M.J. Alcoforado_CLIM2_seminário_2007_08 1 Ventos devidos à topografia T. Oke, Boundary Layer climates (p. 176-189) Tradução preliminar MJA Os vales (..) produzem os seus próprios sistemas de ventos locais, como resultado de diferenças térmicas. Tal como nas brisas do mar e da terra, a circulação dos ventos locais nos vales são mais desenvolvidos em situações anticiclónicas de verão. Sob estas condições, com céus sem nebulosidade e vento de gradiente fraco, o aquecimento ou arrefecimento diferencial de diferentes troços da superfície dá origem a gradientes horizontais de temperatura e de pressão, que vão originar ventos. A natureza destes sistemas de ventos depende da orientação e geometria do vale. Os sistemas de ventos mais bem desenvolvidos e mais simétricos ocorrerão num vale profundo, rectilíneo e orientado de Norte para Sul. Em vales com outra orientação, ou possuindo geometria complexa (curvas ou constrições), o padrão do fluxo pode ser assimétrico ou incompleto. Para conveniência de estudo, considerar-se-á o caso de um vale Norte-Sul simples, mas mesmo aqui haverá alguma assimetria com o tempo, devido à variação diurna do input da radiação solar nas vertentes orientadas a Este e a Oeste. Durante o dia, o ar acima das vertentes do vale será aquecido pela superfície subjacente até a uma temperatura, que será superior à do centro do vale à mesma altitude. Em resultado, um fluxo pouco espesso e instável vai-se desenvolver (brisa ascendente de vertente ou anabática; upsole or catabatic wind); e, para que este fluxo se mantenha, desenvolve-se uma circulação fechada, que envolve igualmente a subsidência do ar no centro do vale. Comummente, a velocidade da brisa ascendente de vertente é de 2 a 4 m/s, com um máximo a aproximadamente 20-40 metros acima da superfície. Pode dar origem a nuvens convectivas anabáticas ao longo dos interflúvios. Em regiões tropicais, este fenómeno pode dar origem a maiores precipitações nos interflúvios do que no fundo do vale. Esta circulação transversal ao vale (cross-valley circulation) transporta calor sensível (QH) a partir das superfícies sobre-aquecidas e contribui para aquecer toda a atmosfera do vale. Assim, quando comparada com a atmosfera livre próxima (por exemplo sobre uma planície próxima ou mais para jusante), o ar contido no vale acima referido está mais quente. E, de um modo análogo à brisa do mar, desenvolve-se um vento entre a planície e o vale, denominado brisa do vale (valley wind), que ocupa todo o vale. O máximo gradiente de pressão é próximo do solo e, consequentemente, a maior velocidade do vento ocorre tão próximo do solo quanto é permitido pelo atrito do solo. Acima dos interflúvios, existe uma contra-corrente (anti-valley wind ) de montante para jusante durante o dia. Mais uma vez a similitude com a célula da circulação da brisa do mar é evidente. Acima desta contra corrente da brisa do vale, poderá ocorrer outro vento (vento sinóptico). Durante a noite, a superfície do vale arrefece, devido à emissão de radiação de grande comprimento de onda. As camadas de ar inferiores estão mais frias e deslizam em direcção ao fundo do vale a 2 a 3 m/s, mas ocorrem maiores velocidades se a camada de ar fria é mais espessa e a vertente mais inclinada. A convergência destes ventos descendentes de vertente no centro do vale, têm como resultado um movimento fraco de ascendência no centro do vale. Os ventos descendentes das várias vertentes vai originar um vento que soprará para jusante (down-valley flow, brisa da montanha), que sopra dos vales para as terras baixas adjacentes. Forma-se então uma contra-corrente em altitude e em direcção à alta montanha (anti-mountain wind). A drenagem do ar frio (descendente de vertente ou brisa da montanha) ocorrem mais frequentemente de forma intermitente, do que sob a forma de um fluxo contínuo. Ainda não se conhece bem a razão deste comportamento, mas parece que o ar frio e estável possa ser retardado ou bloqueado por obstáculos no seu caminho, até que se atinja um limiar em que o ar ultrapasse os obstáculos e se desloque para jusante. (....) [A este respeito, leia-se também a hipótese de Nakamura, descrita em Lopes, 1995] Fluxos catabáticos semelhantes ocorrem a escala diferente (de menor detalhe) à superfície e nas margens de calotes de gelo continentais. Neste caso, a espessura do fluxo atinge 300 metros (..) e a velocidade do vento pode atingir 20 m/s. Na maior parte dos casos, o fluxo é menos espectacular (cerca de 1m/s ou pouco mais). Diferenças de altitude de menos de 1 m PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com