Nome: Pablo Turazzi Vilanova | Nº USP: 5421896 | Turno: Noturno Accountability, Confiança Política, Cultura Política e Qualidade da Democracia Objetivos e justificativa Este trabalho pretende investigar como se dá a relação entre os mecanismos de accountability e confiança e cultura política e qualidade da democracia, buscando esclarecer quais são os elementos mais importantes para o bom funcionamento dessas variáveis, como se dá a relação entre elas e qual é o impacto das mesmas na qualidade das democracias. Optei por limitar o escopo do trabalho à América Latina devido à disponibilidade de dados para a realização do trabalho. Supõe-se que a indisponibilidade ou o mau funcionamento dos mecanismos de accountability afeta negativamente a confiança política dos cidadãos e, por conseguinte, seu apoio ao governo democrático, o que comprometeria a qualidade da democracia. Qualidade da democracia e accountability Uma democracia requer, no mínimo, sufrágio universal adulto, eleições justas, recorrentes, competitivas e livres, mais que um partido político sério e fontes alternativas de informação. É também necessário garantir aos eleitores liberdade de associação relativa a seus interesses e crenças e, ademais, soberania às instituições para que não sejam coagidas por interesses que não permitam fiscalização por parte do eleitorado. É evidente que, para o estudo de conceitos ligados aos mecanismos de accountability, há de se trabalhar com uma definição mais ampla de democracia, que envolva definições do que é uma democracia “boa”, ou o que é qualidade em uma democracia. Segundo Morlino e Diamond, a avaliação da qualidade das democracias deve levar em conta, como ocorre em empresas, procedimentos, conteúdos e resultados. Boas democracias satisfazem as expectativas do cidadão (resultados), oferecem liberdade extensiva e eqüidade política (conteúdos) e proporcionam a possibilidade de avaliar as práticas políticas aos cidadãos e, internamente, ao governo (procedimentos). Ademais, a qualidade das democracias pode variar em oito dimensões: cinco procedimentais (primado da lei, participação, competição, accountability vertical e 1 accountability horizontal), duas substantivas (respeito às liberdades civis e políticas e implementação progressiva de igualdade social, econômica e política) e uma que conecta as dimensões procedimentais às substantivas (responsividade). De acordo com Schedler, a accountability tem três características principais: informação, justificativa e punição/compensação. A informação é indispensável para que algo se torne fiscalizável (ou seja, para que haja prestação de contas); os líderes podem oferecer justificativas relativas às suas ações; e uma punição ou compensação é dada de acordo com a avaliação da informação e da justificativa. A accountability horizontal se refere às agências cuja finalidade é fiscalizar e possivelmente punir as ações governamentais; tais agências muitas vezes fazem parte do governo, como é o caso dos Tribunais de Contas, as Procuradorias e o Ministério Público. Idealmente, seria necessário que essas agências mantivessem certo grau de independência – mantendo-se um tempo fixo de exercício do cargo, fazendo-se contratações por meio de critérios técnicos que liquidassem qualquer possibilidade de nepotismo ou patronage – para que o governo não interferisse e, por conseguinte, corrompesse meios que deveriam justamente controlar a corrupção. Além disso, contas públicas deveriam ser sistematicamente auditadas para que se verificasse constantemente se haveria qualquer tipo de infração. E, finalmente, as informações encontradas que não fossem relativas à segurança nacional ou que não fossem privadas deveriam ser levadas à população. Já o conceito de accountability vertical diz respeito aos mecanismos por meio dos quais os cidadãos podem fiscalizar e tomar medidas relativas às ações governamentais; entre eles, a punição ou premiação de um mandatário por meio de eleições livres e justas e a articulação de reivindicações e denúncias, o que torna necessária a configuração de liberdades de opinião – e, conseqüentemente, a existência de fontes alternativas de informação. Ademais, o processo de monitoramento das ações dos governantes requer liberdade de associação, para que os cidadãos possam organizarse em grupos (tais como ONGs, think tanks ou mídias de massa) de maneira a pressionar por justificativas relativas a