal é extrativa 17 na maioria dos casos. Quando
ocorre no mar, é denominada pesca extrativa marinha e, quando em águas
continentais, é denominada pesca extrativa continental. O artigo 8º da Lei Federal nº
11.959/2009, ao tratar da natureza da pesca, assim a classifica: (I) comercial: (a)
artesanal: quando praticada diretamente por pescador profissional, de forma
autônoma ou em regime de economia familiar, com meios de produção próprios ou
mediante contrato de parceria, desembarcado, podendo utilizar embarcações de
pequeno porte; (b) industrial: quando praticada por pessoa física ou jurídica e
envolver pescadores profissionais, empregados ou em regime de parceria por cotaspartes, utilizando embarcações de pequeno, médio ou grande porte, com finalidade
comercial; (II) não comercial: (a) científica: quando praticada por pessoa física ou
jurídica com a finalidade de pesquisa científica; (b) amadora: quando praticada por
brasileiro ou estrangeiro com equipamentos ou apetrechos previstos em legislação
específica, tendo por finalidade o lazer ou o desporto; (c) de subsistência: quando
praticada com fins de consumo doméstico ou escambo sem fins de lucro e utilizando
apetrechos previstos em legislação específica.
A
pesca
artesanal
caracteriza-se
também
pelo
uso
de
pequenas
embarcações, com menor esforço unitário de pesca; o regime de trabalho é familiar,
de vizinhança ou de parentesco, e as técnicas de trabalho e captura do pescado são
tradicionais.
Para compreender a acepção do pescador artesanal do Lago de Itaipu foi
necessário buscar variadas definições de pescador, todos os apontamentos foram
importantes, porem as constatações baseados nas proposições de Diegues (1983)
descrevem melhor o pescador do Lago de Itaipu. Este participa da categoria
A “pesca extrativa” consiste em extrair ou retirar recursos pesqueiros em sua forma original com fins
lucrativos ou, simplesmente, para subsistência.
17
29
mencionada pelo autor, a de pescador/agricultor, mas, ao mesmo tempo, não deixa
de ser pescador profissional/artesanal em continente, isso porque faz uso de técnicas
de trabalho tradicionais e de mão de obra familiar no Lago, dividindo seu tempo entre
a pesca e o trabalho no campo.
A pesca artesanal é desenvolvida, de modo geral, por pessoas que têm como
objetivo principal consumir o pescado capturado, o que pode ser observado em todas
as regiões do país; ela é praticada, principalmente, por consumidores representados
pelas comunidades ribeirinhas, onde problemas sociais como o desemprego e a
baixa escolaridade são evidentes, tendo na pescaria a única maneira de adquirir seu
alimento e alguma remuneração para o sustento familiar (RESENDE, 2006).
Outro aspecto importante na vida dos pescadores e dos ribeirinhos é o vasto
conhecimento que eles têm da várzea, do rio e da floresta que os circundam. Foi
possível perceber que o conhecimento tradicional desses povos abrange inúmeros
aspectos da vida dos rios e suas relações com a mata, dos tipos e dos hábitos dos
peixes, como migração, alimentação, época e lugares de desova dos cardumes,
desenvolvendo técnicas de captura com armadilhas fixas, de baixo impacto.
A pesca também assume grande importância para o comércio local de muitas
cidades. Quando bem sucedida, parte da produção pode ser vendida a intermediários
ou em feiras das vilas mais próximas. Por se tratar de atividade difusa, praticada por
milhares de pessoas em todo o mundo, a sua produção é difícil de ser quantificada.
É, também, muito expressiva do ponto de vista cultural, por ser atividade comumente
praticada por pessoas de ambos os sexos, de todas as idades e categorias sociais,
desde aquele que a pratica para sobreviver e aquele que o faz por lazer (SANTOS;
SANTOS, 2005).
Para Silva, Oliveira e Nunes (2007), os pescadores fazem parte de uma rede
interligada e suas interações não devem ser observadas apenas do ponto de vista do
uso e da apropriação de recursos, mas no contexto das relações sociais. No que se
refere à tomada de decisões, eles estão diariamente agindo, quando trabalham para
sobreviver, lutam por melhorias na atividade, denunciam a pesca clandestina, etc.
A partir das premissas discutidas pelo conceito de pescador, os pescadores
do Lago de Itaipu são classificados como sujeitos participantes de um grupo social,
que, pelas suas particularidades, pode ser considerado como pescador profissional
artesanal/agricultor, que obtém seu pescado de forma extrativa, em áreas
30
continentais, vendendo o excedente na cidade e nas vilas, demonstrando possuir
vasto conhecimento dos recursos utilizados.
Cabe considerar que esses pescadores possuem uma conceituação bem
comum aos pescadores continentais do Brasil como um todo. Mesmo assim, nas
suas particularidades, se distinguem, em especial quando se observa a área de
atuação (o Lago de Itaipu), a realidade em que os transformou em pescadores e seu
modo de vida, assunto para os próximos capítulos.
Esses pescadores se distinguem também porque, embora sejam pescadores
artesanais pertencentes ao Lago de Itaipu, não deixa de ser produtores rurais e
agricultores, entre outras atividades complementares, e dividem o tempo entre o
trabalho da lavoura e da pesca. São, então, pescadores/agricultores, pois
complementam a agricultura com a pesca. Como mencionado por Diegues (1983),
são também pescadores artesanais pelas técnicas utilizadas de forma tradicional
(mesmo a comunidade não sendo tradicional, pois surge de forma efetiva após a
formação do Lago) e pela utilização de mão de obra familiar ou de vizinhança.
1.2 Concepções de Território, Território Usado e Territorialidades
Nesta seção disserta-se sobre as formas como o termo “território” é utilizado,
isso em razão de que há uma diversidade de abordagens do conceito. Objetiva-se no
entanto, avaliar qual abordagem é mais pertinente para a presente pesquisa. O termo
território é preconizador de outros conceitos, porém é importante frisar que, para a
análise geográfica, é essencial compreender os conceitos de espaço geográfico e de
território como indissociáveis, pois o território é formado a partir do espaço. E essa
análise geográfica através do conceito de território pressupõe um estudo a partir de
relações de poder.
Ao longo do tempo, o conceito foi sendo construído por diversos autores que
se baseiam em diferentes concepções, expressando sua ideologia. Dentre as
conotações, aparece, nesta pesquisa, o território como soberania de Estado, como
resultado do trabalho social, como elemento cultural (sentimento pertencimento,
memória), como território usado e, a partir da territorialidade, como ações daqueles
que produzem seu território, e enfocando também a questão da desterritorialização –
daqueles que perdem seu território.
31
Buscou-se analisar diferentes abordagens e que refletissem várias vertentes
e pontos de vista dos pensadores dessa área, entretanto, “[...] devemos reconhecer
que
vivenciamos
hoje
um
entrecruzamento
de
proposições
teóricas
[...]”
(HAESBAERT, 2006, p. 45), existindo diferentes concepções, umas que privilegiam o
natural, outras o político e outras o econômico, em se tratando de território. As
principais contribuições se referem a Haesbaert (2006, 2011), que acredita na
existência de duas vertentes interpretativas opostas. A primeira é uma concepção de
território naturalista, que concebe o território nos aspectos físicos e materiais, como
se o território fosse uma “continuidade do ser”. Ainda nessa concepção, existe outra
variante dessa interpretação, que valoriza uma “[...] ligação afetiva, emocional, do
homem com seu espaço” (p. 118).
A segunda concepção é a que pode ser denominada concepção etnocêntrica
do território, concebendo-o assim como uma “construção puramente humana”,
excluindo-se a relação da sociedade com a natureza, “[...] como se o seu território
pudesse prescindir de toda a ‘base natural’” (HAESBAERT, 2006, p.119). Entre essas
duas concepções existe um ponto em comum, o fato de privilegiar mais as dimensões
política e cultural do espaço do que a dimensão econômica.
Ainda para Haesbaert (2011) haveria três concepções ligadas ao território: a)
política ou jurídico-política: a mais difundida, onde o território é visto como um espaço
delimitado e controlado, através do qual se exerce um determinado poder, na maioria
das vezes relacionado ao poder político do Estado; b) cultural ou simbólico-cultural:
prioriza a dimensão simbólica e mais subjetiva, em que o território é visto, sobretudo,
como o produto da apropriação/valorização simbólica de um grupo em relação ao seu
espaço vivido; e c) econômica: menos difundida, enfatiza a dimensão espacial das
relações econômicas, o território como fonte de recursos e/ou incorporado no embate
entre classes sociais e na relação capital-trabalho, como produto da divisão
“territorial” do trabalho, por exemplo.
A partir dessas três concepções ligadas ao território, Haesbaert (2011, p. 94)
o define como:
O território envolve sempre, ao mesmo tempo (...), uma dimensão
simbólica, cultural, através de uma identidade territorial atribuída pelos
grupos sociais, como forma de “controle simbólico” sobre o espaço
onde vivem (sendo também, portanto, uma forma de apropriação), e
uma dimensão mais concreta, de caráter político-disciplinar [e políticoeconômico, deveríamos acrescentar]: a apropriação e ordenação do
espaço como forma de domínio e disciplinarização dos indivíduos.
32
O autor reconhece a importância da distinção entre essas quatro dimensões
segundo as quais usualmente o território é focalizado, mas procura ampliá-las,
apresentando outra perspectiva de análise na qual essas dimensões se inserem
dentro da fundamentação filosófica de cada abordagem. O autor discute a
conceituação de território a partir de dois binômios: materialismo-idealismo e espaçotempo.
Entenda-se que, quanto ao binômio materialismo-idealismo, Haesbaert
qualifica como perspectivas materialistas a “natural”, a econômica e a política; e
qualifica como idealista a perspectiva cultural ou simbólica do território. Ele entende
que tais perspectivas podem ser analisadas tanto a partir de uma visão do território
que chamou de “parcial” (que enfatiza uma dessas perspectivas, seja a “natural”, a
econômica, etc.) ou que essas perspectivas podem ser analisadas a partir de uma
visão integradora de território, para atender a questões que envolvem todas elas
juntas. O binômio espaço-tempo também é apresentado em dois sentidos:
i.
ii.
Seu caráter mais absoluto ou relacional: no sentido de
incorporar ou não a dinâmica temporal (relativizadora), seja na
distinção entre entidade físico-material (como coisa ou objeto) e
social-histórica (como relação);
Sua historicidade e geograficidade, isto é, se trata de um
componente ou condição geral de qualquer sociedade e espaço
geográfico ou se está historicamente circunscrito a
determinado(s) períodos(s), grupo(s) social(is) e/ou espaço(s)
geográfico(s). (HAESBAERT, 2011, p. 41).
A abordagem segundo o binômio espaço-tempo consiste na visão relacional
de território onde este é compreendido como “[...] completamente inserido dentro de
relações social-históricas” (HAESBAERT, 2011). Essa abordagem coincide com
aquela feita por Souza (2003), onde o território é visto prioritariamente como um
conjunto de relações sociais, um campo de forças. Haesbaert (2011) sinaliza que a
interpretação de Souza (2003) é justamente cuidadosa, pois não nega a
materialidade do território e, por isso, evita uma ”desgeografização” do território.
Quando utilizadas as categorias do materialismo dialético, tem-se uma
posição de território que
privilegia
a
sua
dimensão material, econômica,
contextualizada historicamente, definindo-se a partir de relações sociais, ou seja, tem
um sentido relacional (HAESBAERT, 2011). Assim sendo, a abordagem desta
pesquisa utiliza essa posição que considera todas as dimensões relacionadas.
33
Observa-se, no entanto, que há um movimento crescente de novas
incorporações no conceito por várias áreas de conhecimento. Não se pode deixar de
citar, por exemplo, o termo “território político”, que está relacionado à concepção de
fronteiras, especialmente as fronteiras estatais, o que permite relacionar a estudos do
campo da geografia, da economia, da sociologia, etc. Também a concepção de
“território simbólico”, que se refere ao espaço de construção de identidade, sendo
usado em estudos antropológicos, sociológicos e psicológicos.
Nesse sentido, Ratzel (1990), pensador clássico da Geografia, traz o sentido
político nos estudos de território, estabelecendo diálogo com diversas áreas do saber.
Ele considerava o território como um espaço qualificado pelo domínio de um grupo
humano, sendo definido pelo controle político. Para ele, não é possível conceber um
estado sem território. O estudo do ser humano, seja individualmente, seja associado
à família, a tribo ou ao Estado pressupõe também o estudo do território. Reforçando a
sua posição, esse pensador, em seu texto, sinaliza:
Quando se trata de um povo em via de incremento, a importância do
solo pode talvez parecer menos evidente; mas pensemos em um povo
em processo de decadência e verificar-se-á que esta não poderá
absolutamente ser compreendida, nem mesmo no seu início, se não
levar em conta o território. Um povo decai quando sofre perdas
territoriais. Ele pode decrescer em número, mas ainda assim manter o
território no qual se concentram seus recursos; mas se começa a
perder uma parte do território, esse é, sem dúvida, princípio da sua
decadência futura. (RATZEL, 1990, p. 74).
Com o crescimento dos estudos das questões ambientais – ordenamento,
gestão do espaço, entre outros –, a centralidade do Estado no processo de
ordenamento e gestão de alguns territórios tem sido motivo de reflexão. O caráter
político desse debate é notório: de um lado, os “macropoderes” são demarcados por
interesses econômicos e pelas relações políticas institucionalizadas; e, de outro, os
“micropoderes”, muitas vezes mais simbólicos, produzidos e vividos localmente
(HAESBAERT, 2011).
No Lago de Itaipu se percebe essa relação, partindo da formação do lago
(macropoderes) para a geração de energia, passando para seus diversos usos atuais,
como a pesca e o turismo (micropoderes). O território, assim, é fruto de “[...] uma
relação desigual de forças, envolvendo o domínio ou controle político-econômico do
espaço e sua apropriação simbólica, ora conjugados e mutuamente reforçados, ora
desconectados e contraditoriamente articulados” (HAESBAERT, 2006, p. 121).
34
Para Neves (1996, p. 271), os territórios “são espaços de ação e de poderes.
Os territórios contemporâneos têm diferentes inserções na globalidade que é
historicamente fragmentada”. Assim, percebe-se que há uma ligação entre território e
poder, mas também é perceptível a ideia de apropriação do território e é essa
apropriação que transforma o território, (re)criando-o.
Aplica-se, a esse processo, o conceito de territorialização descrito por
Haesbaert (2011, p. 97), quando afirma:
Territorializar-se, desta forma, significa criar mediações espaciais que
nos proporcionem efetivo “poder” sobre nossa reprodução enquanto
grupos sociais [...]. O que seria fundamental “controlar” em termos
espaciais para construir nossos territórios no mundo contemporâneo?
Além de sua variação histórica, precisamos considerar sua variação
geográfica: obviamente territorializar-se para um grupo indígena da
Amazônia não é o mesmo que territorializar-se para os grandes
executivos de uma empresa transnacional. Cada um desdobra
relações com ou por meio do espaço de formas as mais diversas.
Para uns, o território é construído muito mais no sentido de uma áreaabrigo e fonte de recursos, a nível dominantemente local; para outros,
ele interessa enquanto articulador de conexões ou redes de caráter
global.
Rogério Haesbaert demonstra que o território possui diferentes níveis de uso,
desde os mais simples, como moradia, e até outros mais complexos, como as redes
ou as conexões globais. Os pescadores do Lago, portanto, utilizam seu território
como forma de reprodução e de manutenção do seu grupo social.
Há autores que dizem que, no bojo da crise contemporânea, estaríamos
vivendo um processo de reterritorialização, ou o que, segundo Haesbaert, seria a
construção de novos territórios.
A desterritorialização seria, então, um processo característico da sociedade
globalizada. Desse modo, embasado nas reflexões de Haesbaert, verifica-se que,
anteriormente à formação do Lago, existia uma realidade territorial diferente da atual,
com terras agricultáveis, e que, a partir da formação do Lago de Itaipu, forma-se um
novo território, atuando novos atores e predominando outras atividades.
Haesbaert (2011) diz que a desterritorialização refere-se ao abandono
(forçado ou não) do território, enquanto que a reterritorialização refere-se à
construção de novos territórios. Dessa forma, esses processos de territorialização,
desterritorialização
e
reterritorialização
estão
ligados,
incessantemente e, por isso, também estão em unidade.
complementam-se
35
Saquet (2010) complementa a ideia, reforçando que esses processos
acontecem ao mesmo tempo para diferentes indivíduos e que é na descontinuidade
que se reproduzem elementos/aspectos inerentes à vida diária dos sujeitos sociais,
no mesmo ou em diferentes lugares.
Assim, os processos de territorialização e de desterritorialização se
confundem e os principais elementos que constituem a territorialização também
constituem a desterritorialização.
Há perda, mas há a reconstrução da identidade, acontecem
mudanças nas relações de poder, de vizinhança, de amigos, de novas
relações sociais, de elementos culturais, que são reterritorializados; há
redes de circulação e comunicação, que substantivam a
desterritorialização, o movimento, a mobilidade. (SAQUET, 2010, p.
163).
De acordo com Ianni (1997, p. 94), a desterritorialização “[...] manifesta-se
tanto na esfera da economia como na política e cultura”. Assim, para esse pensador,
“[...] desterritorizar significa dissolver ou deslocar o espaço e o tempo [...]”, pois os
indivíduos carregam consigo esses elementos.
Quando o indivíduo morador da região inundada pelo Lago de Itaipu, precisou
obrigatoriamente se retirar (adquirindo novas terras no entorno ou em outras regiões
a partir da indenização da Itaipu), ele abandona aquele território, assim se
desterritorializa. Leva consigo sua antiga noção de espaço e tempo, que por muitas
vezes, não consegue desfazer (dissolver) essa noção, e, não podendo viver
adequadamente a realidade escolhida, decide retornar ou permanece “perdido” até a
acontecer sua adaptação.
De acordo com Haesbaert (2011), pode haver uma desterritorialização
cotidiana ou a passagem constante de um território a outro sem que, para isso, o
território seja destruído, mas apenas abandonado pelo indivíduo.
Com a formação do Lago de Itaipu, parte (física) do território foi destruído
(aquele relacionado as terras agricultáveis e vilas rurais), depois precisou ser
abandonado, não por vontade dos moradores, mas por imposição da Itaipu, para
haver, posteriormente, uma reconstrução ou readaptação territorial com novos usos.
O território torna-se um instrumento de exercício de poder e de contrapoder.
A Itaipu (Estado), a partir de decretos, obriga a população lindeira a deixar suas
terras, mediante indenização, porém um segmento da sociedade civil (pequenos
36
agricultores em sua maioria) se manifesta contrária e luta para impedir a formação do
Lago. Sem sucesso, esse grupo é forçado a abandonar suas terras.
A força hegemônica do Estado prevalece e “[...] carrega sempre,
indissociavelmente, o papel de destruidor de territorialidades previamente existentes,
mais diversificadas, e a fundação de novas, em torno de um padrão políticoadministrativo mais universalizante” (HAESBAERT, 2011, p. 198). Assim, o Estado foi
responsável pelo novo território promovido com a formação do Lago de Itaipu:
A construção da hidrelétrica de Itaipu proporcionou o início de grandes
transformações sociais, econômicas e políticas no cenário regional, o
qual, gradativamente, vem se organizando. Em decorrência disso, a
formação do Lago de Itaipu trouxe uma nova configuração territorial
aos municípios “atingidos”. Foi, portanto, a partir da Itaipu Binacional
que se instaurou um novo cenário regional, onde estão presentes
novos projetos de mudanças, como a reterritorialização denominada
de Projeto Costa Oeste, conduzida pelo governo do Estado do
Paraná. (SOUZA, 2009, p. 126).
Outras contribuições importantes para a pesquisa se referem às ideias de
Raffestin (1993). Em sua obra, importante referência para a construção do conceito
de território na Geografia, o autor concebe o espaço como algo dado, considera o
espaço como receptáculo, “[...] o espaço é, de certa forma, ‘dado’ como se fosse uma
matéria-prima. Preexiste a qualquer ação. ‘Local’ de possibilidades, é a realidade
material preexistente a qualquer conhecimento e a qualquer prática” (p. 144). Para
esse pensador, espaço e território não são termos equivalentes, pois o espaço é
anterior ao território. O território se forma a partir do espaço e é resultado de uma
ação conduzida por um ator sintagmático (ator que realiza a fusão de um ou mais
elementos/um programa), em que, ao se apropriar de um espaço, o ator “territorializa”
o mesmo espaço: “O espaço é a ‘prisão original’, o território é a prisão que os homens
constroem para si” (RAFFESTIN, 1993, p. 144). E acrescenta:
[...] ao se apropriar de um espaço, concreta ou abstratamente, o ator
territorializa um espaço onde se projetou um trabalho, seja energia e
informação, e que, por conseqüência, revela relações marcadas pelo
poder. [...]) o território se apóia no espaço, mas não é o espaço. É
uma produção a partir do espaço. Ora, a produção, por causa de
todas as relações que a envolve, se inscreve num campo de poder
[...].
A principal contribuição de Raffestin (1993) para esta pesquisa é, porém, a
proposição de uma abordagem relacional do território, na qual território é
37
indissociável do poder. Tomando essa proposição como referência, parte-se do
princípio de que as relação de poder desempenhadas pelos sujeitos no espaço
produzem o território. A intensidade e a forma da ação de poder nas diferentes
dimensões do espaço originam diferentes tipos de territórios.
Para o autor mencionado, o território é produto dos atores sociais, do Estado
ao indivíduo, passando por várias organizações, pequenas ou grandes. São esses
atores que produzem o território, composto por malhas, nós e redes, partindo da
realidade inicial dada, que é o espaço, passando à implantação de novos recortes e
de novas ligações. Dessa maneira, a malha, também denominada tessitura, é a
projeção de um sistema de limites, ou seja, de fronteiras mais ou menos
funcionalizadas. Nas palavras de Raffestin (1993):
A tessitura é sempre um enquadramento do poder ou de um poder. A
escala da tessitura determina a escala dos poderes. Há poderes que
podem intervir em todas as escalas e aquelas que estão limitadas às
escalas dadas. Finalmente, a tessitura exprime a área de exercício
dos poderes ou a área de capacidade dos poderes. (p. 154).
Nessa sua concepção, o poder define-se pela capacidade dos atores de agir,
de realizar as ações e de produzir efeitos, ou seja, de fazer uso do território e de
transformá-lo, respondendo aos interesses e às demandas dos atores a ele
pertencentes. Enfim, a compreensão de território, para Raffestin (1993), passa pela
compreensão da construção do território marcado pelas relações de poder exercido
por pessoas ou por grupos. Sem o poder não se define o território.
Já Souza (2003, p. 79) enfatiza dois processos no entendimento do território,
quais sejam, a dominação e a influência. Propõe ele que é essencial saber “[...] quem
domina ou influencia e como domina ou influencia esse espaço? [e também] quem
influencia ou domina quem nesse espaço, e como?”. Dessa forma, assumimos que,
dependendo dos objetivos do sujeito que produz o território, a ação de poder pode
configurar apropriação, dominação ou influência.
Essas relações de poder são desempenhadas pelos sujeitos que produzem o
espaço e têm objetivo de criar territórios. Esses são os mesmos sujeitos
apresentados por Brunet (2001): o indivíduo (e/ou a família), os grupos, as
coletividades locais, o Estado, a autoridade supranacional e as empresas. Todos eles
exercem o seu poder e influência.
38
Ao exercerem seu poder no espaço para a criação de territórios, os sujeitos
promovem o processo de territorialização-desterritorialilzação-reterritorialização (T-DR), como mencionado anteriormente. Para caracterizar a disputa entre os sujeitos no
processo de T-D-R pode-se utilizar também a noção de poder proposta por Raffestin
(1993, p. 53), que a define como “[...] um processo de troca ou de comunicação,
quando, na relação que se estabelece, os dois pólos fazem face um ao outro ou se
confrontam. As forças de que dispõem os dois parceiros (caso mais simples) criam
um campo: o campo do poder.”
Apesar de todas as diversidades semânticas e diversas concepções, os
ideais de domínio e de poder abrangem todas essas conotações de território por
diversos autores. Dentre os autores da Geografia que se debruçam sobre o conceito
de território, é consensual que o território é indissociável da noção de poder e que é
limitante concebê-lo unicamente como os limites político-administrativos dos países.
Em Brunet (2004), o território é um recorte espacial horizontal18 (os limites do
país). A partir deste recorte, realiza uma análise espacial, ou seja, uma análise do
espaço territorializado pelo Estado. Assim, o território é o espaço do país. O autor
enfatiza a diferença entre espaço e território: “[...] a idéia de território é ao mesmo
tempo mais vigorosa e mais restrita do que aquela de espaço, que a contém”
(BRUNET, 2004, p. 17). Para ele, o geógrafo estuda o espaço geográfico e os
espaços; alguns desses são vistos como territórios. Essas colocações demonstram
que, para Brunet (2004), o território é formado a partir do espaço.
Já Milton Santos apresenta uma concepção de território muito próxima
daquela de Roger Brunet. Em sua obra Santos e Silveira (2008) realizam um
exercício de operacionalização das construções teóricas, principalmente aquelas
apresentadas em Santos (1996).
Ao escreverem sobre o território como espaço de um país, os autores
propõem a noção de “espaço territorial”, que significa a presença de um Estado, de
um espaço e de uma nação (ou mais nações). Para os autores, o território, anterior
ao espaço geográfico e, portanto, a base material, “[...] em si mesmo, não constitui
uma categoria de análise ao considerarmos o espaço geográfico” (SANTOS &
SILVEIRA, 2008, p. 247).
Em uma abordagem voltada aos estudos de Milton Santos entende-se a
categoria de território usado como sinônimo de espaço geográfico. De acordo com
18Brunet
(2004, p.39-51) apresenta uma análise do território francês.
39
Santos e Silveira (2008, p. 247), “[...] quando quisermos definir qualquer pedaço do
território, devemos levar em conta a interdependência e a inseparabilidade entre a
materialidade, que inclui a natureza e o seu uso, que inclui a ação humana, isto é o
trabalho e a política”.
De fato, espaço e território não se opõem absolutamente, mas, antes, são
engendrados social e historicamente, como afirmam Raffestin (1993) e Moraes
(2000). Para Haesbaert (2009) não se trata de distinguir de maneira rígida espaço de
território, pois os dois termos seriam expressões de dimensões sociais.
Santos (1996, p. 51) propõe que o espaço seja compreendido como “[...] um
conjunto indissociável, solidário e também contraditório, de sistemas de objetos e
sistemas de ações, não considerados isoladamente, mas como o quadro único no
qual a história se dá”. Bernardes et al.(2001) nos convidam a considerar o espaço
geográfico como sinônimo de território usado, entendendo que este tanto é resultado
do processo histórico quanto é base material e social das novas ações humanas.
Afirmar o uso do território implica dizer que o território não é limitado por suas
dimensões geométricas ou físicas; significa dizer que ele não se reduz aos seus
atributos formais, pois estes só designam a circunscrição de uma coisa. Como afirma
Silveira (2008, p. 3), “[...] elterritorio usado no es una cosa inerte o un palco donde la
vida se da. Al contrario, es uncuadro de vida, híbrido de materialidad y de vida social”.
Santos et al. (2000) propõem que o território usado é tanto o resultado do
processo histórico quanto a base material e social das novas ações humanas. Tal
ponto de vista permite uma consideração abrangente da totalidade das causas e dos
efeitos do processo socioterritorial.
A proposição do conceito de território usado está voltada principalmente à
operacionalização do conceito de espaço geográfico. Mesmo propondo a categoria de
território usado e assumindo a análise a partir dela, os autores utilizam o termo
território durante todo o trabalho. O território, da forma como utilizado pelos autores,
diz respeito ao espaço do país (sistemas de ações e sistemas de objetos) e também
inclui na análise tanto as dinâmicas/configurações internas do Brasil como a sua
relação com outros territórios.
Segundo Santos (2006, p. 13-14), hoje tudo o que é considerado essencial no
mundo se faz a partir do conhecimento do que é território:
O território é o lugar em que desembocam todas as ações, todas as
paixões, todos os poderes, todas as fraquezas, isto é, onde a história
40
do homem plenamente se realiza a partir de manifestações da sua
existência [...] o território não é apenas o conjunto dos sistemas
naturais e de sistemas de coisas superpostas; o território tem que ser
entendido como o território usado, não o território em si. O território
usado é o chão mais a identidade. A identidade é o sentimento de
pertencer àquilo que nos pertence. O território é o fundamento do
trabalho; o lugar da residência, das trocas materiais e espirituais e do
exercício da vida.
A expressão “território usado”, para Santos, é quase um correlato direto de
espaço (objeto da Geografia): “O território usado, visto como uma totalidade, é um
campo privilegiado para a análise na medida em que, de um lado, nos revela a
estrutura global da sociedade e, de outro lado, a própria complexidade do seu uso”
(Santos et al., 2000, p. 12).
Segundo Santos et al. (2000), na Geografia, o espaço resulta de um passado
histórico, da densidade demográfica, da organização social e econômica e dos
recursos técnicos dos povos que habitam os diferentes lugares, portanto, está
impregnado de história. Território consiste em algo que é produzido e consumido por
práticas sociais. Trata-se de um produto construído, vivido e utilizado como meio de
sustentação para as práticas sociais.
Ao fazer a distinção entre território como recurso e território como abrigo,
Santos afirma que o território usado é tido como um recurso para os atores
hegemônicos, ou seja, ali eles têm a garantia de realização de seus interesses
particulares, e seus usos. Mesmo assim, no entanto, “[...] para os atores
‘hegemonizados’ trata-se de um abrigo, buscando constantemente se adaptar ao
meio geográfico local, ao mesmo tempo em que recriam estratégias que garantam a
sua sobrevivência nos lugares” (SANTOS, 2000, p. 12-13).
O termo “uso do território” tem uma longa história. Ele pode ser encontrado
em muitos momentos e textos, dos quais, para ficar em apenas alguns, mas em
compensação cometer muitas injustiças, enumeramos quatro: em Marx (1981), em
Ratzel (1898), em Calabi e Indovina (1992[1973]) e em Santos (1994). Desses
autores, destacamos o último, pois sistematizou o termo e o transformou no conceito
de “uso do território” dentro de uma proposta de método que coloca o “território
usado” como agente condicionante para as ações sociais no transcurso do tempo.
Sendo histórico, o território é condição e produto do trabalho social. Nesse
processo, as normas e as regras inscrevem-se na materialidade, orientando a cultura
imaterial. Ribeiro (2005) lembra que os objetos contêm a ação (possível e
41
necessária), da mesma maneira que a ação refaz os usos dos objetos, atribuindo-lhes
atualidade. Segundo essa concepção, o território em si não seria objeto de análise
social, mas o território usado (SANTOS, 1994), que corresponde às ações que
dinamizam as formas (materiais ou imateriais) e estas, que condicionam as ações
ulteriores.
Segundo Santos (1996, p. 270-271), o uso do território:
[...] supõe, de um lado, uma existência material de formas geográficas,
naturais ou transformadas pelo homem, formas atualmente usadas e,
de outro lado, a existência de normas de uso, jurídicas ou meramente
costumeiras, formais ou simplesmente informais [...] e ainda que não
se formulem outras normas escritas ou consuetudinárias de seu uso, o
território nacional, ou local, é, em si mesmo, uma norma, função de
sua estrutura e de seu funcionamento.
O território usado seria um híbrido de duas dimensões: uma métrica ou
geométrica e outra social. A métrica territorial relaciona-se às distâncias físicas na
determinação da extensão de um território. Inclusive, um território não termina nas
bordas de suas praias, pois algumas milhas à frente ainda é exercida a soberania de
um Estado (o mar territorial), tanto quanto, com o advento dos aviões e dos satélites,
discute-se a soberania do espaço aéreo, sempre a partir de cálculos de distâncias
físicas.
A segunda, que não deixa de incorporar a primeira, mas que não se restringe
a ela, relaciona-se ao efetivo uso que, por meio do trabalho e das técnicas
disponíveis a uma sociedade segundo uma época e um lugar, se faz do território.
Sem dúvida, as relações políticas assumem papel de destaque no uso do território,
mas o próprio território é um agente organizador da sociedade na medida em que ele
se impõe às ações sociais.
O território resulta do trabalho humano, pois, depois de trabalhada, a matéria
se humaniza. Por isso há uma simbiose entre as ações humanas e os objetos, os
quais, depois de humanizados, condicionam o trabalho.
Para Santos (1996), o território, composto por um sistema de fixos (imóveis) e
de fluxos (que se movem), incorpora o trabalho social. Fixos e fluxos tendem a exigir
do ser humano certo comportamento ou, em outras palavras, a matéria trabalhada e
humanizada se impõe ao trabalho que está em processo, que está sendo realizado. O
território trabalhado registra e conserva em si a memória de trabalhos antecedentes,
ao mesmo tempo em que porta em si o enriquecimento contínuo do acontecer atual.
42
Pelas palavras de Santos (1985, p. 9), “[...] a periodização da história é que
define como será organizado o território, ou seja, o que será o território e como serão
as suas configurações econômicas, políticas e sociais”. Ressaltando a dialética dos
processos históricos, ele nos ensina que cada momento histórico, cada elemento
muda seu papel e sua posição no sistema temporal e no sistema espacial e, a cada
momento, o valor de cada qual deve ser tomado da sua relação com os demais
elementos e com o todo.
O território também se configura pelas técnicas, pelos meios de produção,
pelos objetos e coisas, pelo conjunto territorial e pela dialética do próprio espaço.
Somado a tudo isso, Santos (1985) vai mais adiante e consegue penetrar, conforme
suas proposições e metas, na intencionalidade humana. Para ele, a relação entre o
homem e o meio é dada pela técnica de um conjunto de meios instrumentais e sociais
com os quais o homem realiza sua vida, produz e, ao mesmo tempo, cria espaço
(SANTOS, 1994).
Silva (2011a), em sua pesquisa, aborda o território e as mudanças
contemporâneas, confirmando que, com o conceito de território usado, é possível
instrumentalizar teoricamente e metodologicamente a compreensão da produção
social do espaço, identificando não somente os grandes agentes transformadores do
espaço, mas também como esses agentes destroem a história dos lugares, impedem
e limitam outras economias territorialmente criadas. Assim se pode trabalhar com os
dois conceitos reciprocamente.
Quando se estuda o território não se pode deixar de destacar os indivíduos a
partir do seu trabalho, produção social, mas também o sentimento de pertencimento,
de apropriação são elementos importantes, ou seja, a questão do simbolismo é
vinculada ao território.
Na contribuição de Corrêa (1996), o território é o espaço revestido da
dimensão política, afetiva ou ambas. Corrêa (1996, p. 251) aponta que a palavra
“território” vem do latim e significa “terra pertencente a alguém”. Entretanto, esse
“pertencer” não está diretamente relacionado necessariamente à propriedade da
terra, e sim à sua apropriação. Segundo ele, essa apropriação possui dois
significados. O primeiro refere-se ao controle do território efetivo; o segundo refere-se
à dimensão afetiva que a apropriação pode assumir, sendo associada à identidade de
determinados grupos tendo relação com a afetividade espacial. Assim, o “[...] conceito
de território vincula-se a uma geografia que privilegia os sentimentos e simbolismos
43
atribuídos aos lugares [...]” (CORRÊA, 1996, p. 251). Assim, percebe-se que há uma
dimensão simbólica que destaca a afetividade e o apego que os indivíduos depositam
no território que eles identificam como sendo o seu território, no que se refere ao
estudo dessa categoria.
O território enche o espaço com conteúdos particulares, relacionados a
construções históricas entre pessoas, organizações e Estado. A territorialidade,
segundo Corrêa (1996), refere-se ao conjunto de práticas e a suas expressões
materiais e simbólicas, que garantiriam uma apropriação e uma permanência em um
dado espaço por determinados grupos sociais, organizacionais.
David Harvey, já na década de 1980, afirmava que o entendimento do
conceito de espaço – e acrescentemos, o de território – não passa meramente pelo
debate filosófico. As respostas estão vinculadas às ações humanas, ou seja, à
compreensão das práticas sociais e cotidianas no espaço (HARVEY, 1985).
Souza (apudGUEDES, 2009, p. 33) acrescenta que os territórios são
construídos e desconstruídos nas mais diferentes escalas espaciais e temporais, em
um campo de forças onde se manifestam relações de poder espacialmente
delimitadas. Assim, o território deve ser abordado em sentido amplo, multidimensional
e multiescalar, sem restringir-se/limitar-se a um espaço uniescalar como o do EstadoNação, mas tratando o conceito de acordo com os contextos históricos e geográficos
em que foi produzido (HAESBAERT, 2011, p. 96).
Percebe-se isso quando se analisa a posteridade da formação do Lago de
Itaipu, pois que, antes de 1982, o mesmo território em análise era concebido por
terras agricultáveis. Famílias de pequenos agricultores, comunidades e vilas rurais
trabalhavam nesse local. A partir do alagamento surge outro território, constituído de
outros sujeitos, ou até dos mesmos, mas com características diferentes. Assim, a
temporalidade e a espacialidade mudam constantemente. Por isso, o território da
pesca em análise deve ser abordado em sentido amplo, multidimensional e
multiescalar.
Segundo
compreender
o
Sposito
território
(2004), existem
atualmente.
O
também dois caminhos para se
primeiro
caminho
refere-se
ao
estabelecimento de redes de informações, que, devido ao acelerado desenvolvimento
tecnológico, propicia a disseminação de informações cada vez mais rapidamente,
tornando-se assim necessário romper distâncias. Dessa forma, “[...] os territórios
perdem as fronteiras, mudam de tamanho dependendo do domínio tecnológico de um
44
grupo ou de uma nação, e muda, consequentemente, sua configuração geográfica”
(SPOSITO, 2004, p. 114).