M.J. Alcoforado_CLIM2_seminário_2007_08 2 favorecem já a drenagem do ar frio para a parte mais deprimida da topografia (pequenas depressões, bacias, fundos de vale). O ar mais frio (e mais denso) acumula-se nos locais mais baixos e, consequentemente, a temperatura aumenta em altitude, produzindo uma inversão térmica. Nestas condições de estabilidade há um aumento de temperatura com a altitude. O ar que se desloca para as áreas deprimidas pode não ser mais frio do que aquele que já aí se encontra, especialmente se o seu movimento for suficientemente vigoroso para produzir turbulência. Nesse caso acumula-se sobre o lago de ar frio. Se o arrefecimento for suficiente para que a temperatura desça abaixo do ponto de orvalho, a estratificação é tornada visível pela presença de nevoeiro de irradiação nos locais mais deprimidos. Se as temperaturas descem abaixo do ponto de congelação, então as mesmas áreas estão sujeitas a maior risco de geada. Estas “bolsas” de geada devem ser evitadas quando se plantam árvores e culturas que as não suportam. Sob estas condições, à medida que se sobe nas vertentes, a temperatura eleva-se até se atingir o limite superior do lago de ar frio. Acima deste ponto, a temperatura decresce normalmente segundo o gradiente adiabático. Assim, a localização mais favorável termicamente nas vertentes é imediatamente acima do limite mais frequente do lago de ar frio. Esta área é conhecida com o nome de “cintura térmica” (thermal belt) e a sua altura depende da geometria do vale e das fontes que alimentam o lago de ar frio. Esta cintura segue geralmente as curvas de nível e corresponde à localização mais favorável para as culturas termicamente mais sensíveis (pomares, vinhas, etc) e para as povoações. A destruição da inversão térmica nocturna é diferente da “erosão” da mesma em terreno plano. Quando a radiação solar começa a atingir o vale, o calor sensível da superfície gera uma pouco espessa camada turbulenta; isto ocorre tanto no fundo do vale como sobre as vertentes, isolando assim, no centro do vale e ao longo deste, um núcleo de ar estável. À medida que estas camadas de ar turbulento se desenvolvem, os fluxos anabáticos pouco espessos ao longo das vertentes vai removendo o ar frio do topo do núcleo de ar frio, e causando subsidência do ar que aquece adiabaticamente, fazendo diminuir a altitude do topo da inversão térmica. Nos momentos subsequentes, o movimento ascendente na camada turbulenta e a descida do topo da inversão combinam-se para eliminar o núcleo estável e uma atmosfera turbulente preenche o perfil transversal do vale. Sistema de drenagem do ar frio em Oeiras (Lopes 1995) Foi possível verificar experimentalmente o carácter intermitente deste fenómeno ao longo da noite, assim como a dissimetria térmica dos lagos de ar frio, formulando-se uma hipótese quanto à sua alimentação. No início da noite de 20 de Janeiro de 1993, junto a Barcarena a acumulação do ar frio no fundo do vale era já visível, embora o lago ainda não se encontrasse bem desenvolvido. Os locais menos frios (10 a 11°C) eram os sectores intermédios das vertente, formando-se aí uma pequena cintura térmica, e o topo ocidental onde o vento de Nordeste soprava com maior intensidade (3 m/s). Como se referiu anteriormente, os sectores mais elevados das vertentes são áreas onde existe uma correlação positiva entre a velocidade do vento e a temperatura. À meia-noite, um lago de ar frio já se encontrava bem desenvolvido no fundo do vale de Barcarena. Como se pode observar na figura, o seu núcleo mais frio (4,6°C) não coincidia com o local topograficamente mais deprimido, encontrando-se ligeiramente desviado para leste. Este fenómeno decorre do comportamento térmico diferenciado das duas vertentes: na parte ocidental do vale não há drenagem intensa do ar frio, facto comprovado pelo aumento gradual da temperatura da base até ao topo e pela ausência de vento nas áreas fonte do ar frio (40-80 m); na vertente leste ocorria a drenagem do ar frio, comprovada pelo declive acentuado da curva da temperatura entre 50 e 80 m. Uma alimentação de ar frio diferenciada poderá ser estar na origem da dissimetria do lago anteriormente descrita. Às 2 horas o lago de ar frio encontrava-se novamente pouco desenvolvido, confinando-se ao fundo do vale. O gradiente térmico entre 35 e 50 m (fig. 6b) era, no entanto, elevado (cerca de 3°C), existindo acima deste nível uma camada de ar isotérmica, que formava uma cintura térmica bem desenvolvida, com cerca de 80 m de altura. Uma nova fase de drenagem do ar frio mais intensa ocorreu cerca das 4 horas, para