tais ações; requer também um sistema poderoso de accountability horizontal para que o primado da lei seja levado a cabo e, por conseguinte, mantenha-se a integridade dos processos verticais. De acordo com O’Donnell, as ações governamentais que podem ser qualificadas como “delituosas” dividem-se em três esferas: a da democracia, a liberal e a republicana. As ações delituosas relativas à democracia dizem respeito a decisões que 2 desrespeitem o primado da lei ou comprometam atributos como o sufrágio ou a competitividade, a justiça e a recorrência das eleições. A esfera liberal é prejudicada quando são desobedecidos princípios relacionados às liberdades individuais, e a esfera republicana é solapada quando as autoridades buscam satisfazer seus interesses privados ao invés de procurar o bem público. Confiança política, cultura política e accountability “Cultura política” refere-se à construção de uma tipologia de atitudes, crenças e valores políticos que as pessoas podem ter relativamente à vida pública. Entre eles, podemos destacar a afeição pela democracia, o respeito à lei e a participação e o interesse por política. De acordo com Almond e Verba, essas variáveis afetam o desenho e a missão das instituições e, por outro lado, são moldadas pelo funcionamento positivo ou negativo dessas últimas. Deste ponto de vista, a legitimidade dos regimes e o apoio à democracia estão associados à experiência política dos cidadãos e ao julgamento que fazem desta. Segundo Moisés, tal apoio se desdobra em duas dimensões, normativa e prática. A normativa diz respeito à adesão à democracia como princípio, derivada da cultura política; a prática se refere à satisfação e confiança dos cidadãos em relação às instituições. É evidente que, no caso das novas democracias, existe certa distância entre as duas dimensões devido à influência de seus históricos autoritários; estes incorrem, para os cidadãos, em uma experiência limitada de participação política e, aliados a fatores que afetam a cognição política (como a escolaridade) e a possível influência da percepção de déficits institucionais, em uma dificuldade de compreender e acompanhar as instituições voltadas ao funcionamento adequado da democracia. Um dos aspectos que abaliza a eficiência de um regime democrático, ou que comprova a qualidade de uma democracia, é justamente o funcionamento das instituições como canais por meio dos quais os cidadãos podem exercer suas preferências e direitos – ou seja, utilizar os mecanismos de accountability. O conceito de “confiança” diz respeito à coesão social necessária para o funcionamento das sociedades modernas, complexas e diferenciadas. Facilita a adoção de formas de ação comum que possam gerar virtude cívica, por parte da sociedade, e acumulação de experiência para a produção de benefícios, por parte da classe política. 3 Moisés apresenta duas concepções diferentes de confiança. Na concepção de Hardin e Levi, “confiar” é como apostar que os interesses mútuos dos atores envolvidos é suficiente para que alcancem os benefícios desejados. Para que não haja abuso da confiança de nenhum dos atores, é necessário que haja um encapsulamento de interesses das partes envolvidas; ou seja, ambos devem saber por antecipação se seus interesses serão levados em consideração pelo outro. Na concepção de outros autores, como Kramer, valores sociais formariam a base da decisão de confiar em contextos em que há pouco ou nenhum conhecimento do comportamento dos outros, o que ocorre porque os indivíduos possuem capacidade cognitiva limitada para avaliar racionalmente tais comportamentos. A forma mais usual de expressão da confiança é a de fenômeno particularizado, dentro de comunidades específicas, reiterando particularismos característicos dos grupos (por isso, parte da literatura descartou a influência desse tipo para a cooperação social ou objetivos políticos coletivos). A forma de maior relevância, contudo (para este estudo, inclusive) é a de fenômeno generalizado, isto é, com efeitos estendidos a estranhos que integram a comunidade política, o que implica em cooperar com vistas a objetivos coletivos – é uma alternativa para indivíduos que se sentem vulneráveis, mas ao mesmo tempo compartilham uma perspectiva comum definida por serem cidadãos. Originalmente definida como fenômeno interpessoal, a confiança nas instituições políticas tem como base as expectativas sociais a respeito destas