O segundo caminho é o do questionamento do retorno do indivíduo e sua
escala do cotidiano “[...] como formas de apreensão das dimensões territoriais e da
capacidade de projetar a liberdade como meio de satisfação das necessidades
individuais” (SPOSITO, 2004, p. 115).
Sposito (2004) demonstra que uma concepção naturalista do território é
amplamente difundida e essa “[...] concepção clássica do imperativo funcional acaba
por transformar o território em um elemento da natureza, pelo qual se deve lutar para
conquistar ou proteger” (SPOSITO, 2004, p. 113). Dessa forma, o indivíduo cria laços
com o seu território, demonstrando apego e sentimentos em relação a esse lugar que
ele conquista ou protege.
Há também a concepção mais voltada para o indivíduo e que se refere à
territorialidade e à sua apreensão. Trata-se do território do indivíduo, seu ‘espaço’ de
relações, seu horizonte geográfico, seus limites de deslocamento e de apreensão da
realidade. A territorialidade, nesse caso, pertence ao mundo dos sentidos e, portanto,
da cultura e das interações, cuja referência básica é a pessoa e sua capacidade de
se localizar e de se deslocar (SPOSITO, 2004, p. 113).
Assim, o território é o lugar onde o indivíduo realiza todas as suas ações e,
por isso, cria laços afetivos e de identidade em relação a esse lugar. Quando o
indivíduo é obrigado a sair desse território, construído e experienciado, há um
rompimento desses laços de afetividade.
No caso do território do Lago de Itaipu, ali ocorreu esse fato, obrigando, na
década de 1980, os moradores a sair de suas terras, sendo difícil seu
restabelecimento em outras áreas, assim como ocorreu em várias implantações de
usinas hidrelétricas pelo Brasil, os famosos “grandes empreendimentos”, assunto
estudado por Cruz e Silva (2010).
Conforme Haesbaert (2011, p. 85), “[...] o território é um dos principais
conceitos que tenta responder à problemática da relação entre a sociedade e seu
espaço”. Por esse motivo, conforme o autor, quando muito se fala no
enfraquecimento dessa relação entre sociedade e espaço mais necessário se faz
rediscutir o território e as transformações que nele ocorrem.
Essas transformações ocorrem e são decorrentes da apropriação do homem
e da sua ação, que acaba por determinar e modificar o território. É o que ocorre no
45
caso da formação do Lago de Itaipu, uma vez que, a partir da ação de alguns
indivíduos, houve uma mudança que definiu o futuro não só das ações, mas também
da vida dos antigos moradores.
Também é importante observar as combinações de territorialidades e
temporalidades, de mudanças e de continuidades, no tempo e no espaço, através da
análise da processualidade histórica e transescalar, denominada articulação territorial
(SAQUET, 2010). Dessa forma, compreende-se o território como articulador de
conexões ou de redes em escala global, mas também como área-abrigo e fonte de
recursos em escala local (HAESBAERT, 2011).
Essa articulação territorial mencionada por Haesbaert (2011) que é o objeto
desta pesquisa, partindo dela é que se compreenderão os sujeitos, as entidades, as
relações e os interesses envolvidos na comunidade de pescadores da Colônia Z11.
Trata-se de dinâmica percebida quando ocorreu o processo de indenização dos
moradores da região do Lago, que saíram de suas terras para se territorializar em
outras, refazendo seu novo território. O Lago de Itaipu, agora território da hidrelétrica,
a ela servindo de reservatório, passa a ser usado também para outras finalidades,
como a pesca, por exemplo.
A territorialidade, vista como um componente do poder, não significa apenas
um meio para criar e manter a ordem; trata-se, para Raffestin (1993), de um conjunto
de relações efetivado pelos homens como membros de um grupo social e com
exterioridade: “Essas relações são mediadas pelas línguas, religiões e tecnologias.
[...] As relações humanas são simbólicas e materiais” (SAQUET, 2010, p. 79).
Essa territorialidade é percebida na Colônia de Pescadores na forma de vida,
no cotidiano, no trabalho, nas relações entre as entidades colaboradoras.
A delimitação dos territórios é a materialização das relações de poder que
estão ocorrendo em um determinado espaço. Essa materialização é sempre produto
do desejo e da necessidade de sobrevivência e representa todo um conjunto de
fatores, dos quais uns são físicos, outros humanos: econômicos, políticos, sociais
e/ou culturais.
Assim, falar em território e territorialidade significa também fazer uma
referência implícita à noção de limite, que exprime a relação que um grupo mantém
com uma dada porção do espaço. Logo, delimitar implica isolar ou subtrair
momentaneamente ou, ainda, manifestar um poder numa área precisa. O limite do
46
território dos pescadores do Lago de Itaipu e da Colônia Z11 é precisamente
compreendido pelos sujeitos da pesca.
Com toda a discussão promovida até aqui, considera-se que o conceito de
território é bem amplo e deve ser utilizado além dessas abordagens. Entretanto,
buscou-se relacionar as ideias de cada autor que discute o para contribuir com o
entendimento do território pesqueiro do Lago de Itaipu. Seria impossível afirmar qual
abordagem é mais pertinente para a pesquisa, pois todas analisam e contribuem de
alguma forma a pesquisa.
Mas, os conceitos de território e de território usado, como aqui definidos, são
utilizados no trabalho como direcionadores das construções e das análises da pesca.
Do conceito de território usado, similar a espaço geográfico, segundo Santos (2000,
2006), tem-se como referência a necessidade de considerar sistemas de objetos e
sistemas de ações de forma indissociável em um processo contínuo pelo qual a
sociedade transforma a natureza, construindo e reconstruindo o espaço através do
seu trabalho. Essa concepção leva a pensar na interação entre as forças criadoras;
os sujeitos sociais que, por meio de suas estratégias, influenciam a produção do
espaço. Daí surge o território, resultado da impressão do poder no espaço,
territorializado pelo sujeito territorial, que é movido pela intencionalidade.
O conceito de território também é importante quando é no território que a vida
cotidiana acontece. Por isso, muitos autores escrevem sobre o território do cotidiano,
território onde os eventos do dia a dia acontecem em forma de hábito. De acordo com
Barcellos, território e cotidiano são palavras-chave, pois,
[...] ao contrário de noções herdadas do Iluminismo, não tem a
pretensão de abarcarem todas as esferas do real [...] elas podem ou
não organizar as visões do mundo, visto que permitem perceber a
complexidade das relações existentes no campo social permitindo ver
as ambigüidades da vida dos homens. (BARCELLOS, 1995, p. 41).
Por isso se justifica a preocupação com estudos que abordem a
construção/destruição de territórios, principalmente neste estudo, pois não está em
jogo apenas um espaço que serve a determinados interesses do poder econômico,
mas, acima de tudo, falar de territórios é falar de lugares de experiências de vida, de
cotidianidade, de desejos e de sonhos, de trocas de experiências, de afeição, de
razão de se viver.
47
Na tentativa de aprofundar o debate, no próximo item relacionam-se os
conceitos de território, de territorialidade e de identidade socioterritorial às práticas
sociais cotidianas de pescadores artesanais, importantes na análise desse território
pesqueiro.
1.3 O Cotidiano e a Territorialidade do Pescador Artesanal
Para a compreensão do modo de vida do pescador artesanal é indispensável
discutir o conceito de cotidiano, relacionando-o com a territorialidade. Por isso, buscase entender o cotidiano através da abordagem do estudo do comportamento humano
em sua situação social, e do modo como os indivíduos ou as pessoas aparecem para
os outros no seu dia a dia, ou seja, em seu espaço do cotidiano. Certeau (1999, p.
31) fala que:
O cotidiano é aquilo que nos é dado a cada dia (ou que nos cabe em
partilha), nos pressiona dia após dia, nos oprime, pois existe uma
opressão do presente. Todo dia pela manhã, aquilo que assumimos,
ao despertar, é o peso da vida, a dificuldade de viver, ou de viver
nesta ou noutra condição, com esta fadiga, com este desejo. O
cotidiano é aquilo que nos prende intimamente, a partir do interior. É
uma história a meio-caminho de nós mesmos, quase em retirada, às
vezes velados. Não se deve esquecer este “mundo memória”,
segundo a expressão Péguy. É um mundo que amamos
profundamente, memória olfativa, memória dos lugares da infância,
memória do corpo, dos gestos da infância, dos prazeres...
Como objeto de análise das ciências humanas, o estudo do cotidiano está em
grande expansão. Segundo Lefebvre (1991), o cotidiano é uma soma de
insignificâncias, não de insignificantes. A banalidade é importante na vida, o levantar,
abrir a janela, apreciar o tempo, sentir os sons e os cheiros do dia ao amanhecer.
Considerando diferenciados graus de banalidade, Lefebvre (1991) faz a
leitura da vida cotidiana sob uma ótica da racionalidade instrumental, ou seja, para
ele o capitalismo colonizou a vida cotidiana, criando uma cotidianidade repleta de
significações, de signos, onde o consumo é dirigido. Assim, o consumo, incentivado
pela produção capitalista, fornece a base de sustentação da constituição do
capitalismo como sistema de reprodução de relações sociais de produção. Assim, o
cotidiano banal se torna objeto da organização social capitalista.
48
O estudo do cotidiano compreende a análise do indivíduo de modo geral,
envolvido em relações com outros indivíduos, sendo que o espaço é o meio que
possibilita a conexão entre as coisas. Sua compreensão já está submetida à
compreensão imediata do mundo vivido, que é a soma de todas as ações e de todas
as intervenções junto ao meio onde o indivíduo vive, criando, dessa forma, uma
experiência de vida, cada qual com a sua experiência.
Segundo Gil e Gil Filho (2008), é no “mundo vivido” de indivíduos ou dos
pequenos grupos, no bairro ou na comunidade que ocorrem relações diferenciadas
entre as pessoas, onde ocorrem diferentes tipos de espacialidades e de
temporalidades. Essas formas distintas entre os grupos sociais que compõem o
“mundo vivido”, pois cada um vivencia o seu cotidiano de modo específico, possuem
uma diversidade de visões previamente elaboradas e apresentadas corporalmente
através de suas ações no mundo banal.
Nessa “Geografia do Cotidiano” existem cenários de interação no espaço
público, o que Goffman (1975) considera como a representação teatral, partindo do
caráter dramatúrgico, é a maneira como o indivíduo se apresenta a outras pessoas
em situações comuns como no trabalho e no lazer, podendo, para isso, utilizar
diferentes tipos de fachadas. O palco são lugares do cotidiano, conhecidos ou não
dos atores.
Na Geografia Humanista-Cultural há teóricos que explicam o mundo vivido
muitas vezes diferenciando-o de espaço, como é o caso de Tuan (1980), que afirma
que o espaço se transforma em lugar à medida que o conhecemos e o dotamos de
valor, à medida que esse lugar corresponde a um uso, ou seja, a uma prática social
vivida. Assim, a percepção em relação ao “lugar” é diferente de indivíduo para
indivíduo. Juan, nessa obra referida, por sua vez, sistematizou as categorias do
espaço antropológico utilizando o termo “espaço vivido” como um espaço que deve
ser sentido em “primeira pessoa”, onde o indivíduo se sente bem. É o espaço
individual da vida cotidiana.
Claval (1989) faz parte da Nova Geografia Cultural e trabalha o “lugar” como
um território comunitário, onde os estilos de vida são semelhantes.
Almeida (2003) informa que o espaço, além de ser produto das atividades
humanas, tem múltiplas valorizações e caracteriza-se por atributos estruturais,
funcionais e afetivos, podendo, dessa forma, ser considerado como o lugar onde
49
homens
e
mulheres,
ideologicamente
diferentes,
procuram
impor
suas
representações, suas práticas e seus interesses.
Essas representações são, de acordo com Moscovici (2003), um produto da
interação e de comunicação, sugerindo que constituam como campo específico: “O
estudo de como e por que as pessoas partilham o conhecimento e desse modo
constituem sua realidade comum, de como transformam idéias em práticas”
(MOSCOVICI, 1998, p. 164). É um olhar da realidade, das relações interpessoais que
ocorrem no cotidiano, prendem a atenção, o interesse e a curiosidade das pessoas,
fazendo com que, muitas vezes, haja uma compreensão e pronunciamentos a
respeito do que ocorre.
Para se chegar a essa articulação, o autor afirma que isso é o “senso comum”
de representações sociais verdadeiras e faz parte da vida em sociedade. As
representações sociais acontecem em todas as ocasiões e lugares onde as pessoas
se encontram informalmente e se comunicam, seja no ponto do ônibus, na saída das
crianças da escola, na lanchonete de uma universidade, etc.
Para o autor:
As representações sociais, por seu poder convencional e prescritivo
sobre a realidade, terminam por constituir o pensamento em um
verdadeiro ambiente onde se desenvolve a vida cotidiana. Trata-se de
uma compreensão individual, mas não de indivíduos que pensa
sozinho, pois o pensamento é criado, comentado, discutido em grupo.
É a arte da conversação, da troca de experiências, tornam algo ou
alguém não familiar em algo ou alguém familiar. (MOSCOVICI, 1998,
p.47).
Neste debate sobre o cotidiano, é importante relacionar os termos
territorialidade e identidade socioterritorial, pois permitem evidenciar as ações e as
experiências concretas de pescadores artesanais, os aspectos simbólicos das
relações socioterritoriais e os códigos nativos. Por meio de depoimentos, os
pescadores traduzem seus sentimentos em relação à realidade da pesca
“antigamente” e nos dias atuais. Esse debate possibilita afirmar uma posição de
respeito à diversidade, às possibilidades de escolhas sobre o modo de vida, à
preservação das culturas tradicionais e do meio ambiente.
Milton Santos (2006, p. 20) ressalta que, na atualidade, impera a lógica da
“ditadura do dinheiro”, do lucro, que representa os interesses particulares, e há um
aparato político, jurídico e ideológico constituído para facilitar e viabilizar a lógica de
50
interesses particulares, desmantelando, se necessário, todos os demais interesses
presentes nos territórios.
Ao realizar a atividade pesqueira, os pescadores e as pescadoras cultivam
saberes e acabam constituindo uma cultura distinta, dentro de um cotidiano muito
peculiar. Essa especificidade nos remete ao conceito de identidade socioterritorial,
conforme empregado por Haesbaert (1999, p. 172):
Toda identidade territorial é uma identidade social definida
fundamentalmente por meio do território, ou seja, dentro de uma
relação de apropriação que se dá tanto no campo das idéias quanto
no da realidade concreta. O espaço geográfico constitui, assim, parte
fundamental dos processos de identificação social.
O conceito de identidade “socioterritorial” empregado reforça a ideia de que
“[...] não há território sem algum tipo de identificação e valorização simbólica (positiva
ou negativa) do espaço pelos seus habitantes” (HAESBAERT, 1999, p. 172).
Lopes et al. (2011) relatam que os pescadores artesanais estabelecem, no
processo de trabalho, uma relação muito particular com os elementos da natureza.
Isso faz parte da construção do seu conhecimento e quanto maior é a interação,
maior é a possibilidade de sucesso na pescaria. Essa relação produz um sentimento
de pertencimento e de ajuda a caracterizar a sua identidade socioterritorial.
Na atividade pesqueira há um saber tácito que é passado de geração para
geração. Esse saber nativo advém da experiência e define escolhas estratégicas que
influenciam diretamente o desenvolvimento da atividade. Os ‘pesqueiros’, por
exemplo, são definidos por marcas simbólicas, vinculadas à tradição de posse e de
uso do local por parte do grupo de pescadores que pratica a pesca familiar ou pesca
de parceria (FURTADO, 2008).
A água, espaço de produção primária, é onde se delineia (objetiva e
simbolicamente)
a
territorialidade
segundo
códigos
nativos.
Esses
códigos
(demarcação de pesqueiros, trajetos, etc.), muitas vezes, conflitam com os de direitos
convencionais. Os pescadores estão expostos às dinâmicas territoriais em função do
avanço da industrialização sobre seus territórios e de políticas públicas nacionais e
regionais com externalidades que afetam suas relações grupais e ambientais, seus
modos de vida e de trabalho, e interferem na construção de sua identidade
(FURTADO, 2008).
51
Para Marques (2001, p. 148), “[...] a territorialidade na pesca é um fenômeno
que se manifesta sob vários aspectos”. Esse pensador relata que, já em 1960, havia
estudos que descreviam o comportamento dos pescadores em relação à demarcação
dos lugares de pesca e à escolha do melhor lugar para jogarem as suas redes.
Para evitar conflitos quanto ao uso do local, os pescadores tinham um
acordo, ou seja, quando o primeiro grupo chegava, fazia uma demarcação com o
remo na areia e os demais iam posicionando os seus remos atrás, conforme a ordem
de chegada (MARQUES, 2001), não havia necessidade de uma demarcação e
regulação formal – o território é definido pelo costume e pelas práticas de trabalho.
Interessante avaliar esses códigos entre pescadores artesanais, que ganham
especificidades de acordo com a região e ajudam a desvelar as características
simbólicas de uma atividade profissional tradicional.
Importante é destacar que, em várias regiões do Brasil, principalmente nas
regiões litorâneas, a cultura pesqueira vinha conseguindo manter-se, apesar da
urbanização e do crescimento do turismo. Por outro lado, porém, nas localidades em
que se instalam grandes empreendimentos industriais ou grandes empreendimentos
como as hidrelétricas, a pesca artesanal sobrevive com muita dificuldade.
A lógica dos grandes empreendimentos altera o modo de vida não só da
cidade onde está instalada, mas de toda a região. O ritmo acelerado das mudanças
acaba inviabilizando o modo de vida do pescador, seja em relação à preservação dos
costumes, seja em relação ao acesso aos recursos pesqueiros.
Cada território cria e é constituído de territorialidades que lhe dão formas e
significados. Relações e práticas sociais estabelecidas no cotidiano entre os próprios
atores, a natureza e demais territórios, configuram a territorialidade, que, ao se
transformar, modifica o território também.
A territorialidade, construída e vivenciada, no tempo e no espaço, por um
grupo social, no caso dos pescadores, traduz ao território características próprias,
materiais e imateriais, objetivas e subjetivas, construindo uma identidade cultural,
numa relação de pertencimento entre os indivíduos e os territórios, o que pode ser
assim descrito:
Pertencemos a um território, não o possuímos, guardamo-lo,
habitamo-lo, impregnamo-nos dele. Além disto, os viventes não são os
únicos a ocupar o território, a presença dos mortos marca-o mais do
que nunca com o signo do sagrado. Enfim, o território não diz respeito
apena à função ou ao ter, mas ao ser. Esquecer este princípio
52
espiritual e não material é se sujeitar a não compreender a violência
trágica de muitas lutas e conflitos que afetam o mundo de hoje: perder
seu território é desaparecer. (BONNEMAISON e CAMBRÈZY, 1996,
p. 13-14 apud HAESBAERT, 2011, p. 73).
Segue-se, portanto, que a relação do pescador com o território acontece a
partir da sensação de pertencimento, a partir da posse/uso deste, incluindo todos os
aspectos históricos que aquela parcela física (lago), causando uma identidade única e
que explica toda a formação sociocultural de um povo. Por possuírem um forte
sentimento de pertencimento aquele território e por conservarem sua identidade,
esses pescadores seguem o princípio explicado por Haesbaert, de que “A força desta
carga simbólica é tamanha que o território é visto como ‘um construtor de
identidades’, talvez o mais eficaz de todos”. (2011, p. 73).
Como defende Haesbaert (2005), as sociedades tradicionais conjugavam a
construção material “funcional” do território como abrigo e base de “recursos”, com
uma profunda identificação que recheava o espaço de referentes simbólicos,
fundamentais à manutenção de sua cultura. O território é importante para todas as
sociedades, tanto para sua sobrevivência física como cultural, demonstrando a
importância que possui para a construção social e para a existência étnica, dentro de
suas cerimônias e práticas tradicionais. Devido a isso, faz-se importante a existência
de um território onde o grupo de pescadores possa desenvolver-se culturalmente,
economicamente e socialmente.
Tudo isso foi evidenciado no Lago de Itaipu. Durante pesquisas de campo
registraram-se vários relatos e experiências de pescadores que, na sua simplicidade,
deixavam transparecer o esforço em manter-se na atividade pesqueira, alegando
vários motivos que serão relatados em outro capítulo.
O Lago de Itaipu é palco de diferentes usos e de diversos conflitos.
Construído com o objetivo de reservar água para a Usina Hidrelétrica de Itaipu, é
também usado pelos municípios afetados como território de atividades turísticas,
sobretudo as praias artificiais. Outros potenciais aproveitados: pesquisas ambientais,
pesca, aquicultura.
Para Silva (2011a), o estudo desses processos atuais e modernos de uso do
espaço  processos que se realizam pela lógica econômica, mas também pelas
ações e normatizações do Estado  mostra a modernização excludente, pois, ao criar
53
inovações sociais e espaciais, excluem pessoas e instituições, bem como
desvalorizam e liquidam outras formas de trabalho anteriormente existentes:
Na verdade, em contextos do século XIX e de toda a mutação
implementada pelo pós-fordismo, pelo pós-modernismo e pelo
crescimento da flexibilização e das crises sucessivas do capitalismo,
reconhece-se cada vez mais a importância das atividades tradicionais
como referências não apenas de identidade e pertencimento, mas de
trabalho, de economia, de construção de sociabilidade e vida coletiva,
numa constatação de que o modo de produção capitalista passa cada
vez mais a conviver e a necessitar de outras formas de produzir. Por
isso, ao invés da pesca artesanal desaparecer no território brasileiro,
tende a crescer e incorporar mais trabalhadores em pleno contexto de
desemprego estrutural. A economia política, portanto, nos ajuda a
compreender as relações sociais e as formas de apropriação do
espaço e dos recursos (humanos, naturais, saberes, etc.). A economia
política do território permite identificar a totalidade em que se
inscrevem as relações econômicas (as disputa por território, os
projetos em disputas, as ações diversas e as práticas do Estado, as
articulações que são políticas entre os agentes) (SILVA, 2011a, p. 10).
Assim, percebe-se que a atividade da pesca artesanal como um todo,
inclusive a pesca no Lago de Itaipu19, convive com uma série de limites, por depender
do território e das condições ambientais, que são disputadas pela modernização e a
ampliação da ocupação espacial imposta por grandes agentes econômicos nacionais
e internacionais.
A escassez dos recursos naturais decorrente das peculiaridades humanas
ajuda a provocar desconexões e rearranjos nos territórios e, consequentemente, nas
identidades socioterritoriais. Isso afeta diretamente as relações entre pescadores,
fazendo com que seu cotidiano fique abalado, aumentando o conflito entre eles, como
também com outros setores da sociedade.
Em síntese, o conceito de território é aqui assumido na sua complexidade,
envolvendo aspectos econômicos, políticos, culturais e ambientais. Território é aqui
assumido como espaço-tempo demarcado pelas intenções das ações humanas na
apropriação, no acesso, no controle e no uso das condições materiais e simbólicas. E
vai além disso, pois é a partir do cotidiano e das articulações que os autores
mencionam as redes e as apresentam como responsáveis pela configuração desses
territórios, assunto a ser discutido a seguir.
19
Será abordado no Capítulo III.
54
1.4 As Redes e as Relações de Poder
No Dicionário de Geografia, dirigido por Pierre George (1970), a rede pode
ser enxergada segundo pelo menos três sentidos: polarização de pontos de atração e
difusão (redes urbanas); projeção abstrata (meridianos e paralelos do globo);
projeção concreta de linhas de relações e ligações (redes hidrográficas, redes
técnicas territoriais e redes de telecomunicações hertzianas).
Em uma análise de Santos (1996), do que vem a ser uma rede, esse
geógrafo conduz as análises sobre a formação de tessituras em que os “nós” fazem
parte de sua composição. Nesse método de análise, a “rede” é como mecanismo
para estabelecer variados contatos, estes dados pelas relações que envolvem
questões de circulação e de comunicação de bens materiais e imateriais no atual
contexto global, numa perspectiva de significação e de significado.
É importante ponderar que não existe homogeneidade dos territórios como
também não existe homogeneidade das redes. A homogeneização é um mito.
Segundo Bakis (1990), tal como citado por Santos (1996, p. 268), “[...] o espaço
permanece diferenciado e esta é uma das razões pelas quais as redes que nele se
instalam são igualmente heterogêneas”. As redes são, ao mesmo tempo,
concentradoras e dispersoras, condutoras de forças centrípetas e de forças
centrífugas.
As redes enquadram-se em duas matrizes: na da materialidade (concretas)
ou denominadas redes de proximidade territorial e na de imaterialidade (abstratas) ou
redes de proximidade relativa
Sobre os dois tipos de rede, Lencioni (2011, p. 141) relata que: “a rede de
proximidade territorial é formada por redes materiais, em especial a circulação”, neste
caso a autora se refere a redes de circulação viária, por exemplo.
As redes de proximidade relativa se referem,
[...] às redes imateriais, como a rede de fluxos de informação e
comunicação, as quais não se pode esquecer, requerem infraestrutura
material...As redes imateriais permitem que o que está territorialmente
distante fique próximo e, nesse sentido, a rede proporciona uma
aproximação (LENCIONI, 2011, p. 142).
No Lago de Itaipu, ambas as redes se complementam, garantem maior
fluidez, encurtam distâncias e mudam o espaço. Tais redes representam formas
55
específicas de organização/ articulação que pode ser social (grupos, instituições,
firmas), urbana, econômica, política, técnica.Como propõe Haesbaert (2006, p. 337),
as redes surgem como novos elementos na configuração dos territórios, sendo
possível falar de território-rede. Para o autor, é necessário compreender o convívio
entre territórios-área e territórios-rede, sendo os últimos “[...] marcados pela
descontinuidade e pela fragmentação que possibilita a passagem constante de um
território ao outro” A compreensão da relação entre esses territórios demonstra que,
ao contrário do que fazem acreditar os discursos da globalização, o território ganha
cada vez mais importância (HAESBAERT, 2006).
Nesse sentido, o conceito contribui para a pesquisa a partir do momento que
o território da pesca no Lago de Itaipu pode ser dividido em vários territórios (as
Colônias e as Associações), que estão interligadas num território-rede.
O papel das redes é indispensável para o entendimento do território, como
pode ser notado em Souza (2003b), Sposito (2004) e Haesbaert (2006). Este último
adota
essa
nova
realidade
na
formação
dos
territórios,
pois
propõe
a
multiterritorialidade como “[...] predominância [...] de relações sociais construídas a
partir de territórios-rede, sobrepostos e descontínuos” (HAESBAERT, 2006, p. 338). A
multiterritorialidade se configura pela “[...] possibilidade de acessar ou conectar
diversos territórios, o que pode se dar através de uma ‘mobilidade concreta’, no
sentido de um deslocamento físico, quanto ‘virtual’, no sentido de acionar diferentes
territorialidades mesmo sem deslocamento físico. [...] como no ciberespaço”
(HAESBAERT, 2006, p. 344).
Com base em Souza (2003), é possível dizer que o território-rede pode se
configurar como uma rede que articula territórios-área e não possui necessariamente
a característica da exclusividade. Por não ter necessariamente a característica da
exclusividade, nos territórios-rede são mais comuns relações de poder que denotam
influência. Esses territórios podem sobrepor-se, pois a área (extensão) nem sempre é
importante para todos os sujeitos territoriais; pode ser que lhes interesse a influência
sobre os pontos para a elaboração de redes ou então os outros sujeitos (a mão de
obra, os consumidores, fiéis, eleitores, etc.).
Mesmo que a superfície seja importante para o território de um determinado
sujeito, outros territórios poderão se estabelecer na mesma área, caso não disputem
dimensões com o sujeito territorial que a domina, seja através da propriedade ou de
outro tipo de dominação exclusiva. Esses territórios não são excludentes e, caso não
56
haja coincidência de interesses entre eles, podem coexistir; ao contrário, surge uma
relação conflitiva que ocasiona o processo de T-D-R.
Esses sentidos podem ser contatados na realidade da pesca artesanal no
Lago de Itaipu. Sendo o Lago uma superfície usada por vários sujeitos com
interesses distintos (pescadores, turistas, geradores de energia), todos se
estabelecem na mesma área, coexistem, porém existem também relações de poder e
de domínio conflitivas nesse território.
Sobre as redes e o poder, Raffestin (1993, p. 83) esclarece que toda
estratégia integra a mobilidade e, por consequência, elabora uma função circulaçãocomunicação – é uma função de poder, onde: “A circulação imprime a sua ordem”.
Nesse caso, o poder não consegue evitar o que pode ser visto ou controlado.
Uma trama complexa recobre esses territórios contemporâneos, redefinindo
seu conteúdo e transformando a natureza das ações nele empreendidas. Essa trama
é formada por um conjunto de diferentes redes que, num movimento dialético, ao
mesmo tempo interligam e fragmentam o território.
Para Manuel Castells, as sociedades, no período contemporâneo, estão
vivendo num espaço caracterizado por uma profusão sem precedentes dos fluxos,
conhecendo uma economia que o mesmo pensador denomina de “global”, e um
“capitalismo informacional”, o que o leva a reconhecer a sociedade atual como
“sociedade em rede” (CASTELLS, 1999).
Quanto à natureza das redes geográficas, aqui referindo trabalhos de Milton
Santos e de Roberto Lobato Corrêa, pode se afirmar que a organização espacial se
revela, de um lado, a partir de elementos fixos, constituídos como resultado do
trabalho social. E, de outro lado, através de fluxos que garantem as interações entre
os fixos. Fixos e fluxos originam as redes.
Corrêa, investigando as dimensões de análise das redes geográficas,
entende-as como “[...] ‘um conjunto de localizações geográficas interconectadas’
entre si ‘por certo número de ligações’” (CORRÊA, 2001, p.107).
É a partir da atual configuração do meio geográfico que as redes promovem
novas possibilidades de uso do território para a produção, ou seja, constroem
estratégias verticais de uso e de comando das ações. “Há diferentes redes recobrindo
a superfície terrestre, redes que são planejadas, espontâneas, formais e informais,
temporárias e permanentes, materiais e imateriais, regulares e irregulares”
(CORRÊA, 2001, p.190).
57
Hoje as redes são produtoras de aceleração, e não é por outra coisa que a
sua característica primeira é a informação. A prioridade não é apenas distribuir, ainda
que essa atividade seja indispensável, mas o aspecto principal das redes atuais é
fazer circular dados e informações que precedem e organizam as atividades de
distribuição no território, e sob esse aspecto muitos dos fluxos que percorrem redes
diferenciadas não podem ser visualmente percebidos. Desse modo, quando o
fenômeno de rede se torna absoluto, é abusivamente que ele conserva esse nome.
Na realidade, nem há mais propriamente redes; seus suportes são pontos (SANTOS,
1996).
Animadas por fluxos, que dominam o seu imaginário, as redes não
prescindem de fixos – que constituem suas bases técnicas - mesmo
quando esses fixos são pontos. Assim, as redes são estáveis e, ao
mesmo tempo, dinâmicas. Fixos e fluxos são intercorrentes,
interdependentes. Ativas e não-passivas, as redes não têm em si
mesmas seu princípio dinâmico, que é o movimento social. Esse
movimento tanto inclui dinâmicas próximas locais, quanto dinâmicas
distantes, universais, movidas pelas grandes organizações (SANTOS,
1996, p. 188).
Tomando o espaço geográfico como um conjunto indissociável de sistemas
de objetos e de sistemas de ações (SANTOS, 1996), a rede pode ser compreendida
como um sistema verticalmente orientado pela e para a ação/intenção de
determinados agentes, para a coordenação do trabalho que flui entre pontos
específicos no território. É assim que podemos compreender que o caráter das redes
não reside apenas na materialidade, mas, sim, nas estratégias políticas de
organização dos diferentes agentes e pontos no território, que são mobilizados e
coordenados por outros agentes na intenção de desenvolver objetivos específicos.
O poder nas discussões sobre relações territoriais é um elemento
imprescindível. Na análise de Raffestin (1993), o espaço é anterior ao território. O
território se forma a partir do espaço e é resultado de uma ação conduzida por um
ator sintagmático. Ao se apropriar de um espaço, o ator territorializa o espaço e as
relações de poder são responsáveis pela forma de territorialização.
É durante a produção de um espaço ou de um território, espaço físico,
balizado, modificado, que sofre transformações pelas redes, circuitos e fluxos, onde
se instalam as relações sociais, o trabalho e as forças divergentes/convergentes de
poder.
58
Enfim, a discussão sobre “redes” vem tomando espaço significativo nas
reflexões sobre as ações coletivas e individuais, em particular aquelas que dizem
respeito a garantias de demandas políticas, econômicas e sociais por intermédio de
ações contra-hegemônicas, que são ações coletivas ou individuais de oposição a
uma dada realidade política, econômica e social.
As relações sociais têm elementos de poder que libertam e aprisionam, a
depender das lutas travadas e dos interesses em pauta em determinada arena social,
demonstrando uma forma particular de organização, mas não livre do processo de
coação. Esse processo “força” a criação de redes.
Relacionando as discussões com a realidade pesqueira analisada, vale
destacar a posição de Raffestin (1993), posição que reforça a ideia de que o território
é fruto de relações sociais amplas e que envolvem a Itaipu, o Estado (MPA),
indivíduos (pescadores) e organizações em uma malha de nós e de redes, partindo
da realidade concreta, que é o espaço, passando à implantação de novos recortes e
de novas ligações (Colônias e Associações).
Vale também destacar a de Santos (1996), que afirma que, mesmo os
sujeitos hegemonizados recriam estratégias e buscam garantir a sua sobrevivência
nos lugares. Essa é a forma como entendemos os pescadores, que criam redes de
relações para sobreviverem, fazendo-o a partir do seu modo de vida e da venda do
pescado.
1.5 A Configuração de um Território Pesqueiro
O território consiste em uma categoria de análise geográfica que engloba as
questões de uso, de gestão e de domínio de uma parcela do espaço geográfico por
agentes de escalas de atuação diferenciados, englobando os diversos níveis de
poder presentes na sociedade, das relações internas às localidades ao Estado
Nacional (MORAES, 1984; RAFFESTIN, 1993; RATZEL, 1990).
A gestão do território constitui um poderoso meio para, através da
organização do espaço, viabilizar a existência e a reprodução do conjunto da
sociedade (CORREA, 1992). Nas palavras do autor, esta possui “[...] uma
historicidade que se traduz em agentes sociais e práticas espaciais distintas” (1992,
p. 115).
59
No caso da atividade pesqueira, articulam-se no território os domínios da
água (não apenas na perspectiva horizontal, mas também em profundidade), da terra
e dos fenômenos atmosféricos. Quanto aos últimos, pescadores buscam conhecer
para saber agir e reduzir os riscos de seu trabalho. A terra é o espaço da morada, da
realização do pescado enquanto mercadoria e alimento. São as águas os espaços da
produção, apropriados pelos pescadores e onde parte significativa da territorialidade
pesqueira se manifesta.
Os territórios de produção pesqueiros, construídos pelos pescadores a partir
do trabalho e da apropriação da natureza, podem ser delimitados mesmo na fluidez
do meio aquático. Sobre eles os pescadores exercem algum tipo de domínio e são
objetos de disputas e de conflitos, em especial quando se defrontam com estruturas
de produção diferenciadas (piscicultores e produtores em grande escala) disputando
os mesmos recursos.
Para Cardoso (2007), tais territórios se manifestam em escalas distintas,
desde aqueles ligados ao ponto de pesca individual, até vastas áreas consideradas
pesqueiros tradicionais de uma ou outra localidade de pescadores. Propostas no
sentido de reconhecimento formal dos territórios das sociedades de pescadores estão
presentes em vários documentos de encontros realizados pelos pescadores
artesanais e suas organizações20.
Na escala local, e de maneira informal, encontram-se pescarias com um forte
componente territorial, tais como o “lanço” de pesca no Rio São Francisco, as
“marambaias” - atratores de pescado construídos artesanalmente por pescadores
cearenses, o revezamento de áreas relatado por pescadores da Ilha Grande–RJ
(CARDOSO, 2001), as “cercadas” e “caiçaras”, observadas por Diegues (1994) em
Parati–RJ e Alagoas-CE, o “direito a vez”, observado por Lima (1997) em Itaipu–RJ.
As diferentes escalas da questão territorial da produção pesqueira podem ser
definidas para o caso brasileiro, em uma sistematização presente no Quadro 2:
20
Segundo Cardoso (2007) essa formalização de territórios é bem comum no país do Chile, onde os
territórios
são
delimitados
para
os
pescadores
artesanais.
Disponível
em:
<http://www.ub.edu/geocrit/b3w-761. htm>. Acesso em: 20 maio 2012.
60
Quadro 2: Territórios da Produção Pesqueira no Brasil – Uma Sistematização
Escalas
Situação
Local
Informal
Local
Formal
Local
Formal
Tipo
Pontos de Pesca
Lanços
Direito a Vez
Revezamento de Áreas
Cercadas
Caiçaras
Marambaias
Outras
Armadilhas fixas de captura:
cerco fixo, cerco flutuante,
aviõezinhos, currais de pesca,
outras.
Empreendimentos aquícolas
Local/Regional Formal
Parques aquícolas
Reservas extrativistas
Nacional
Mar territorial
Zona Econômica Exclusiva
Formal
Instrumentos
Normatizadores
Acordos internos às
comunidades
Licenças de instalação
Licenças de instalação
Licenças de instalação
Sistema Nacional de
Unidades de
Conservação
Legislação Nacional
CONVEMAR
Tratados internacionais
Fonte: CARDOSO, 2007.
Os pescadores, individualmente ou em grupo, delimitam seus pontos de
pesca e seus pesqueiros. Por vezes, o acesso ao pesqueiro é controlado por regras
sociais e constitui um bem familiar.
