Nome: Pablo Turazzi Vilanova | Nº USP: 5421896 | Turno: Noturno
Accountability, Confiança Política, Cultura Política e Qualidade da Democracia
Objetivos e justificativa
Este trabalho pretende investigar como se dá a relação entre os mecanismos de
accountability e confiança e cultura política e qualidade da democracia, buscando
esclarecer quais são os elementos mais importantes para o bom funcionamento dessas
variáveis, como se dá a relação entre elas e qual é o impacto das mesmas na qualidade
das democracias. Optei por limitar o escopo do trabalho à América Latina devido à
disponibilidade de dados para a realização do trabalho.
Supõe-se que a indisponibilidade ou o mau funcionamento dos mecanismos de
accountability afeta negativamente a confiança política dos cidadãos e, por conseguinte,
seu apoio ao governo democrático, o que comprometeria a qualidade da democracia.
Qualidade da democracia e accountability
Uma democracia requer, no mínimo, sufrágio universal adulto, eleições justas,
recorrentes, competitivas e livres, mais que um partido político sério e fontes
alternativas de informação. É também necessário garantir aos eleitores liberdade de
associação relativa a seus interesses e crenças e, ademais, soberania às instituições para
que não sejam coagidas por interesses que não permitam fiscalização por parte do
eleitorado. É evidente que, para o estudo de conceitos ligados aos mecanismos de
accountability, há de se trabalhar com uma definição mais ampla de democracia, que
envolva definições do que é uma democracia “boa”, ou o que é qualidade em uma
democracia. Segundo Morlino e Diamond, a avaliação da qualidade das democracias
deve levar em conta, como ocorre em empresas, procedimentos, conteúdos e resultados.
Boas democracias satisfazem as expectativas do cidadão (resultados), oferecem
liberdade extensiva e eqüidade política (conteúdos) e proporcionam a possibilidade de
avaliar as práticas políticas aos cidadãos e, internamente, ao governo (procedimentos).
Ademais, a qualidade das democracias pode variar em oito dimensões: cinco
procedimentais (primado da lei, participação, competição, accountability vertical e
1
accountability horizontal), duas substantivas (respeito às liberdades civis e políticas e
implementação progressiva de igualdade social, econômica e política) e uma que
conecta as dimensões procedimentais às substantivas (responsividade).
De acordo com Schedler, a accountability tem três características principais:
informação, justificativa e punição/compensação. A informação é indispensável para
que algo se torne fiscalizável (ou seja, para que haja prestação de contas); os líderes
podem oferecer justificativas relativas às suas ações; e uma punição ou compensação é
dada de acordo com a avaliação da informação e da justificativa.
A accountability horizontal se refere às agências cuja finalidade é fiscalizar e
possivelmente punir as ações governamentais; tais agências muitas vezes fazem parte do
governo, como é o caso dos Tribunais de Contas, as Procuradorias e o Ministério
Público. Idealmente, seria necessário que essas agências mantivessem certo grau de
independência – mantendo-se um tempo fixo de exercício do cargo, fazendo-se
contratações por meio de critérios técnicos que liquidassem qualquer possibilidade de
nepotismo ou patronage – para que o governo não interferisse e, por conseguinte,
corrompesse meios que deveriam justamente controlar a corrupção. Além disso, contas
públicas
deveriam
ser
sistematicamente
auditadas
para
que
se
verificasse
constantemente se haveria qualquer tipo de infração. E, finalmente, as informações
encontradas que não fossem relativas à segurança nacional ou que não fossem privadas
deveriam ser levadas à população.
Já o conceito de accountability vertical diz respeito aos mecanismos por meio
dos quais os cidadãos podem fiscalizar e tomar medidas relativas às ações
governamentais; entre eles, a punição ou premiação de um mandatário por meio de
eleições livres e justas e a articulação de reivindicações e denúncias, o que torna
necessária a configuração de liberdades de opinião – e, conseqüentemente, a existência
de fontes alternativas de informação. Ademais, o processo de monitoramento das ações
dos governantes requer liberdade de associação, para que os cidadãos possam organizarse em grupos (tais como ONGs, think tanks ou mídias de massa) de maneira a
pressionar por justificativas relativas a tais ações; requer também um sistema poderoso
de accountability horizontal para que o primado da lei seja levado a cabo e, por
conseguinte, mantenha-se a integridade dos processos verticais.
De acordo com O’Donnell, as ações governamentais que podem ser qualificadas
como “delituosas” dividem-se em três esferas: a da democracia, a liberal e a
republicana. As ações delituosas relativas à democracia dizem respeito a decisões que
2
desrespeitem o primado da lei ou comprometam atributos como o sufrágio ou a
competitividade, a justiça e a recorrência das eleições. A esfera liberal é prejudicada
quando são desobedecidos princípios relacionados às liberdades individuais, e a esfera
republicana é solapada quando as autoridades buscam satisfazer seus interesses privados
ao invés de procurar o bem público.
Confiança política, cultura política e accountability
“Cultura política” refere-se à construção de uma tipologia de atitudes, crenças e
valores políticos que as pessoas podem ter relativamente à vida pública. Entre eles,
podemos destacar a afeição pela democracia, o respeito à lei e a participação e o
interesse por política. De acordo com Almond e Verba, essas variáveis afetam o
desenho e a missão das instituições e, por outro lado, são moldadas pelo funcionamento
positivo ou negativo dessas últimas. Deste ponto de vista, a legitimidade dos regimes e
o apoio à democracia estão associados à experiência política dos cidadãos e ao
julgamento que fazem desta.
Segundo Moisés, tal apoio se desdobra em duas dimensões, normativa e prática.