e dos responsáveis por sua gestão, bem como o pertencimento dos cidadãos à comunidade política, que está implícito na justificação normativa das mesmas. Moisés argumenta que, na realidade, “a explicação do fenômeno de confiança em instituições radica nas próprias instituições e não na confiança interpessoal. Isso se refere ao sentido ético e normativo da mediação que elas implicam para o que contam seus fins, na justificação e seus meios de seu funcionamento” (MOISÉS, 2005:23). Por conseguinte, os julgamentos que estimulam os cidadãos a decidirem quanto a confiar em instituições são relativos à consistência e coerência interna de suas normas, assim como ao seu desempenho. Baixo desempenho econômico, corrupção, instrumentalização das instituições e mídias ineficazes na América Latina 4 Quando há algum problema no funcionamento dos mecanismos de accountability horizontal, decai a confiança dos cidadãos no papel exercido pelas instituições. O contexto não é animador. De acordo com dados do World Values Survey (WVS), usados em artigo elaborado por Power e Jamison, os cidadãos latinoamericanos não apenas confiam pouco em diversos tipos de instituições sociais e econômicas, mas, principalmente, apresentam baixíssima confiança em instituições políticas como o Congresso e os partidos políticos.1 Por meio de pesquisas periodicamente realizadas pelo Latinobarómetro, Power e Jamison também demonstram que a confiança nos partidos e no Congresso na América Latina cai a cada ano. 2 O desempenho econômico que acompanhou a mais recente onda de democratização da América Latina, nos anos 1980, foi terrível: o saldo pós-governos militares era de recessão e crise econômica. Houve progresso nos anos 1990, mas de maneira inconsistente e sem distribuição de renda. Os países latino-americanos sofreram com os novos rumos do mercado e com a crise política decorrente, além da adoção de políticas duvidosas do erguimento de modelos institucionais que não funcionavam, ora por incompetência, ora por copiar desenhos de outros países que, evidentemente, não se adaptavam aos contextos da América Latina. O impacto do pífio desempenho econômico na confiança política dos cidadãos é notável, justamente devido às suas percepções e não a critérios mais “objetivos” de desenvolvimento econômico: de acordo com Power e Janison, no Latinobarómetro de 1997 a confiança nos partidos políticos não estava estatisticamente relacionada ao PIB per capita, ao IDH ou ao desempenho em termos de desenvolvimento em cada país; contudo, tinha forte correlação com a percepção da situação econômica como “ruim” ou “terrível”. Isso impacta os mecanismos de accountability por dois motivos. Por um lado, de acordo com O’Donnell, influi no voto retrospectivo – um candidato que já representara um desempenho econômico pífio anteriormente dificilmente será aceito novamente pela população. Por outro lado, influi no voto prospectivo, uma vez que a crise econômica traz candidatos que se apresentam como a solução dos problemas, apoiando-se nesse status para se permitirem a atropelar as instituições democráticas, esquivando-se da 1 Os dados não medem a confiança nos políticos em abstrato, o que leva Power e Jamison a substituí-los pelas instituições normalmente ocupadas por políticos profissionais (os partidos e o Congresso), o que é justificado pela visão cidadão comum de partidos, políticos e parlamento como parte de um item “homogêneo”, a classe política. Ademais, a correlação entre confiança no Congresso e confiança nos partidos é razoavelmente alta (.84). 2 Ver Figura 1 e Tabela 1 nos anexos. 5 necessidade de prestar contas. Na maior parte dos casos, essas soluções “mágicas” resultam em fracasso, dando origem a novos candidatos que incorrerão no mesmo tipo de práticas, gerando assim um círculo vicioso que invariavelmente contribuirá para o aumento da desconfiança política por parte dos cidadãos. Escândalos de corrupção têm sido freqüentes nas novas democracias da América Latina. Há muitos exemplos: os processos que levaram ao impeachment de Fernando Collor no Brasil e Carlos Andrés Perez na Venezuela, as propinas de Salinas no México, o episódio da extorsão que derrubou Fujimori no Peru, o financiamento irregular da campanha de Menem na Argentina e o caso do “mensalão” no governo Lula, entre outros, envolvendo figuras mais e menos poderosas de cada país. Power e Jamison usam o Índice de Percepção da Corrupção (CPI), produzido pela organização Transparência Internacional, que mede as percepções do grau da corrupção por meio de surveys aplicados a homens de negócios, analistas de risco e o público de geral, e apontam que praticamente toda a América Latina se percebe como “altamente corrupta” (abaixo da média global do índice). Explicitam, também, que no WVS de 1997, a correlação entre estimativas de corrupção por parte dos cidadãos e a confiança dos mesmos no Congresso foi estatisticamente significativa, bem como a correlação entre as estimativas de corrupção e a confiança nos partidos políticos. 