duas PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com M.J. Alcoforado_CLIM2_seminário_2007_08 3 horas mais tarde o lago de ar frio atingir novamente a sua altura máxima (cerca de 50 m), com a chegada do ar mais arrefecido das vertentes. No final da madrugada a isotermia é quase perfeita nas duas vertentes, desaparecendo por completo o lago de ar frio e a drenagem que o alimentava, assim como as cinturas térmicas. Tal facto decorreu do aumento da velocidade do vento de gradiente. Durante a madrugada de 5 de Fevereiro de 1993 O lago de ar frio apenas é bem nítido entre a meia-noite e as 4 horas, desaparecendo depois. O aumento da velocidade do vento de gradiente durante a noite poderá justificar o desmantelamento prematuro das estruturas do sistema de drenagem do ar frio. No entanto, antes de desaparecer, o lago apresentava uma dissimetria estrutural, encontrando-se inclinado para ocidente e atingindo uma maior altura sempre na vertente oriental. Esta inclinação dever-se-á, não só, a uma maior alimentação em ar frio na vertente oriental (as temperaturas foram cerca de 1º C mais baixas nesta vertente), mas também à presença do núcleo urbano de Laveiras, que impede o ar frio, formado junto aos topos, de atingir o fundo do vale. Ventos modificados pela topografia O fluxo sobre terreno não uniforme não é fácil de generalizar. Cada colina, vale, depressão, árvore, rochedo, sebe, etc cria uma perturbação no padrão do fluxo geral, de modo que o padrão de vento detalhado de cada paisagem é único. No entanto, é possível isolar alguns padrões de fluxo típicos em torno de obstáculos específicos. No entanto, se o campo de vento detalhado for necessário, será melhor modelizar a situação, construindo um modelo à escal e sujeitando-o a simulações de fluxo num túnel de vento. Antes de descrever as características do vento, é conveniente de discutir o conceito de separação. O fluxo sobre uma superfície plana normalmente adere a esta adere; esta situação é às vezes denominada de non-slip condition. Mas é possível que o fluxo se separe da superfície. Um gradiente de pressão contrário pode levar o fluxo a abrandar, parar ou mesmo a adquirir um sentido inverso ao inicial. Isto acontece quando o fluxo passa sobre uma discontinuidade da superfície (por exemplo um obstáculo inclinado ou uma depressão). O fluxo não se consegue adaptar totalmente à topografia, separa-se da superfície e é criada uma área de baixa pressão, que aspira parte do fluxo, gerando frequentemente vórtices turbulentos a sotavento. Estes turbilhões que se formam a sotavento (lee eddies) contribuem para formar uma esteira muito turbulenta. É deste modo que a turbulência mecânica é gerada à superfície em torno de cada pedra, tufo de vegetação rasteira, rochedo, árvore, casa, etc. Aqui o fluxo em torno de obstáculos topográficos é classificado em função da ocorrência, ou não, de separação do fluxo. (i) Fluxo em torno de topografia de dimensões moderadas (até 17º) (..) Nestes casos o fluxo da camada limite consegue ajustar-se sem separação. Um aumento da altitude relativa vai obrigar o fluxo a uma constrição vertical e daqui resulta uma aceleração. Pelo contrário, uma diminuição da altitude irá dar lugar a uma diminuição da velocidade. Aplicando estas regras básicas a formas topográficas simples, conclui-se o seguinte (por comparação com fluxo não obstruído a montante do obstáculo e à mesma altura acima da superfície do solo: - Uma crista (2D) irá originar uma aceleração na sua vizinhança, com um máximo no topo da crista - Um vale provocará uma diminuição do fluxo, com máximo abrigo junto ao fundo do vale - Um degrau irá originar uma aceleração com um máximo mais elevado (no movimento ascendente) e uma diminuição da velocidade com uma velocidade relativa mínima junto da base da vertente (no movimento descendente), - Uma colina (3D) ou uma ilha aumentará a velocidade sobre ela, tal como numa crista, mas também em torno dela, com um máximo no topo. - Um “estrangulamento” de um vale produzirá uma aceleração com um máximo no ponto de maior estreitamento. Taylor e Lee (1984) sintetizaram os resultados de observação e teoria sobre estes fluxos. Eles sugerem que o factor de amplificação máxima pode ser estimado usando esta fórmula simples: Umax/uup =1 + b (H/X) PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com M.J. Alcoforado_CLIM2_seminário_2007_08 4 Em que Umax/uup é o factor de ampliação máxima uup é velocidade média na subida à mesma altura acima da superfície do solo do que o vento Umax Umax é Vento no topo da elevação H é a altura da elevação (ou a