No Paraná, o Instituto de Estudos e Assessoria ao Desenvolvimento –
CEADES e o MAP dividem o estado em três territórios da pesca e aquicultura:
Território Lindeiro, Território Norte e Território do Litoral. O objetivo dessa criação e
distribuição dos territórios foi para buscar a mobilização do setor para o debate do
desenvolvimento territorial, o aprimoramento da política territorial e o fortalecimento
dos colegiados e conselhos. Os pescadores das Colônias de Pesca do Lago
pertencem ao Território Lindeiro, e são representados por um colegiado.
Existem nesse território denominado Lindeiro, oito colônias e duas
associações21 distribuídas no Lago de Itaipu, em 1350 km2 de água, que banha 16
municípios, como se pode verificar na Figura 3:
21São
elas: Colônia de Pescadores Profissionais Z12-Foz do Iguaçu; Colônia de Pescadores
Profissionais Itaipulandiense-Itaipulândia; Colônia de Pescadores Profissionais Nossa Senhora dos
Navegantes-Santa Helena; Colônia de Pescadores Profissionais São Francisco-Entre Rios do Oeste;
Colônia de Pescadores Profissionais Z15- Marechal Cândido Rondon; Colônia de Pescadores
Profissionais Z13-Guaíra; Colônia de Pescadores Profissionais de Santa Terezinha de Itaipu;
Associação Bragadense de Pescadores- Pato Bragado; Associação dos pescadores Artesanais de
Guaíra (AGUA)-Guaíra.
61
Figura 3: Lago de Itaipu e Municípios Lindeiros Brasileiros
1- Novo Mundo-MS
9- Santa Helena –PR
2- Guairá-PR
10- Diamante d`OestePR
3-Terra Roxa-PR
11- Missal-PR
4- Mercedes-PR
12- Itaipulândia –PR
5- Marechal
Cândido Rondon-PR
6- Pato Bragado-PR
7- Entre Rios do
Oeste-PR
8- São José das
Palmeiras-PR
13- Medianeira –PR
14- São Miguel do
Iguaçu-PR
15- Santa Terezinha de
Itaipu-PR
16- Foz do Iguaçu-PR
Fonte: Itaipu Binacional <(www.itaipu.gov.br)>
Periodicamente (de dois em dois anos) se realiza o Encontro Estadual dos
Territórios Pesqueiros do Estado do Paraná, quando se apresentam e trocam
experiências dos territórios da pesca, experiências levadas pelos pescadores e pelos
aquicultores dos três territórios. No último encontro foram objetos de destaque no
Território Lindeiro as experiências do pescado na merenda escolar, realizado no
município de Marechal Cândido Rondon, bem como o estudo para o enlatamento de
pescado de água doce (no caso de pacu e de tilápia); a experiência do
Desenvolvimento Rural Sustentável – DRS, do Banco do Brasil, a qual tem apoiado a
criação de pacu em tanque-rede no município de São Miguel do Iguaçu, em parceria
com a Colônia de Pescadores Z11.
No Território do Litoral existe uma cozinha comunitária, do Clube de Mães da
“Ilha das Peças”, onde todo o pescado consumido na cozinha é comprado dos
próprios pescadores da ilha. Esse grupo de mulheres tem ainda uma pequena
mercearia onde atendem os moradores da mesma ilha. A experiência relatada é uma
experiência viva de economia solidária e que dá a certeza de que uma outra
economia é possível.
O território da Bacia do Paranapanema (Norte) apresentou um projeto com
capacidade de instalar 18 mil tanques redes no território e a construção de dois (2)
62
frigoríficos para processar a produção de pescado do local, estimada em 500 mil
toneladas de capacidade dos reservatórios.
Em localidades como essas relatadas, ali existe uma maior coesão social e
instrumentos de gestão das pescarias são construídos coletivamente, como os
"Regulamentos Internos" presentes. Segundo Cardoso (2007), isso ocorre também
com pescarias de algumas localidades do litoral cearense, ou os "Acordos de Pesca"
presentes nas pescarias dos lagos do Baixo Amazonas. Nessas modalidades de
gestão, a fiscalização é realizada pelos próprios pescadores e formas de sanção são
definidas de maneira comunitária, tais como a suspensão temporária do direito de
pescar.
Nas escalas locais, definidos formalmente, alguns instrumentos de captura
representam a apropriação territorial de uma porção do espaço aquático. É o caso de
algumas armadilhas fixas de captura como os currais de pesca, os cercos (covos)
fixos e flutuantes, as redes de espera e espinhéis (Figura 4), cuja instalação requer a
permissão da Marinha e de órgãos ambientais e permitem ao proprietário, de maneira
individual ou em grupo, a exclusividade de exploração da área onde o instrumento é
instalado (CARDOSO, 2007).
Figura 4:Armadilhas Fixas: redes de espera, espinhéis e covos
Fonte: Pesquisa de Campo - 2012.
63
Portarias normativas definindo áreas e instrumentos proibidos ou permitidos
para a pesca, formuladas e emitidas pelos órgãos legisladores da atividade
pesqueira, criam uma área de atuação formal para a atividade pesqueira.
Diferentemente, as práticas informais e ilegais, como as dos pescadores clandestinos
ou as dos pescadores amadores que pescam além do seu consumo, sofrem
fiscalização e a aplicação de sanções (multas e apreensão dos apetrechos de pesca)
por parte de órgãos do Estado, tais como IBAMA ou pela Polícia Ambiental ou
Florestal, porém não acabando com essa prática clandestina.
Ainda em âmbito local, a mobilidade dos pescadores delimita as áreas de
pesca. Embarcações de menor autonomia exploram áreas mais restritas, situadas
nas proximidades da moradia dos pescadores. Se essas áreas passam a ser
exploradas por embarcações maiores vindas de outras localidades ou ainda por
pescadores sem RGP, os conflitos pelos recursos pesqueiros se estabelecem, pois o
pescador artesanal profissional não permite a atuação de outros pescadores sem
habilitação para a prática (RGP), denunciando-os aos órgãos competentes, ainda que
esses terceiros, por sua vez, tentem burlar a legislação constantemente.
Para Cardoso (2007), em uma escala de abrangência maior, situada a meio
caminho entre a local e a regional, encontramos instrumentos formais de gestão da
atividade pesqueira que definem territórios de produção marinhos, mas aqui não se
aprofundou a discussão dessa temática por não fazer parte da pesquisa.
As áreas de aquicultura consistem em formas territoriais de uso de parte do
espaço aquático que possuem dimensões locais. Os cultivos aquáticos necessitam de
autorização dos órgãos estatais para a sua implantação. Tal autorização dá ao
cultivador a concessão de uso de certa parcela do espaço aquático, isso revelando
uma apropriação territorial dos corpos d'água. Em alguns trechos do litoral brasileiro e
ao longo dos lagos de barragem existe a possibilidade de implantação de Parques
Aquícolas, delimitando e destinando áreas prioritárias para a implantação dos
cultivos.
Os cultivos são concessões aos criadores, concessões que delimitam a área
concedida através de tanques-rede, por exemplo, e que não pode ser utilizada por
outros. O conflito se estabelece dada a exiguidade de áreas propícias aos cultivos e à
presença de estruturas de produção diversificadas, com cultivos empresariais
disputando áreas de cultivos com pequenos aquicultores, ou mesmo com áreas
utilizadas por sujeitos que praticam apenas a pesca artesanal.
64
A Pesca do Lago de Itaipu também é legalizada pelas normativas e pelos
decretos federais, principalmente pela Lei Federal n° 10.683, de 28 de maio de 2003,
mais as leis do MPA e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais
Renováveis (IBAMA). Tudo é fiscalizado por esses órgãos em conjunto com o
Instituto Ambiental do Paraná (IAP) e a Polícia Florestal.
Existe a proibição da pesca em época de piracema, proibição que é instruída
pelo IBAMA, por meio da Normativa 25/2009 e reforçada no Paraná pela Portaria nº
242/2011, do Instituto Ambiental do Paraná (IAP). São quatro meses no ano em que
se proíbe a pesca com redes, de 1º novembro de um ano a 28 de fevereiro do ano
contíguo seguinte.
O IAP também realiza, com pescadores dos municípios lindeiros ao Lago de
Itaipu, no Oeste do Paraná, a identificação e o cadastro das redes dos pescadores
profissionais. Isso é realizado a partir de um lacre instalado junto à primeira boia das
redes para facilitar a fiscalização ambiental em reservatórios da região, bem como
coibir a pesca predatória. Dessa forma, os fiscais do IAP e os policiais ambientais
podem identificar qual rede é de qual pescador e facilitar a retirada das redes ilegais
nos reservatórios.
As escalas demonstradas até aqui podem ser consideradas como uma
sistematização dos níveis em que a territorialidade pesqueira pode ser entendida. As
normas e as leis da pesca são exigidas em território nacional e causam inúmeros
embates e conflitos entre os sujeitos que praticam a atividade, legal ou ilegalmente.
No Lago de Itaipu a realidade não se mostra diferente e também os órgãos
competentes realizam fiscalizações constantes sobre as áreas pesqueiras.
A partir desse embasamento teórico, no próximo capítulo se discute a
realidade pesqueira no Brasil e suas inter-relações com a pesca global e local.
65
CAPÍTULO II- A PESCA NO BRASIL E SUAS INTER-RELAÇÕES
Este capítulo decorre da elaboração de alguns apontamentos pertinentes a
pesquisa sobre a produção e o consumo pesqueiro e aquícola 22 no mundo e no
Brasil, com especificação também nas regiões brasileiras, realizando uma
caracterização geral do tema para compreender e situar a pesca no Lago de Itaipu.
Visto que, a pesca no Lago é predominantemente artesanal, com projetos voltados a
criação de peixes, é necessário entender as características como um todo.
O território pesqueiro do Lago de Itaipu (simbólico e material) é regido por
normas e leis vigentes no Brasil, por isso, compreende-se o processo histórico, as
instituições e os órgãos administrativos aos quais cabe a responsabilidade pela
pesca, pela formação das colônias e pela sua estruturação.
Como foi discutido o conceito de território na pesca artesanal pelo primeiro
capitulo, é importante neste capitulo ponderar sobre a base histórica de lutas dos
pescadores artesanais, que buscam melhores condições de vida e trabalho; leis e
políticas públicas. Essa luta ressalta as diferentes relações de poder da pesca, do
pescador, do intermediário, do aquicultor ao Estado. Por isso, o capítulo tem também
o propósito de refletir sobre as políticas públicas do Brasil voltadas para a pesca,
especialmente a mais atual, que é denominada “Plano Safra da Pesca e
Aquicultura”23.
De pronto cabe afirmar que a pesca se insere numa dinâmica muito complexa
e que envolve, principalmente: (a) os pescadores artesanais e suas organizações; (b)
o Estado e suas diversas políticas públicas; e (c) os grupos que promovem a pesca
industrial e a aquicultura. Nesse sentido, uma breve síntese histórica da formação das
colônias de pescadores e da criação de políticas públicas da pesca ajuda a
compreender as dimensões que as políticas ocuparam e seu papel em diferentes
modelos de desenvolvimento, evidenciando os conflitos de interesses e as diferentes
relações de poder na pesca.
A “aquicultura” pode ser definida como o processo de produção em cativeiro, de organismos com
hábitat predominantemente aquático, tais como peixes, rãs, camarões, entre outras espécies. Pode
ser continental ou marinha, sendo esta última subdividida em carcinicultura, piscicultura, cultivo de
algas, ostreicultura, etc. (ABCC, 2009).
23 O ‘Plano Safra da Pesca e Aquicultura’ 2012/2013/2014, criado pelo governo de Dilma Roussef
(2011-2014), consiste num instrumento para tornar mais efetivas as políticas econômicas e sociais do
governo federal voltadas à cadeia produtiva da pesca e da aquicultura (Ver mais adiante, neste
capítulo).
22
66
A pesca é uma atividade histórica, seja no mundo, seja no Brasil. Em âmbito
nacional, a ocupação dos espaços dedicados a essa atividade, sobretudo os
costeiros, remete a períodos pretéritos da civilização. No Brasil, a pesca era exercida
pelos índios quando os portugueses chegaram. Os índios, por seu conhecimento dos
mares e rios, forneceram técnicas, como a linha e o anzol, as redes, as pequenas
armadilhas, os currais, o artesanato e a secagem de pescado ao sol. Todas as
técnicas herdadas foram adaptadas, ao longo do tempo, pelos caboclos, pelos
negros, pelos mulatos e pelos brancos. Os pescadores fazem parte da história
brasileira em momentos cruciais, desde a independência até as revoltas sociais
(SILVA, 1988).
Silva (1988), ao estudar a história dos pescadores artesanais no Brasil
Colônia, diz que a gênese dos pescadores brasileiros está vinculada à história da
submissão de grupos socialmente oprimidos pelo europeu – o índio e o negro.
Muitos autores contemporâneos registraram, em suas pesquisas, a influência
indígena e negra na pesca e na agricultura de subsistência, como Lima (2002), ao
analisar as comunidades pesqueiras marítimas do Ceará, ou como Silva (1993),
quando compreende a formação dos jangadeiros de Pernambuco, entre outras
análises da Região Nordeste e do Estado do Espírito Santo.
Da pesca artesanal nasceram, e são preservadas até hoje, diversas
tradições, festas típicas, rituais, técnicas e artes de pesca, além de lendas do folclore
brasileiro. Também deu origem às comunidades que simbolizam toda a diversidade e
riqueza cultural do povo brasileiro, como os caiçaras (Rio de Janeiro, São Paulo e
Paraná), os açorianos (Santa Catarina), os jangadeiros (Região Nordeste) e os
ribeirinhos (região amazônica).
Na maioria das vezes, a atividade está tradicionalmente ligada às
comunidades costeiras e ribeirinhas, que historicamente desenvolveram inúmeras
artes de pesca (arrasto, cerco, vara, tarrafa, espinhel, etc.), adaptadas às
características de cada região e ao tipo de embarcação. Existem, porém, lugares
onde a pesca é uma atividade recente devido às transformações espaciais, mas
precedida de significações.
A manutenção da pesca como atividade econômica viável e autossustentável
tem grande importância social e cultural, pois qualifica os membros das comunidades
em áreas afins à sua história de vida, ou ainda surge como uma alternativa de renda
para algumas comunidades. Guardadas as particularidades regionais, ela sobreviveu
67
a diversos ciclos de crescimento econômico, porém relatos de pescadores 24
evidenciam que vem aumentando, consideravelmente, a dificuldade de manter um
padrão de vida digno na pesca. O que ocorre é que a atividade interage também com
as modalidades de uso dos espaços litorâneos e/ou dos recursos hídricos no
continente, modalidade de uso que, em geral, estão marcadas pela expansão da
atividade turística e industrial, pela discussão da privatização e remodelação dos
organismos de gestão das águas, pelo controle e pela gestão na cadeia produtiva da
pesca.
Isso acaba remodelando a vida pesqueira artesanal, pois, sem o suporte
necessário para a manutenção dessa classe, os pescadores sobrevivem em
condições adversas. Essas situações provocam reflexões para uma análise da
atividade em seu setor produtivo que comporta questões eminentemente geográficas,
comprova a existência dos conflitos de interesses existentes no cotidiano dos
pescadores artesanais. Por isso o conceito de território é pertinente para analisar a
realidade pesqueira, pelas relações de poder estabelecidas, pelo modo de vida, pela
formação e a gestão do território e pelas políticas públicas.
O Ministério da Pesca e Aquicultura25(MPA) declara que grande parte do
pescado de boa qualidade que chega à mesa do brasileiro é fruto do trabalho dos
pescadores artesanais. Os recursos pesqueiros marítimos, costeiros e continentais
constituem importante fonte de renda, geração de trabalho e alimento e têm
contribuído para a permanência do homem no seu local de origem, nas comunidades
do litoral e também naquelas localizadas à beira de rios e de lagos. Do mar, dos rios
e dos lagos tiram o seu alimento e renda de forma sustentável. São milhares de
brasileiros, mais de 600 mil, que sustentam suas famílias e geram renda para o país,
trabalhando na captura de peixes e frutos do mar, no beneficiamento e na
comercialização do pescado (MPA, 2013).
2.1 Panorama Geral da Pesca Brasileira no Mundo
A produção mundial de pescado (proveniente tanto da pesca extrativa quanto
da aquicultura) atingiu aproximadamente 168 milhões de toneladas em 2010,
representando um incremento de aproximadamente 3% em relação a 2009.Os
24
Dados obtidos nas entrevistas da pesquisa (2010, 2013) e por Niederleet al. (2005).
MPA 2010. Disponível em: <http://www.mpa.gov.br/index.php/pescax/artesanal>. Acesso
em: 20 mar. 2013.
25BOLETIM
68
maiores produtores foram a China com aproximadamente 63,5 milhões de toneladas,
a Indonésia com 11,7 milhões de toneladas, a Índia com 9,3 milhões de toneladas e o
Japão com cerca de 5,2 milhões de toneladas. Neste cenário, o Brasil contribuiu com
apenas 0,75% (1.264.765 t) da produção mundial de pescado em 2010, ocupando o
19° lugar, caindo uma posição em relação ao ranking geral de 2009 como demonstra
o Tabela 1.
Tabela 1: Produção (t) Total de Pescados dos Maiores Produtores em 2009 e
2010
Posição
1º
2º
3º
4º
5º
6º
7º
8º
9º
10º
11º
12º
13º
14º
15º
16º
17º
18º
19º
20º
21º
22º
23º
24º
25º
26º
27º
28º
29º
30º
País
China
Indonésia
Índia
Japão
Filipinas
Vietnã
Estados Unidos
Peru
Rússia
Mianmar
Chile
Noruega
Coreia do Sul
Tailândia
Bangladesh
Malásia
México
Egito
Brasil
Espanha
Taiwan
Marrocos
Canadá
Islândia
Dinamarca
Nigéria
Argentina
Reino Unido
Coreia do Norte
França
2009
Produção
60.474.939
9.820.818
7.865.598
5.465.155
5.083.218
4.870.180
4.710.653
6.964.446
3.949.267
3.545.186
4.702.902
3.486.277
3.201.134
3.287.370
2.885.864
1.874.064
1.773.713
1.092.889
1.240.813
1.184.862
1.060.986
1.176.914
1.147.952
1.169.597
811.882
751.006
864.583
770.157
713.350
674.455
Fonte: MPA, 2011
%
36,95
6,00
4,81
3,34
3,11
2,98
2,88
4,26
2,41
2,17
2,87
2,13
1,96
2,01
1,76
1,15
1,08
0,67
0,76
0,72
0,65
0,72
0,70
0,71
0,50
0,46
0,53
0,47
0,44
0,41
2010
Produção
63.495.197
11.662.343
9.348.063
5.292.392
5.161.720
5.127.600
4.874.183
4.354.480
4.196.539
3.914.169
3.761.557
3.683.302
3.123.204
3.113.321
3.035.101
2.018.550
1.651.905
1.304.795
1.264.765
1.221.144
1.166.731
1.145.174
1.126.178
1.086.704
867.523
817.516
814.414
813.746
713.350
674.404
%
37,69
6,92
5,55
3,14
3,06
3,04
2,89
2,59
2,49
2,32
2,23
2,19
1,85
1,85
1,80
1,20
0,98
0,77
0,75
0,72
0,69
0,68
0,67
0,65
0,52
0,49
0,48
0,48
0,42
0,40
Em relação à produção de pescado oriundo somente da pesca extrativa em
2010, tanto marinha quanto continental, o Brasil registrou uma produção de 785.366 t,
69
passando a ocupar a 25° colocação no ranking mundial, caindo duas posições em
relação ao ranking de 2009.E Em relação à produção aquícola mundial de 2010, o
Brasil ocupa a 17° posição no ranking mundial, com 479.399 t em 2010, mantendo a
mesma posição em relação a 2009. (BOLETIM MPA, 2011)
Os dados gerais colocam a pesca artesanal e aquícola do Brasil no cenário
mundial em situação pouco promissora e, conforme estudos de Niederle e Grisa
(2006), não é dada a devida importância aos pescadores. Vale ressaltar que as
estratégias políticas historicamente adotadas no Brasil pautaram-se por um modelo
“desenvolvimentista” focado no crescimento econômico acelerado, cujos maiores
beneficiados são os grandes grupos econômicos. Nesse cenário, percebe-se que a
preocupação política está pautada nos grupos com maior produção pesqueira
enquanto que os modos de vida tradicionais não são valorizados econômica e
culturalmente.
Nos últimos anos, a necessidade de superação das crises econômicas
acirrou, ainda mais, a concorrência e a demanda de exploração e controle dos
recursos naturais pelos oligopólios dos vários setores econômicos: petróleo e gás,
mineração, hidroelétricas, agronegócios, pesca industrial, entre outros.
O crescimento das atividades nesses setores tem gerado impactos
socioambientais que comprometem as diversas formas de vida nos territórios da
pesca artesanal. Por sua vez, as ações das políticas locais em apoio à pesca em
geral atendem a nichos de mercados monopolizados que acabam por beneficiar os
chamados “atravessadores” ou as grandes indústrias pesqueiras. Diante desse
quadro de realidade, o pescador tradicional consegue manter-se apenas nos limites
da subsistência na atividade.
O histórico do desenvolvimento do setor pesqueiro no Brasil pode ser
encontrado em diversos pesquisadores que abordam a questão, como Silva (1972),
Diegues (1983), Melo (1975) e Cardoso (1996). Dentre eles se destaca a análise de
três processos alavancados pelo Estado na política pesqueira: o primeiro é a
formação do Estado nacional na década de 1960; o segundo é a modernização da
pesca (industrial) promovida pela Superintendência de Desenvolvimento da Pesca
(SUDEPE) em 1970; o terceiro é a consolidação dos nacionalismos marinhos. Esses
processos trouxeram uma crise de gestão das pescarias que atualmente tentam
melhorar sua condição a partir da criação do MPA.
70
Nos próximos itens busca-se um resgate histórico da constituição das
colônias, das instituições administrativas responsáveis e das políticas públicas da
pesca. Admitindo-se a complexidade do território e da territorialização da pesca
artesanal, faz-se necessário entender como se dá a organização aqui chamada de
institucional, protagonizada principalmente pelo Estado; a organização social, que
reflete o engajamento político dos pescadores via colônia de pesca; e como essas
duas instâncias da organização do grupo se contradizem e se relacionam no
processo de luta dos pescadores artesanais. Toda essa organização é entendida
como estratégica para a sobrevivência do grupo social dos pescadores.
Posteriormente, nesta pesquisa, se rediscutem outros apontamentos do
panorama brasileiro da pesca artesanal em continente por regiões brasileiras.
2.2 As Colônias de Pesca e o Histórico das Instituições Representantes da
Pesca
O Estado moderno constitui-se em um conjunto de instituições públicas que
envolvem múltiplas relações com o complexo social num território delimitado. O
Estado detém o poder e a autoridade para fazer as políticas se tornarem válidas para
a população, porem esta pode e deve reivindicar melhores atuações estatais. Harvey
(2004), ao analisar a lógica territorial do Estado, considera que este não é inocente,
nem necessariamente passivo em relação a esses processos, pois, uma vez que
reconheça a importância de promover e capturar a dinâmica regional como fonte de
seu próprio poder, ele pode procurar influenciar a dinâmica por meio de suas políticas
e ações.
Assim, o Estado também é responsável pelas normativas e leis que
estruturam a pesca, por conseguinte, pode-se afirmar que este pode ser influenciado
pela ação dos movimentos sociais, que surgem a partir do empoderamento das
comunidades locais, face a seus confrontantes, advindo do sentimento de politização
da coletividade (MELLO-THÉRY, 2011). A dinamicidade desse processo de luta por
espaços, travada entre pescadores e Estado, configura o dilema contemporâneo
entre a dicotomia da economia de mercado e a preservação de modos de vida
tradicionais.
A questão do movimento das comunidades de pescadores e as empresas de
pesca ilustra a luta e as divergências do setor. De um lado, encontram-se aqueles
71
que se diferenciam de um todo para buscar os direitos que lhes pertencem, mas são
negados; do outro, o hegemônico, que busca a homogeneização dos espaços, das
culturas e a unificação da história para o controle dos meios de produção.
Embora seja basilar na pesquisa o conceito de território na pesca e sua
multiplicidade, tem-se a presença de grandes empresasXpescadores artesanais que
mesmo constituindo a multiplicidade apontam ao dualismo e o conflito intenso, onde o
poder hegemônico das empresas minimizam os pescadores.
Assim, a pesca no Brasil é palco da luta entre as ideologias de
modernização/produtividade e de identidade cultural entre a população tradicional,
tendo como seu maior oponente o próprio movimento social e a sua incapacidade em
gerenciar o todo de forma eficaz para combater as empresas privadas e alcançar a
figura do Estado (CARDOSO, 2001a).
A principal forma de organização social dos pescadores são as chamadas
Colônias. Segundo a historiografia, as colônias de pesca, posteriormente colônia de
pescadores, constituem a forma de associativismo predominante na pesca artesanal.
As colônias foram fundadas sob a tutela do Estado, demonstrando aos
pescadores artesanais o controle e a dominação política dos órgãos governamentais,
mas apenas com a promulgação da Constituição Federal de 1988 os pescadores
artesanais conquistaram avanços no que tange aos seus direitos sociais e políticos26.
Todo o transcurso evolutivo desde as primeiras colônias de pescadores no Brasil,
fundadas a partir de 1919 pela Marinha de Guerra, até a Constituição de 1988, foi
marcado por intensas lutas pelo descaso na pesca do país (MORAIS, 2009).
O Estado só passa a investir no setor por dois motivos principais: por que o
país começou, no século XX, a importar peixes, apesar de possuir um vasto litoral e
uma diversidade de águas interiores e também pelo interesse do Estado em defender
a costa brasileira após a Segunda Guerra Mundial. Com o lema: Pátria e Dever, o
Estado teve como objetivo estabelecer regulamentações e conceder incentivos à
produção. Ocorre que a base de sustentação dessas políticas, até hoje, é de
exploração econômica dos recursos naturais a partir da modernização das atividades
da pesca (CARDOSO et al., 2012).
26
As colônias de pescadores, através do artigo 8º da Constituição de 1988, foram equiparadas aos
sindicatos de trabalhadores rurais, recebendo a configuração sindical.
72
As colônias, nesse período, eram definidas como agrupamento de
pescadores ou agregados associativos. Para poder desenvolver a atividade pesqueira
os pescadores eram obrigados a se matricular nas colônias.
Com a instituição do Estado Novo, na era Vargas, a organização dos
pescadores passou por algumas mudanças. Através do Decreto nº 23.134/1933 foi
criada a Divisão de Caça e Pesca, cujo objetivo era gerenciar a pesca no país. Os
pescadores passaram para o controle do Ministério da Agricultura, que elaborou o
primeiro Código de Pesca em janeiro de 1934, subordinando os pescadores à Divisão
de Caça e Pesca.
Através
dos
primeiros
sindicatos
de
trabalhadores,
sindicatos
predominantemente urbanos, as relações entre os pescadores e o Estado assumiram
diferentes configurações daquela do período de sua fundação, com mais autonomia e
luta de classe. A politização do movimento dos pescadores vem acompanhada de
uma maior visibilidade desses sujeitos sociais e pela valorização de seu saber, mas
sem muitos resultados.
Na década de 1960 foi criada a Superintendência de Desenvolvimento da
Pesca (SUDEPE), sendo extinta a Divisão de Caça e Pesca. O novo órgão teve como
finalidade a promoção, o desenvolvimento e a fiscalização da pesca. Com o golpe
militar de 1964, as relações entre o Estado e os movimentos sociais, de um modo
geral, foram cortadas, culminando com fechamento dos sindicatos.
Tempos depois, o Código de Pesca foi instituído em pleno AI-5 do regime
militar, isso tendo ocorrido mediante a assinatura do Decreto-Lei nº 221, de 28 de
fevereiro de 1967. Essa legislação regulamentou a atividade pesqueira no país e
consistiu numa forte característica punitiva e empresarial, condizente com as
concepções da política militar.
Somente a nova Lei de Pesca, que substituiu o Decreto-Lei nº 221/1967, foi
aprovada em junho de 2009, depois de 14 anos tramitando pelas casas legislativas
brasileiras. A nova Lei regulamenta o entendimento de que pescadores e aquicultores
devem ser considerados como produtores rurais, o que garante o acesso ao crédito
subsidiado para o financiamento da produção. Como cada Lei é fruto de um contexto
histórico e econômico, essa mais recente Lei de Pesca vem a atender aos interesses
financeiros da pesca industrial e da aquicultura, atividade esta que somente de forma
pontual era citada no Decreto-Lei nº 221, de 1967.
73
Retornando aos tempos do decreto-lei de 1967, nesse mesmo período, o
Estado incentivou a implantação da indústria pesqueira nacional e a atividade
pesqueira artesanal foi esquecida: “A pesca artesanal, entre 1967/1977, havia
recebido somente 15% do equivalente aos fundos investidos na indústria pesqueira
através de incentivos fiscais” (DIEGUES, 1983, p. 137). Desde então a organização
dos pescadores retornou para a tutela do Ministério da Agricultura, que instituiu um
novo estatuto para as colônias de pescadores mediante a Portaria nº 471, de 26 de
dezembro de 1973.
As colônias se mantiveram sob a denominação de sociedade civil, porém
ficaram subordinadas ao controle do Estado, das Federações e da Confederação
Nacional de Pescadores, conforme podemos verificar no parágrafo 2º do artigo 1º da
referida portaria: “As colônias de pescadores se obrigam a estreita colaboração com
as autoridades públicas, com as respectivas Federações e com a Confederação
Nacional de Pescadores”. Também na alínea “c” do artigo 26 consta: “Compete à
diretoria da colônia, cumprir e zelar pelo cumprimento deste Estatuto, do Regimento
Interno, das deliberações da SUDEPE, da Confederação Nacional dos Pescadores e
Federação, bem como das autoridades navais”. Esse estatuto ainda prevalece até os
dias de hoje em muitas colônias do país.
No ano de 1985, a Confederação Nacional de Pescadores fez uma
convocação a todas as federações estaduais, encaminhando a realização de
assembleias, e que elegessem delegados para compor um grupo que veio a
denominar-se de “Movimento Constituinte da Pesca”. Esse movimento teve como
finalidade discutir, elaborar e apresentar propostas aos deputados e senadores
constituintes, reivindicando a inclusão das propostas dos pescadores artesanais na
nova Constituição.
O Movimento Nacional dos Pescadores (MONAPE) teve início nesse período,
quando pescadores de diferentes estados do país se juntaram para discutir a pesca
no Brasil e propor a inclusão das reivindicações dos pescadores artesanais na então
nova Constituição Brasileira (BRASIL, 1988).
Após a promulgação da nova Constituição, em 1988, identificam-se alguns
avanços acerca da organização dos pescadores artesanais. As colônias foram
equiparadas, em seus direitos sociais, aos sindicatos de trabalhadores rurais.
Abriram-se possibilidades de as colônias elaborarem seus próprios estatutos,
adequando-os à realidade de seus municípios. O artigo 8º da Constituição trata
74
exclusivamente de questões comuns às colônias e aos sindicatos de trabalhadores
rurais. Destacamos o inciso I do referido artigo: “A lei não poderá exigir autorização
do Estado para a fundação de sindicato, ressalvado o registro no órgão competente,
vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical”.
Foram conquistas importantes para o setor, mas que precisam ser
continuadas. Não se sabe ao certo quantos pescadores estão inscritos nas colônias,
pois a forma de controle existente é muito precária. Muitas colônias não são
presididas por pescadores e envolvem muitas pessoas que não exercem a pesca
como profissão. Também, em grande parte, não exercem uma função de defesa ou
organização da categoria, sendo, com frequência, apenas um espaço para despachar
documentos (CARDOSO, 2007).
Em nível estrutural, a Lei Federal nº 7.735, de 22 de fevereiro de 1989,
extinguiu a SUDEPE e criou o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA) e dos
Recursos Naturais Renováveis, vinculado ao Ministério do Interior. Esse novo órgão
passa a ter a responsabilidade de gerenciar e promover o desenvolvimento do setor
pesqueiro do país.
Mediante a Lei Federal nº 8.746, de 9 de dezembro de 1993, foi criado o
Ministério do Meio Ambiente e da Amazônia Legal, que passou a incorporar as
representações de pescadores artesanais. Essa incorporação ocorreu até 1998,
quando o Ministério da Agricultura voltou a incorporar os pescadores artesanais
dentro de sua estrutura.
Mais tarde, com a Lei Federal nº 11.958, de 29 de junho27 de 2009, o
presidente Luiz Inácio Lula da Silva transformou a Secretaria Especial de Aquicultura
e Pesca em Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA), atendendo ao anseio histórico
dos pescadores e dos aquicultores do país. Para o MPA:
A criação do Ministério foi resultado de um esforço conjunto, entre
poder público e sociedade civil. O marco inicial, no entanto, se deu no
dia 1º de janeiro de 2003, quando o Governo Federal editou a Medida
Provisória nº 103 (hoje Lei nº 10.683) que criava a Secretaria Especial
da Aquicultura e Pesca (SEAP). O órgão federal, ligado à Presidência
da República, ficou responsável por fomentar e desenvolver políticas
voltadas ao setor pesqueiro no conjunto de seus anseios. Desde
então, a base desses anseios está fundamentada nos marcos de uma
nova política de gestão e ordenamento do setor, mantendo o
compromisso com a sustentabilidade ambiental no uso dos recursos
pesqueiros. (MPA, 2012).
27
Considerado o Dia do Pescador.
75
O corpo profissional, as funções e os cargos comissionados da SEAP/PR
foram integralmente transferidos para o Ministério recém-criado, o que mostra a
continuidade da política executada até então (Diário Oficial da União, 29/6/2009).
Assim como a SEAP, o MPA também é responsável pelo registro dos setores
ligados à pesca. Esse registro é o que garante os direitos, como é o caso do Seguro
Defeso, dos direitos previdenciários, dos créditos e a da participação nas políticas
implementadas pelo Ministério. A classificação adotada pelo órgão pode ser
visualizada na Figura 5:
Figura 5: Organograma da Classificação dos Agentes do Setor Pesqueiro pelo
Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA)
Fonte: Cartilha do Usuário do Registro Geral da Pesca (RGP) – SEAP/PR.
O que se pode notar com uma análise da conjuntura da criação da SEAP e,
posteriormente, do MPA, é que, mesmo sendo esta uma demanda dos pescadores
artesanais, esses órgãos não criaram uma política que verdadeiramente incentivasse
e apresentasse soluções às questões da pesca artesanal. Ao contrário, a própria
carta que deu origem à Secretaria trazia apenas um dos seus onze itens tratando
especificamente da Pesca Artesanal, estando os demais todos voltados para a pesca
realizada com maior participação de tecnologias, o que retira o protagonismo do
saber artesanal do pescador (KUHN, 2007).
Já o Ministério da Pesca e Aquicultura, que acumulou todas as funções da
antiga Secretaria, assim como ela, não elaborou políticas específicas para a pesca
artesanal, preocupando-se em executar ações para o incentivo e o aumento da
produção de pescado no país, nas modalidades extrativa e aquícola, como, por
76
exemplo, a Cessão de Águas Públicas da União para fins de Aquicultura e o
fortalecimento da maricultura28.
Essa afirmação encontra eco nas palavras de Vasconcelos, de Diegues e de
Sales. Segundo eles:
A SEAP, no entanto, ao herdar do extinto DPA / MAPA grande parte
de suas diretrizes, atribuições e políticas, prioriza os temas relativos à
aquicultura e à pesca industrial, fato confirmado por depoimentos de
funcionários da Secretaria, acarretando em parca disponibilização de
recursos humanos e materiais das outras instâncias para atendimento
dos assuntos da pesca artesanal. (VASCONCELOS, DIEGUES,
SALES, s/d, p. 63).
Partindo desse contexto histórico da tutela da pesca pelo Estado, abordamse, no próximo item, as políticas públicas incrementadas no setor e de que forma
auxiliaram ou não a pesca artesanal, transcrevendo a atual situação dessa atividade.
2.3 A Pesca: Uma Questão de Política Pública
Durante muito tempo a Geografia Política ou clássica restringiu-se a estudar
as relações de poder que se davam entre Estados e determinados territórios. Esse
campo de estudo não pode ignorar a emergência dos atores sociais que interagem
com o Estado, como os movimentos sociais, as organizações internacionais, os
blocos econômicos, as empresas privadas, as organizações não governamentais, etc.
Esses agentes foram de grande contribuição uma vez que as relações de poder sobre
determinados territórios já não eram mais exclusividade dos Estados, passando a
ocorrer também entre diferentes grupos sociais.
No final dos anos de 1980 e meados dos anos de 1990, no Brasil e na
América Latina, houve certa desmobilização dos movimentos sociais, que só voltaram
a ter uma maior ação na virada para o século XXI. Adquiriram características que
foram decisivas para a obtenção de uma atuação mais presente e objetiva. Esses
movimentos deixaram de lado padrões hierárquicos, assim como padrões classistas,
passando a compreender temas difusos e a buscar distintas formas de autonomia,
Entende-se por “maricultura” o cultivo de animais e plantas em águas salgadas. A prática da
maricultura costeira é uma forma de produção nova no Brasil e poderá assumir importância
estratégica para a sobrevivência das comunidades litorâneas que começam a se interessar pela
inclusão dessa modalidade. Disponível em: <http://www.sebrae.com.br/setor/aquicultura-e-pes cadosetor/especies-cultivadas/maricultura>. Acesso em: 15 dez. 2013.
28
77
como autodeterminação, planejamento estratégico, flexibilidade, universalização de
demandas particulares e capacitação de pessoal (CARDOSO et al., 2012).
Criaram-se identidades coletivas ligadas à definição de seus membros, como
eles viam-se a si mesmos e o seu relacionamento com o ambiente num processo de
interação, de negociação e de oposição de diferentes orientações, o que acabou por
gerar grupos mais conscientes de suas realidades e possibilidades (GOHN, 2003).