3 Outro aspecto que incorre negativamente na confiança dos cidadãos é o uso instrumental de instituições por parte dos governantes. Diversas elites políticas sulamericanas tornaram-se conhecidas ao longo das últimas décadas por agir de maneira a favorecer suas reeleições, ajudar aliados e punir oponentes. Como apontam Power e Jamison, tais práticas de instrumentalização das instituições trazem à mente o conceito de democracias delegativas de O’Donnell: gozam de competitividade eleitoral e relativa liberdade civil e política, mas seus oficiais são pouco responsivos às preferências dos cidadãos e pouco coibidos pelas agências responsáveis pelo accountability horizontal – afinal, no caso das democracias latino-americanas, percebe-se que as próprias agências foram estabelecidas de maneira a ajudar nessa instrumentalização. Ademais, nota-se certo “comodismo”; um governante dificilmente terá a intenção de mudar o sistema que tanto conveio aos anteriores, mesmo porque também desejará as benesses do esquema. Conseqüentemente, os cidadãos apresentam desconfiança: crê-se que políticos governam para si próprios. Em pesquisa do WVS de 1995-97, 75% dos brasileiros, 76% 3 Ver Figura 2 nos anexos. 6 dos mexicanos, 77% dos uruguaios, 79% dos colombianos, 84% dos venezuelanos, 88% dos argentinos e 92% dos dominicanos acreditavam nessa premissa; todos acima de 70%, que é a média mundial. De acordo com pesquisas de 1995 do Latinobarómetro, a porcentagem de cidadãos sul-americanos que crêem que os oficiais se importam com aquilo que as pessoas comuns pensam é irrisória: 16% no Brasil e na Venezuela, 19% na Argentina, 24% no Chile, 28% no Paraguai, 29% no Peru e 38% no Uruguai. 4 Tal desconfiança reverte em menor apoio a elementos fundamentais do processo democrático. A figura 3 em anexo mostra um corte transversal da correlação entre a preferência pela democracia e a percepção de dispensabilidade dos políticos. De acordo com Power e Jamison, os políticos, ao perceberem o desdém, partem para a “antipolítica”, buscando escapar da identificação com sua classe. Os partidos são enfraquecidos (ou extintos) e a política alcança níveis maiores de personalização, corroendo, desta maneira, os sistemas partidários. Devido aos insucessos no ato de governar, há um efeito cíclico: a desconfiança gera o comportamento antipolítico, que possibilita a vitória de candidatos que quase invariavelmente serão malsucedidos, o que trará novos candidatos com propostas similares nas eleições seguintes. O desencanto com a democracia também pode abrir espaço para posicionamentos mais autoritários. De acordo com dados do Latinobarómetro de 1997, há correlação razoável (.69) entre a confiança nas forças armadas e a idéia de dispensabilidade de políticos5; além disso, no Latinobarómetro de 2003, há altos índices para afirmações como “Mais do que partidos políticos e Congresso, do que realmente precisamos é de um líder decidido que resolva os problemas” (69% dos entrevistados) e “Eu não me importaria se um governo nãodemocrático chegasse ao poder se ele pudesse resolver nossos problemas econômicos” (52%). Apenas 50% dos entrevistados responderam positivamente a “Mesmo que tivéssemos um governo de mão forte, isso não resolveria nossos problemas”. Por um lado, o aumento na percepção de corrupção e instrumentalização das instituições sinaliza um funcionamento efetivo de uma das dimensões do accountability vertical: a cobertura da mídia, cada vez mais ampla, permite um maior volume de informação nas mãos dos cidadãos. Por outro lado, também sinaliza um desgaste da legitimidade das democracias, o que é um problema sério para democracias recentes, que não têm as “reservas” de legitimidade de democracias mais antigas. Por conseguinte, a dimensão de voto 4 5 Ver Tabela 2 nos anexos. Ver Figura 4 nos anexos. 