profundidade do vale) X é a distância ente o topo da elevação até um ponto a barlavento que se encontre a uma altitude de H/2. O valor recomendado de b á 2 para uma crista (2d), 1,6 para uma colina e 0.8 para um degrau. A mesma fórmula pode-se aplicar ao máximo factor de diminuição umin/uup para a forma inversa (por exemplo, vale em vez de crista),com a modificação de H, que se torna negativo. Os mais fortes factores de ampliação correspondem ao valor 2 (ou seja a velocidade do vento no topo de uma crista é o dobro da de um local a meia encosta). Valores mais típicos são 1,6 ou 1,8. Estes são valores de aceleração que ocorrerão perto da superfície, junto ao topo de uma colina. (..) Deve ser sublinhado que estas equações se aplicam a condições neutras de estabilidade da atmosfera, com fluxo perpendicular à maior dimensão da crista. O factor de ampliação diminuirá em condições de instabilidade e quando o fluxo faz ângulos menos pronunciados com o eixo da crista (ou de outro elemento topográfico). Em condições de estabilidade, a aceleração (ou a diminuição de velocidade) podem ser maiores do que em caso de uma atmosfera neutra porque o ajustamento do fluxo está restringido a uma camada menos espessa. Uma inversão em altitude é particularmente importante porque o fluxo deve passar por um espaço limitado ente o topo da elevação e a base da inversão. Também vai contribuir para que uma parte do fluxo seja ajustado lateralmente, ou seja ao longo das vertentes de uma colina, porque os moviemntos horizontais são menos desfavorecidos. (ii) (..) Fluxo sobre topografia acidentada (vertentes com inclinação superior a 17º) Neste caso, há separação de fluxos, ocorrendo fluxos secundários. Estes sistemas complexos não podem ser analisados matematicamente; assim, apenas descreveremos alguns casos comuns, tal como se observa na figura 5.16 (p... CD). Os princípios da separação do fluxo são vistos caso a caso. - À medida que o fluxo se aproxima de uma crista de vertentes abruptas, a pressão aumenta do meio até ao topo da vertente a barlavento. A maior parte do fluxo move-se para cima (para a menor pressão) e passa sobre a crista com um aumento da velocidade no topo. Parte do fluxo é deflectido e encaminhado para baixo (ainda a barlavento do obstáculo) onde ocorre uma área de baixa pressão e formam-se remoinhos a barlavento (bolster eddies) ao longo da base da vertente. Aqui o fluxo ocorre em sentido oposto ao do fluxo principal e os ventos são fracos, instáveis e turbulentos. Torna a haver separação de fluxo a sotavento do obstáculo e formam-se remoinhos a sotavento (lee eddies).O vento à superfície tem aqui também um sentido contrário ao do fluxo principal e os ventos são fracos e instáveis. Embora esta área esteja abrigada em média, ela está sujeita a rajadas. Acima e um pouco para sotavento as condições são propícias à formação de nuvens. No caso de uma atmosfera estável, uma série de ondas de relevo (lee waves ) com nebulosidade associada podem-se formar para sotavento. Existem muitas implicações ambientais e práticas destas estruturas preferenciais do fluxo de ar em torno de obstáculos topográficos. O conhecimento dos locais exactos de aceleração do fluxo é importante para a localização de geradores eólicos, fontes de emissão de poluentes, para maximizar a dispersão daqueles, torres de telecomunicações para evitar falhas nas estruturas e padrões de corte na floresta para minimizar a queda de árvores, devido a ventos muito fortes (ver também T. Oke, p. 186). A possibilidade de delimitar as áreas abrigadas é útil para minimizar a perda de calor das casas, planear estradas para evitar acidentes e para evitar áreas de grande deposição de neve ou de areia. Os lee-eddies são sistemas de circulação semi-fechados e portanto os locais onde estes ocorrem correspondem a uma má localização para fontes poluentes. Do mesmo modo, áreas de movimento descendente persistente devem ser evitadas para as mesmas utilizações e são locais perigosos para a aterragem de aviões. PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com M.J. Alcoforado_CLIM2_seminário_2007_08 5 Da mesma maneira, áreas de convergência são excelentes para, lançar papagaios e para voos com planadores. O conhecimento dos padrões de fluxo locais em torno de ilhas, cabos e penhascos traz grandes vantagens para marinheiros. Verifica-se que realmente o conhecimento de princípios que governam as brisas térmicas e os ventos modificados pela topografia é imprescindível em grande número de actividades ao ar livre. PDF created with pdfFactory Pro trial version www.pdffactory.com