Nesse contexto, as políticas públicas são importantes ferramentas da pesca e
se busca compreender como são vistas pelo movimento dos pescadores, além de
discorrer sobre suas relações com o Estado e com as empresas pesqueiras privadas,
atores sociais diretamente ligados às políticas formuladas para o setor pesqueiro.
2.3.1 Por uma conceituação de política pública
Segundo Callouet al. (2008), política pública nada mais é do que o exercício
de tornar públicos os interesses e as aspirações dos indivíduos e das coletividades –
classes sociais, pescadores, etnias, gêneros, gerações. Esse ato também é condição,
no espaço público, para a definição da institucionalidade democrática.
Os estudos sobre políticas públicas no Brasil, no campo específico da pesca
artesanal, vêm sendo desenvolvidos a partir de meados dos anos de 1990 e frente às
transformações
socioeconômicas
globalizadas.
Segundo
Callou
(1994),
as
fracassadas tentativas históricas para desenvolver a pesca nacional trouxeram
repercussões sociopolíticas negativas sobre a vida das populações pesqueiras,
porque a pesca tem sido vista, de forma geral, como uma atividade marginal, com
desorganização política e dificuldades financeiras.
É fato que as políticas públicas modificaram sua implementação com a
Constituição de 1988, transferindo várias responsabilidades do governo federal e
estadual para o municipal. Esse cenário de autonomia e de descentralização
administrativa passa a deixar a população mais próxima dos processos decisórios
das demandas locais  fator positivo para a atividade.
Segundo Bourdieu (1997, p. 19):
Se compreendermos as políticas públicas como uma agenda
consensuada em virtude de interesses de indivíduos, grupos ou
segmentos de classe que lutam pela legitimação de seus discursos e
ações, o poder que permeia essas interações consiste numa
virtualidade prática e não deixa de ser ele próprio um meio de
78
representação da trama de relações sociais e do ato de medir e
controlar.
Dessa forma, por intermédio do lugar que demarca a posição dos atores
sociais, a política pública é o meio e o fim de múltiplas relações de controle, de
vizinhança, de distanciamento e de aproximação para fins de criar e de recriar lugares
de poder (RAFFESTIN, 1993).
Essas políticas públicas são as ações do governo, ações essas estabelecidas
em legislações específicas e que se caracterizam como a principal ferramenta para o
desenvolvimento local num dado campo de ação, seja nacional, estadual ou
municipal.
As políticas públicas deviam dar conta das demandas, principalmente dos
setores marginalizados da sociedade, considerados mais vulneráveis, mas nem
sempre ocorre desta forma, por isso que, a partir da pressão e da mobilização, a
sociedade civil tenta influenciar na agenda do poder público.
Historicamente, a postura dos órgãos públicos frente ao setor pesqueiro foi
pautada por políticas descontinuadas. A edição de instrumentos legais, a abertura de
linhas de crédito, o fomento à produção e à organização dos pescadores e das
pescadoras, nem sempre consideraram as demandas do setor, como se discute mais
adiante neste texto.
A recente atitude do Estado de reorganizar as políticas públicas para a
atividade pesqueira, em grande medida expressada na criação do MPA, demonstra
um reconhecimento da importância do segmento. Se esse segmento de produção
nacional tinha estado, há alguns anos, à margem das políticas estatais de
financiamento e crédito, de seguridade social e de desenvolvimento tecnológico,
atualmente essas políticas parecem ter produzido alterações no setor. Mesmo assim,
contudo, a excessiva concentração dos investimentos no setor empresarial
exportador pode tornar uma proposta de reorientação do padrão produtivo e mudança
social em reafirmação dos privilégios, o que tem implicação cada vez mais grave
sobre as possibilidades de persistência das formas de pesca artesanal (BRASIL,
2003).
A pesca artesanal, contudo, sobrevive e dá vida a um universo social cada
vez mais diversificado e heterogêneo. Como demonstram estudos recentes
(NIEDERLE et al., 2005; SACCO DOS ANJOS et al., 2004; e SOUZA, 2002), novas
fontes de trabalho e renda, que permitem ingressos mais seguros se comparados
79
com as incertezas da pesca, configuram talvez a principal transformação em termos
de diversificação de rendas e de trabalhos na atualidade. Dentro desse contexto
social, há outros aspectos importantes, da cultura e das tradições e costumes que
adquirem relevância e robustez, dando uma identidade única e concisa a qualquer
pescador, pois, no contato com outras culturas contemporâneas, esses povos se
hibridizam, “[...] desenvolvendo formas particulares de conhecimento e de
organização social para a utilização dos recursos naturais e conservação dos
recursos” (DIEGUES, 1993, p. 18).
Assim, para fazer a análise proposta nesta pesquisa é preciso compreender
as características do território pesqueiro no Lago de Itaipu, território composto por
pescadores artesanais oriundos de uma complexa e diversa realidade, de surgimento,
de formação e de vivência entre pescadores e agentes políticos.
O Estado interferiu e interfere diretamente nas transformações da pesca, e o
faz como indutor de um processo de desenvolvimento tecnológico excludente, que
impossibilita aos pescadores artesanais a inserção nesse processo, por não
possuírem renda para isso, e interfere, com seus objetivos políticos, geopolíticos ou
econômicos, negativamente na reprodução das comunidades pesqueiras, porque são
privilegiados interesses de empresas privadas e suas necessidades de mão de obra
barata (ABDALLAH e BACHA, 1999).
A análise histórica das colônias de pesca demonstra que as políticas atuam
em dois sentidos: estabelecer regulamentações e conceder incentivos à produção. E
ainda se pode acrescentar que a base de sustentação dessas políticas é a
exploração econômica dos recursos naturais, fazendo-o a partir da modernização das
atividades da pesca, mas sendo uma modernização voltada ao crescimento da
produção, não à valorização da cultura e da vida dos pescadores artesanais. Prova
disso é que, a partir da década de 1960, a atividade pesqueira, por regulamentação
de uma política de incentivos fiscais, desenvolveu a chamada pesca industrial,
voltada, preferencialmente, para o mercado externo. Então começam a aparecer as
relações de poder e os conflitos entre as classes pesqueiras e a atuação dos
movimentos sociais se tornam importantes, principalmente para lutar pelos recursos,
que são voltados quase que exclusivamente para a pesca industrial.
Para Paiva e Paiva, “Os resultados dessas políticas não geraram o
desenvolvimento pretendido nem da pesca industrial, nem da pesca artesanal” (1967,
p. 28). Ao contrário,
80
A modernização e os incentivos à industrialização da pesca
provocaram a depredação de várias espécies de peixes e crustáceos,
comprometendo a vida das comunidades litorâneas. Ao lado disso, os
pescadores e pescadoras apontavam problemas graves decorrentes
do sobre-esforço de pesca, da especulação imobiliária nas praias e do
turismo, que expulsou, e expulsa, sistematicamente, as comunidades
pesqueiras dos seus territórios tradicionais. (CALLOU, 2010, p. 46).
Da SUDEPE para o IBAMA, investimentos para a pesca surgem, porém
insuficientes. Somente em 2003, com a criação da SEAP, o governo reconhece a
necessidade de investir e subsidiar a pesca artesanal e elabora um plano estratégico
de desenvolvimento, criando instrumentos específicos para tornar mais efetivas as
políticas econômicas e sociais do governo.
A constatação explicita ao refazer esse caminho histórico do Brasil, é de que,
as políticas públicas, em sua maioria, sejam antigas ou contemporâneas, são
indiferentes às reivindicações dos pescadores. Aos governos interessa apenas as
tecnologias que podem promover a modernização e o desenvolvimento do setor
pesqueiro e aquícola do empresariado nacional, ou seja produção em grande escala
que privilegia grupos específicos e não populações.
As mudanças e criações de órgãos responsáveis pelo assunto foram
constantes, representando as mudanças de concepção dos governantes sobre o
tema e os atores envolvidos. Nesse sentido, um esforço para superar a invisibilidade
das culturas tradicionais da pesca brasileira passa, irredutivelmente, pela esfera
política. Como Habermas (1990) menciona, os movimentos sociais são vistos, agora,
como fatores dinâmicos na criação e na expansão dos espaços públicos de discussão
e de empoderamento da sociedade civil.
Em suma, “[...] as medidas que foram adotadas não evitaram a sobreexploração dos recursos, tendo sido, muitas vezes, apenas paliativas e de caráter
assistencialista e produtivista, sem considerar os fatores limitantes da produção
biológica e organização humana” (ISAAC et al., 2006, p. 181).
Pela análise feita até o momento, pode-se perceber que existem conflitos
entre a pesca artesanal e industrial, pois os objetivos divergem de um setor a outro e
as investidas do governo são diferentes para cada um, sendo insuficientes e
inadequadas para a pesca artesanal. Sendo que a pesca artesanal devido sua
fragilidade econômica e pela importância cultural e social, necessita de subsídios
estatais para se manter de forma mais digna.
81
2.4 O Panorama da Pesca e da Aquicultura no Brasil
Conforme mencionado e segundo a Controladoria Geral da União29,por
muitos anos o Estado brasileiro esteve ausente dos processos de estímulo ao
desenvolvimento socioeconômico das comunidades pesqueiras e de políticas
estratégicas para o desenvolvimento da pesca e da aquicultura.
A produção nacional de pescados no Brasil não chegava a um milhão de
toneladas/ano e a aquicultura representava menos de 30% do total dessa produção.
O consumo de pescados no Brasil não alcançava 7 kg/hab./ano. Por falta de
investimentos estratégicos no setor, o Brasil não conseguia competir com outros
países na exploração da pesca no Oceano Atlântico.
As cadeias
produtivas da pesca
e da
aquicultura encontravam-se
desestruturadas, principalmente no que se refere à infraestrutura instalada,
acarretando consideráveis perdas e desperdícios à produção nacional – fator
impeditivo à geração de produtos para atender à demanda existente, relegando o
setor e o país a condições bastante periféricas nesse tema (CGU, 2010).
A dificuldade de acesso ao crédito desabilitava a estruturação da aquicultura,
que, mesmo havendo aptidão para a produção, sofria com o fato de que uma das
principais dificuldades era a articulação com os agentes financeiros para a criação e a
qualificação das linhas de crédito voltadas às necessidades dos pescadores e dos
aquicultores (MORRONE, 2010).
Todas essas dificuldades repercutiram na realidade e demonstram as
enormes disparidades do desempenho do pescado no país que persistem até hoje.
O Boletim Estatístico da Pesca e Aquicultura (MPA, 2010) analisa e indica o
aumento do consumo per capita de pescado. Os dados de 2003 apontavam que um
brasileiro consumia em média 6,8 kg/ano e, segundo os dados mais recentes, o
consumo de peixe pelo brasileiro está na ordem de 9 kg/ano.
Buscando auxiliar a suprir o consumo, a União potencializou a grande
disponibilidade de água, principalmente em reservatórios hidrelétricos, criando
parques aquícolas. A legislação que estabelece os marcos legais para a atividade nas
águas brasileiras é recente, inclusive no Lago de Itaipu foram concedidos três áreas
para parques aquícolas, possibilitando a criação de peixes.
29
MINISTÉRIO da Pesca e Aquicultura. Dados políticos da pesca. GRU, 2010. Disponível em:
<http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/PrestacaoContasPresidente/2010/Arquivos/5.1.26.pdf>Acesso em:
23 jan. 2012.
82
Apesar da cessão de três mil áreas aquícolas de 2008 a 2011, há demanda
para mais de cem mil áreas. São muitos os estudos que devem ser realizados para
que sejam cedidas essas áreas de forma sustentável e também são muitos os órgãos
governamentais e ambientais que devem ser consultados para que todas as licenças
sejam concedidas e a atividade regularizada.
É importante compreender a o atual panorama da pesca no país. Inicialmente
foi demonstrada a situação do Brasil em produção de pescados no mundo 30. Porém,
em uma análise específica e nacional, o país demonstrou que existe déficit de
extração e de produção de pescado, pois são deficitários os investimentos pesqueiros
e o consumo interno tem aumentando muito, inclusive de variedades que não existem
no Brasil. Em um país com costa marítima tão ampla, além de grande quantidade de
rios e de lagos com potencial para serem explorados essa realidade poderia ser
diferente.
A partir de 2009 se inicia um processo de melhorias na pesca, por causa da
consolidação do MPA como instituição governamental. A conjuntura da aquicultura e
da pesca inicia novos caminhos, com a promoção de políticas públicas e de
programas mais efetivos para a pesca31.
Por conta das desigualdades na pesca, o MPA afirma que adotou a
abordagem territorial na implantação de suas políticas, com vistas a reduzir as
desigualdades, principalmente as regionais, por meio da inserção competitiva do
segmento da pesca e aquicultura. Afirma que suas diretrizes vieram a estimular
processos participativos de planejamento e a gestão social do desenvolvimento
sustentável da pesca, bem como a qualificar as demandas de políticas públicas de
acordo com as diferentes realidades territoriais (MPA, 2012).
Importante ponderar que na última década, obviamente, aconteceram
conquistas, como o direito à livre associação e o reconhecimento, pelo INSS, do
pescador e da pescadora como segurados especiais. Outras conquistas foram mais
regionais ou locais, como as experiências dos acordos de pesca e a implantação de
reservas extrativistas, isso ocorrendo a partir do entendimento da própria comunidade
30
No item 2.1 deste capítulo, demonstrou-se que o Brasil se encontra na 19a colocação mundial em
Produção de Pescados.
31 Políticas e programas como: Centros Integrados da Pesca Artesanal (CIPAR), Apoio à Organização
Produtiva de Trabalhadoras da Pesca, Apoio a Pequenos Empreendimentos na Pesca Artesanal,
Apoio à Cadeia Produtiva – Fábricas de Gelo, Caminhões Frigoríficos, Caminhões Feira; Qualificação
e Inclusão Social de Pescadores/as - Programa Pescando Letras, Telecentros Marés, Cursos
Técnicos Integrados em Pesca e Aquicultura; Apoio à Organização de Fóruns de Gestão da Pesca,
Capacitação de Pescadores/as e Organizações do Setor, enfim, Distribuição de Cestas de Alimentos.
83
quanto à necessidade de serem utilizados mecanismos legais em defesa dos seus
espaços de trabalho e moradia.
Apesar disso, o enfrentamento dos outros problemas ainda é um grande
desafio. A questão da degradação ambiental, colocando em risco a continuidade da
atividade milenar da pesca, sem contar a omissão dos vários governos em favor de
uma política concisa para a pesca, tem prejudicado sobremaneira a atividade da
pesca artesanal.
Seus trabalhadores e empreendedores, em geral, têm baixa
escolaridade, baixa renda e vivem em condições de vulnerabilidade
ambiental e de precariedade social. Assim, a pesca artesanal, apesar
de seu reconhecimento junto ao Estado como atividade econômica e
posto de trabalho, vive nos limites da formalidade/informalidade. Isto
se deve a vários fatores que vale a pena desvelar ao longo desta
pesquisa, tais como: dificuldade de modernizar o setor, dificuldade de
acesso às políticas públicas (defeso) e aos financiamentos do
PRONAF, dificuldade de infraestrutura de armazenamento e de
abastecimento do pescado e dos frutos do mar, dificuldades de vender
no mercado ampliado (atacado). (SILVA, 2011, p. 5).
A prática e a realidade pesqueira diferem da teoria das políticas públicas.
Dessa forma, necessário se faz o fortalecimento das organizações dos pescadores,
pois somente elas lutam por políticas públicas visando melhorias verdadeiras nas
comunidades pesqueiras, como relatado já relatado.
2.5 A Produção Pesqueira Nacional e Regional
A produção pesqueira nacional (pesca e aquicultura32), segundo dados da
EMBRAPA (2006), vem demonstrando um leve crescimento na década passada, pois
em 2003 obteve uma produção de 990.889 toneladas, passando, em 2009, para
1.240.813 de toneladas (maior cifra desde 2003). Importante é ponderar, nesta
análise, que os números do pescado começam a aumentar a partir de 2009,
juntamente com a criação do MPA.
32
O termo “aquicultura” expressa o processo de produção em cativeiro, de organismos com hábitat
predominantemente aquático, tais como peixes, camarões, rãs, entre outras espécies. A aquicultura
apresenta-se como uma atividade alternativa à prática extrativista, que tem ultrapassado seus
limites sustentáveis, e revela-se como uma opção interessante para empreendedores de todos os
portes.
84
A EMBRAPA (2006) fez uma análise da pesca extrativista no Brasil e
constatou, na produção pesqueira nacional, uma forte presença da pesca
extrativista33.
A pesca extrativista no Brasil é ainda dominada pela pesca marinha,
mas, apesar de as estatísticas de produção pesqueira ainda serem
alvos de controvérsia, uma análise temporal da contribuição do peixe
proveniente da pesca continental mostra sua importância no cenário
nacional. Dados estatísticos do IBGE e do IBAMA, no período de 1960
a 2003, mostram que, enquanto na pesca marinha se observou uma
queda do volume capturado a partir de 1985, o total de pescado
advindo de águas continentais continuou a crescer. Em 2003, a
produção estimada de pescado total no Brasil foi de 712.143,50
toneladas, sendo 68% (484.592,50t) de águas marinhas e 32%
(227.551t) de águas continentais. (p. 10).
Somando-se a produção marítima com a do continente, para o ano de 2010,
a produção de pescado do Brasil foi de 1.264.765 toneladas, registrando-se um
incremento de 2% em relação a 2009, sendo a pesca extrativa marinha a principal
fonte de produção de pescado nacional, responsável por 536.455 toneladas (42,4%
do total de pescado), seguida, sucessivamente, pela aquicultura continental (394.340
toneladas; 31,2%), pesca extrativa continental (248.911 toneladas; 19,7%) e
aquicultura marinha (85.057 toneladas; 6,7%) (Ver Quadro 4).
Quadro 3: Produção de Pescado (t) Nacional por Modalidade - de 2009 e 2010
Fonte: Boletim Estatístico (MPA, 2010).
33
A expressão “pesca extrativa” significa a retirada de organismos aquáticos da natureza sem seu
prévio cultivo. Esse tipo de atividade pode ocorrer em escala industrial ou artesanal, assim como
pode acontecer no mar ou no continente.
85
Percebe-se a partir do quadro uma redução de 8,4% na produção de pescado
oriunda da pesca extrativa marinha em 2010 em comparação com 2009, resultado de
um decréscimo de 49.217 toneladas, comprovando a tese que a pesca de Interior
vêm tendo maiores investidas do governo, o país é privilegiado em relação a
abundância de recursos d’agua. Assim, a produção da pesca extrativa continental e a
aquicultura continental e marinha fecharam em alta, em relação a 2009, com um
acréscimo de 3,9%, 16,9% e 9%, respectivamente.
Analisando a produção de pescado (de todo tipo) por regiões em 2010, a
Região Nordeste foi a que assinalou a maior produção de pescado do país, com
410.532 toneladas, respondendo por 32,5% da produção nacional. As regiões Sul,
Norte, Sudeste e Centro-Oeste vieram logo em seguida nesta mesma ordem,
registrando-se, respectivamente, 311.700 toneladas (24,6%), 274.015 toneladas
(21,7%), 185.636 toneladas (14,7%) e 82.881 toneladas (6,6%), como pode ser visto
na figura do gráfico a seguir:
Figura 6: Gráfico da Produção de Pescado (de todo o tipo) por Regiões em
2010, Brasil
450.000
410.532
400.000
350.000
311.700
300.000
274.015
250.000
185.636
200.000
Toneladas
150.000
82.881
100.000
50.000
0
Região
Nordeste
Região Sul
Região Norte
Região
Sudeste
Região
Centro-Oeste
Fonte: Elaborado por Graziele Ferreira com base nos dados obtidos através do Boletim
Estatístico (MPA, 2010).
Ao observar o gráfico, constata-se que a Região Sul está em segundo lugar
na produção de pescados, pois se destaca na produção de peixes pela aquicultura
86
fazendo os números crescerem. A Região Norte territorialmente maior e mais densa
em rios, porém com pouca área litorânea, se encontra em terceiro lugar.
No próximo item se descreve a situação da pesca extrativa e da aquicultura
de interior, dentro do continente, que faz parte da realidade da pesca no Lago de
Itaipu.
2.5.1 Sobre a Pesca Extrativa e a Aquicultura no Continente
Sendo esta pesquisa referente à pesca em um lago de hidrelétrica, a pesca
no Lago de Itaipu, é importante entender o campo de atividades classificado como
“pesca continental” ou “pesca de interior” que são termos referindo a noção de pesca
em água doce. Segundo a EMBRAPA (2006), pode-se dizer que a pesca de água
doce é uma atividade tradicional no Brasil. Em muitas regiões é a única fonte de
proteína e a forma de trabalho disponível às populações ribeirinhas.
No Pantanal, por exemplo, além da pesca profissional artesanal, a pesca
esportiva tem se transformado numa das principais atividades de captura dos
estoques de peixes de água doce. Essa atividade está ligada a outras, como a
catação de iscas vivas (que também é pesca profissional artesanal); a de piloteiro, a
atividade do indivíduo que atua como guia para os pescadores amadores; e a de
donos de “pesqueiros”, que oferecem pequenas pousadas, que, por assim dizer,
servem de base para os pescadores e, nas grandes cidades, a pesca em represas
também se tornou uma fonte de renda e de sustento para populações carentes.
De acordo com Petrere Jr. (1995), a pesca continental no Brasil é praticada
de forma intensiva na Bacia Amazônica, nos açudes nordestinos, na Bacia do Rio
São Francisco, em rios da Bacia do Leste, como o Rio Paraíba do Sul, na Bacia do
Paraná e na Bacia do Alto Paraguai.
Porém percebe-se que a produção é muito mais expressiva nas águas
marinhas que nas continentais, principalmente pela maior extensão de água, pela
facilidade de uso e estruturação dos portos de pesca e pelo maior incentivo
governamental.
Em um cenário mais recente (2009 e 2010), a análise se mostra positiva, uma
vez que se registrou um aumento de 4% na produção da pesca continental. Esse
cenário denota uma suave recuperação da produção após a queda observada em
2009 (239.493 toneladas) em relação a 2008, quando foram capturados 261.283
87
toneladas de pescado de origem continental. A Tabela seguinte demonstra esses
números comparando a pesca extrativa marinha da continental. Nos dados não
apresentam os números da aquicultura.
Tabela 2: Produção de Pescado (t) Nacional e Participação Relativa do Total da
Pesca Extrativa Marinha e Continental dos Anos de 2008, 2009 e 2010
Fonte: Boletim Estatístico, MPA, 2010.
Quando se observam os dados especificamente em cada uma das regiões
brasileiras em relação à pesca extrativa continental, tem-se resultados diferentes da
pesca em todas as suas modalidades. Nota-se que a Região Norte liderou o cenário
nacional nesse item, sendo responsável por 55,7% da produção pesqueira de água
doce brasileira, a qual foi fortemente impulsionada pelos Estados do Amazonas
(70.896 toneladas) e do Pará (50.949 toneladas), que, somadas, foram responsáveis,
praticamente, pela metade da produção pesqueira extrativa continental do Brasil
(49% do total capturado), veja no gráfico a seguir:
88
Figura 7: Gráfico da Produção de Pescado (t) Nacional da Pesca Extrativa
Continental em 2009 e 2010 Discriminada por Região
Fonte: Elaborado por Graziele Ferreira com base nos dados obtidos através do Boletim
Estatístico (MPA, 2010).
Os dados do gráfico demostram que a segunda região com maior
participação na produção pesqueira continental foi a do Nordeste e, assim como nos
anos anteriores, as Regiões Sudeste, Centro-Oeste e Sul apresentaram produções
pouco expressivas em comparação com as demais, sendo responsáveis por 23.276
toneladas, 13.041 toneladas e 5.084 toneladas, respectivamente. Agrupadas, essas
três regiões representaram apenas 16,6% da pesca continental do país.
Com relação à produção aquícola, seguindo o padrão observado nos anos
anteriores, a maior parcela dessa produção é oriunda da aquicultura continental, na
qual se destaca a piscicultura continental, que representou 82,3% da produção total
nacional.
A produção aquícola de origem marinha, por sua vez, apesar de ter sofrido
uma redução de sua participação na produção aquícola total nacional em relação aos
anos anteriores (22,8% em 2008 contra 17,7% em 2010), conforme Tabela 3.
89
Tabela 3: Produção Total, Continental e Marinha da Aquicultura no Brasil entre
2008 e 2010
Fonte: Boletim Estatístico (MPA, 2010).
Percebe-se, ao analisar a Tabela e o gráfico seguinte (Figura 8), que houve
um significativo aumento no triênio 2008-2010 da produção aquícola continental
diferente da realidade da produção aquícola marinha.
Figura 8: Gráfico da Produção de Pescado (t) da Aquicultura Continental entre
2008 e 2010
Fonte: Elaborado por Graziele Ferreira com base nos dados obtidos através do Boletim
Estatístico (MPA, 2010).
Com os dados é possível constatar o crescimento da produção dessa
modalidade (aquicultura continental), pode ser atrelado ao desenvolvimento do setor,
que, por sua vez, deu-se pela ampliação de políticas públicas que facilitaram o
acesso aos programas governamentais existentes, tais como o Plano Mais Pesca e
Aquicultura, desenvolvido pelo MPA.
A Região Sul foi a que assinalou a maior produção de pescado do país, com
133.425,1 toneladas, respondendo por 33,8% da produção nacional na aquicultura.
As Regiões Nordeste, Sudeste, Centro-Oeste e Norte vieram logo em seguida, nesta
90
mesma ordem, registrando-se 78.578,5, 70.915,2, 69.840,1 e 41.481,1 toneladas,
respectivamente.
A análise da produção nacional de pescado por Unidade da Federação para o
ano de 2010 demonstrou que o Estado do Rio Grande do Sul continua sendo o maior
polo produtor de pescado do Brasil, com 55.066,4 toneladas, seguido pelos Estados
de São Paulo (com 45.084,4 toneladas) e o Ceará (com 38.090,9 toneladas),
conforme mostra a Figura 9.
Figura 9: Gráfico da Produção de Pescado(t) da Aquicultura Continental por
Unidade de Federação
Fonte: Boletim Estatístico, MPA, 2010.
As análises dos dados do MPA principalmente, demonstram a diversidade
brasileira em relação às modalidades de pesca. Existem diferenças em relação à
pesca extrativista e a aquicultura de interior (foco da pesquisa) no país. Algumas
regiões se destacam na pesca extrativa, como é o caso da Região Norte, e outras na
aquicultura, como a Região Sul. Isso ocorre porque cada região possui
especificidades distintas, algumas com território e densidade de rios maior, outras
com área litorânea maior, outras ainda com maior incentivo destinado à aquicultura.
Não obstante é importante mencionar a dificuldade de conseguir dados
oficiais da pesca artesanal, pois e uma atividade histórica que inicialmente não fora
mensurada. No MPA que se conseguiu os mais relevantes e atuais dados,
responsáveis pela visão geral da pesca no pais. Os dados revelam um crescimento
acentuado da aquicultura no conjunto geral da produção pesqueira brasileira, o que
suscita preocupação, uma vez que a lógica que predomina na atividade aquícola tem
91
sido uma lógica empresarial que, assim como ocorreu com a SUDEPE nos idos da
década de 1960 e 1970, isso vem confrontar os moldes da pequena produção com os
moldes da grande produção capitalista. Nesse confronto, historicamente, o pescador
artesanal sucumbe e vê-se obrigado a inserir-se num mundo que não é o seu. No
Lago de Itaipu também prevalece essa realidade, onde os pescadores artesanais
acabam a margem dos programas do governo pela dificuldade de acesso e pela
burocracia, aliada a prevalência de investimentos na aquicultura e piscicultura.
Sobre esses programas do governo federal se discute uma ação estratégica
o Plano Safra da Pesca e Aquicultura, de 2012, posterior ao Plano Mais Pesca e
Aquicultura, de 2008 –, em que o discurso apresenta o objetivo de minimizar as
carências das políticas integradas e estruturantes realizadas até o momento,
buscando a inclusão socioeconômica, a identidade territorial e o respeito ao meio
ambiente.
O discurso propagado tem o intuito de gerar renda aos pescadores e
aquicultores e de produzir um alimento saudável para a população. Por esse motivo,
a aquicultura vem ganhando espaço privilegiado nas políticas públicas, parecendo ser
uma estratégia de governo voltada a concretizá-la como um negócio promissor e
lucrativo no país, como é divulgado por essa mesma política34.
Assim, certamente se faz pertinente para esta pesquisa compreender a lógica
dessa política pública da pesca, presente também na Colônia Z11.
2.5.2 O Plano Safra da Pesca e Aquicultura
Os dados do MPA mostram que estavam registrados e ativos, em setembro
de 2011, cerca de 970 mil pescadores35, dos quais 957 mil eram pescadores e
pescadoras artesanais. Esse contingente de trabalhadores está organizado,
atualmente, em cerca de 760 associações, 137 sindicatos e 47 cooperativas. Porém é
importante ressaltar que existem muitos pescadores artesanais que não possuem
registro, e nem por isso deixam de ser pescadores, pois para tais o que os classifica
como tal é seu modo de vida e não um papel de registro. Se o pescador artesanal na
maioria da vezes é esquecido pelo estado, sem registro é totalmente invisível.
34
35
DADOS da pesca. Disponíveis em: <http://www.mpa.gov.br/index.php/informacoes-eestatisticas/estatistica-da-pesca-e-aquicultura>. Acesso em: 5 jun. 2013.
Percebeu-se um crescente aumento de pescadores registrados, pois em 31/12/2010 existiam
853.231 pescadores profissionais, distribuídos nas 27 Unidades da Federação.
92
A criação do Ministério da Pesca é tida, pelo governo federal, como uma
forma de resolver problemas vivenciados pelos pescadores, desde problemas sociais
até aqueles tipicamente ambientais. Por isso, o desenvolvimento da aquicultura
supostamente preservaria a pesca extrativista, pois, em tese, esta não provocaria
danos ao meio ambiente. Ocultou-se, no discurso, qualquer outro elemento que
pudesse causar degradação aos pescadores extrativistas.
Dentre os desafios propostos pela política analisada, o aumento da produção
pesqueira é apregoado como forma de garantia alimentar, geração de renda,
aumento do consumo e preservação do meio ambiente: “O aumento da produção
pesqueira está relacionado, especialmente, ao desenvolvimento da aquicultura, que
apresenta grande potencial de crescimento”.36
Também como justificativa, o governo inclui em sua retórica a existência de
grande potencial de águas a serem exploradas no Brasil com o desenvolvimento da
aquicultura e que a pesca extrativa, além de escassa, não tem apresentado
possibilidades de crescimento:
Assim, o governo se comprometeu a atuar em dois pontos
considerados essenciais: o licenciamento ambiental e a cessão de
águas de domínio da União. A pesca extrativa, no mar e nas águas
continentais, tem possibilidades restritas de crescimento, haja vista o
histórico de crescimento das pescarias no Brasil e no mundo...37
Para o relatório do Plano Safra da Pesca e Aquicultura, o Brasil tem todas as
condições de se transformar em um grande produtor de pescado para atender à
crescente demanda nacional e mundial. Existem cerca de 8 mil km de litoral e 8,2
bilhões de m3 de água doce, formando a maior reserva do mundo.
É fato a considerar é que a intervenção do Estado na atividade pesqueira não
é recente, como discutido anteriormente. Chama a atenção o caráter ideológico que
envolve as justificativas do projeto, o qual enfatiza a importância da pesca e dos
pescadores na economia nacional e tenta convencer que existem políticas públicas
que vão ao encontro das necessidades dos pescadores, porém a pratica remete a
dificuldade de concretizar os objetivos.
O Plano Safra da Pesca e Aquicultura é implantado em 2012/2013/2014
como um instrumento para tornar mais efetivas as políticas econômicas e sociais do
36
INCENTIVO
A
AQUICULTURA.
Disponível
<https://i3gov.planejamento.gov.br/textos/livro2/2.4_Incentivo_a_aquicultura.pdf>. Acesso
maio 2013.
37 Idem.
em:
em: 5
93
governo federal voltadas à cadeia produtiva da pesca e aquicultura, com o objetivo de
ampliar as ações governamentais e o desenvolvimento sustentável por meio de
medidas de estímulo à competitividade e ao empreendedorismo. O Plano tem por
meta produzir 2 milhões de toneladas anuais de pescado até 2014.
O governo federal, nesse relatório, considera a pesca e a aquicultura como
atividades fundamentais para a inclusão social, pois que, segundo ali explicitado,
atualmente cerca de 1 milhão de trabalhadores tiram sua renda do pescado e, dentro
da cadeia produtiva, o setor gera 3 milhões de empregos indiretos.
Para que o setor seja ainda mais produtivo, competitivo, inclusivo e
sustentável é preciso aprimorar técnicas de cultivo e manuseio,
ampliar a assistência técnica, modernizar equipamentos, investir em
pesquisa e garantir mais estrutura à cadeia produtiva. O Plano vai
implantar novos parques aquícolas em lagos e represas de várias
regiões do Brasil. Por meio de diversas linhas de crédito, os pequenos
pescadores e aquicultores poderão investir em novas estruturas,
equipamentos e barcos. São financiamentos com benefícios
exclusivos para cada produtor: os agricultores familiares, as
cooperativas, as pescadoras, o jovem pescador e as marisqueiras.
Serão beneficiadas em torno de 330 mil famílias com mais crédito,
juros menores e prazos bem mais estendidos. A ampliação do volume
de crédito disponível para pescadores e aquicultores será
acompanhada de assistência técnica. Este apoio é fundamental para o
desenvolvimento e a execução de projetos. Regiões com grande
potencial para a aquicultura, como as do Norte e Nordeste, terão
recursos para desenvolver o seu potencial. Assim será possível
reduzir as desigualdades sociais e erradicar a pobreza em muitas
famílias. Com o Plano Safra da Pesca e Aquicultura os agricultores
familiares poderão aproveitar as estruturas de irrigação para a
produção de pescado. A assistência técnica que hoje já é oferecida
para a atividade agrícola será estendida para a aquicultura. Os
técnicos darão orientação sobre como investir melhor no negócio,
evitar o desperdício e manter a saúde do pescado. O Plano permitirá
que pequenos e médios produtores tenham uma alternativa de renda
e possam oferecer um alimento saudável para as suas famílias. A
presença da mulher é muito importante em várias atividades
pesqueiras. Será oferecido financiamento a mais de 46 mil
marisqueiras para aquisição de freezer e fogões. Também terão apoio
especial cerca de 90 mil pescadoras que poderão renovar seus
apetrechos de pesca. A pesca e a aquicultura têm muito a oferecer às
novas gerações. Jovens formados em pesca ou aquicultura poderão
obter financiamento de até R$ 15 mil para iniciar seus
empreendimentos. Além disso, jovens pescadores e aquicultores
pertencentes a famílias enquadradas no Pronaf poderão obter crédito
para apoiar a atividade pesqueira. As cooperativas e associações de
pesca e aquicultura serão fortalecidas pelo Governo Federal com o
objetivo de aumentar a competitividade dos pequenos e médios
produtores no mercado. Essas organizações terão melhores
condições de qualificar a gestão dos empreendimentos e facilitar o
acesso ao mercado, com produtos padronizados e de boa qualidade.
94
Entre 2012 e 2014 serão criadas diversas bases de assistência
técnica para atender as cooperativas e associações em todas as
regiões do Brasil. As unidades contarão com profissionais qualificados
para apoiar pescadores e aquicultores. Os produtores terão ainda
assistência técnica dos órgãos estaduais. (PLANO SAFRA DA PESCA
E AQUICULTURA, 2012, p. 7-14).
Percebe-se, no discurso, que o governo enfatiza mais a criação de peixe que
a permanência na pesca extrativista. Seria então contraditório falar em preservação
(muito comentado nos planos e metas das políticas da pesca, inclusive esta) tendo
em vista tal posicionamento. Identifica-se certa intencionalidade do governo, que
prioriza a produção, a competitividade e a inovação técnica.
Os pescadores da Colônia Z11 demonstram sua indignação sobre o Plano
Safra da Pesca, pois, para eles, “o discurso não chega à mesa”, ou seja, criticam a
atuação do governo nas investidas na aquicultura, deixando-os à margem do
desenvolvimento. Mencionam melhoras na atividade, mas, segundo eles, são
provenientes também de muita luta ao longo de muitos anos. A prática ainda é pouca
frente à teoria, diz o presidente da Colônia.
Todos os projetos de desenvolvimento usam o discurso de que as políticas
públicas possibilitam maior proximidade com a sociedade e suas reais necessidades,
como se essas políticas fossem fruto da participação e vontade da população:
O desenvolvimento econômico e social passa pela participação da
própria comunidade. A abordagem territorial do enfrentamento da
pobreza, da exclusão social, da degradação ambiental, das
desigualdades regionais, sociais e econômicas são objetivos dessa
política. (...) Definidos como prioridade pelo Plano Mais Pesca e
Aquicultura, os territórios aproximam o governo e a sociedade que
passam a unificar esforços para que todos ganhem com isso.
Trabalhadores, empresários, pesquisadores, lideranças municipais,
estaduais e federais, gestores públicos e a sociedade civil como um
todo38.
Sanfelice (2012), ao analisar o mundo do trabalho dos pescadores artesanais
e as novas mudanças, relata que todos os discursos percorrem um caminho, iniciado
com a valorização da pesca e do pescador, seguido da afirmação da dependência
dos pescadores para com lagos e mares como meio de sobrevivência, para então
incutir um discurso que os culpabiliza da escassez de recursos e falta de preservação
38
PLANOS E POLÍTICAS. Disponível em: <http://www.mpa.gov.br/#planos_e_politicas/territorios>.
Acesso em: 21 abr. 2013.
95
ambiental, tendo o pescador que contribuir sem questionar com os projetos do
governo.