7 retrospectivo (ou seja, punição ou premiação de candidatos de acordo com seu desempenho anterior) da accountability vertical fica comprometida: primeiro, faz crer que episódios de corrupção ou instrumentalização das instituições são rotineiros, não apenas desqualificando os mecanismos de accountability horizontal, mas também diminuindo o estímulo à reflexão e participação (“que diferença faz, político é tudo igual mesmo...”); segundo, afeta negativamente a responsividade dos governos ao danificar essa relação entre os cidadãos e a classe política. Ademais, de acordo com Torcal, a desafeição política (isto é, o sentimento subjetivo de ineficácia, cinismo e falta de confiança política, que gera distanciamento e alienação, mas não um questionamento da legitimidade do sistema) tem forte efeito desmobilizador nas novas democracias (das quais fazem parte as latino-americanas). Ao passo que, como demonstrado por correlação de dados do Latinobarómetro de 1995, o efeito do apoio da democracia na participação política é quase inexistente, a desafeição política tem considerável impacto sobre a participação convencional (voto) e nãoconvencional (outras formas de manifestação), o que contribui para o aumento da distância entre os cidadãos e seus representantes. O’Donnell argumenta que, em caso de negligência das agências responsáveis pelo accountability horizontal, as reivindicações sociais podem levar a uma insatisfação que, coberta pela mídia, pode obstruir as políticas governamentais e fazer com que os detentores do poder percam suas próximas eleições. Ademais, como há um sentimento geral de que o governo freqüentemente incorre em práticas corruptas, a mídia faz o papel dos tribunais, denunciando as práticas inadequadas e seus praticantes – o que eventualmente pode levar a punições errôneas. Dahl já advertia para possibilidades afins; da mesma maneira que existe uma percepção de que as elites controlam as agências de fiscalização horizontal, podem vir a controlar e manipular a informação nas mídias de massa. A informação pode ser comprometida não apenas por necessidades mercadológicas, mas também devido à natureza do próprio processo de produção de notícias (newsmaking). De acordo com Malena Rodrigues, o newsmaking de modelo americano (ou seja, um modelo mais “global”, dado o posicionamento dos EUA na indústria) deve atender a diversos critérios. Em primeiro lugar, aqueles ligados aos interesses econômicos e políticos da empresa; mas, com igual importância, critérios substantivos ligados à atualidade, polêmica, impacto e interesse gerado pela notícia e a compatibilidade com a disponibilidade de material (imagens, declarações, personagens), as especificidades do 8 meio, o timing da notícia e o público. “São essas características das rotinas que justificam e resultam: no uso abusivo de fontes oficiais, no pouco uso de fontes da sociedade civil; na personalização dos fatos, dada a necessidade de personagens; na busca por polêmicas e por escândalos por si só; na concentração em fofocas; na baixa cobertura de temas cotidianos de interesse do cidadão, mas sem apelo sensacionalístico; na preocupação maior com a fonte do que com o leitor; na necessidade de gerar crises, quando elas não acontecem, pela garantia da manutenção de maior audiência ao noticiário; na deslegitimação de instâncias representativas, como o Poder Legislativo, que se torna um bom fornecedor de produtos mediáticos” (RODRIGUES, 2008:8). Tal personalização dos fatos, obedecendo a critérios comercial-mediáticos, pode incidir em distorções do sistema democrático, notavelmente no tocante à necessidade de fontes alternativas. Ademais, a preferência por escândalos e crises pode afetar tanto a participação dos cidadãos (por tratar de maneira desigual as fontes e temas do universo político) e a agenda política, uma vez que medidas antipopulares são deixadas de lado devido à sua repercussão. Conclusões Os mecanismos de accountability são afetados por alguns tipos de problemas internos e externos à política, dentre os quais destaquei a corrupção, a instrumentalização de instituições para fins próprios, o baixo desempenho econômico e o funcionamento da mídia. Por meio desta pequena pesquisa, busquei demonstrar como esses problemas de accountability afetam, por sua vez, a confiança política dos cidadãos, o que os leva a um questionamento das instituições e da democracia em si. Aparentemente, os