Isso causa grandes perdas no que diz respeito à sua profissão, ao seu
trabalho, ao seu modo de vida, mas, mesmo assim, muitos pescadores acabam
aceitando as propostas já prontas do governo e das empresas (como a Itaipu). Os
pescadores pesquisados convivem com essa situação, em que a existência de
programas (do Plano Safra) voltados à pesca no Lago não garante a sobrevivência do
pescador, principalmente não garante a manutenção do seu modo de vida, como se
verifica no próximo capítulo, onde se discute a situação da pesca no Lago de Itaipu.
Ao analisar as políticas públicas (Plano Safra da Pesca) no Lago, os
pescadores relataram estar insatisfeitos, pois os objetivos não são alcançados.
Poucos conseguem efetivar um financiamento, alegam não conseguirem devido a
burocracia e a ineficiência do programa. Isso demonstra que o programa é
extremamente ideológico, não sai do papel como diz o pescador.
96
CAPÍTULOIII - A PESCA NO LAGO DE ITAIPU
O município de São Miguel do Iguaçu perdeu 26.253 ha de sua área com a
formação do Lago de Itaipu, foi o terceiro mais atingido em percentual - com 21,49% de perdas territoriais e, recebe royalties39 como forma a compensar os prejuízos.
Segundo IPARDES a economia municipal é baseada na agropecuária, destacando-se
na produção de soja, milho e criação de galináceos e suínos.
Porém, nos últimos 10 anos vêm se destacando a pesca artesanal no Lago
de Itaipu, uma alternativa para os moradores afetados e lindeiros ao Lago no
município. Essa alternativa e/ou ofício se verifica também em toda a extensão do
Lago, conforme segue a discussão.
3.1 O Contexto na Pesca no Lago de Itaipu
A construção da Hidrelétrica de Itaipu e seu reservatório artificial,
reconfigurou a região oeste paranaense e suas relações socioeconômicas,
comprometendo 101.093 hectares do território. As águas do lago inundaram áreas
urbanas e rurais, resultando na desapropriação de 44 mil famílias. Ribeiro (2006, p.
72) comenta que:
Em média, os municípios atingidos pelas águas de Itaipu sofreram
uma queda de 8,5% em sua renda tributária, mas alguns foram mais
duramente castigados: Foz do Iguaçu, 31,2%; São Miguel do Iguaçu,
21%; Santa Helena, 26%.
A formação do Lago de Itaipu modificou a estrutura territorial, bem como as
relações no território, “[...] a formação do lago não mudou apenas o aspecto
geográfico da região, alterou sua própria essência. A agricultura base da economia
regional começou a ceder lugar à atividade turística (...)” (SOUZA, 2009, p. 26),
acrescenta-sea pesca como outra atividade praticada.
Antes do alagamento, a agricultura era a principal atividade econômica e de
permanência na região, devido à fertilidade do solo. A construção da Hidrelétrica
proporcionou um movimento migratório, muitas pessoas que viviam no campo
perderam suas terras em virtude do alagamento, e vieram para as cidades em sua
grande maioria. Houve um processo de atração populacional, principalmente, para
39
Uma forma de compensar os danos causados aos municípios, através de uma quantia fixa mensal
em dólares, paga pela Itaipu Binacional, tendo por base a área alagada em cada município.
97
Foz do Iguaçu, região para onde grandes contingentes populacionais se direcionaram
para trabalhar na construção da hidrelétrica.
As 44 mil famílias das áreas inundadas sofreram a desapropriação, pois,
milhares delas foram obrigadas a deixar suas terras e migrar para outros lugares.
Junto com o processo de desapropriação tiveram que migrar e, consequentemente,
se desenraizaram:
O enraizamento é talvez a necessidade mais importante e mais
desconhecida da alma humana. É uma das mais difíceis de definir. O
ser humano tem uma raiz por sua participação real, ativa e natural, na
existência de uma coletividade que conserva vivos certos tesouros do
passado e certos pressentimentos do futuro. Participação natural, isto
é, que vem automaticamente do lugar, do nascimento, da profissão,
do ambiente. Cada ser humano precisa ter múltiplas raízes. (WEIL,
1979, apud MATTIELO, 2011, p. 249).
O desenraizamento se verifica quando há relações de dominação e de
exploração econômica e política que submetem a cultura, a memória e os valores de
um determinado grupo social. Esse desenraizamento verifica-se na fala de um
agricultor que teve que deixar sua terra no Oeste do Paraná:
Eu voltei lá em novembro de 1982... Quando fui, vi aquela água toda.
Porque lá onde eu morava tem 30 metros de água... Inundou tudo,
tudo... onde tinha escola, onde tinha igreja, onde a gente começou...
Nossa... Isso dói... Ah! Isso mexe com a pessoa! Não dá pra você
entender o que é isso. A gente levou essa surra... foi difícil
(SilvênioKolling, em entrevista a MATIELLO, 2011, p. 253).
Portanto, percebe-se, no depoimento do agricultor expropriado, que as
mudanças proporcionadas pela construção da hidrelétrica não estão relacionadas
somente à perda da terra, mas do território, das relações sociais que ali se
estabeleciam.
A construção da Usina provocou imensas perdas simbólicas, culturais e
identitárias às famílias que tiveram que sair de suas terras, sem serem consultadas
sobre a aprovação, ou não, da obra.
É extremamente doloroso saber que não poderá mais sequer rever o
lugar da casa, a rua ou estrada, o lugar de encontro comunitário
formado pela igrejinha, a escolinha, o campinho de jogo, o bosque, a
churrasqueira. Talvez uma fotografia guarde a imagem pálida do que
desapareceu sob as águas, mas aos poucos, tanto no papel como na
memória, vão se apagando os traços do que foi cenário de toda uma
rica história (MAZZAROLLO, 2003, p. 44).
98
A
esse
processo
de
desenraizamento,
podemos
chamar
de
desterritorialização que esses agricultores sofreram, imposto pelo Estado, sob a ação
da Itaipu. Segundo Haesbaert (2011) o que ocorre, é um processo de
reterritorialização, por quem detém o poder, como o Estado e o capital e, um
processo de desterritorialização para o povo, que teve que abandonar o território
onde vivia:
É justamente por meio dessa forma versátil de reterritorialização dos
“de cima” que se forja, por outro lado, grande parte da
desterritorialização dos “de baixo”, através do agravamento da
desigualdade e da exclusão pela concentração da renda, do capital
(dos investimentos) e da infraestrutura, associada à ausência de
políticas efetivas de redistribuição; aos investimentos mais na
especulação financeira do que no setor produtivo, gerador de
empregos, e à globalização da cultura do status e do valor contábil em
uma sociedade de consumo estendida a todas as esferas da vida
humana (HAESBAERT, 2011, p.367).
A Tabela a seguir demonstra os habitantes dos municípios atingidos pelo
alagamento, fato que causou um impacto social e, a população de São Miguel do
Iguaçu foi uma das mais atingidas, sendo que 8.639 pessoas; em Santa Helena e
Marechal Cândido Rondon o número foi mais expressivo (12.181 e 10.600
respectivamente).
Tabela 4: População Total dos Municípios e População da Área de
Alagamento - 1975
POP. TOTAL1
MUNICÍPIOS
POP. TOTAL2- ÁREA
COMPROMETIDA
%
Guaíra
47.482
3.659
7,71%
Terra Roxa
55.268
146
0,26
Mal. Cândido
Rondon
Santa Helena
63.458
10.600
16,70
38.831
12.181
31,37
Matelândia
35.473
70
0,20
Medianeira
45.216
1.540
3,41
São Miguel do
Iguaçu
Foz do Iguaçu
36.436
8.639
23,71
49.538
5.609
11,32
Sub-região
371.702
42.444
11,42
Estudo sub-regional oeste do Paraná- Convênio SUDEPESUL/UFPR;1 IBGE-Centro Brasileiro de Estudos
Demográficos (CDED). A população total é a soma das populações urbana e rural. (IBGE-190-1975)
Fonte: SOUZA (1992, p. 39) - Adaptado por FERREIRA, 2013.
99
A Tabela demonstra que 23,71% dos habitantes São Miguel do Iguaçu viviam
nas áreas inundadas, causando um impacto social, deslocamento da população,
reorganização da parte que ficou. O setor agrícola perdeu parte considerável de suas
melhores terras, diminuindo o número de propriedades e desempregando as
pessoas. Comunidades inteiras foram submersas, a produção agropecuária diminuiu
assim como o comércio, a arrecadação de impostos reduziu e os empregos urbanos
foram, também, afetados.
Os habitantes da região migraram para as mais diversas regiões, como
cidades da própria região Oeste do Paraná, para o Norte do país e também para o
Paraguai:
A expulsão desse contingente populacional das zonas rurais fez com
que o mesmo se concentrasse, em grandes levas, nas cidades
maiores da própria região (Cascavel, Toledo, Mal. Cândido Rondon,
Foz do Iguaçu, onde muitos indivíduos são, ainda, dependentes de
emprego temporário na zona rural – bóias-frias) ou em outras cidades
do Estado e do País (Curitiba, cidades do Sudeste); a migração deuse, também, visando à ocupação interna do Estado do Paraná
(Pitanga); por fim, grande parte desse contingente da população rural
deslocou-se em direção às novas fronteiras de ocupação do território
brasileiro (Rondônia, Mato Grosso e Acre) e mesmo fora do País,
como é o caso da ocupação da margem paraguaia da represa de
Itaipu, por brasileiros (“brasiguaios”) (Boletim de Geografia, 1991,
apud SOUZA, 2009, p.58).
Esse movimento migratório e a constituição de um novo espaço, a partir da
formação do lago mudaram as atividades econômicas, o setor agrícola perdeu parte
considerável de suas melhores terras, diminuiu o número de propriedades,
submergiram comunidades inteiras, diminuindo a produção agropecuária e a
arrecadação de impostos. Afetou também as relações sociais dos municípios
envolvidos, dentre elas, a que mais interessa para a presente análise é o território da
pesca.
Os pescadores que já atuavam no Rio Paraná eram contrários a formação do
reservatório, e juntamente com demais populares que moravam nas regiões
futuramente inundadas se manifestaram e montaram acampamento próximo ao pátio
de obras da barragem, buscando impedir a construção, mas não foram ouvidos.
A pesca, anterior ao Lago de Itaipu, no Rio Paraná e seus afluentes, sempre
foi intensa, desde a época dos indígenas até os dias atuais. Porém, antes de ter um
caráter profissional, a atividade era realizada como meio de subsistência ou mesmo
100
lazer, como atesta essa passagem em Maccari (1999, p. 89), sobre a pesca no
município de Marechal Cândido Rondon:
Com relação às atividades de caça e pesca, essas não representavam
somente uma atividade que propiciava horas de lazer, mas em muitos
casos foram um meio de suprimir a penúria e carestia de gêneros
alimentícios.(...) Os peixes chegaram a pesar 60 kg. Sua carne era
vendida, trocada por outras mercadorias, ou mesmo distribuída para
moradores da vila. Nos anos 50 tanto as pescarias como as caçadas
costumavam ser fartas.
Ao falar da pesca, em Santa Helena, até a década de 1960, Colodel (1988, p.
266) também afirma que a pesca era uma atividade esporádica, voltada ao lazer e
subsistência, mesmo com a abundância de peixes no Rio Paraná:
As pescarias geralmente eram feitas no Rio Paraná e os colonos que
moravam mais para o interior se utilizavam de outros rios como o São
Francisco, São Francisco Falso, Dois Irmãos, Pacuri, Morena e Ocoí.
Poucos os colonos que faziam das pescarias um divertimento
planejado, embora algumas vezes, alguns se reuniam, para, nas
margens dos rios, passarem algumas horas de convívio e de
descanso. Mesmo com o Rio Paraná tendo grande quantidade e
variedade de peixes, a pesca não se apresentava como uma atividade
corriqueira para os colonos aqui residentes no início da colonização. O
produto dessas pescarias era usado como uma variação na dieta
alimentar e por isso não era uma atividade de monta.
Porém, essa realidade mudou com o surgimento do Lago de Itaipu, muitos
foram aqueles que viram a pesca como uma alternativa de trabalho e optaram por ela
para sobreviver, não na forma de subsistência, mas como uma profissão e um modo
de vida. Sobre isso Machado (2002, p. 6) declara que:
Esses trabalhadores que, antes do alagamento, eram um número
reduzido multiplicaram-se. De acordo com relatos de pescadores,
cerca de 50 a 60 pessoas viviam informalmente da pesca, em Santa
Helena, sendo que entre 1985 e1992 esse número chegou a cerca de
480 pescadores. A categoria de pescadores passou a ser formada
principalmente por indivíduos indenizados que não quiseram ir embora
de seu município, por outros para os quais o dinheiro recebido não foi
suficiente para uma mudança de vida, ou ainda, em alguns casos, por
indivíduos que receberam suas indenizações, muito tempo depois de
terem suas terras alagadas.
101
O pescador IF de São Miguel do Iguaçu atesta essas informações:
“Meu pai foi indenizado pela Itaipu; ficou por aí um tempo, depois foi para o
Paraguai (...) Eu tive família aqui e fiquei morando aqui, perto das terras alagadas. Aí
pensei em virar pescador... tá meio difícil, mas sou pescador também além de plantá
o que tenho.”40
O depoimento do pescador CKK aponta no mesmo sentido:
“Eu me tornei pescador porque moro perto do lago e a Itaipu incentiva a gente
a pesca... ela indenizou nossa terra e hoje como temo pouco recurso a pesca é uma
alternativa.”41
Esses relatos demonstram que a realidade dos pescadores em São Miguel do
Iguaçu não foi diferente de outros locais. Como a formação do Lago de Itaipu alterou
significativamente a realidade da paisagem geográfica, as comunidades pesqueiras
passam a ser constituídas a partir de 1982, em busca da representatividade política
de uma nova profissão emergente.
A Itaipu passa a incentivar o uso do lago para pesca extrativa e,
principalmente, para a criação de peixes, estudos referentes à pesca 42 em seu
território vêm sendo realizados desde 1985 pela Nupélia43 (UEM) em parceria com a
Itaipu. A Itaipu divide esse território da pesca no lago em 12 áreas de pesca 44,
agrupadas, em três zonas de pesca, como observado na figura a seguir.
40
Entrevista cedida pelo pescador IF em 1/06/2013.
Entrevista cedida pelo pescador CKK em 05/07/2013.
42 Relatórios de estudo realizados pela UEM/NUPÉLIA/ITAIPU BINACIONAL.
43 Núcleo de Pesquisas em Limnologia, Ictiologia e Aquicultura da Universidade Estadual do Paraná.
Realizam anualmente estudos referentes aos pescadores artesanais do Lago de Itaipu.
44ZONA FLUVIALÁrea 1 – Guaíra; Área 2 - Guaíra e imediações; Área 3 - Oliveira Castro: município de
Guaíra; Área 4 – Arroio Guaçu-município de Mercedes; Área 5 - Porto Mendes. ZONA DE
TRANSIÇÃOÁrea 6 - Pato Bragado; Área 7 - Entre Rios; Área 8 - Santa Helena; Área 9 - Vila Celeste.
ZONA LACUSTRE.Área 10 São José do Itavó; Área 11 São Miguel do Iguaçu; Área 12 Santa Terezinha
do Itaipu.
41
102
Figura 10: Localização das Áreas e Zonas de Pesca no Reservatório de Itaipu
Fonte: UEM/NUPÉLIA/ITAIPU BINACIONAL, 2009.
A denominação desse território baseado CEADES denomina “território
lindeiro” a região do Lago de Itaipu. Essa divisão demonstra a existência oficial de um
território, porém a análise proposta da pesca no lago se dá também pelo território
concebido como espaço social produzido, (alagamento das terras e formação do
reservatório da Usina de Itaipu), seja no que se refere às delimitações físicas (o lago),
seja no que diz respeito à construção das relações sociais de poder e de suas
representações simbólicas (a vida dos pescadores).
Destacam-se as especificidades e particularidades no modo de vida e na
formação dos pescadores artesanais no Lago de Itaipu, que interagem nos processos
de construção da territorialidade e do território pesqueiro.
Como organização do espaço, pode-se dizer que o território responde, em
sua primeira instância, a necessidades econômicas, sociais e políticas de cada
103
sociedade e, por isso, sua produção está sustentada pelas relações sociais que se
estabelecem. Sua função, porém, não se reduz a essa dimensão instrumental, ele é
também objeto de operações simbólicas e é nele que os atores projetam suas
concepções de mundo.
Compreende-se que cada colônia se apropriou de uma parte do território
pesqueiro, constituindo seu próprio território a partir dos pontos de desembarque e
das relações estabelecidas entre os pescadores.
Assim os pontos de pesca no lago e a Colônia se caracterizam como parte do
território da comunidade de pescadores, onde passam a maior parte de sua vida,
relacionando-se e trocando conhecimentos, a partir da territorialidade expressa nas
relações.
3.1.1 A reprodução da Pesca no Lago de Itaipu
Os pescadores do Lago vivem a expansão das relações sociais capitalistas à
medida que precisam viver novas relações de produção. Isso tudo é reflexo de um
estágio de desenvolvimento das forças produtivas da sociedade moderna. Por isso
compreender a reprodução da pesca só é possível através da análise da estrutura e
da articulação dos indivíduos com essas forças produtivas.
Vivem as incertezas e dificuldades de sobreviverem exclusivamente da
pesca, como será verificado no próximo capítulo e, o risco de perder o seu modo de
vida, restando uma profissão determinada pela conjuntura muitas vezes imposta, mas
necessária para resistirem.
Sendo a pesca um trabalho considerado autônomo, sem patrão, sem jornada
e renda fixa, não significa menos trabalho, pelo contrário. Foi constatado por meio
das observações e entrevistas que o trabalho da pesca exige uma dedicação para
além do rio ou lago, pois precisam realizar a limpeza, armazenagem, comercialização
do pescado, além da busca de iscas, a fabricação e o conserto das redes e espinhéis.
O trabalho do pescador é uma tática de vida, uma forma de produção
alternativa, porém, constata-se que o mesmo acaba dependente dos condicionantes
naturais e, principalmente, refém do modo de produção, que o coloca como um
trabalhador para a sobrevivência. Assim, a escolha de ser pescador não pode ser
compreendida apenas como natural, como desejo, mas sim como fruto de uma
sociedade determinada pelas forças produtivas. Aquele que quisesse permanecer no
104
mesmo local, não teve a opção de escolha, precisou adequar se à nova realidade do
lago.
É importante caracterizar esses pescadores no que se refere ao trabalho, às
artes da pesca, embarcações, estrutura dos pontos e barracos, ou seja, compreender
como ocorre a reprodução da pesca no Lago de Itaipu. Para isso utilizou-se além das
observações de campo, dados do último relatório técnico publicado pela
UEM/NUPÉLIA/ITAIPU BINACIONAL, de 2011.
O relatório se configura como importante ferramenta de análise e
compreensão da realidade pesqueira, porém é importante esclarecer que embora
representa os dados oficiais da pesca no lago, o relatório não exprime toda a real
situação pesqueira, pois os pescadores acabam omitindo alguns dados e situações.
Sendo um estudo direcionado pela própria Itaipu, dados que não interessam a
empresa podem ser desconsiderados. Com esta visão e apesar dela, este relatório
contribuiu satisfatoriamente para a pesquisa.
O primeiro dado importante se refere ao número de pescadores e sua
profissionalização. Para o relatório, a “opção" e/ou migração para o trabalho da pesca
tem consolidado gradativamente a profissionalização da categoria:
O número de pescadores titulares cadastrados em 2008 foi de 855.
(...) Durante o período de monitoramento da pesca no reservatório de
Itaipu, o número de pescadores titulares em atividade aumentou
gradativamente, entre 1987 e 1993, apresentando pouca alteração até
1997. No ano seguinte, houve um decréscimo (...) resultante do reordenamento da pesca realizado pelo IBAMA, que, após o
recadastramento dos pescadores profissionais, impôs restrições ao
exercício da atividade daqueles em situação ilegal. (...) mantendo os
níveis similares até 2008, aumentando no ano seguinte
(UEM/NUPÉLIA/ITAIPU BINACIONAL, 2011, p. 18).
O mesmo relatório aponta que “[...] entre os pescadores entrevistados em
2008, 20,5% declararam que não tinham outra profissão, antes de ingressar na
pesca“ (UEM/NUPÉLIA/ITAIPU BINACIONAL, 2011, p. 21). Entre as variadas
profissões anteriores apresentadas no relatório, o maior contingente veio do meio
rural (58,2%), destes 46,6% eram agricultores e 11,6% volantes.
Também
a
proporção
dos
pescadores
que
se
dedicam
à
pesca
exclusivamente foi de 45,8% em 2008. Entre os 46,4% que declaram ter outra
atividade complementar se destacam a “agricultura (27,8%), volante urbano (21,2%),
atividade
autônoma
(11,1%),
apicultura
(6,9%)
(UEM/NUPÉLIA/ITAIPU BINACIONAL, 2011, p. 23).
e
volante
rural
(5.4%)”
105
Esses dados reforçam a tese de que a profissão vem se consolidando no
Lago de Itaipu, porém, tem sido encarada por várias pessoas como complemento de
renda, por inúmeros fatores, entre eles, a dificuldade de ser exclusivamente
pescador. Os dados do monitoramento do rendimento socioeconômico da pesca
(2011) retratam que para 94% dos pescadores a renda mensal é inferior a dois
salários.
Ressalta-se, no entanto, que o sistema da pesca é dinâmico, com as pessoas
entrando na atividade pesqueira e saindo dela, partilhando o tempo com as colheitas
agrícolas e outros trabalhos temporários. Assim, mesmo o número médio anual de
pescadores titulares, útil para um dimensionamento do esforço de pesca, é inferior ao
número de pessoas que estiveram efetivamente envolvidas na atividade durante o
ano.
O número de pescadores titulares vem aumentando gradativamente desde
1987, quando foram registrados 327. Atualmente existem cerca de 950 profissionais
que vivem da pesca no Lago de Itaipu, podendo o número ser bem superior a mil
pescadores, se somados aqueles que pescam esporadicamente ou que se associam
a outra atividade econômica. Estes atuam em 63 pontos de pesca estruturados pela
Itaipu e autorizados pelo IBAMA, como pode ser observado na Figura 11 a seguir.
106
Figura 11: Localização dos Pontos de Pesca em Todo o Lago de Itaipu
Fonte: 1º Workshop Tilápia-Itaipu Binacional, 2013.
Os dados do relatório apontam e isso foi possível de verificar a campo, que a
pesca no reservatório tem peculiaridades, é uma atividade liderada pelos homens,
mas as mulheres são bem atuantes trabalham na manutenção do acampamento,
limpeza do pescado, dedicação aos filhos e conserto dos aparelhos de pesca.
Em 1998, apenas 15 mulheres eram responsáveis por apetrechos de pesca,
revistas e venda de pescado (titulares), a maioria (53%) atuando na zona fluvial.
Atualmente, são 146 que possuem licença para pescar. Em muitos casos, trabalham
junto ao marido, no entanto, cada um é responsável pelo seu material de pesca. Em
algumas famílias da zona lacustre, a mulher pesca próximo ao acampamento visando
à dieta familiar, enquanto o companheiro se desloca para regiões mais distantes, à
107
procura de lugares mais piscosos. Além disso, desempenham papel importante na
criação de peixes em tanque-rede, pois são elas que realizam o cozimento da
alimentação do pacu.
Quanto às artes da pesca utilizadas no reservatório de Itaipu compreendem
redes de espera (simples e tresmalhos), espinhéis45, anzóis (espera, galho, cavalinho,
linhada e caniço), tarrafas46, fisgas47 e covos48. As redes de espera são os aparelhos
de pesca tradicionalmente mais utilizados no reservatório de Itaipu, especialmente,
em seus trechos intermediários e internos (transição e lacustre). Muitos pescadores e
seus familiares fazem as suas próprias redes, adquirindo o material de comerciantes
de artigos de pesca, peixeiros ou em suas colônias de pesca. O pagamento por esse
material, quando adquirido das peixarias, é feito em parcelas e, geralmente, na forma
de pescado, já o financiamento do material pelo Banco do Brasil não é uma prática
muito utilizada.
Quanto ao tipo de embarcação, a mais utilizada pelos pescadores do
reservatório de Itaipu é a de madeira, compreendendo 59,6% dos pescadores em
2008. O uso mais frequente de barcos de madeira é explicado por: (i) menor custo
para sua aquisição (cerca de 5 a 6 vezes mais barato que o barco de alumínio); (ii)
possibilidade de fabricação própria; (iii) facilidade na manutenção da embarcação,
efetuada geralmente pelo próprio pescador; (iv) matéria prima facilmente encontrada
nas serrarias da região; (v) ausência de rebites que, ao se soltarem, atrapalham a
operação dos materiais de pesca. (UEM/NUPÉLIA/ITAIPU BINACIONAL, 2011). É
utilizada a propulsão por meio do remo; pescadores de baixa renda ou pequenos
proprietários rurais, próximos às margens do reservatório, se valem do motor tipo
motosserra, por rabeta49 e motor de centro50.
Os pescadores do reservatório de Itaipu, em sua maioria (44,8%), vivem em
áreas urbanas, entendendo-se como tal a periferia, as vilas e os patrimônios
ribeirinhos. Muitos dos pescadores vivem na área urbana permanecem nos
45Espinhéis
são compostos por uma corda trançada de polipropileno, com linhas de 2 m de
comprimento a cada 3m, com anzóis na extremidade.
46 Tarrafa é uma rede circular com pesos que pode ser chumbada, com uma corda presa ao centro.
47A fisga consiste em uma peça de ferro ou madeira em forma de seta ou tridente, presa a um cabo,
que é arremessada sobre o peixe.
48 O covo é feito de tela plástica com uma abertura de aproximadamente 20 m, montada sobre
armação de ferro galvanizado, com uma extremidade fechada e a outra dotada de abertura no fundo
de um cone.
49 Motor com potência 3,4 HP é dotado de um sistema de transmissão em rabeta (varão com até 2m de
comprimento), com eixo cardã direto, sem diferencial. Utiliza motor de dois tempos.
50 Motor estacionário de 7 a 12 HP.
108
acampamentos, realizando as tarefas básicas da pesca, retornando para casa nos
finais de semana, ou ainda praticam a pesca no final de semana.
Do restante, 31,9% vivem na zona rural, em pequenos lotes de terras; esses
pescadores que habitam as áreas rurais são mais frequentes nas zonas de transição
e lacustre; e 6,8% vivem no acampamento em barracos.
A partir da estruturação das colônias de pesca, sobretudo as das zonas de
transição e lacustre, com o apoio das prefeituras, esses barracos foram dotados de
uma melhoria considerável, passando a contar com piso em cimento ou cerâmico,
paredes de tábuas, rede de luz, água encanada e construção de sanitários, além de,
em alguns casos, atracador para as embarcações.
A disponibilidade de energia elétrica tem para o pescador, um papel
importante na conservação do pescado, com possibilidade de armazenamento e
busca de melhor preço de venda. Além disso, a possibilidade de produzir gelo para
manter o pescado refrigerado durante as revistas dos aparelhos de pesca reduz as
perdas por deterioração, sobretudo no verão, quando esse processo ocorre mais
rapidamente. A energia elétrica trouxe melhorias também no abastecimento de água
para a limpeza do pescado e avanços nas estruturas dos pontos de pesca.
Esses progressos tiveram grande implicação no sistema de pesca, na medida
em que impuseram restrições ao acesso à atividade, controlando assim o esforço de
pesca, sabidamente elevado, na área do reservatório. Entre as limitações ao ingresso
de novos pescadores destaca-se a necessidade de investimento inicial para o uso
dos pontos de pesca e acampamentos, visto que os custos para a implantação da
rede de energia elétrica e manutenção foram divididos pelos usuários, sendo
requerido dos novos pescadores o pagamento de uma taxa de adesão de valor
variável, dependendo das benfeitorias do acampamento.
Segundo o mesmo relatório da Itaipu/UEM, existe muita dificuldade entre os
pescadores, de ingressar na área de influência de outra colônia, devido às
benfeitorias conquistadas em sua Colônia, ou ponto de pesca. Isso por que existe
diferenciação entre as residências, barracos, construídos pelos mesmos. Em alguns
pontos são mais bem estruturadas do que outros, ou ainda os pescadores constroem
fora da faixa de proteção determinada pela Itaipu Binacional e não conseguem
vender.
Quanto às condições do trabalho do pescador se mostram insalubres dentro
das embarcações, ou de alguns acampamentos, especialmente, nos locais de
109
evisceração do pescado, o que podem explicar a elevada incidência de doenças da
pele. Os problemas renais, dores musculares e de coluna são os que mais acometem
os pescadores.
Partindo dessa descrição e análise parcial da realidade da pesca no lago, dos
atuais territórios de atuação51, busca-se compreender no momento, a lógica da
extração e produção de peixes, realizadas por pescadores e demais sujeitos
envolvidos com a pesca e, os conflitos políticos de interesses particulares existentes
nesse processo.
3.2 Os Conflitos da Pesca no Lago de Itaipu
Sob a perspectiva de uma abordagem territorial da pesca, se faz importante
compreender as questões simbólicas e a materialidade. Assim a lógica econômica da
atividade pesqueira e as esferas da produção são relevantes aspectos da
materialidade do território que merecem destaque, pois o pescador necessita
condições financeiras dignas de vida.
Assim busca-se identificar as principais áreas produtoras do pescado no Lago
de Itaipu em distintas escalas, as estruturas produtivas, o papel que a atividade
exerce na localidade ou região, a distribuição espacial dos pescadores e dos
recursos, as formas de processamento e de consumo do pescado, entre outras
temáticas.
Andrade (1974) e George (1978), dentre outros autores de compêndios de
Geografia Econômica, apontam para a importância da atividade pesqueira enquanto
processo econômico, destacando as diferenciações entre as áreas de pesca e sua
finalidade, os principais recursos e países pesqueiros.
No Lago de Itaipu, a atividade pesqueira assume importância econômica e
social à medida que um contingente significativo de trabalhadores tem na pesca e nas
atividades ligadas ao setor, sua principal ou secundária fonte de renda. Evidente que
não se trata de um dos setores predominantes na economia regional e brasileira,
porém, contribui com sua parte para esse conjunto.
A categoria dos pescadores artesanais do Lago, como de grande parte do
país, é tida como um dos grupos sociais onde predomina uma situação de pobreza,
51
Esse termo faz referência aos pontos de pesca espalhados pelos municípios lindeiros, pertencentes
às várias Colônias de Pesca ou Comunidades pesqueiras do Lago.
110
sendo predominantemente em terra e não na água que as causas dessa situação são
manifestadas, refletindo situações de moradia, saneamento, nutrição, escolaridade e
saúde inadequadas, presentes em grande parte das comunidades pesqueiras.52
A cadeia de intermediação do pescado talvez seja uma das mais longas,
presentes no setor primário. Aliando-se ao fato da perecibilidade do pescado
enquanto mercadoria, esses fatores resultam numa transferência de renda do
pescador para os setores de distribuição e comercialização do pescado. A
inconstância das capturas, inerente à pesca extrativa, compromete também os
rendimentos dos pescadores.
A economia do pescado apresenta vários agentes envolvidos e em conflito:
pescadores, intermediários, peixarias, fábricas de gelo, atacadistas, estabelecimentos
de varejo, processadoras do pescado, indústrias, prefeituras dentre outros. Neste
sentido, pela abordagem de Geografia Econômica do pescado, poder entender as
cadeias e redes de produção do pescado e os conflitos territoriais no Lago de Itaipu,
atentando para o conjunto do processo produtivo e as relações de subordinação ou
cooperação entre os agentes econômicos.
Por isso, a questão da organização da produção pesqueira merece uma
atenção especial. Com a presença de duas formas distintas de produzir: pesca
extrativa e aquicultura, subdivididas por sua vez em estruturas de maior ou menor
concentração de capital, constata-se a partir das discussões anteriores (capítulo 2)
que as políticas pesqueiras atuais priorizam o aumento da produção de peixes, a
aquicultura, deixando a pesca extrativa em segundo plano. Isso afeta o pescador do
Lago de Itaipu.
Esse item propõe compreender de que forma se dá a comercialização do
pescado no lago de Itaipu, especialmente, na Colônia Z11, podendo ocorrer a partir
da extração e venda do pescado, bem como da produção do próprio peixe. Entender
o jogo de interesses existentes, que geram uma série de divergências e envolvem
nesses conflitos territoriais, os sujeitos que fazem uso do lago e da pesca.
3.2.1 Os Conflitos Territoriais da Pesca no Lago de Itaipu
Para existir algum conflito em determinado território é necessário que o
indivíduo sinta-se ligado a ele de alguma forma; que haja interesse particular ou
52
Será abordada no próximo capítulo a realidade socioeconômica dos pescadores do Lago de Itaipu.
111
coletivo, que possua identidade com a comunidade pesqueira. Para Diegues (1998) o
processo de construção da identidade do pescador profissional artesanal, ocorre pela
alteridade e formas como reconhecem seu semelhante; pela reafirmação dos
significados (sentidos partilhados pelo coletivo); e pela afirmação de pertença ao
lugar.
Valencio afirma que: “(...) a identidade repousa na firmação de sua
identidade, do seu direito de estar no lugar e de retirar dele seu provimento, de
entender que sua sobrevivência reside na fruição da multidimensional daquele lugar.”
(2007, p. 30).
Quando há interesses diversos, apropriações diferentes do mesmo território
existem conflitos. No Lago de Itaipu a realidade não é diferente. Convivem
pescadores artesanais profissionais, alguns já aposentados, pescadores amadores e
pescadores clandestinos que usam o mesmo espaço, além disso, a Itaipu acaba
disputando o lago entre a produção de energia e a pesca, além da existência das
atividades turísticas.
Essas disputas pelos recursos pesqueiros contribuem na minimização da
capacidade de reprodução e sobrevivência dos peixes e, que por conseguinte,
comprometem a capacidade da reprodução social pesqueira, os quais estão
diretamente relacionados com as disputas pela água doce e descuido com seu
manuseio no lago.
Os pescadores artesanais profissionais do Lago têm garantido seus direitos
pelo MPA, possuem RGP cadastrado no ministério. Isso permite o uso das águas
sem restrições, desde que obedeça à legislação e às regras da pesca, proibido
somente no período de desova dos peixes. Realizam essa atividade para o sustento
familiar, tanto para subsistência como para a venda do excedente.
A pesca clandestina, embora seja algumas vezes uma atividade de sustento
familiar, é considerada grande atuante da exploração predatória direta dos recursos
pesqueiros, uma vez que exerce práticas similares ao dos pescadores profissionais
artesanais, pois possui o mesmo acesso aos apetrechos de pesca e facilidade em
ocupar o local de pesca do profissional, mas tornando-o competitivo em relação à
obtenção do pescado, adotando estratégias fora das regras, como por exemplo,
malhas pequenas fora da legislação.
A pesca amadora é outra categoria legalmente permitida e explora os
recursos pesqueiros, com fins de lazer e desporte, praticados com linha de mão, vara
112
simples, caniço, molinete ou carretilha e similares, com utilização de iscas naturais e
artificiais. Ainda que sua atividade seja permitida com restrições, em nenhuma
hipótese a pesca amadora pode implicar na comercialização do produto.
O aumento significativo do número de pescadores amadores, atuando em
clubes, em áreas que são exploradas concomitantemente pela pesca artesanal,
prejudica o exercício da profissão do pescador artesanal, uma vez que os amadores
cortam suas redes, roubam seus peixes, desdenham de sua carência e luta cotidiana
pelo fato de gozarem de uma situação financeira mais privilegiada (VALENCIO,
2007). O que é lazer para o pescador amador, é trabalho e meio de vida do pescador
artesanal profissional.
Essa realidade é observada, também, no Lago de Itaipu. Os pescadores
artesanais relatam as dificuldades enfrentadas com a atuação dos pescadores
amadores na época dos torneios e em outros períodos, dos pescadores clandestinos
e dos contrabandistas:
“Esses pescadores clandestinos usam o lago sem cuidado nenhum, não
respeitam a época do defeso, roubam redes e os barracos da gente, eles não
cuidam como a gente. (...) Os amadores tem dinheiro para comprar iscas boas, nos
não, nós temo que produzir. Ele tem um serviço que dá muito dinheiro, o escritório
dele. Nós temo que se virá como dá. Acho que alguém tinha que tomar atitude de
mudar isso, a Itaipu devia fiscalizar mais. Ainda tem os contrabandistas que vivem
passando pelo lago, eles não incomodam por que a gente não incomoda eles, mas
dá medo desses cara, eu evito pesca quando tão lá.”53
A partir do reconhecimento e da identificação com o território, as práticas
desenvolvidas distinguem determinado grupo, criando sua identidade social e
coletiva. A realidade da pesca do Lago revelou também aos poucos uma ou mais
identidades coletivas. As afinidades com o meio ambiente e as percepções
ambientais se desenvolvem ao longo do tempo e, vão garantindo sua permanência e
resistência desse modo de vida.
Outro desafio ou conflito das comunidades pesqueiras do Lago, como na
Colônia Z11, consiste em delimitar o acesso aos espaços e aos recursos diante de
um ambiente imprevisível, teoricamente considerado de livre acesso. Imprevisível,
pois, o fechamento das comportas da Usina de Itaipu, para o aumento da produção
de energia elétrica, ou a escassez de chuvas, ocasiona o rebaixamento do lago, o
que na época da desova (ou piracema, entre os meses novembro a fevereiro)
53
Entrevista Cedida pelo pescador CLP em 20/05/2013.
113
provoca a queda do estoque pesqueiro, porque dificulta a desova. Na figura a seguir
se observa várias fotos que demonstram o leito do Lago baixo na época da desova,
os pescadores avaliando a situação, que dificulta a reprodução dos peixes,
provocando diminuição dos estoques pesqueiros.