governos não apenas violam princípios republicanos ao apropriaremse de meios voltados ao bem público para benefício próprio, mas também conseguem estabelecer uma maneira de solapar os princípios básicos de accountability; isto é, por meio de promessas de “salvação em meio à crise”, esquemas de propina, a escalação de membros das agências de accountability de acordo com as necessidades próprias e outros fatores, os governantes fazem com que não haja prestação de contas e, dessa maneira, contribuem para que a democracia tenha menor qualidade. Outro importante aspecto é a falha da mídia em fazer seu papel de fiscalização. Se originalmente seria um importante anteparo entre Estado e sociedade, como que protegendo a sociedade de possíveis investidas totalitárias por parte do poder público, a 9 mídia de massa passou a pautar o processo de produção de notícias pela capacidade destas de possibilitar ganhos comerciais e alcançar bom impacto entre os públicos. Isso evidentemente também contribui para um decréscimo na qualidade das democracias. É admissível que as interpretações aqui apresentadas acerca dos efeitos da desconfiança política no apoio à democracia são questionáveis. Alguns autores apontam que as democracias sul-americanas, meu objeto de estudo, apresentam alguma estabilidade e, principalmente, que a aceitação normativa da democracia (frente a outras alternativas) vem crescendo nos últimos anos. Ademais, de acordo com Przeworski, o que ameaça a sobrevivência da democracia não é a falta de legitimidade desta, e sim a presença de alternativas autoritárias organizadas, ainda que de fato haja baixo índice de apoio dos cidadãos às instituições políticas. 10 Anexos Referência: POWER e JAMISON, 2005. Referência: POWER e JAMISON, 2005. 11 Tabela 2 Eficácia interna e externa em sete países latino-americanos em 1995 Países % “os oficiais se preocupam com o % “a política não é muito que as pessoas como eu pensam” complicada e eu consigo entendê(eficácia externa) la” (eficácia interna) Brasil 16 34 Venezuela 16 45 Argentina 19 61 Chile 24 46 Paraguai 28 38 Peru 29 53 Uruguai 38 60 Referência: TORCAL, 2001. Referência: POWER e JAMISON, 2005. 12 Referência: POWER e JAMISON, 2005. 13 Referência: POWER e JAMISON, 2005. 14 Referências bibliográficas O’DONNELL, Guillermo. Accountability horizontal e novas poliarquias. Disponível em <http://books.google.com/books?hl=en&lr=&id=kS6DyjPMXQIC&oi=fnd&pg=PA27 &dq=%22O%27DONNELL%22+%22Accountability+horizontal+e+novas+poliarquias %22+&ots=RmyCYxpe8y&sig=6CX25LY9xQsyHP2w1MK0WkGNGaw>. acessos em 19 jun. 2009. O’DONNELL, Guillermo. Delegative democracy? Disponível em <http://www.nd.edu/~kellogg/publications/workingpapers/WPS/172.pdf>. acessos em 21 jun. 2009. MOISÉS, José Álvaro. A desconfiança nas instituições democráticas. Opin. Publica, Campinas, v. 11, n. 1, mar. 2005. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010462762005000100002&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 25 jun. 2009. doi: 10.1590/S0104-62762005000100002. MOISÉS, José Álvaro. Cultura política, instituições e democracia: lições da experiência brasileira. Rev. bras. Ci. Soc., São Paulo, v. 23, n. 66, fev. 2008. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010269092008000100002&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 20 jun. 2009. doi: 10.1590/S0102-69092008000100002. MOISÉS, José Álvaro. Corrupção política e democracia no Brasil contemporâneo. Versão preliminar (utilizada com autorização do autor). São Paulo, 2009. RODRIGUES, Malena R.. Imprensa e Consolidação/Qualidade Democrática no Brasil. Projeto de Doutorado – Iuperj/Cefor. Disponível em <http://apache.camara.gov.br/portal/arquivos/Camara/internet/posgraduacao/Malena%2 0Rehbein%20Rodrigues%20-%20projeto%20Dinter.pdf>. acessos em 20 jun. 2009. 15 POWER, Timothy J.; JAMISON, Giselle D.. Desconfiança política na América Latina. Opin. Publica, Campinas, v. 11, n. 1, mar. 2005. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010462762005000100003&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 19 jun. 2009. doi: 10.1590/S0104-62762005000100003. TORCAL, Mariano. (2001) “La desafección em lãs nuevas democracias Del sur de Europa y Latinoamérica” in Revista Instituciones y desarollo No 8y 9, Barcelona. DIAMOND, Larry; MORLINO, Leonardo (eds). 2005. Assessing the Quality of Democracy. Johns Hopkins University Press. Introduction, ix-xliii. 16