Figura 12: Fotos do Rebaixamento das Águas do Lago de Itaipu
Fonte: Pesquisa de Campo - Outubro de 2012.
Percebe-se nesse espaço lagunar, que se destacam situações paradoxais,
expressas através da tensão existente entre a competição e a cooperação. Os
114
conflitos passam a ocorrer a partir das disputas por recursos entre os pescadores,
exigindo perspicácia e experiência e, entre os gestores (ITAIPU, MPA), quando
rebaixam o lago ou quando mudam as normas da pesca.
Buscou-se compreender os fatores que levam a clandestinidade dos
pescadores no Lago, que não ocorre em grande número na Colônia Z11 (pelo menos
dez), mas somado ao lago como um todo é um fenômeno mais expressivo. Através
dos relatos dos pescadores profissionais e do trabalho de campo percebe-se que a
existência destes está atrelada principalmente ao fato de ser cobrado mensalidade
pelas colônias e associações (algumas mais abusivas que outras), também por terem
que pagar valores absurdos para renovar as carteiras de pescador.
Disso tem se a constatação que para ser considerado pescador artesanal no
Lago de Itaipu é necessário possuir registro. Porém existem pescadores que não
possuem o registro e que não deixam de ser pescadores artesanais, pois se
identificam como pescadores e vivem como um. Mas esse pescador é totalmente
invisível para o governo, para a sociedade e sobretudo para os próprios pescadores
cadastrados, que os querem longe do Lago por não pagarem os “deveres”.
Outros conflitos de interesses no território da pesca aparecerão no próximo
item a ser discutido, como a problemática das condições de comercialização da
pesca como meio de sobrevivência para quem a pratica e, a atuação de agentes
políticos e dos pescadores nesse processo.
3.3 O Processo de Produção, Criação e Venda do Pescado e suas Interfaces no
Lago de Itaipu e na Colônia Z11
Como apontado as políticas públicas trazem um caráter ideológico de
justificativas dos projetos criados, enfatizando a importância do pescador e da pesca
na economia nacional, porém, demonstram muitas vezes que não vão ao encontro
das reais necessidades dos pescadores, essas políticas demagogas manipulam os
resultados conforme o interesse de grupos seletos, o governo e empresários. Muitas
ainda priorizam apenas a criação de peixes: aquicultura.
A Itaipu Binacional, devido a escassez de peixes nas aguas do reservatório,
vem incentivando o cultivo de peixes em tanques-rede, através do programa “Mais
peixe em nossas Águas”, pelo projeto Cultivando Água Boa. Segundo o discurso do
115
projeto tem o objetivo de proporcionar uma fonte de renda aos pescadores e suas
famílias de forma sustentável.
O Programa Cultivando Água Boa
(CAB) é uma ampla iniciativa
socioambiental concebida a partir da mudança na missão institucional da Itaipu
Binacional, promovida em 2003. Trata-se de uma estratégia local para o
enfrentamento dos problemas relacionados à água e seus usos múltiplos (a produção
de alimentos e de energia, o abastecimento público, o lazer e o turismo), problemas
estes que a própria Itaipu foi responsável no momento da criação do Lago artificial,
consequência da barragem.
Na verdade, esse programa é uma iniciativa para conservar as margens do
Lago evitando a erosão que acabaria com a vida útil do reservatório, isso se torna
fundamental para a Itaipu, que busca incansavelmente alcançar os novos objetivos
estratégicos para a empresa. No discurso ideológico se propõe a alcançar objetivos
ligados à sustentabilidade socioambiental (para conscientizar a sociedade), mas
busca excelência/eficácia operacional principalmente na geração/distribuição de
energia. “Gerar energia elétrica de qualidade, com responsabilidade social e
ambiental, impulsionando o desenvolvimento econômico, turístico e tecnológico,
sustentável, no Brasil e no Paraguai” (ITAIPU BINACIONAL, 2003).
No CAB são desenvolvidos 20 programas e 65 ações que vão desde a
recuperação de microbacias, a proteção das matas ciliares e da biodiversidade, até a
disseminação de valores e saberes que contribuem para a formação de cidadãos
dentro da concepção da ética do cuidado e do respeito com o meio ambiente.
O CAB é um movimento de participação permanente, que envolve a atuação
de aproximadamente dois mil parceiros, dentre órgãos governamentais, ONGs,
instituições de ensino, cooperativas, associações comunitárias e empresas.
Interessante ponderar que a Itaipu usou uma estratégia muito inteligente, envolvendo
a sociedade e demais segmentos em prol dos objetivos, assim se tornam
responsáveis e cuidadores do Lago para a empresa.
Dentre os vários programas do CAB existe o programa “Mais Peixes em
Nossas Águas” que no discurso busca melhoria na qualidade de vida para diversas
comunidades pesqueiras da região da Bacia do Paraná 3, fazendo da aquicultura
uma alternativa de renda para muitas das famílias do entorno do Lago. Muitos
pescadores, que viam sua atividade se deteriorar a cada ano, passaram a fazer,
116
também, o cultivo de peixes, o que tem aumentado o volume pescado e,
consequentemente, a renda mensal (CULTIVANDO ÁGUA BOA, 2013).
Segundo a Itaipu, muitas foram as ações que beneficiaram os pescadores,
como:
•Compatibilização da faixa de preservação permanente que protege
as margens do reservatório com a atividade pesqueira, o programa
obteve o devido licenciamento junto ao IBAMA. São 63 pontos de
pesca licenciados;
•Disponibilização de mais de 500 tanques-rede às colônias de
pescadores para o cultivo de peixes (piscicultura), juntamente com um
trabalho de capacitação e orientação técnica.
•Produção de mais de 50 mil peixes juvenis da espécie pacu, para
povoamento dos tanques-rede.
•Capacitação de mais de 650 pescadores e suas famílias.
•Edição e distribuição de mais de 2 mil exemplares da cartilha Boas
Práticas de Manejo em Aquicultura.
•Demarcação e licenciamento de três parques aquícolas, que juntos
têm potencial para produzir mais de 6 mil toneladas de peixe por ano.
•Estruturação e manutenção de uma estação de pesquisa com 70
tanques-rede no Refúgio Biológico Santa Helena, por meio de um
convênio entre Itaipu, Universidade Estadual do Oeste do Paraná
(Unioeste – campus de Toledo) e a Seap.
•Adequação de 15 pontos de pesca com módulo de uso coletivo, com
o objetivo de proporcionar melhores condições de higiene e limpeza
para o manejo do pescado. As prefeituras participaram com a
instalação da rede de água, enquanto a energia elétrica foi viabilizada
pelo programa Luz para Todos, do Governo Federal.54
Embora o programa demonstre inúmeros resultados positivos na visão da
Itaipu, principalmente aqueles ligados a aquicultura, muitos pescadores relataram que
a realidade é outra, ao adotar essa prática de criação de peixes, ficaram
impossibilitados de praticar a pesca extrativista como anteriormente, pois a criação
exigia muito tempo e ainda possui custo alto de rações. Além disso, o projeto foi
imposto sem discussão e aprovação dos pescadores. “A Itaipu ajudaria os
pescadores de verdade se soltasse mais alevinos no lago e, se não baixassem as
águas, parece que sempre baixa na piracema, quando o peixe se reproduz” diz o
pescador SP. Apesar de todo o estudo de viabilização do projeto realizado pela Itaipu,
os pescadores relataram participar por falta de opção e de renda na pesca extrativa.
Ainda é importante ponderar que é de interesse da Itaipu promover projetos
aos pescadores artesanais, pois estes se tornam “cuidadores do Lago” pois precisam
do recurso para sobreviverem. Passam a exercer uma função estratégica a Itaipu,
54
CULTIVANDO Água Boa. Disponível em: <http://www.cultivandoaguaboa.com.br/>. Acesso em: 21
dez. 2013.
117
que aplica um discurso que é dever e função social dos pescadores e população
ribeirinha cuidar do meio que vivem, evitando desmatamento, poluição de rios etc.
A Itaipu, com suas práticas, segue com o discurso e tenta mostrar sua
preocupação com a preservação do meio-ambiente e a solução de problemas sociais
da pesca:
Nesse contexto, surgiram dentro da Itaipu políticas voltadas à
sustentabilidade da atividade da pesca na Bacia do Paraná 3. Essas
ações foram incorporadas ao ‘Cultivando Água Boa’, no programa
produção de ‘Peixes em Nossas Águas’. A grande inovação foi
apresentar aos pescadores o processo de cultivo de peixes, uma
alternativa sustentável à pesca extrativista. A implantação do
programa iniciou pelo diálogo com as famílias de pescadores (...). Por
meio de parcerias e convênios, tiveram início atividades de pesquisa
na área de aquicultura e capacitação de pescadores e produtores para
o manejo de peixes. (...) É um programa que promove a inclusão
social, valoriza os pescadores e melhora a qualidade de vida daqueles
que tiram o sustento das águas. “De quebra a população toda da
região passou a contar com maior produção pesqueira” (destaque
nosso) o que tornou esse importante alimento, de alto valor nutritivo,
mais acessível aos consumidores.55
Constata-se aqui a preocupação com a causa dos pescadores, mas aliada ao
aumento da produção e consumo do pescado, indicando que o projeto tanque-rede
está inserido numa dinâmica industrial capitalista. Portanto, os objetivos da estatal
visam promover a industrialização do pescado na região, diferente dos objetivos
publicados no site da Itaipu:
Assim surgiu o projeto que busca promover a inclusão social, o resgate
e a valorização da categoria dos pescadores. Busca proporcionar
também melhor qualidade de vida aos pescadores, assentados,
pequenos produtores e comunidades indígenas, diminuir o esforço da
pesca no reservatório, aumentar a produção pesqueira, promover o
desenvolvimento sustentável da aquicultura e piscicultura da BP3(Bacia
do Paraná 3).56
Os pescadores relatam que existem pressões políticas, em especial, as
oriundas da Itaipu, cujas orientações de seu plano produtivo desprezam a forma de
trabalho do pescador artesanal profissional, desqualificando seu modo de trabalho seja nas formas de relações de trabalho, captura ou manejo – e induzindo-o a
enquadrar-se na ocupação de aquicultor.
55CULTIVANDO
Água Boa. Disponível em: <http://www.cultivandoaguaboa.com.br/>. Acesso em: 21
dez. 2013.
56 MAIS Peixes em Nossas Águas. Disponível em: http://www.itaipu.gov.br/meioambiente/mais-peixesem-nossas-aguas>. Acesso em: 11 maio 2013.
118
Reconhecidas como legítimas, as institucionalidades da pesca produzem
publicamente uma nova imagem de sociabilidade, nos seus recortes econômicos e
políticos fazendo reconhecer e aprovar sua visão de progresso. Assim tentam
desfazer, portanto, não só os conflitos dos usos do território, mas também, aqueles
dos usos tradicionais, sendo, esses últimos, os que têm no recurso uma centralidade
no fazer cotidiano de uma identidade coletiva.
Fica evidente a fragilidade da pesca extrativista, que tenta sobreviver no Lago
de Itaipu, pois os esforços estão centrados na aquicultura. Mesmo frente às
investidas da Itaipu pela produção de peixe (aquicultura), que revela um novo foco de
modernização na pesca e, talvez, uma violência simbólica contra os pescadores e
seu modo de vida, estes tentam manter os traços tradicionais da pesca e as relações
intergrupo. Ficou explícito em muitas entrevistas e relatos, que os pescadores
preferiam pescar, extrair do Lago seu sustento, porém pela instabilidade do estoque é
preciso criar meios para sobreviver como os tanques-rede. A figura 13 apresenta uma
foto que mostra os tanques-rede no lago, devido à falta de pescado no reservatório,
os pescadores acabam obrigados a desenvolver a atividade.
Figura 13: Tanques-rede no Lago de Itaipu
Fonte: Pesquisa de Campo, 2012.
119
Toda essa lógica de extração e produção de peixes está ligada ao processo
de comercialização, que se analisa a partir de agora. Para essa análise foram
utilizadas as informações colhidas durante as observações e entrevistas, além de
levantamentos de outros estudos sobre a pesca no reservatório e, o relatório da
UEM/NUPÉLIA/ITAIPU.
Segundo o SEBRAE, o processo de criação e industrialização do pescado
teve início no Estado do Paraná: “O Estado pioneiro foi o Paraná, que imprimiu um
ritmo empresarial à atividade, estruturando a produção. Começaram a surgir os
primeiros frigoríficos específicos para o beneficiamento da tilápia, nos municípios de
Toledo e Assis Chateaubriand”.57
Segundo Sanfelice (2012) existem sete (7) frigoríficos em funcionamento na
Mesorregião Oeste e, o peixe mais produzido para o abate é a tilápia. Segundo
levantamento realizado, o pescado abatido nos frigoríficos é fruto da atividade
criatória de tanque-rede e tanque-terra (escavado) e não da pesca extrativista, como
é o caso de São Miguel do Iguaçu, que utiliza a mão de obra dos pequenos
agricultores, produtores de peixe em açudes, além dos pescadores artesanais que se
dedicam à criação de peixes em açudes. Nesse município ainda existe a
transformação do peixe pacu em polpa, destinado para a merenda escolar:
A produção de polpa de pacu deriva da produção/cultivo de peixes
pacus em tanque-rede, no Lago de Itaipu. São produtores, pescadores
e piscicultores cadastrados no Programa Nacional de Fortalecimento à
Agricultura Familiar (Pronaf), pelas Colônias e Associações dos
Municípios Lindeiros. Os mentores estão em conversação com os
prefeitos para que o produto seja incluído definitivamente na merenda
das escolas.58
Na figura a seguir se destaca a localização desses frigoríficos.
57
SEBRAE. Disponível em: http: <//www.biblioteca.sebrae.com.br/bdsBDS.nsf/pdf>. Acesso em: 13
maio 2013.
58
PISCICULTORES
colocam
no
mercado
a
polpa
do
pacu.
Disponível
em:
<http://www.opresente.com.br/geral/piscicultores-colocam-no-mercado-a-polpa-do-pacu-5114/>.
Acesso em: 5 ago. 2012.
120
Figura 14: Localização dos Municípios que Possuem Frigoríficos de Peixe na
Mesorregião Oeste do Paraná
Fonte: SANFELICE (2012, p. 138)
Esse modelo de produção (tanques-rede) projetado pela Itaipu traz consigo
uma série de problemas. Segundo relato dos pescadores a criação do pacu em
tanques-rede não foi bem sucedida, os resultados não agradam devido à conversão
(engorda) de o peixe ser baixa e, devido ao fato deste possuir muito espinho, o que
dificulta a venda. A espécie de peixe tilápia seria melhor opção financeira, em função de
uma rápida e intensa conversão alimentar.
Para Sanfelice (2012) e segundo dono do frigorífico de peixes São Miguel, a
demanda dos frigoríficos prioriza a criação e produção de peixe, não oportunizando a
pesca extrativa do Lago de Itaipu, pois esta não é capaz de manter um estoque fixo e
constante de pescado, devido à instabilidade do recurso. Quando mencionado a
possibilidade da formação de cooperativas para criação de peixe pelos pescadores
artesanais do lago, o dono do frigorífico relatou que é uma característica pouco
comum, sem resultados relevantes na região e que isso não possibilitaria a venda do
pescado, pois a especialidade do frigorífico é o peixe tilápia.
121
Em entrevista, a maioria dos pescadores demonstrou insatisfação com a
produção de pacu em tanques-rede, o que causou a desistência dessa produção.
Isso pode ser percebido no relato do pescador da Colônia Z11.
“Olha eu tive tanque rede, mas eu gastava tudo em comida. Tive que pegar
dinheiro emprestado para paga ração e comida, era todo dia cozinhar a lavagem
deles e levar lá, ai nem dava tempo de pescar no lago. Quando vendi o peixe, que
muitos nem gostam, faltou o dinheiro que emprestei...acredita...Eu nem quero mais
tanque rede, só se fosse de tilápia, que os cara da Itaipu falaram que ele come
menos e engorda mais.”59
Para os pescadores a melhor opção seria criar a tilápia, porém, por se tratar
de uma espécie exótica, não é permitida no Lago. Existe um tratado bilateral entre os
países, Brasil e Paraguai, tendo como meta preservar as espécies nativas, a tilápia é
considerada um peixe invasor, mas já é facilmente encontrada em praticamente todas as
regiões do reservatório. “Eu costumo capturar tilápias por todo o lago nas minhas
pescarias, ela está solta por aí já e, não prejudica as outras espécies”, diz o pescador
JLF.
Em entrevista com o Superintendente do Meio Ambiente da Itaipu Jair Kotz, fica
evidente que existem vários fatores convergindo para que um antigo anseio de
pescadores de municípios lindeiros ao lago de Itaipu se concretize. Líderes paraguaios,
ligados à Itaipu e também ao Ministério da Agricultura, manifestam-se a favor da criação
de tilápias pelo sistema de tanques-rede em áreas do reservatório. A reivindicação dos
pescadores é antiga e o projeto não avançava justamente em função de entraves que
estariam do lado paraguaio.
Embora confirme o aceno favorável de autoridades paraguaias ao projeto, Jair
Kotz observa que a autorização definitiva precisa passar por estudos e análises técnicas,
bem como pela aprovação formal dos respectivos ministérios e dos órgãos ambientais
dos dois países. “Demos mais um passo sim pela engorda de tilápias em tanque no lago,
no entanto outras fases precisarão ser enfrentadas”, conforme Jair, que se diz um otimista
quanto à materialização do projeto.
Todas as Colônias de Pescadores do lago realizaram um abaixo assinado, já
entregue a autoridades, que pede liberação e pressa na implantação do sistema de
tanque-rede. Foi entregue em 19 de março de 2013 no encontro intitulado 1º Workshop
de Tilapicultura em Tanque-rede da Bacia do Rio Paraná, ao diretor geral da Itaipu
Jorge Sameck, responsável em encaminhar ao governo federal exigindo uma solução
59
Entrevista cedida pelo pescador TH em 22/05/2013.
122
para a questão60. Essa passa a ser uma questão fundamental à sobrevivência das
famílias de pescadores que dependem do lago de Itaipu.
Segundo o presidente da Colônia de Pescadores Z11, Adilson Borges agora é
preciso mobilizar nossos líderes, principalmente, parlamentares, para assegurar essa
nova possibilidade de trabalho na região lindeira.
A luta dos pescadores de engorda de tilápia pelo sistema de tanque tem cerca de
dez anos, mas foi amadurecida, principalmente, nos últimos três. Todos os presidentes
das Colônias aprovam o projeto, Flávio Kabroski de Foz do Iguaçu, relata que:
“[...] diante da necessidade crescente de produção de alimentos, principalmente
peixe, é incoerente manter uma estrutura desse tamanho desprezada. A atividade de
produção de Tilápia, com o devido suporte dos agentes técnicos e ambientais envolvidos,
valorizaria famílias de pescadores tão sofridas e acostumadas a pouco, além disso
haveria menor pressão de captura aos peixes nativos e, com isso, seria criado aos
poucos um mecanismo de proteção e de gradativa elevação do número de exemplares
nativos, para que os pescadores continuassem a extrair também o peixe.”
O futuro da produção pesqueira no Lago de Itaipu e em São Miguel do
Iguaçu, é discutido constantemente pelos pescadores, Itaipu e Conselho de
Desenvolvimento dos Municípios Lindeiros ao Lago de Itaipu61. Analisado o circuito
de produção e venda do pescado, ficam explícitos muitos problemas. Além da
questão da necessidade de mudar a espécie produzida em tanque rede, é preciso
adequar os 15 módulos de manejo primário do pescado construídos pela Itaipu.
Estes módulos não estão sendo devidamente utilizados pela falta de
proximidade da gestão pública municipal com a atividade da pesca. As prefeituras
60
No texto do Jornal O Paraná: Território da pesca no Lago de Itaipu (Cascavel-PR, p. A2 - A2, 04 abr.
2013), relata essa situação da pesca no Lago de Itaipu.
61 Foi fundado em Santa Helena em 1990 descrito como pessoa jurídica, de direito privado, sem fins
lucrativos, exercendo sua atividade com autonomia administrativa e financeira. São membros do
Conselho as cidades de Mundo Novo – MS, Guaíra, Marechal Candido Rondon, Santa Helena, Missal,
São Miguel do Iguaçu, Medianeira, Santa Terezinha de Itaipu, Diamante D'Oeste, Terra Roxa e Foz do
Iguaçu, mais tarde, após processo de emancipação política, ingressaram na associação também, os
municípios de Mercedes, Pato Bragado, Entre Rios do Oeste, São José das Palmeiras e Itaipulândia.
Formado por representantes das Prefeituras Municipais, Câmaras de vereadores e Associações
Comerciais dos dezesseis municípios lindeiros, o Conselho surgiu devido à necessidade que se
apresentava nestes municípios, que viviam a expectativa dos royalties, de um órgão que os
representasse. Pois, embora existisse a AMOP - Associação dos Municípios do Oeste do Paraná,
havia a necessidade de uma organização que defendesse especificamente os interesses dessa região
ribeirinha, por isso, representantes desses três segmentos se reuniram juntamente com outras
autoridades da região e da Itaipu Binacional, formando o Conselho. O Conselho de Desenvolvimento
dos Municípios Lindeiros ao Lago de Itaipu tem por finalidade promover o desenvolvimento sócioeconômico urbano e rural de toda a região de forma integrada, respeitando as diferentes
características de cada município, contando sempre com a parceria da Itaipu Binacional.
123
precisam dar certificação do produto via Vigilância Sanitária e isso não está
acontecendo.
A Itaipu buscou alternativas e fomos atrás de uma máquina que
desossa o peixe. Vários municípios já estão incluindo essa polpa do
peixe desossado no cardápio da merenda escolar, mas isso não é
suficiente. É preciso uma política local para que tenha essa carne do
peixe na merenda. Estamos conseguindo aos poucos convencer
várias prefeituras pela inclusão do peixe62.
Segundo a Itaipu, o objetivo do tanque-rede é proporcionar condição de
complementação de renda para os pescadores através de uma alternativa de cultivo
de peixe. Entretanto, se o produtor não tiver para quem vender a sua produção, esta
será inviável.
Temos aqui uma área potencialmente produtiva no reservatório, que
possui uma das melhores qualidades de água do Brasil. Só para
registrar, na pesca extrativa o reservatório de Itaipu tem uma das
maiores produções: de oito a dez quilos de pescado por hectare/ano.
Isso é uma das maiores produções naturais em reservatório no Brasil.
Mas a quantidade de extração é cada vez maior e temos que, na
comunidade, digerir essa questão da venda de Tilápia. A cadeia
produtiva não tem sequência para o pacu, que é o peixe produzido em
tanque-rede. Os frigoríficos da região, juntos estão abatendo hoje em
torno de 60 toneladas de tilápia por dia. Estes empreendimentos não
estão voltados para outro tipo de peixe. Segundo o Ministro da Pesca
Marcelo Crivella se a tilápia fosse liberada, a produção poderia
aumentar significativamente: de 1,2 mil toneladas para mais de 100
mil toneladas de peixe anualmente63.
A Tilápia em tanque-rede possui grande vantagem, além de ter um mercado
mundial já cativo, o filé praticamente não tem espinhas em comparação com o pacu.
Isso faz com que não haja restrição de consumo.
Atualmente a comercialização do pescado extraído e criado é um problema,
seria importante que existisse um sistema de vigilância sanitária único na região para
que os produtores possam comercializar sua produção certificada para qualquer
lugar, pois a produção do lago satura os municípios lindeiros.
Não existindo comercialização certificada para o peixe, resta a pesca
extrativista um circuito de comercialização bem pequeno se comparado à aquicultura
da região. O pescador artesanal se torna responsável por todo o processo de venda
62
63
Relato de Irineu Motter Gestor do Projeto Tanque-rede.
Relato de Irineu Motter Gestor do Projeto Tanque-rede.
124
do pescado na grande maioria das vezes, ou se submete a intermediários que
acabam explorando-o. Como é possível perceber no relato da pescadora da Colônia
Z11:
“A Itaipu construiu os pontos de abate, mas o problema que não existe o SIM
do município. Por isso temos que nos vira limpa e para vender o peixe. Seria tão
bom poder usar a construção que tem no ponto de pesca. As vezes vendemos na
cidade ou o pessoal vem buscar, mas as vezes a gente vende pra alguém que vai
vender depois bem mais caro...nosso lucro fica pra essa pessoa.”64
O relatório da Itaipu/UEM (2011) menciona que atualmente as etapas
envolvidas na comercialização do pescado desembarcado no reservatório de Itaipu
apresentam marcantes variações, tanto no número de intermediários, entre o
pescador e o consumidor, como na importância que cada sujeito representa no
processo (volume comercializado).
Primeiramente, é relevante considerar que o consumo de pescado entre os
pescadores e seus familiares é muito frequente. Todos se valem do pescado em suas
refeições, pelo menos uma vez por semana. O pescado destinado à alimentação dos
pescadores e familiares pertence a categorias variadas, porém, sempre de baixo
valor comercial.
O pescador comercializa a maior parte da produção com os atravessadores 65;
já os peixeiros66 tiveram maior importância no comércio do pescado, em anos
anteriores. Com a redução nas capturas e a maior capacidade de conservação do
pescado pelos próprios pescadores, além dos melhores valores obtidos nas vendas a
varejo para a população ribeirinha, a importância dos intermediários vem reduzindo.
Recentemente, somente a Colônia de Pescadores Nossa Senhora dos
Navegantes, em Santa Helena, continua a adquirir o pescado dos seus pescadores
para vendê-lo. Outras tiveram importante papel na comercialização do pescado da
região, entre elas as colônias de Guaíra, Marechal Cândido Rondon e Foz do Iguaçu.
Em contrapartida, a venda para bares e mercados aumentou, nos anos
recentes. As vendas são, sobretudo, para estabelecimentos comerciais localizados
próximos às praias artificiais do reservatório de Itaipu e dos “pesque e pague”. Neste
64
Entrevista cedida pelo pescador MJS em 30/04/2013.
Atravessador se refere ao indivíduo que compra o pescado do lago e revende na cidade.
66Peixeiro: termo que se refere a pessoa física ou jurídica, que geralmente reside em vilarejos ou
cidades próximas ao reservatório. Percorre sua área de comercialização duas ou três vezes por
semana, levando gelo, combustível e, em muitos casos, a cesta básica semanal do pescador,
retornando com o pescado.
65
125
último caso, a comercialização envolve, especialmente, juvenis capturados vivos de
espécies com interesse comercial.
Para o relatório da Itaipu/UEM (2011) a venda direta aos consumidores,
denominada “picado”, é realizada pelos pescadores que têm sua moradia no
perímetro urbano ou nas vilas, sendo mais frequente nas cidades de Guaíra e Santa
Helena. O pescador atua como vendedor ambulante, percorrendo o trajeto de
bicicleta. Alguns colocam anúncio em frente a sua casa, realizando as vendas em seu
próprio domicílio (Veja na foto a seguir).
Figura 15: Foto de Anúncios de Venda de Pescado em frente as Casas de
Pescadores
Fonte: Pesquisa de Campo – março de 2013.
É frequente, também, a venda nos pontos de desembarque, característico
também em São Miguel do Iguaçu. Os pescadores retiram o pescado do lago e
limpam-no, enquanto os compradores aguardam, como se vê nas fotos:
126
Figura 16: Fotos de Pescadores Limpando e Vendendo Peixe
Fonte: Pesquisa de Campo - 2010.
Outro aspecto importante se refere aos cuidados com a aparência e o tipo do
pescado desembarcado, este é classificado, para efeitos de comercialização, em seis
categorias,
incluindo
uma
denominada
“refugo”,
não
comercializada.
Essa
classificação é feita com base na aceitação da espécie no mercado consumidor e no
tamanho do exemplar. Assim, certa espécie, com grande valor comercial, pode ser
classificada em qualquer uma das categorias, dependendo do porte. O aspecto do
pescado na hora da comercialização pode depreciar o produto. Exemplares
danificados por mordidas de piranhas normalmente são recusados ou comprados
com valor inferior.
A comercialização na atividade extrativista é realizada com o pescado
congelado, conservado em gelo ou a fresco, nessa ordem de importância. A
127
comercialização
de
peixes
in
natura
correspondeu
a
20,3%
do
pescado
comercializado em 2009 (Itaipu/UEM, 2011).
Entretanto, a comercialização a fresco dos armados é um procedimento muito
comum, especialmente na zona fluvial, onde a espécie é mais abundante. Isso é
possível pelo fato de as capturas serem mantidas vivas em viveiros ou “sangas” até a
chegada do peixeiro, quando os peixes são abatidos e comercializados.
A pesca na Colônia Z11 está com os circuitos de comercialização
fragilizados, pela escassez de peixe, pela inviável criação de pacu, pelo abandono do
poder público municipal, por não fornecer o SIM (Sistema de Inspeção Municipal),
impossibilitando o consumo na merenda escolar e a venda no comércio local de
forma regularizada.
Embora o município tenha um frigorífico de peixes, não existe convênio com
pescadores, devido a pouca expressividade de pescado e pela espécie inadequada
(pacu) que se cria em tanque rede. Observam-se nos mercados locais peixes
oriundos de outros lugares, enquanto poderia ser vendido o peixe do Lago de Itaipu
se estivesse regularizada a venda.
O descaso dos gestores políticos no município é notável. Após entrevista
realizada com Vereador Nilton Wernke e o Secretário de Agricultura NacletoTres
constatou-se a falta de projetos e políticas de apoio aos pescadores. Ambos
relataram a importância do pescador para o município, “os pescadores geram renda
para nosso município, extraem e produzem peixe para nossa alimentação, temos
orgulho deles” relata Nacleto. Porém não existe apoio efetivo dos gestores, uma fez
que consideram a Itaipu responsável pelo pescador: “a Itaipu possui projetos para
melhorar a vida do pescador, nós fazemos o que podemos”, diz o vereador.
A partir do contato com a diretoria da colônia, foi relatado que há atuação de
muitos políticos, vereadores e empresários locais, mas em determinadas situações,
principalmente em época de eleição, sem efetivar qualquer projeto.
Como relatado por uma pescadora ao indagá-la sobre a atuação dos políticos
locais:
“Olha eles aparecem na política de eleição e quando algum pescador quer se
registrar como profissional, ou renovar a carteira...ajudam com a papelada e depois
pedem voto. Agora fazer algum projeto ou ajudar a gente a vender para o frigorífico
isso não fazem.”67
67
Entrevista cedida pela pescadora NF em1º/06/2013.
128
Esse convívio apresenta a existência dos poderes locais na organização do
movimento, principalmente, vereadores, demonstrando não apenas interesses
individuais como políticos e assistencialistas, quando o pescador precisa encaminhar
seu seguro desemprego.
Sendo a política importante na compreensão das particularidades do território
e da gestão pesqueira, a geografia política contribui para isso. Para Castro (2005, p.
37) “A geografia política, como uma das suas divisões, cabe refletir sobre as questões
colocadas pelas dimensões inerentes às relações entre a política-controle dos
conflitos de interesses, decisões e ações - e o território - base material e simbólica do
cotidiano social.”
Em contrapartida ao descaso, observa-se na Colônia Z11 a evolução das
ações organizacionais do grupo de pescadores, que se constitui em 180 pescadores
cadastrados, buscam melhorias nas condições econômicas. Para isso, se reúnem
mensalmente, para discutir os problemas e entraves da pesca, organizam reuniões
com outras colônias e representantes da Itaipu, entidades e sindicatos participam de
movimentos/manifestações e abaixo-assinados.
Sobre os movimentos sociais, de acordo com DANIEL (1988, p. 31): “O que
define as condições de existência de movimentos sociais não é o nível de pobreza,
mas a consciência de uma necessidade. A despeito disso, é preciso que essa
necessidade também possua sua base material.”
A Colônia Z11 enquanto entidade representativa dos pescadores apresenta
uma pluralidade de associados, onde se encontra pescadores que possuem outras
profissões, comerciantes e, principalmente, agricultores. Mas é possível a convivência
e a colaboração de todos a partir de suas aptidões.
Os interesses de grupos ou indivíduos se expressam quando adotam um
discurso, exprimindo seus anseios a partir da efetiva participação em reuniões,
conversas, seminários e, principalmente, nas assembleias gerais, em que os
pescadores buscam exercer sua cidadania, seus direitos em busca de novas
alternativas de renda.
A Colônia Z11 conseguiu elaborar seu estatuto social próprio em 2003,
aproximando o seu regimento à realidade da pesca do município. Esta iniciativa
fortaleceu o poder de ação dos pescadores a partir do momento em que eles
próprios, utilizando-se do discurso da autonomia, redigiram suas normas de direitos e
deveres para com a categoria dos trabalhadores na pesca, em todo o município.
129
Assim, demonstrando a gestão pública e política na colônia de pescadores,
outro elemento que merece destaque, é o poder local: Entende-se por poder local
segundo DOWBOR (1999) a composição de forças, ações e expressões
organizativas no nível da comunidade, do município ou da micro-região, que
contribuem para satisfazer as necessidades, interesses e aspirações da população
local, para a melhoria de suas condições de vida: econômicas, sociais, culturais,
políticas.
Para TEIXEIRA (2002), existem duas formas de poder local no país: os
municípios (a forma mais característica e antiga de administração local) e as
freguesias, estas se constituem como pessoas coletivas territoriais dotadas de órgãos
representativos.
As relações do poder local com o Estado têm várias vertentes, de entre as
quais se destacam as seguintes: - o poder local e o poder central cooperam na
resolução dos problemas das populações - de forma coordenada, partilham o esforço
administrativo e financeiro. O poder central do Estado distribui verbas às freguesias e,
por outro lado, fiscaliza o cumprimento da lei, o poder local, democraticamente eleito,
tem a autonomia administrativa e representa as populações perante o Estado,
fazendo-lhe chegar os seus problemas e reivindicações.
Assim, percebe-se a atuação dos poderes no Lago de Itaipu e na Colônia
Z11. O poder centralizador do Estado, por exemplo, atua através de vários órgãos:
O IBAMA, enquanto órgão de gerenciamento da pesca realiza visita às
colônias, orientando e, principalmente, fiscalizando os pescadores.
O Banco do Brasil, através de financiamentos de equipamentos de pesca
através do PRONAF- Pesca (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura
Familiar).
O MPA, a partir de suas normas e leis.
A Itaipu e as Universidades atuam como parceiras na pesquisa e efetivação
dos projetos, também, como principal colaboradora em eventos e auxílio aos
pescadores, como tanques-rede e, áreas para abate de peixes nos pontos de pesca,
pela melhoria da qualidade de vida dos pescadores, diminuindo o esforço de pesca
através da criação de peixe e priorizando a produção pesqueira.
O poder local da Colônia é mediado pela sua diretoria, tendo um presidente,
um tesoureiro, uma secretária e os conselheiros. Na condição de direção, aqueles
130
profissionais da pesca, têm papel fundamental a desempenhar para garantir o êxito
da gestão e lutar por melhorias.
Os pescadores reivindicam de sua diretoria a luta pela concessão de
benefícios previdenciários e melhorias, como por exemplo, o seguro desemprego que
já é uma realidade, que contempla aos pescadores um salário mínimo mensal, no
período da piracema em que é proibida a pesca, para a procriação das espécies.
A convivência entre os pescadores é indispensável para a geração do poder
local. Uma das grandes dificuldades percebidas nas reuniões na colônia de
pescadores do município de São Miguel do Iguaçu é a renúncia ao poder. Muitos
pescadores isolam-se, deixam de participar da vida política de sua unidade de
representação, não comparecem às reuniões, parecem viver no anonimato. Embora
outros façam essa prática muito bem.
A atuação política no âmbito local é fragilizada quando se analisa essa
colônia de pesca, sobretudo devido à falta de meios de capacitação e de recursos
materiais, mas esse grupo vem em busca do amadurecimento político. Com essa
ideia corrobora SILVA (2008, p.70): “Os grupos, entretanto, tendem a atuar de
maneira relativa, mas não completamente autônoma, já que se articula em partidos
políticos, entidades de classe e/ou associações para ganharem legitimidade”.
Enquanto espaço de discussão e de orientações políticas, a colônia de pesca
tem apresentado um vasto campo para de lutas políticas dos pescadores e
demonstração do poder local.
Esta tipo de atuação está presente no cotidiano da Colônia Z11, quando, por
exemplo, promove palestras, encontros, reuniões e, quando analisa e discute as
ações das entidades representantes da pesca.
Enfim, a colônia é composta por pescadores que de um modo geral,
participam das atividades voltadas para o amadurecimento da consciência crítica da
realidade e lutam por seus direitos. Porém, quando existem eleições os pescadores
têm receio de participar da diretoria e demonstrar sua maneira de gestão.
Constatou-se que existe atuação direta da diretoria para com os órgãos
políticos e empresarias que circulam pela colônia, buscando melhoras na gestão
pesqueira, no modo de vida do pescador, priorizando sua renda e seus costumes.
Percebe-se as pressões políticas, em especial, as oriundas da Itaipu, cujas
orientações de seu plano produtivo desprezam a forma de trabalho do pescador
131
artesanal profissional, desqualificando seu modo de trabalho induzindo-o a
enquadrar-se na ocupação de aquicultor.
Isso demonstra uma realidade nacional presente no Lago de Itaipu, de
fomento à aquicultura e à pesca industrial e, que estaria, “sob um viés produtivista,
legitimado tanto pela necessidade de formalização do emprego dos trabalhadores
que já se encontram nessas atividades, quanto para os pescadores artesanais, que
são levados a enxergá-las como alternativa adequada (geralmente, única) de
emprego e renda” (Valencio et al, 2003, p. 283).
Embora a preferência dos pescadores em extrair o peixe seja explicita,
percebe-se que a maioria acabaria aderindo a ideia de produzir em tanque-rede, se
dedicar também, não exclusivamente, a aquicultura, isso devido à escassez do
pescado. Porém o maior entrave se refere ao tipo de espécie produzida, o pacu traz
prejuízos e inviabiliza a atividade, já a tilápia seria uma espécie de melhor conversão
alimentar e aceitação comercial.
No capítulo seguinte será analisado como os pescadores da Colônia Z11
vivem nessas incertezas da pesca, como sobrevivem e se relacionam.
132
CAPÍTULO IV - O PESCADOR DA COLÔNIA DE PESCA Z11
No presente capítulo se discute a realidade dos pescadores artesanais da
comunidade pesqueira da Colônia Z11, realidade fortemente marcada pela
intervenção do Estado e da Itaipu Binacional, além de provinda de um território
conflituoso, porém com o modo de vida e costumes bem peculiares. Esses
pescadores artesanais são agentes sociais singulares na medida em que suas
interações revelam estruturas simbólicas específicas, isto é, disposições, habilidades,
expectativas e crenças arraigadas e particulares que os ajustam nas regularidades do
mundo.
Para tanto, são apresentados e debatidos os dados das respostas aos
questionários (180 questionários entregues, 124 respondidos), os das entrevistas (em
número de 20) e os das observações realizadas. Obteve-se um universo total de 180
pescadores artesanais em atividade68, pescadores que atuam em quatro pontos de
embarque e desembarque localizados à margem do Lago de Itaipu, como pode ser
visualizado na figura a seguir:
Figura 17: Localização dos Pontos de Embarque e Desembarque da
Comunidade de Pescadores Z11
Fonte: UEM/NUPÉLIA/ITAIPU BINACIONAL, 1999. Google Earth, 2012. Adaptado por
FERREIRA, G. 2013.
68
Os dados foram fornecidos pela Colônia Z11.
133
4.1 A Comunidade de Pescadores Artesanais: Uso e Ocupação do Território da
Pesca
A rápida organização de Associação para Colônia, as diversidades, as
experiências dos pescadores e os conflitos territoriais chamam a atenção para a
Colônia Z11.
Os pescadores da Colônia se vivem na Área 11- entre a margem direita do rio
Ocoí e a margem esquerda do rio Passo Cuê - englobando a Vila Ipiranga, São José
do Ocoí, Santa Rosa do Ocoí, Paulistana, Mauritânia, Saquarema e as cidades de
São Miguel do Iguaçu e Medianeira. Os trechos com maior atividade pesqueira
ocorrem nas partes alagadas do rio Ocoí e arroio Pinto.
Essas comunidades são da área rural do município de São Miguel do Iguaçu,
que juntamente com pescadores da área urbana desse município e, alguns do
município de Medianeira constituem a comunidade pesqueira.
A comunidade de pescadores em estudo se constituiu e constitui de maneira
distinta em relação a outras comunidades. O primeiro item distintivo é o fato de que
esses pescadores não se encontram morando na mesma localidade, mas, sim, em
áreas diferentes no município, distantes umas das outras. O segundo item é
consequência do fato de que a convivência maior desses sujeitos ocorre na Colônia e
nas atividades relacionadas à pesca artesanal no ponto de pesca.
Essas características possibilitam chamar o grupo de comunidade, pois se
reúnem por objetivos e interesses comuns, trabalham em equipe, dividem as
dificuldades, trocam experiências, convivem e decidem as regras. Isso está
explicitado no relato do pescador AB:
“Nós somos um grupo, mesmo não morando no mesmo lugar a gente se reúne
todo mês na Colônia para discutir os problemas, nos encontramos nos pontos,
ajudamos uns aos outros quando é preciso. A gente se visita e conversa sobre as
coisas da pesca, empresta material um do outro... somos uma comunidade de
pescadores.”69
Alguns pescadores residem próximos dos pontos de pesca, ou mesmo na
cidade, possuindo um barraco no seu ponto de atuação (Figuras 18 e 19). Alguns
ainda passam maior parte da semana no ponto, porém a Itaipu não permite essa
prática de morar na área de preservação permanente.
69
Entrevista cedida pelo pescador AB em 25/4/2013.
134
Figura 18: Fotos da Entrada dos Pontos de Pesca
Fonte: Pesquisa de Campo  março de 2013.
Figura 19: Foto de Moradias Próximas aos Pontos de Pesca
Fonte: Pesquisa de Campo  março de 2013.
Assim, os pontos de pesca (no Lago) e a Colônia se caracterizam como parte
do território da comunidade de pescadores, onde passam a maior parte de sua vida,
relacionando-se e trocando conhecimentos, como será discutido mais adiante.
As famílias pesqueiras, no geral, são constituídas de forma que o chefe da
família é sempre o homem, que é quem efetivamente realiza a pesca, auxiliado pelos
outros integrantes da família, esses outros representados pela mulher, que também é
pescadora e muito influente nas tomadas de decisão, e pelos filhos, que são
135
ajudantes. A mulher, na maioria das vezes, limpa os peixes em casa, quando o
marido não faz a limpeza no ponto (Figura 20).
Figura 20: Fotos da Limpeza do Pescado em Casa e no Ponto de Pesca
Fonte: Pesquisa de Campo  maio de 2012.
A tradição da comunidade é retratada pelo associativismo familiar e de
vizinhança, em que uns ajudam os outros, realizando a pesca artesanal com
petrechos simples para a captura de uma espécie (covo, anzol, tarrafa) ou de várias
espécies de peixes (redes de espera). Um exemplo citado pelos pescadores se refere
a uma prática cotidiana, o uso das redes. Os meios de produção são as embarcações
de madeira e as redes, as quais nascem do talhe coletivo à mão, seja envolvendo os
colegas mais próximos, seja envolvendo os familiares. Canoas e redes são capital
136
materializado, em torno do qual é possível garantir autodeterminação, isto é, controlar
o próprio tempo, processo e resultado do trabalho. A figura representa o resultado de
uma noite de pesca com rede, tirada pela manhã, exemplificando uma prática de
ajuda mútua.
Figura 21: Pescadores Retirando o Pescado pela Manhã
Fonte: Pesquisa de Campo  2010.
O associativismo é bem visível e presente no trabalho da comunidade
pesqueira, ora representada pelo compadrio dos pescadores (realizando a pesca em
conjunto com outros pescadores, auxiliando uns aos outros, demonstrando os
vínculos de amizade na pesca), ora representado pelo auxilio familiar, onde a família
faz parte dos afazeres, como relatado pelo pescador SP ao dizer: “Quando a gente
precisa de ajuda, se o filho não tá, um amigo pescador sempre tá pra ajudar”.
137
A escala de produção, pequena, assim como a destinação do peixe  em
parte para a subsistência, em parte para o comércio, em regime de economia familiar
 são elementos citados por Diegues (2004) sobre a pesca artesanal, elementos que
também definem a pesca da comunidade do Lago.
A atividade pesqueira consiste também em um processo de apropriação da
natureza pelo trabalho humano. O conhecimento gerado nesse processo tem, entre
as suas características, uma observação contínua da natureza e uma história vivida e
observada de sucessão de contatos com o meio aquático. Por isso esse
conhecimento tem servido à reprodução das pescarias e fornece elementos para a
ação dos pescadores (CARDOSO, 2007).
Nesse sentido, é possível analisar a atividade pesqueira a partir de uma
perspectiva da cultura dos pescadores, a partir da sua relação com a natureza, da
sua visão de mundo e das marcas deixadas nas paisagens onde a pesca se realiza.
Esses pescadores da Colônia são artesanais e profissionais. A característica
artesanal implica a autonomia do uso dos meios de produção, o saber tradicional no
manejo das técnicas de captura e a produção social. Também recebe o atributo
artesanal pela forma como a atividade se inscreve no corpo, nas técnicas corporais.
O pescador da Colônia é ágil, queimado de sol, olhos atentos, compenetrado, o
chapéu ou boné postos à cabeça, sempre preparado para perceber as circunstâncias
da natureza. É sabedor da correlação entre as fases da lua e a movimentação dos
cardumes, entre as águas, amansadas ou correntes, com o hábitat de predileção por
várias espécies de peixes.
Já o atributo profissional revela a característica econômica da captura 
atividade na qual o provimento para o autossustento está subordinado à realização de
excedente  e a conformação associativa e institucionalizada em torno de regras
comuns, aceitas pelo Estado. A pesca profissional artesanal é uma ocupação
devidamente reconhecida pelo Ministério do Trabalho, descrita no Código Brasileiro
de Ocupações e amparada pelos direitos do trabalhador (VALENCIO et al., 2003).
Foi possível observar, nas atitudes e nos meios comuns de agir durante a
pesca, dois comportamentos que revelam um modo de vida particular. Um desses
comportamentos é a camaradagem entre pescadores. Essa camaradagem se
expressa pelo trabalho em duplas nas embarcações ou reunindo-se nas colônias,
pela a solidariedade no fabrico e no acesso à sua tecnologia, ou pelo empréstimo de
138
embarcações, ou ajudando (com trabalho ou materiais) a executar tarefas para o bem
de outrem.
O outro comportamento é a generosidade, que ocorre principalmente pelo
partilhamento do peixe como meio de sustento quando falta na mesa da família do
colega. Desses dois comportamentos pode-se deduzir que existe no grupo uma ética
que lida com o cotidiano do Lago como uma forma de coesão que tende a igualar, ao
invés de diferenciar. Disso derivam os laços societais extraeconômicos do grupo,
laços que, inclusive, que fazem com que diferenças não gerem apartação na
convivência diária.
A construção da identidade social do pescador é um processo em que a
memória do grupo tem grande importância e está diretamente ligada com a questão
da alteridade, pelos rituais de reafirmação dos significados e sentidos partilhados pelo
grupo e pelo sentido de pertencer ao lugar (DIEGUES, 1998). Conforme Valencio et
al. (2003, p. 277), a identidade social do pescador é formatada pela afirmação de sua
territorialidade, de seu direito de estar no lugar e dele retirar seu provimento, de
entender que sua sobrevivência reside no uso daquele lugar.
O pescador não se afirma apenas como munícipe nem apenas como
trabalhador com direito ao livre acesso ao local de trabalho. Afirma-se, sim, como
“gente do Lago”, onde realizam sua atividade, onde constroem sua coesão social, sua
identidade coletiva, um saber oriundo da memória oral, da interação com os peixes,
da prática atemporal, da vida com o meio natural.
4.2 Características dos Pescadores da Colônia Z 11
A partir dos questionários entregues a todos os pescadores (180), que
frequentavam as reuniões e que trabalhavam nos pontos de pesca, foi possível traçar
as características gerais dos integrantes da comunidade pesqueira no município.
Desse montante, 124 responderam ao questionário, respostas com as quais se pode
caracterizá-los na tabela a seguir:
139
Tabela 5: Características Gerais dos Pescadores da Colônia Z11
Origem
Estados da
Gênero
Situação conjugal
Mulheres: 35%
Casados/as: 70%
Homens: 65%
Solteiros/as: 10%
Região Sul (RS,
Viúvos/as ou
SC e PR): 100%
divorciados/as: 7%
União Estável: 13%
Fonte: Elaborado por Graziele Ferreira com base nos dados obtidos através da Pesquisa de
Campo  2013.
A idade constatada varia de 18 até 65 anos. A composição etária
(considerando-se apenas o titular) revela o predomínio das classes de 35 a 55 anos.
A idade média dos pescadores foi de 45, o que demonstra a baixa motivação
despertada por essa atividade nos jovens.
Ressalta-se, no entanto, que um grande contingente de adolescentes e préadolescentes exercem a pesca como ajudantes de seus pais ou parentes próximos
mais idosos, não podendo, entretanto, se filiar às colônias nem se estabelecer como
pescadores profissionais. Esses não foram computados nesta análise, visto que não
são formalmente titulares.
Em relação às pretensões futuras dos pescadores estabelecidos, 91% dos
entrevistados manifestaram a intenção de permanecer na atividade. O principal
motivo que os levou a essa intenção foi o reconhecimento da falta de qualificação
profissional em outra área (“Só sei fazer isso”). Diferentemente, porém, quando
perguntado aos pais e familiares sobre a pretensão dos jovens de continuarem na
pesca, todos responderam que não, que devem estudar e procurar melhores
condições de vida:
“Minha filha nos ajuda sempre na pescaria, vai até junto com o pai pescar e
revistar a rede, limpa o barraco e os peixes. Mas isso agora porque tá em casa com
nós, mas quando chegar o tempo certo ela vai tentar faculdade ou um bom emprego.
Por mais que ela diz que gosta, mas não tem como se sustentar só da pesca... tá
bem difícil pra nós, mas a gente se vira, mas a gente espera vida melhor pros
filhos.”70
70
Entrevista cedida pela pescadora NF em 1º/6/2013.
140
O pescador tem motivos de orgulho da sua profissão, seja pelo domínio de
técnicas específicas de trabalho, seja pela interação peculiar com o meio ambiente
natural e ressente-se da falta de valorização desses aspectos por muitas autoridades:
“Eu gostaria que as autoridades olhassem o pescador como pessoas capazes
de preservar o meio, trabalhar na atividade da pesca e levar o sustento para a
família. Valorizar assim os direitos do pescador71.”
Alguns pescadores afirmam que a sua profissão tornou-se uma opção
gratificante de trabalho e outros afirmam que ela é uma forma alternativa de “ganhar a
vida”. Assim, a atividade da pesca é, para alguns, a única alternativa de trabalho e,
por conseguinte, a única garantia de sobrevivência familiar; para outros, é resultado
não apenas das adversidades sofridas durante a vida da família, mas uma escolha
por um modo de vida.
Cerca de 60% dos pescadores relataram estar na profissão também porque
gostam. Para eles, a pesca é uma atividade autônoma, “sem receber ordem de
patrão” e sem horários fixos, além do contato com o meio ambiente e o prazer das
pescarias.
Existem ainda aqueles pescadores que estão desestimulados com a atividade
de pesca (9%) e que pretendem abandoná-la, mas o principal motivo levantado foi a
escassez do pescado e não motivos pessoais ou da comunidade.
A maior parte dos pescadores é alfabetizada, mas com nível instrucional
baixo, isto é, não concluíram o nível de ensino fundamental (65%). A carência de
educação sistêmica impede que o pescador compreenda muitas regras e normas
oriundas do mundo letrado e atrelado ao mercado. A interação política do pescador
com outros agentes, muitas vezes conflitante, também fica comprometida, pois a
articulação política pressupõe acesso e compreensão de um conjunto de informações
sistematizadas no saber formal. Segundo Valencio et al. (2001, p. 196), “A limitada
capacidade para ler age como uma barreira à capacidade de contrapor-se, defenderse e ampliar a representação política de suas demandas”.
Embora o pescador suponha que o desempenho satisfatório de seu exercício
profissional prescinda do conhecimento tradicional e que muito do esforço de captura
dependa da habilidade física e do saber tradicional para o manejo dos apetrechos de
pesca, portanto, fatores distantes dos conteúdos escolares, as novas tecnologias e
71
Entrevista cedida pelo pescador HL em 29/5/2013.
141
novas demandas, incluindo as de cunho político, poderão não ser assimiladas em
razão da falta de escolaridade, o que os coloca em situação de vulnerabilidade.
Outro aspecto de vulnerabilidade diz respeito à renda mensal média da
pesca. A renda oriunda da pesca é relevante e situa-se em torno de dois salários
mínimos. Todos os pescadores da Colônia Z11 revelam possuir uma renda modesta,
como demonstra a Tabela seguinte sobre a renda e nível de instrução:
Tabela 6: Características socioeconômicas
Nível de Instrução
Renda
Alfabetizado:
Fundamental incompleto: 65%
Inferior a 1 salário mínimo: 30%
Fundamental completo: 20%
Médio completo: 9%
Analfabeto: 6%
De 1 a 3 salários mínimos: 70%
Fonte: Elaborado por Graziele Ferreira com base nos dados obtidos através da Pesquisa de
Campo  2013.
Dos pescadores atuando como profissionais no Lago, 80% deles atuam
desde constituição do lago em 1982. Além disso, 15% deles atuam ali como
pescadores mesmo desde antes da formação do lago. Durante pesquisa realizada em
201172, já se constatou que muitos já pescavam antes mesmo de terem RGP:
“Conheço como poucos as manhas da pesca no lago da hidrelétrica. São
muitos anos tirando da água parte do meu sustento, boa parte dos anos vividos a
bordo de um barco, primeiro no rio agora no lago. A Itaipu começa a incentivar a
pesca alguns anos depois da formação do lago, para compensar os prejuízos que
causou aos moradores com o alagamento das terras, então investe trazendo
alevinos no lago e criando as colônias e pontos de pesca no entorno do lago, mas eu
já pescava muito tempo antes de tudo isso, nem era obrigado a fazer a carteira de
pescador, era só pescar.” (Pescador entrevistado em 2011).
O levantamento revelou que os pescadores que responderam ao questionário
são, na maioria, proveniente do meio rural (72% de agricultores, 23% de assalariados
e 5% de autônomos). A proporção dos pequenos proprietários rurais no contingente
72
Pesquisa realizada para o TCC do Curso de Especialização em Gestão Ambiental em Municípios,
UTFPR-Medianeira-PR, 2011.
142
de pescadores é uma característica bem acentuada, porém 90% diz fazer da pesca a
principal fonte de renda.
Esse quadro releva a falta de opção de trabalhos alternativos nos municípios
lindeiros com o reservatório, levando a um aumento no número de pessoas que se
dedicam também à pesca. Isso foi particularmente evidente entre os volantes rurais
denominados “boias-frias” e pequenos proprietários rurais, devido aos problemas
ocorridos na agricultura. Essa categoria de pescadores se utiliza da pesca para a
complementação da renda familiar também em São Miguel do Iguaçu.
Um dado importante percebido durante a pesquisa, e relatado pelo presidente
da Colônia, é o fluxo (entrada e saída) de pescadores durante o ano, decorrente da
sazonalidade nas atividades agrícolas, como plantio e colheita; das demandas de
serviços temporários na vila; variação sazonal no rendimento da pesca; flutuações no
preço do pescado, especialmente no período de quaresma; interdição da pesca na
piracema; dificuldade em receber o seguro desemprego e flutuações na cotação do
dólar e na intensidade da fiscalização na fronteira que inibe o comércio informal dos
chamados “sacoleiros”.
4.2.1 Modo de Vida dos Pescadores: estratégias de sobrevivência
Segundo o mais atual relatório da Itaipu/UEM (2011), a porcentagem de
pescadores que se dedicaram exclusivamente à pesca foi 17,5%. Esse tanto foi
acentuadamente inferior ao registrado no ano de 2008 (45,8%). Em 2005, este
contingente era de 53,0%, em 2004 de 55,1%, em 2003 de 57,0% e em 2002 de
64,0%. Assim, verifica-se uma redução na dedicação exclusiva à pesca.
143
Figura 22: Gráfico Síntese da Dedicação Exclusiva à Pesca no Lago de Itaipu
Dedicação exclusiva à pesca
64%
53%
55,10%
57%
45,80%
17,50%
2009
2008
2005
2004
2003
2002
Fonte: Elaborado por Graziele Ferreira com base nos dados obtidos através da Itaipu/UEM
(2011).
Conforme o relatório, essa redução está ligada à diversificação das atividades
dos pescadores, com o envolvimento em atividades que pouco interferem na pesca,
como a criação de abelhas, a criação de peixes em tanques-rede e atividades
relacionadas à agricultura familiar. Os pescadores da Colônia Z11 relataram, porém,
que o fator predominante dessa diminuição da exclusividade da pesca é a diminuição
do pescado, sendo impossível sobreviver apenas da pesca.
Por outro lado, 58,5% dos pescadores declararam que têm outra atividade
que complementa a pesca e 24,1% não responderam a essa questão. Entre as
principais atividades e em ordem de importância estão agricultura (29,3%), volante
urbano (23,0%), apicultor (9,4%), aposentado (6,5%), autônomo (6,5%), outros (4,8%)
e atividades de volante rural (3,7%). As demais atividades, com baixa porcentagem,
são a criação de animais (2,3%), assalariados (2,0%), tanques-rede (1,7%) e
atividades ligadas à pesca (1,4%) (ITAIPU/UEM, 2011, p. 36). Isso pode ser
verificado na figura a seguir:
144
Figura 23: Gráfico das Principais Atividades Desenvolvidas pelos Pescadores
em 2009
Fonte: ITAIPU/UEM (2012, p. 37).
Como a pesca exclusiva não possibilita a garantia de sobrevivência para a
maioria dos pescadores, é preciso desenvolver outras atividades na Colônia Z11
também. Foi possível identificar, pelos relatos e pela observação a campo, outras
atividades sendo desenvolvidas por pescadores, como: pedreiro, diaristas no campo
ou nas vilas, apicultor, produtor de leite e produtor de fumo e mandioca. Percebeu-se,
porém, que, para muitos pescadores, reconhecer que conciliam outras atividades de
ganho com a pesca não era uma situação facilmente admitida. Essa atitude é
compreensível,
pois
essa
condição
pode
ser
reconhecida
como
uma
descaracterização da profissão de pescador, sob pena de perder a carteira de
profissional e o direito de pescar. Obviamente, porém, essa pluriatividade não deveria
descaracterizá-los como pescadores.
Reconheceram as dificuldades de sobreviverem apenas da pesca e que
precisavam desenvolver outras atividades, mas, quando perguntados sobre a
exclusividade do trabalho na pesca, afirmavam praticar. Por muitas vezes, ao chegar
à propriedade ou à casa do pescador, deparamo-nos com esse pescador trabalhando
na roça, no plantio de fumo, na produção de leite, ou ainda a esposa relatava que
estava trabalhando por dia.
Interessante é ponderar que, devido ao receio de admitir a prática de outras
atividades, os pescadores sempre remetiam à prática de outro, sem, no entanto,
admitir a sua:
145
“Olha a gente é pescador, sim... sempre pescamos e vivemos da pesca, mas,
como dá pouco peixe, precisamos achar mais serviço. Dá pra sobreviver... mas
assim é mais difícil. Alguns pescadores buscam em outros “servicinhos” uma ajuda
nos gastos. Tem uns que tem uma roça, pouca coisa, sabe, e são pescadores
também. Outros também trabalham como pedreiros, mas nem por isso não são
pescadores. Eu digo isso pra senhora só, mas se alguém perguntá, não conheço
nenhum pescador que trabalha com outro serviço. Mas que mal que tem, não tão
roubando de ninguém, né... só assim pra conseguir viver um pouco melhor.”73
Segundo Kuhn e Germani (2009), a pesca artesanal desenvolve-se
articulando atividades em terra e também em água. Essa articulação em terra não se
limita apenas à prática da agricultura, mas, historicamente, o acesso à água é
mediado pelo acesso à terra. É difícil pescar quando o pescador vive a quilômetros de
distância do mar ou do rio. Assim, compreende-se que é a garantia do acesso à terra
que garante o acesso à água.
Alguns estudos fazem uma diferenciação entre pescador-lavrador e pescador
artesanal (DIEGUES, 1983, 2004), porém, para efeitos deste trabalho, considera-se
pescador artesanal mesmo aquele que articula pesca e agricultura, uma prática
comum na comunidade. Isso se dá em virtude do fato de os pescadores assim se
identificarem, ou seja, como pescadores artesanais, e pelo fato de eles utilizarem
formas artesanais de captura de pescado. Considera-se que o que define uma pesca
como sendo artesanal não é a exclusividade da atividade, mas a lógica que a
sustenta.
Devido às condições precárias, os pequenos proprietários rurais, além da
pesca, optam pelo cultivo, sobretudo, da mandioca e do fumo, por não requererem
gastos extraordinários com implementos agrícolas e por permitirem o emprego da
mão de obra familiar. Isso pode ser observado na Figura 24:
73
Entrevista cedida pela pescadora LFK em 5/6/2013.
146
Figura 24: Fotos de Plantio de Fumo e de Mandioca
Fonte: Pesquisa de Campo  maio de 2012.
Nota-se a diferenciação da importância da pesca para os pescadores.
Constata-se, pelas entrevistas, que existem aqueles que pescam desde a infância,
aqueles que nasceram numa família de pescadores ou aprenderam pescar com os
pais (dos entrevistados foram 3). Outros têm na pesca apenas uma alternativa
encontrada para aumentar a renda que era pouca na sua antiga ou atual ocupação,
147
como agricultores familiares e volantes. Há ainda aqueles que veem a pesca como
uma forma de vida de grande importância, mesmo complementada com outra
atividade. Um desses pescadores foi AH, que, ao ser perguntado sobre a importância
da pesca em sua vida, emociona-se:
“O peixe sempre foi um alimento que matava muito a nossa fome na infância.
Meu pai ia pescá e me levava com ele. Não era aqui no lago, mas nos rios do Rio
Grande do Sul. Eu gosto muito de pescá e pesco até hoje. Faz parte da minha vida e
da minha história. Se não fosse a pesca do lago, agora eu estaria passando por
muitas dificuldades. Não que a gente viva fácil, mas eu sempre pesco, sempre tenho
uns peixinhos pra vendê em casa.”74
Pescadores que trabalharam até certo tempo em outra atividade ou conciliam
a pesca com uma atividade (mesmo que não o admitam) encontraram na pesca uma
possibilidade de sobrevivência. Assim, a maioria dos pescadores entrevistados são
pescadores de profissão ou pessoas que apreenderam o ofício por variadas
circunstâncias da vida:
“Olha, como a Itaipu alagou a terra, eu era agricultor, ainda planto, mas como é
pouco, daí pensei em virar pescador, por que isso ajudaria a minha sobrevivência, já
que eu não quis sair daqui. Nem que o peixe seja pouco, o que vem já ajuda. Pelo
menos a gente recebe um seguro na piracema que ajuda um pouco.”75
As entrevistas demonstram que as trajetórias ocupacionais e de vida são as
mais diversas dos entrevistados, pois dois deles são aposentados, alguns optaram
pela pesca como uma alternativa apenas para sobreviver (uma necessidade, “A gente
pesca porque precisa.”), outros por gosto pela atividade, pelo modo de vida e pelo
ofício, além da necessidade (“Eu preciso, mas gosto muito de pescar”).
A pesca é compreendida não só como uma atividade de busca de peixe, mas
como uma construção de relações sociais, relações essas marcadas por identidade,
mas também por conflitos e contradições, que envolvem não somente os grupos
pesqueiros, mas outros tantos agentes sociais, com interesses divergentes.
A organização social da pesca profissional artesanal, através de seus
processos e de suas formas de interação, produz um sujeito social (o pescador)
dotado de um conhecimento tradicional que viabiliza não só sua atividade
profissional, mas, também, seu modo de vida. Muitas famílias dependem da pesca
não apenas como trabalho, mas como meio de produzir e de reproduzir um modo de
74
75
Entrevista cedida pelo pescador AH em 1º/5/2013.
Entrevista cedida pelo pescador JLF em 28/5/2013.
148
vida e um campo societário caracterizados por relações de natureza econômica,
política e cultural, tecnológica e ambiental que interferem nos sistemas de
organização e hierarquia internas desse grupo e, por conseguinte, da organização
social da pesca. Além disso, há outros agentes que interferem na organização social
da pesca profissional artesanal e no modo de vida dessa população.
A pesca no Lago de Itaipu não se constitui numa atividade de tradição
secular. Ao contrário, constitui-se por uma tradição pesqueira recente, mas repleta de
particularidades e de aspectos importantes a serem estudados pela geografia.
Um aspecto provocativo do modo de vida do pescador provém, entre outras
coisas, do modo como esses trabalhadores lidam com o tempo em suas vidas. Em
meio a um contexto socioeconômico e cultural adverso em relação às formas de
trabalho e de convívio social dos pescadores, eles surpreendem pela sua capacidade
de resistência. Se, na atual dinâmica social, a regra é viver a dimensão temporal de
maneira cada vez mais compulsiva, fazendo o máximo em mínimo de tempo, os
pescadores apresentam uma lógica bastante própria no trato com tais dimensões da
vida. Isso ficou bastante evidenciado nas falas dos pescadores com os quais pude
dialogar:
“A gente pode fazer as coisas, trabalhar como a gente quer, o tempo nós que
decidimos, essa liberdade que é a parte mais boa de ser pescador. O contato com a
natureza e com o lago são muito bons também. Eu adoro”.
A associação e a dependência dos pescadores em relação ao universo
natural se baseiam em saberes e técnicas locais de manejo do ambiente. Se “a
pescaria tem um mistério”, como afirmou um pescador, ele reside exatamente nesse
conhecimento acerca da natureza, que determina, por exemplo, que a saída para a
pesca deva ocorrer de acordo com o vento nordeste, porque este aproxima o
pescado do barranco, ou que as “noites escuras” dão mais peixe porque as redes
ficam menos visíveis na água, ou que a “cheia” condiciona o retorno do lago porque o
barco não pode encalhar nos galhos e árvores que estão no lago. A figura apresenta
a volta e a preparo das redes de pescaria.
149
Figura 25: Pescadores com Aparelhamento Rede de Pesca
Fonte: Pesquisa de Campo  2011.
Nas falas dos entrevistados, percebe-se que suas representações ressaltam
o apego ao estilo de vida próximo à natureza, uma vez que podem conciliar o trabalho
na agricultura, pois a maioria mora perto do lago e ainda utiliza a pesca como apoio
de renda, pois consideram difícil viver só do pescado. Concluem que, apesar das
dificuldades, gostam de pescar.
A Semana Santa é considerada o “Natal” dos pescadores, pois é o período
mais movimentado do ano. Ao comentar sobre esse período, o pescador diz adorar
essa época, onde se encontram vários pescadores e compradores:
“A semana santa é que dá mais movimento, muita gente vem comprar peixe,
encontramos muitos amigos pescadores e conversamos muito. É o tempo que a gente
mais ganha com o peixe, ainda porque é logo depois da piracema, tem mais peixe.”76
O respeito entre os pescadores é característico. Nenhum invade o território
do outro enquanto este o utiliza. Exemplo disso ocorre no ponto de ceva escolhido em
um determinado local, onde o pescador aporta certa quantia de alimentos para atrair
76
Entrevista cedida pelo pescador AH em 1º/05/2013.
150
o pescado e ali lançar posteriormente suas redes e anzóis, ou ainda limpa um trecho
do fundo do rio, retirando a galhada para lançar as redes, e esse espaço é utilizado
por ele na temporada.
A organização do espaço construído para dormir e guardar os equipamentos
(terra), apesar da individualização do trabalho (apenas o pescador e seus cônjuges e
filhos cadastrados como ajudantes), isso não impede que haja cooperação entre os
pescadores. Muitas vezes, um ajuda o outro a limpar o peixe, a revistar redes, a
consertar equipamentos. E ainda sobra tempo para conversas, baralho e almoços
festivos, como se observa na Figura 26.
Figura 26: Almoço no Ponto de Pesca
Fonte: Pesquisa de Campo  2011.
Os próprios barracos são edificações muitas vezes divididas entre dois até
quatro
pescadores,
demonstrando
quanto
são
organizados,
colaborando
mutuamente. Assim, o clima de amizade torna-se muito aberto.
Os pontos de pesca possuem um ambiente bem familiar. Neles todos se
conhecem, emprestam materiais de pesca bem como o barco, ajudando-se
mutuamente,
como
comentado
anteriormente.
Existe
um
responsável
pela
organização dos pescadores em cada ponto, responsável a que alguns chamam de
presidente do ponto.
151
As artes de pesca utilizadas no reservatório de Itaipu compreendem redes de
espera (simples e tresmalhos), espinhéis, anzóis (espera, galho, cavalinho, linhada e
caniço), tarrafas, fisgas e covos. Redes de espera são os aparelhos de pesca
tradicionalmente mais utilizados. A embarcação mais utilizada pelos pescadores do
reservatório de Itaipu é a de madeira.
Essa forma mais rudimentar dos meios de produção exige maior força física
desses pescadores, ora a necessidade de agilidade para se deslocarem até os
pontos de pesca geralmente distantes; ora a força para armarem e recolherem os
apetrechos de captura e peixes; ora retornando para casa para o remendo das redes
e, só daí, o descanso.
O ato de confeccionar seus equipamentos de trabalho a mão e em grupo,
com os colegas e familiares, envolve comprometimentos mútuos de cooperação e de
aprendizado, com ganhos econômicos e culturais revertidos em benefício de todos.
Tais alianças podem garantir certa segurança no enfrentamento de situações
adversas durante a vida cotidiana e sociabilizam o conhecimento estimulando
mudanças interpessoais, no sentido de que a partir daí tomam decisões sobre suas
vidas.
Cada ponto de pesca comporta uma quantidade de pescadores, que
constroem seus barracos77 com energia elétrica, cozinha e dormitório, onde
armazenam materiais de pesca, o pescado, e onde há equipamentos preparados até
para dormir algumas noites, conforme mostra a Figura 27, a seguir.
77
O termo “barraco” é utilizado pelos pescadores para designar as habitações construídas no ponto de
pesca. Servem para fins de trabalho, sendo proibido uso para fins de residência.
152
Figura 27: Foto dos Barracos no Ponto de Pesca
Fonte: Pesquisa de Campo  maio de 2013.
Para os pescadores, o trabalho não é submissão ao outro ou às leis dos
outros, mas implica um compromisso com o outro e com o passado, ou seja, tê-lo
como memória que se transmite e como cultura.
4.3 Formação e Atuação da Colônia Z11
Antes da formação do Lago de Itaipu em 1982, os pescadores do Rio Paraná
não eram muitos e não possuíam uma organização de classe em São Miguel do
Iguaçu e em outros municípios78. Alguns eram habilitados pela carteira de pesca da
Colônia Z13 de Guaíra ou Z12 de Foz do Iguaçu.
Depois, porém, com a liberação da pesca no lago em 1984, muitos
identificaram nessa atividade um ofício para a sua vida ou nela identificaram, mais
imediatamente, uma possibilidade de sobrevivência. No final da década de 1980,
quando a pesca ainda era abundante no Lago de Itaipu, o número de pescadores
registrados chegou próximo a 500 (MACHADO, 2002, p. 7).
78Butzge
(2006) faz uma análise da linguagem e da identidade dos pescadores artesanais em Santa
Helena, demonstrando essa realidade.
153
A criação da Colônia Z11, no entanto, não marca o início da pesca
profissional em São Miguel do Iguaçu, pois tal atividade era praticada anteriormente
pelos pescadores, que se organizaram em associação em 1997, passando a Colônia
em 2005, e teve dois presidentes atuando, sendo Adilson Borges em exercício.
Neste item busca-se compreender, a partir da presença dos pescadores
materializada por suas reivindicações e na persistência em sobreviver da pesca, a
formação e atuação dessa colônia de pesca.
Os pescadores são organizados em movimento social, aglutinados por uma
identidade de luta e como agentes de produção do espaço. Os interesses de grupos
ou de indivíduos, quando revelados, adotam um discurso, exprimindo seus anseios a
partir da efetiva participação em reuniões, conversas, seminários e, principalmente,
nas assembleias gerais. Através do discurso vem à tona a identidade e a
necessidade do pescador.
Torna-se cada vez mais importante a contribuição do conhecimento dos
pescadores na definição das políticas para o setor, talvez em função das falhas
ocorridas ao longo das intervenções do Estado. A politização do movimento dos
pescadores vem acompanhada de uma maior visibilidade desses sujeitos sociais e
pela a valorização de seu saber.
Através das formas cumulativas do processo de aprimoramento, que os
pescadores sofrem, das suas práticas artesanais e modo de vida, absorvem e/ou
produzem novos padrões pela adaptação ao ambiente natural ou humanizado.
Podem-se exemplificar, aqueles pescadores que exigem a atuação da
Colônia Z11 em busca de financiamentos para barcos e melhorias nos pontos de
pesca. Ainda as reivindicações mais básicas da Colônia são novos investimentos,
efetivação da cooperativa, implantação do SIM para a pesca no município e
incremento do peixe na merenda escolar. Buscam a articulação com outros setores
para que seja cumprida a legislação ambiental e para o encaminhamento de
denúncias e lutas.
Na comunidade pesqueira se observa a importância do direito à terra e à
água não só para a reprodução das condições de existência dos pescadores, como
também para a reprodução do seu modo de vida.
Nesse contexto, ao desafio de acesso à terra é acrescentado outro desafio
para os pescadores artesanais: o acesso à água e aos recursos pesqueiros. O
acesso à água vem sendo limitado pelo desenvolvimento de grandes projetos de
154
aquicultura. A criação de peixes é uma das atividades que tem apresentado um
crescimento expressivo no Brasil nos últimos anos, como discutido nos capítulos
anteriores, sendo que a Itaipu vem incentivando essa prática.
Tal atividade desenvolve-se nas áreas tradicionalmente usadas por
pescadores artesanais. A lógica empresarial da aquicultura entra em conflito com a
lógica artesanal da pesca e chama para a cena, novamente, a discussão do valor de
uso e do valor de troca do espaço.
Nesse sentido, o debate atualmente posto, especialmente por grupos que
advogam a expansão da aquicultura, diz respeito ao caráter supostamente atrasado
da pesca artesanal. Esse conjunto de ideias define a pesca como um estágio anterior
à aquicultura, na qual esta é a evolução natural daquela. Esse debate encontra eco
nas políticas públicas engendradas pelo Estado brasileiro e também pela ciência de
modo geral, inserindo-se em uma discussão evolucionista e unilateral (KUHN e
GERMANI, 2009).
Isso revela o preconceito existente em torno da pesca artesanal.
Desconsidera-se o seu papel cultural, de baixo impacto ao ambiente natural e sua
importância econômica no que diz respeito à soberania e segurança alimentar, já que
grande parte da produção artesanal é comercializada/consumida na escala
local/regional.
Desconsiderando tais questões, o Estado e a iniciativa privada alavancam a
formulação de políticas e investimentos na atividade aquícola, levantando um
falacioso discurso ideológico que consiste na integração do pescador artesanal com a
aquicultura.
Entretanto, aquicultura, definitivamente, não é política para pesca artesanal.
Historicamente, para os pescadores artesanais, as águas são um espaço de uso
comum, apropriado por saberes construídos ao longo dos anos e das gerações.
Assim, portanto, na lógica da pesca artesanal, não podem existir cercas, embora
existam territórios construídos a partir do conhecimento do espaço do lago.
Tudo isso ficou explicitado nas falas dos pescadores do Lago quando
questionados sobre a prática da aquicultura:
“Pra falar a verdade, menina, a gente prefere pescar o peixe no lago, sem ter
que criar ele no tanque, sem ter que ir todo dia pegar o barco e ir até o tanque tratá
ele. E ainda a gente gasta tempo e gasta trato para o peixe comê, quando o lago tem
comida. Mas fazê o quê!? É muito melhor armar rede, revistar ela, só que a gente
acaba fazendo isso por que não tem muita opção, o peixe é pouco. E a Itaipu insiste
155
na criação de peixe, que é melhor pra gente ter mais dinheiro, mas a gente gasta com
isso também.”79
Na busca pelos seus anseios que os pescadores se organizam em Colônias,
e nestas que se processam as estratégias de territorialização do grupo social. Nesse
aspecto, articular diferentes escalas de análise da organização dos pescadores
contribui para o entendimento da realidade da comunidade pesqueira da Colônia Z11.
Nesta pesquisa, entende-se como movimento social a articulação de um
grupo unido por identidade e objetivos comuns e que busca ser reconhecido como
sujeito de direito na sociedade. Assim, os movimentos sociais buscam romper com
hegemonias e pautar questões sociais específicas ao grupo. É importante destacar
que esse grupo, longe de ser homogêneo, apresenta contradições, heterogeneidades
e rupturas.
A consolidação do processo de organização político-social dos pescadores
artesanais vem ao encontro de um momento histórico do nosso país, marcado pelo
final do sombrio período ditadura militar e pela redemocratização.
Silva (1988) relatou a participação e a importância dos pescadores na
abolição da escravatura e na Revolta dos Cabanos, na tentativa de romper com a
invisibilidade desse grupo quando da ocorrência desses fatos históricos. Na história
recente do movimento dos pescadores, um grande marco de sua construção foi o
Movimento Constituinte da Pesca. Com o fim do trabalho de elaboração da nova
Constituição brasileira, os pescadores optaram pelo fim do Movimento Constituinte e,
em seu lugar, fundaram o Movimento Nacional dos Pescadores (MONAPE).
Além de ter havido essa articulação no período da Constituinte, pode-se
analisar que se, por um lado, os resultados da Constituinte da Pesca foram positivos,
no sentido de ter sido delegada uma maior autonomia organizativa aos pescadores,
por outro lado saiu fortalecido um instrumento viciado de representação, que são as
Colônias (KUHN, 2007).
Isso levou os pescadores a adotarem outra estratégia de atuação, que é a
retomada das Colônias, tentando dar a elas o seu caráter verdadeiramente
representativo.
79
Entrevista cedida pelo pescador AH em 1º/5/2013.
156
A Colônia de Pescadores Z11 surge como reflexo desse processo, uma
sociedade civil sem fins lucrativos, autônoma, órgão de classe dos pescadores
profissionais, com sede e foro no município de São Miguel do Iguaçu.
A sede da Colônia é bem estruturada, possui um salão (com muitas cadeiras)
para reuniões, cursos e festas, possui 10 computadores para cursos de informática,
possui uma sala para o escritório (onde atua a secretária) e possui uma cozinha
equipada, tal como se pode observar na Figura 28, a seguir.
Figura 28: Fotos da Estrutura da Sede da Colônia Z11
Fonte: Pesquisa de Campo  maio e junho de 2013.
157
Todos os pescadores conhecem o estatuto da Colônia Z11, pois, antes de
entrarem na colônia, precisam conhecer as normas, seus direitos e deveres80.
A realização de assembleias gerais acontece numa periodicidade mensal, na
segunda sexta-feira de cada mês, revelam a identidade de parcela dos pescadores
que a compõem. O espaço de discussões política gira em torno dessas reuniões, nas
quais se discute questões pertinentes à pesca no Lago, por pescadores, Itaipu, MPA,
Emater, DRS, Cresol, Sindicato Rural e políticos locais e estaduais. Se, porém, se
fizerem necessárias outras reuniões extraordinárias são realizadas.
Todas as decisões são colocadas e discutidas em grupo, porém existe pouca
interatividade entre pescadores e o presidente durante a reunião, mas nas conversas
antes e depois da reunião eles conseguem se declarar mais facilmente. Demonstramse muito tímidos, porém quando a conversa se torna mais particular conseguem se
manifestar com mais facilidade. Contudo, o presidente busca alcançar os anseios dos
pescadores, no que se refere as lutas dos direitos, no que compete a Colônia.
Durante as reuniões foi possível observar e constatar que os pescadores
participam em pequena porcentagem (35%). Segundo os mesmos, eles podem faltar
em algumas reuniões pelo regulamento da colônia, além de que ainda uns informam
os outros das questões discutidas. Também a fala do presidente relata que a
participação dos pescadores ainda é pouco expressiva.
Segundo o presidente da Colônia, os pescadores, na sua maioria, iniciaram a
atividade pesqueira com registro há menos de 8 anos, especificamente quando se
iniciou o pagamento do seguro defeso. Até então muitos pescavam sem a carteira de
pescador de forma clandestina.
Após serem cadastrados como pescadores profissionais artesanais e
iniciarem a pesca regularizada, deveriam buscar sua legalização perante a colônia,
registrar seu barco, seu barraco, pagar anuidades e demais deveres descritos no
estatuto. Percebeu-se a insatisfação dos pescadores no que se refere aos valores
cobrados. Precisam pagar 15 reais por mês para serem sócios da Colônia além de
300 reais para renovar, cada 3 a 5 anos, a carteira de pescador artesanal. Os
pescadores consideram as cobranças abusivas demais, relataram que outras
colônias tem valores mais baratos, mas acabam pagando para poder pescar nos
pontos de pesca no Lago e poderem receber o seguro na piracema. Como não
80
No ANEXO 4 segue o Estatuto da Colônia Z11.
158
existem valores fixados pelo governo, dando liberdade para cada diretoria das
Colônias estabelecerem os valores.
Por tudo isso entende-se a existência ainda da clandestinidade no Lago.
Nesse viés considera-se a clandestinidade um grave problema na Colônia Z11. Neste
item a colônia deixa de ser uma entidade reacionária em busca dos direitos dos
pescadores e passa a ser uma instituição do governo. Os pescadores demonstraram
estar intimidados a exigir valores mais justos, pois temem a punição, não poder mais
renovar sua carteira, pois esta precisa ser assinada pelo presidente e posteriormente
é encaminhada pela colônia ao MPA. Assim os pescadores ficam totalmente
atrelados e dependentes a Colônia e as decisões unilaterais da diretoria.
Outo problema percebido se refere a estrutura pesqueira da Colônia e do
Lago que deixa a desejar, devido a ausência do SIM que impede a comercialização
formal. Os circuitos do comércio estão fragilizados, mesmo com investidas das
entidades como o DRS.
A atuação do DRS foi relatada em entrevista com Valmir Matiello presidente
deste órgão:
“O DRS busca desenvolver sustentavelmente a pesca no Lago de Itaipu e em
São Miguel do Iguaçu. Em parceria com a prefeitura buscamos promover festas,
para o pescador ser reconhecido no município, estamos sempre dispostos a ajudar e
encaminhar o pescador para conseguir incentivos e financiamentos. Anualmente
ajudamos os pescadores da Colônia Z11 a realizar a Festa do Peixe, que promove a
pesca e os ajuda a vender o pescado, sempre próximo a semana santa ”.
Existem Unidades de Abate nos Pontos de Pesca instituídas pela Itaipu, mas
sem o SIM fornecido pela prefeitura não podem funcionar. A figura 29 representa
essas unidades e os pescadores atuando no ponto de pesca.
159
Figura 29: Unidade de Abatedouro no Ponto de Pesca e Pescadores
Fonte: Pesquisa de Campo  maio de 2013.
Os pescadores buscam constantemente mudar essa realidade, sendo um dos
assuntos mais discutidos, porém relatam que sentem falta de apoio, principalmente
dos agentes políticos, nessa questão.
Os pescadores avaliam positivamente a atuação da Colônia Z11 e se sentem
representados por esta. O DRS do Banco do Brasil, a Itaipu, as prefeituras, as
instituições de ensino parceiras, MPA estão sempre em articulação (Figura 30
representando alguns destes encontros), mas a realidade não muda ou, se muda,
isso ocorre a passos bem lentos.
160
Figura 30: Fotos de Reuniões com Agentes Políticos, Representantes do MPA e
Pescadores
Fonte: Pesquisa de Campo  maio a dezembro de 2012.
Segundo o presidente da Colônia, é preciso urgentemente fortalecer a
atuação das parcerias e convênios, tornando tudo mais eficiente. Precisa-se que os
prefeitos estejam mais comprometidos com a realidade pesqueira do Lago. Todos os
pescadores deixaram explícita a insatisfação com os políticos locais, como prefeito e
vereadores, como relatado por um desses pescadores:
“Todos quando são candidatos prometem ajudar a causa do pescador, mas
ninguém faz nada. Prometeram colocar o peixe na merenda escolar, criar uma
secretaria da pesca junto com a agricultura, prometeram dar ajuda financeira... meu,
tanta coisa... até ajudar na questão do frigorífico... mas nada fizeram... entra um e sai
outro e tudo fica assim... e nóis pescadores estamos aí esperando as promessas...”81
A institucionalização da pesca na Colônia remete a outro grupo social além
dos pescadores. Seria formado pela Itaipu e pelo MPA, dotado de outra forma de
conhecimento que viabiliza uma estrutura política que, por sua vez, formula o seu
próprio poder, mantendo-se nele e se reproduzindo, e que interfere na organização
81
Entrevista cedida pelo pescador TH em 22/5/2013.
161
da pesca profissional artesanal e no modo de vida desses pescadores, pois estes
acabam sempre se sujeitando às normas e leis criadas.
Embora a maioria dos pescadores (60%) avalie a Itaipu Binacional como a
instituição mais presente e atuante no dia a dia, muitos pescadores manifestaram sua
indignação com a atuação desta no que se refere à diminuição do pescado pelo
rebaixamento das águas e outros fatores já mencionados.
É possível perceber que as políticas organizadas e proclamadas parecem
apontar para uma orientação que despreza tanto a forma de trabalho do pescador
profissional artesanal, no sentido em que desqualifica o modo de trabalho desse
profissional, quanto despreza as relações de trabalho artesanal, a captura e o manejo
pesqueiro e, por conseguinte, o seu modo de vida.
O discurso de contribuir para a equidade do uso sustentável do recurso
pesqueiro não elimina o risco e, na verdade, o amplia, pois as estratégias discursivas
excluem a alteridade na busca da modernidade e tecnologia.
Assim, pensar numa gestão participativa da pesca seria ideal, em que
mecanismos de negociação e de consenso que envolvam o pescador estejam
assegurados, pensando na possibilidade de reduzir o impacto da modernização do
território sobre as comunidades de pescadores profissionais e assegurar o valor da
tradição.
É importante não permitir a ascendência dos interesses políticos que tomem
a pesca como assunto de seus negócios e pretensões sem o devido benefício e
compromisso ético com a categoria. Por isso, dever-se-ia sempre incluir o pescador
em múltiplos processos socioambientais, em projetos e em políticas públicas.
O pescador profissional artesanal, quando inserido num espaço de discussão,
tem, aparentemente, certa autonomia da palavra, no sentido em que a liderança
constituída pode solicitar o direito a falar dos problemas e das aspirações do grupo.
Essa autonomia pressupõe que seja possível o pescador sentir-se membro de um
grupo mais abrangente o qual as entidades dizem representar.
As expectativas mencionadas pelos pescadores da Colônia Z11 esperam
uma interação desta com os agentes e instituições da pesca em prol da preservação
de seu modo de vida além da produção. Porém as políticas acabam apoiando
investimentos em produtividade, não em manutenção ou em adequação das culturas
pesqueiras.
162
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Dedicar-se a elaborar um trabalho dissertativo sobre a pesca artesanal e
refletir sobre as suas principais problemáticas pressupõe o entendimento da pesca
artesanal como uma atividade complexa e que forma territórios.
A construção desses territórios perpassa por uma série de desafios e de
conflitos, mas que tem como base comum a valorização capitalista do espaço
geográfico e as diferenciações de interesses sociais, políticos e econômicos.
A grande contradição que a análise geral da pesca artesanal revela no
trabalho, é que essa atividade, apesar de possuir um forte significado econômico,
cultural e ambiental, ela, no seu desenvolvimento, é desacompanhada de políticas
públicas proporcionais à sua importância.
O Estado brasileiro, historicamente, negligenciou a pesca artesanal,
deixando-a desassistida nas necessidades essenciais para o seu fortalecimento e
mesmo para a sua sobrevivência, sendo os pescadores artesanais considerados
ineficientes e improdutivos. O que ocorre, porém, é que as estatísticas apresentadas
e discutidas contradizem isso, pois os dados revelam que a pesca artesanal é um
setor produtivo tão importante, em termos de produção, quanto a pesca industrial.
Percebe-se, então, que a pesca artesanal necessita de muito mais do que
apenas políticas de assistência social. Precisa também ser reconhecida como uma
atividade econômica importante e, como tal, precisa dispor de políticas específicas
para o seu desenvolvimento, tal qual ocorre com outros setores econômicos.
Ao estudar a questão pesqueira do Lago de Itaipu, constata-se que a atuação
dos pescadores forma o “território da pesca”, partindo do princípio de que toda
relação de poder desempenhada por um sujeito no espaço produz um território, ao
apropriarem e usarem esse espaço para as suas necessidades profissionais e
cotidianas, por nele interagirem.
As relações de poder existentes nesse território são desempenhadas pelos
sujeitos, aos quais denominamos sujeitos territoriais. Esses sujeitos se apresentam
como o pescador, a sua família, a coletividade da Colônia Z11, os grupos locais, o
Estado, as empresas. Assim indissociável das relações de poder e dos conflitos que
ali são estabelecidos, revela-se a territorialidade do pescador.
163
A territorialidade passa a ser identificada em perspectivas não apenas
remetidas à materialidade (política, economia), mas vinculadas (e/ou incorporando) à
dimensão simbólica também (imaterialidade).
O Lago de Itaipu constitui oficialmente um território, o “território lindeiro”,
legitima-se esse território a partir do espaço social produzido, (alagamento das terras
e formação do reservatório da Usina de Itaipu), das delimitações físicas (Colônias e
pontos de pesca) das relações sociais, de poder e de suas representações simbólicas
(modo de vida dos pescadores). Esse fenômeno territorial é reconhecido aqui como
produto das relações sociais de poder que se manifestam nas ações dos mais
variados agentes sociais e, não apenas, como produto da ação estatal e, que resulta
numa gama de conflitos territoriais.
Nesse sentido, as considerações ora em apresentação têm o objetivo de
retomar, não de forma conclusiva, mas, sim, de forma reflexiva, alguns pontos
discutidos na formação e nos conflitos desse território pesqueiro.
O pescador e a pesca do Lago de Itaipu possuem características bem
específicas, por isso destacamos as seguintes:
(i) Os pescadores se configuram numa comunidade pesqueira, por
apresentarem características de companheirismo, ajuda mútua e convivência no
trabalho diário da pesca, nas festividades e nas reuniões da Colônia Z 11, mesmo as
moradias sendo distantes umas das outras.
(ii) O pescador não possui uma tradição secular (pois o ofício é recente na
região), isso não o torna menos pescador. Este se caracteriza por ser um
pescador/agricultor na maioria dos casos. Mesmo afirmando que a pesca é sua
principal fonte de renda, constatou-se a diversidade de atividades desenvolvidas,
além da agricultura: apicultura, trabalhador informal no campo e na cidade, servente
de pedreiro (pluriatividade).
(iii) A atuação feminina no ambiente da pesca é bem expressiva. Os
pescadores são, na maioria homens, são os que realizam a pesca no Lago. A mulher
pescadora realiza trabalhos de ajuda e de limpeza do pescado. Os filhos ajudam até
atingirem idade para estudar ou para trabalhar fora de casa. A arte de pescar e a
utilização dos apetrechos de pesca são considerados atividade simples e artesanal,
principalmente no que se refere à utilização dos barcos de madeira (com motor) e de
redes.
164
(iv) Os conflitos territoriais são bem visíveis no que se refere ao uso do Lago
por
outros
pescadores
(profissionais,
amadores
e
clandestinos),
pelos
contrabandistas, pela Itaipu Binacional com a produção energética (que rebaixa o
nível do reservatório conforme sua conveniência e em decorrência do regime de
chuvas da bacia superior do Rio Paraná) e pelo MPA, quando muda normas da pesca
que afetam o grupo.
Nos conflitos territoriais ficou explícito a clandestinidade como fator
decorrente, principalmente, da atuação clientelista da Colônia, que deixando de lutar
por direitos de forma gratuita, passando a exigir valores abusivos de mensalidade e
taxas para renovação da carteira de pescador.
(v) Os embates políticos são muitos, principalmente entre interesses estatais
e dos pescadores.
No jogo de interesses presentes no Lago de Itaipu, percebeu-se as intenções
da Itaipu em desenvolver projetos idealizados em função da busca pela
sustentabilidade econômica e ambiental. Mas na realidade, é pertinente para a Itaipu
a existência dos pescadores, pois estes se tornam cuidadores do lago enquanto
vivem nele.
Quanto a criação de peixe em tanques-rede, projeto incentivado pela Itaipu
visa a produção em quantidade, porém os pescadores, em sua maioria, preferem
extrair o pescado mantendo seu modo de vida, não criar o pescado, mas, pela falta
de estoque natural no reservatório e pela necessidade econômica, acabam realizando
a atividade. Outro embate se refere aos circuitos da comercialização da pesca que
estão fragilizados. A Colônia Z11 busca a criação do Sistema de Inspeção Municipal
em São Miguel do Iguaçu, convênios com a Prefeitura Municipal e luta pela liberação
de peixes do gênero Tilapia para a venda em frigorífico.
Um dos graves problemas da pesca artesanal é o estoque natural de peixe e
a questão da rede de comercialização deste produto, que em geral é realizada com a
presença de intermediários e que se apropriam da renda dos pescadores artesanais.
É preciso fazer com que a cadeia de produção se estruture no sentido de capacitar e
fortalecer os pescadores artesanais. Com mais autonomia no processo produtivo, os
pescadores teriam condições de vida mais dignas.
No entanto depara-se com uma realidade difícil, a escassez do pescado no
Lago, o que promove uma política divergente dos anseios do modo de vida artesanal.
165
Do ponto de vista da pesca, a execução de políticas (principalmente o projeto
Mais Peixes em Nossas Águas) preveem a organização e a modernização do setor
no Lago e na Colônia, estariam em busca da produtividade, onde os pescadores
artesanais são levados a enxergá-la como alternativa adequada (geralmente única)
para a resolução do problema, numa tentativa de disciplinar o pescador para a
atividade criatória de peixe, mesmo o pescador do Lago preferindo extrair o pescado
do reservatório.
Os pescadores artesanais do Lago de Itaipu, da Colônia Z11 estão inseridos
em um contexto de mudanças na pesca contemporânea mudanças marcadas pelo
avanço do capitalismo, e que acabam sendo aceitas pela condição do pescador, sem
pescado não pode ficar.
Indagações e dúvidas aparecem no decorrer da pesquisa. Os pescadores,
em sua maioria, surgem a partir da formação do Lago, sendo que já possuía outra
ocupação ou profissão, geralmente na agricultura. Então esse sujeito é pescador ou é
agricultor? A pesca é sua profissão, seu modo de vida, ou é apenas uma alternativa a
mais?
Pode-se dizer que os pescadores vivenciam a expansão das relações sociais
capitalistas à medida que precisam viver novas relações de produção, não os
descaracterizando por isso. Continuam pescadores artesanais mesmo criando pacu
ou tilápia em ambientes confinados e que continuam pescadores mesmo trabalhando
como agricultores e/ou em outras atividades. Isso pode ser dito, pois o que os faz
pescadores é o seu sentimento de pertencimento a essa classe e ao seu território, é o
seu modo de vida, é a sua convivência com o grupo e a comunidade.
É justamente essa diversidade de sujeitos e de conceitos que caracteriza os
pescadores da Colônia Z11. Trata-se de uma comunidade pesqueira com sujeitos
distintos, mas com sua própria unidade e modo de vida. A construção desse território
perpassa por uma série de desafios, mas que tem como base comum a organização,
as relações de poder, os conflitos e o modo de vida.
Desse modo, admite-se a complexidade do território na pesca artesanal e sua
organização de grupo social figura como uma estratégia de territorialização. Por isso,
cabe à organização dos pescadores a transformação na atividade, sendo necessário
reescrever a correlação de forças em que a atividade se insere, vez que, ao contrário
dos discursos hegemônicos atualmente difundidos, ficou demonstrado, nesta
pesquisa, que a pesca artesanal apresenta grande viabilidade econômica, social e
166
ambiental. O pescador precisa deixar de ser invisibilizado pela sociedade e pelo
Estado, deve mostrar sua força e importância. Para isso é necessário fortalecer a
atuação do grupo e da Colônia, acabando com o clientelismo e formando lutadores.
A partir do estudo dos pescadores artesanais foi possível construir o
entendimento de que ser pescador artesanal é ser possuidor de um arcabouço de
conhecimento que é histórica e culturalmente construído e, geralmente, transmitido
de pai para filho, através dos tempos. São conhecimentos que dizem respeito às
técnicas de captura de pescado aplicadas em relação aos ritmos da natureza. Mesmo
assim, mais que isso, ser pescador artesanal pressupõe a construção de uma lógica
diferenciada para se relacionar com a natureza.
A discussão sobre o que significa ser pescador artesanal na comunidade não
se limita à exclusividade na atividade pesqueira. Ela adquire outras dimensões, como
a pluriatividade e os conflitos de interesses e de identidades que são necessárias
para o sustento do grupo e a manutenção do território.
A comunidade pesqueira da Colônia tem a organização do setor como
estratégia de territorialização. A Comunidade tanto contribui para a construção do
sistema organizativo institucional, quanto é diretamente influenciada por ele.
Desse modo, admitindo-se que é o momento de colocar um “ponto final” no
processo que envolve a pesquisa, vislumbra-se, como apontamento, reinterpretar
mais elementos que aparecem no estudo, levando a perceber que a complexidade do
território na pesca artesanal do Lago de Itaipu envolve uma maior gama de conflitos e
de contradições.
167
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180
ANEXOS
ANEXO 1 Parecer Consubstanciado do Comitê de Ética......................................181
ANEXO 2 Ata de algumas reuniões mensais da Colônia Z11...............................182
ANEXO 3 Zonas e Áreas de Pesca do lago de Itaipu............................................186
ANEXO 4 Estatuto da Colônia Z11.........................................................................188
181
ANEXO 1 Parecer Consubstanciado do Comitê de Ética
182
ANEXO 2 Ata de algumas reuniões mensais da Colônia Z11.
183
184
185
186
ANEXO 3 Zonas e Áreas de Pesca do Lago de Itaipu.
ZONA FLUVIAL
Área 1 – Guaíra:Situada na cidade de Guaíra, na região de transição entre o
ambiente lótico do rio Paraná e o lêntico do reservatório de Itaipu. O local é
caracterizado por um alargamento do rio Paraná, onde este apresenta baixa
profundidade e fundo de natureza rochosa. A influência do reservatório é menos
pronunciada, sendo as águas superficiais ainda velozes. A pesca é exercida com
tarrafas para a captura de cascudos.
Área 2 - Guaíra e imediações: Localiza-se entre as imediações da cidade de Guaíra e
a foz do arroio Capivari. É uma região relativamente estreita do reservatório, com
grande profundidade, especialmente nos pontos coincidentes com o antigo leito do
rio. Em seu leito da margem esquerda, ocorre uma mata de paliteiro, afogada quando
do alagamento de terras paraguaias. A pesca nessa região é realizada
predominantemente com espinhéis, para a captura de grandes bagres. As maiores
concentrações de pescadores estão localizadas na vila Santa Clara, Taturi, Passo Itá,
São João e Salto Maria.
Área 3 - Oliveira Castro: Situada no distrito de Dr. Oliveira Castro, município de
Guaíra. Essa área do reservatório apresenta-se pouco alargada. Na margem direita,
ocorre grande acúmulo de vegetação arbórea em decomposição. Os pescadores
encontram-se na vila de Dr. Oliveira Castro e nas localidades de Goiabeira, Água
Verde, Salto 24, Córrego da Onça e Salamanca. A pesca nesta área, antes efetuada
basicamente com anzóis para a captura de peixes de couro, passou no ano de 1997
a empregar com maior frequência redes de espera.
Área 4 – Arroio Guaçu: Está localizada no distrito de Arroio Guaçu, município de
Mercedes, até as imediações do arroio São Luiz. Apresenta um dos principais
tributários da margem esquerda, o rio Arroio Guaçu, cujo curso médio e inferior
apresentam-se sinuosos. A atividade pesqueira é realizada principalmente nas
cercanias de sua desembocadura no reservatório, e envolve redes de espera e
anzóis.
Área 5 - Porto Mendes: Essa área localiza-se entre a foz do arroio São Luiz e a
Sanga Apepu, distrito de Porto Mendes, no município de Mercedes. Sua margem
direita apresenta os rios Possuelo e Carapã, importantes por apresentarem trechos
não represados e grande número de lagoas marginais. Os pescadores atuantes na
pesca comercial são moradores do patrimônio de Porto Mendes, ou lindeiros próximo
às margens do reservatório.
ZONA DE TRANSIÇÃO
Área 6 - Pato Bragado: Situada no município de Pato Bragado, entre a foz do rio
Branco e a margem esquerda do rio São Francisco. A pesca é realizada
principalmente na porção alagada desses tributários. Os pescadores residem na
cidade de Pato Bragado e imediações do reservatório. Pescadores oriundos de
regiões mais afastadas do corpo do reservatório, como a de Marechal Cândido
Rondon, deslocam-se para essa área para a pesca.
Área 7 - Entre Rios: Localizada no município de Entre Rios, entre a margem direita do
rio São Francisco e o distrito de São Clemente. Na margem direita do reservatório
encontra-se o rio Itambey, um dos principais afluentes paraguaios. A pesca nessa
região, baseada no uso de redes de espera, é realizada principalmente nos braços da
margem esquerda do reservatório, formados pelo alagamento de antigos afluentes do
rio Paraná, em especial o rio São Francisco. A pesca também é realizada nos riachos
e córregos do Marreco, Facão Torto, Sanga Alegre e Felicidade.
Área 8 - Santa Helena: Situada entre o distrito de Subsede São Francisco e o rio Dois
187
Irmãos, no município de Santa Helena. A pesca nessa área é realizada
principalmente nas partes alagadas do antigo leito do rio São Francisco Falso,
afluente de grande porte em sua margem esquerda. A este, segue-se, em ordem de
importância, o rio Dois Irmãos. Entre os apetrechos de pesca, destacam-se as redes
de espera, que predominam também na atividade de pesca nas áreas seguintes.
Área 9 - Vila Celeste: Localizada em Vila Celeste, distrito de Santa Helena, entre as
localidades de Santa Helena Velha e o rio São Vicente. A pesca é realizada,
sobretudo, nas localidades de São Vicente Grande, São Vicente Chico, Santa Helena
Velha, Moreninha, Esquina Rosa e Dom Armando. Essa área recebe, em sua
margem direita, o rio Limoy, maior afluente paraguaio.
ZONA LACUSTRE.
Área 10 São José do Itavó: Trecho do reservatório localizado entre a foz do rio São
João e a margem esquerda do rio Ocoí. A pesca nesse trecho é exercida por
pescadores oriundos das cidades e vilas ribeirinhas, como as de Vila Natal, Padre
Feijó/distrito de Missal, Sol de Maio, Esquina Gaúcha, Itacorá, Santa Inês e
Jacutinga, localizadas no município de Itaipulândia. A pesca é exercida
principalmente no rio São João e nas entradas de braços do reservatório.
Área 11 São Miguel do Iguaçu: Localizada no município de São Miguel do Iguaçu,
entre a margem direita do rio Ocoí e a margem esquerda do rio Passo Cuê,
englobando os centros de pescadores de Vila Ipiranga, São José do Ocoí, Santa
Rosa do Ocoí, Paulistana, Mauritânia, Saquarema e as cidades de São Miguel do
Iguaçu e Medianeira. Os trechos com maior atividade pesqueira ocorrem nas partes
alagadas do rio Ocoí e arroio Pinto.
Área 12 Santa Terezinha do Itaipu: Compreende o trecho do reservatório entre a
margem direita do rio Passo Cuê e a área de proteção próxima à barragem do
reservatório de Itaipu (Refúgio Biológico de Bela Vista). Os pescadores concentramse nas localidades do Alto do Bela Vista, Barro Preto, Três Lagoas, Alvorada do
Iguaçu, Pinho e na cidade de Santa Terezinha do Itaipu. Essa área apresenta em sua
margem esquerda o rio Gabiroba, em cujo leito alagado ocorre um expressivo esforço
de pesca.
188
ANEXO 4 Estatuto da Colônia Z11
189
190
191
192
193
194
195
APÊNDICES
APÊNDICE 1 Questionários realizado aos pescadores..........................................196
APÊNDICE 2 Questões das entrevista realizadas com os sujeitos da
pesquisa....................................................................................................................198
196
APÊNDICE 1 Questionários realizado aos pescadores
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA – NÍVEL DE MESTRADO
INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS
Questionário: pescadores do Lago de Itaipu (todos)
1- Perfil dos pescadores
Nome:.....................................................................................................
1.1) Sexo:
( ) Feminino
( ) Masculino
1.2 ) Estado civil
( )casado(a)
( ) solteiro (a)
( ) viúvo(a)
( ) separado(a)
1.3) Idade:.................................
Nascido em qual Estado:....................................Município..........................................
1.4 )Grau de escolaridade:
( ) não possui escolaridade ( ) 1º grau incompleto
( ) 1º grau completo
( ) 2º grau incompleto
( ) 3º grau incompleto
( ) 3º grau completo
( ) Superior ao 3º grau
1.5) Renda familiar:
( ) Inferior a 1 salário mínimo
( ) 1 a 4 salários mínimo
( ) 5 a 10 salários mínimo
( ) Acima de 10 salários mínimo
1.6Outra Profissão
( ) Agricultor
( )assalariado
( ) pescador
( ) autônomo
1.7Pesca á quantos anos ?
( ) antes da formação do Lago
( )Desde 1982 ( ) Desde 1995 ( ) Desde 2005
Oucoloque o ano...................
2. Avaliação da pesca - Instituições
2.1) Você considera o Lago de Itaipu um território voltado para a pesca artesanal?
Sim( )
Não ( )
2.2) Você acha que o ponto de pesca e o Lago possuem estrutura qualificada para seu
trabalho?
Sim( )
Não ( )
2.3) Se sua resposta for afirmativa, por quais motivos isso ocorre?
( )Equipamentos de pesca suficientes e adequados;
( ) Pescado suficiente;
( ) Incentivo da Itaipu e entidades locais;
( ) Ponto de pesca bem estruturado;
( )Auxilio desemprego na época da piracema ;
( ) Destinação de venda ao pescado;
( ) Preservação ambiental adequada.
( ) Outros _________________
2.4) Se sua resposta for negativa, por quais motivos isso ocorre?
( )Equipamentos de pesca insuficientes e inadequados;
( ) Pescado insuficiente;
( ) Falta de incentivo da Itaipu e entidades locais;
( ) Ponto de pesca mal estruturado;
( ) Insuficiente destinação de venda ao pescado;
( ) Falta de preservação ambiental adequada;
( ) Pesca predatória;
( ) Outros _________________
197
2.5) Sua família consegue sobreviver apenas com a renda da pesca?
Sim( )
Não ( )
2.6) Com a receita obtida do pescado você conseguiu investir e melhorar suas condições de
trabalho e de vida?
Sim( )
Não ( )
Pouco ( )
2.7) O que reformou ou adquiriu?
( )Equipamentos de pesca, como rede e barco;
( ) Reforma de embarcação e/ou barraco;
( ) Bens duráveis dentro de casa;
( ) Outros_____________
2.8) Tem alguém em sua família que está adotando esse legado ( pescador)?
Sim( )
Não ( )
Com que frequência pesca no Lago ?
( ) diariamente
( ) semanalmente ( ) quinzenalmente ( ) mensalmente
2.9) Quais as medidas que deveriam ser adotadas para melhorar a pesca ?
( ) Aumento do período da despesca ou piracema
( ) Maior incentivo da Itaipu na soltura de alevinos e outras espécies;
( ) Aumento da fiscalização e dos subsídios econômicos;
( ) Trabalho de conscientização com a população em relação a pesca predatória e cuidados
com o meio ambiente;
( ) Parcerias com a prefeitura, como a inclusão da polpa de peixe na merenda escolar;
( ) Criação de cooperativas;
Participa de alguma cooperativa da pesca? ( ) sim ( ) não
2.10) De que forma avalia atuação da Itaipu na pesca artesanal de seu município?
( ) ótima
( )boa
( )regular
( )péssima
Relate os motivos que levaram essa conclusão. O que a Itaipu faz (ou não) pelos pescadores.
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
2.11) Relate quais incentivos recebem de órgãos públicos e como estes atuam na pesca
artesanal do Lago de Itaipu:
DRS:______________________________________________________________________
MAP:______________________________________________________________________
SFPA-PR: ______________________________________________________________
Políticos locais (prefeitura e câmara de vereadores)
___________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
3. Avaliação da Colônia de Pesca Z11
3.1) Como você avalia o trabalho da Colônia de Pesca Z11 (presidente )?
( ) ótimo
( )bom
( )regular
( )péssimo
Relate os motivos que levaram essa conclusão.
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
3.2) Com que frequência vai as reuniões e assembleias promovidas pela Colônia de Pesca
Z11?
( ) Sempre
( )Algumas vezes
( )Raramente
( )Nunca
Justifique.____________________________________________________
3.3) Como você avalia a organização da Colônia e pescadores Z 11 e seu envolvimento com
outras colônias ? Relate.
___________________________________________________________________________
3.4) Prefere pescar no Lago de Itaipu ou criar peixe em tanque rede ? Por quais motivos?
198
APÊNDICE 2 Questões das Entrevistas realizadas com os sujeitos da pesquisa
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA – NÍVEL DE MESTRADO
INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS
Entrevista: pescadores do Lago de Itaipu
Iniciais do Nome:
Idade:
Por quais motivos se tornou pescador artesanal no Lago de Itaipu?
O que mais gosta em ser pescador?
Qual a importância social e econômica de um pescador para a colônia e para a sociedade?
O lago é importante para você?
O que você pensa sobre a atuação da colônia de pescadores Z11 e da Itaipu?
Relate seu cotidiano de pescador num dia que sai para pescar?
__________________________________________________________________________
INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS
Entrevista: Presidente DRS e Banco do Brasil-SMI
Qual a importância do DRS para as Colônias de Pescadores do Lago de Itaipu,
especialmente a ColôniaZ11?
Como o DRS promove o desenvolvimento do território da pesca?
Quais são as parcerias do DRS com os pescadores?
O que mudou para os pescadores com as parcerias? Relate.
Qual a importância social e econômica de um pescador para a colônia e para a sociedade?
___________________________________________________________________________
INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS (IV)
Entrevista: Itaipu Binacional
Quais os incentivos que a Itaipu Binacional apresenta para o setor pesqueiro? Estes chegam
aos pescadores de que forma?
Como a Itaipu Binacional contribui para os pescadores do Lago de Itaipu na manutenção do
território da pesca?
Quais as medidas tomadas pela Itaipu Binacional para o fortalecimento da pesca artesanal
nos municípios lindeiros ao Lago?
__________________________________________________________________________
INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS
199
Entrevista: PREFEITURA
Como a Prefeitura Municipal de SMI avalia o setor pesqueiro no município (importância social
e econômica do setor e do pescador)?
Quais os incentivos que a Prefeitura Municipal de SMI apresenta para o setor pesqueiro?
Estes chegam aos pescadores de que forma?
Quais as medidas tomadas pela Prefeitura para o fortalecimento da pesca artesanal nos
municípios lindeiros ao Lago a partir desta gestão?
________________________________________________________________________
INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS
Entrevista: Presidente Colônia de pescadores Z11 do Lago de Itaipu
Relate quando e como foi a formação da Colônia de Pescadores Z11?
Quantos são os associados da Colônia Z11? Quantos são associados á Cooperativa?
Trace o perfil dos pescadores.
Antes da existência da colônia como os pescadores se organizavam e eram representados?
Existem parcerias com outras colônias de Pesca do Lago de Itaipu?Qual(is)? Como
funciona?
Existem outros parceiros da Colônia de pescadores Z11 que contribuem para sua gestão e
organização territorial?
Como o senhor na categoria de Presidente da Colônia avalia a Colônia de pescadores Z11 e
sua importância para os pescadores e a sociedade em geral?
Quais são as principais dificuldades enfrentadas no setor pesqueiro?
Quais os benefícios que a organização da colônia oferece aos pescadores?
Qual tem sido a relação da colônia com órgãos públicos?
Qual a importância social e econômica de um pescador para a colônia e para a sociedade?
O que é exigido da pessoa que tem interesse em ser um pescador no lago e associado á
colônia Z11?
__________________________________________________________________________
INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS
Entrevista: Câmara de Vereadores.
Como a Câmara Municipal de SMI avalia o setor pesqueiro no município (importância social e
econômica do setor e do pescador)?
Quais os incentivos apresentados para o setor pesqueiro? Estes chegam aos pescadores de
que forma?
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