A normativa diz respeito à adesão à democracia como princípio, derivada da cultura
política; a prática se refere à satisfação e confiança dos cidadãos em relação às
instituições. É evidente que, no caso das novas democracias, existe certa distância entre
as duas dimensões devido à influência de seus históricos autoritários; estes incorrem,
para os cidadãos, em uma experiência limitada de participação política e, aliados a
fatores que afetam a cognição política (como a escolaridade) e a possível influência da
percepção de déficits institucionais, em uma dificuldade de compreender e acompanhar
as instituições voltadas ao funcionamento adequado da democracia. Um dos aspectos
que abaliza a eficiência de um regime democrático, ou que comprova a qualidade de
uma democracia, é justamente o funcionamento das instituições como canais por meio
dos quais os cidadãos podem exercer suas preferências e direitos – ou seja, utilizar os
mecanismos de accountability.
O conceito de “confiança” diz respeito à coesão social necessária para o
funcionamento das sociedades modernas, complexas e diferenciadas. Facilita a adoção
de formas de ação comum que possam gerar virtude cívica, por parte da sociedade, e
acumulação de experiência para a produção de benefícios, por parte da classe política.
3
Moisés apresenta duas concepções diferentes de confiança. Na concepção de
Hardin e Levi, “confiar” é como apostar que os interesses mútuos dos atores envolvidos
é suficiente para que alcancem os benefícios desejados. Para que não haja abuso da
confiança de nenhum dos atores, é necessário que haja um encapsulamento de interesses
das partes envolvidas; ou seja, ambos devem saber por antecipação se seus interesses
serão levados em consideração pelo outro. Na concepção de outros autores, como
Kramer, valores sociais formariam a base da decisão de confiar em contextos em que há
pouco ou nenhum conhecimento do comportamento dos outros, o que ocorre porque os
indivíduos possuem capacidade cognitiva limitada para avaliar racionalmente tais
comportamentos.
A forma mais usual de expressão da confiança é a de fenômeno particularizado,
dentro de comunidades específicas, reiterando particularismos característicos dos
grupos (por isso, parte da literatura descartou a influência desse tipo para a cooperação
social ou objetivos políticos coletivos). A forma de maior relevância, contudo (para este
estudo, inclusive) é a de fenômeno generalizado, isto é, com efeitos estendidos a
estranhos que integram a comunidade política, o que implica em cooperar com vistas a
objetivos coletivos – é uma alternativa para indivíduos que se sentem vulneráveis, mas
ao mesmo tempo compartilham uma perspectiva comum definida por serem cidadãos.
Originalmente definida como fenômeno interpessoal, a confiança nas
instituições políticas tem como base as expectativas sociais a respeito destas e dos
responsáveis por sua gestão, bem como o pertencimento dos cidadãos à comunidade
política, que está implícito na justificação normativa das mesmas. Moisés argumenta
que, na realidade, “a explicação do fenômeno de confiança em instituições radica nas
próprias instituições e não na confiança interpessoal. Isso se refere ao sentido ético e
normativo da mediação que elas implicam para o que contam seus fins, na justificação e
seus meios de seu funcionamento” (MOISÉS, 2005:23). Por conseguinte, os
julgamentos que estimulam os cidadãos a decidirem quanto a confiar em instituições
são relativos à consistência e coerência interna de suas normas, assim como ao seu
desempenho.
Baixo desempenho econômico, corrupção, instrumentalização das instituições e
mídias ineficazes na América Latina
4
Quando há algum problema no funcionamento
dos mecanismos de
accountability horizontal, decai a confiança dos cidadãos no papel exercido pelas
instituições.
O contexto não é animador. De acordo com dados do World Values Survey
(WVS), usados em artigo elaborado por Power e Jamison, os cidadãos latinoamericanos não apenas confiam pouco em diversos tipos de instituições sociais e
econômicas, mas, principalmente, apresentam baixíssima confiança em instituições
políticas como o Congresso e os partidos políticos.1 Por meio de pesquisas
periodicamente realizadas pelo Latinobarómetro, Power e Jamison também demonstram
que a confiança nos partidos e no Congresso na América Latina cai a cada ano. 2
O desempenho econômico que acompanhou a mais recente onda de
democratização da América Latina, nos anos 1980, foi terrível: o saldo pós-governos
militares era de recessão e crise econômica. Houve progresso nos anos 1990, mas de
maneira inconsistente e sem distribuição de renda. Os países latino-americanos sofreram
com os novos rumos do mercado e com a crise política decorrente, além da adoção de
políticas duvidosas do erguimento de modelos institucionais que não funcionavam, ora
por incompetência, ora por copiar desenhos de outros países que, evidentemente, não se
adaptavam aos contextos da América Latina. O impacto do pífio desempenho
econômico na confiança política dos cidadãos é notável, justamente devido às suas
percepções e não a critérios mais “objetivos” de desenvolvimento econômico: de acordo
com Power e Janison, no Latinobarómetro de 1997 a confiança nos partidos políticos
não estava estatisticamente relacionada ao PIB per capita, ao IDH ou ao desempenho
em termos de desenvolvimento em cada país; contudo, tinha forte correlação com a
percepção da situação econômica como “ruim” ou “terrível”. Isso impacta os
mecanismos de accountability por dois motivos. Por um lado, de acordo com
O’Donnell, influi no voto retrospectivo – um candidato que já representara um
desempenho econômico pífio anteriormente dificilmente será aceito novamente pela
população. Por outro lado, influi no voto prospectivo, uma vez que a crise econômica
traz candidatos que se apresentam como a solução dos problemas, apoiando-se nesse
status para se permitirem a atropelar as instituições democráticas, esquivando-se da
1
Os dados não medem a confiança nos políticos em abstrato, o que leva Power e Jamison a substituí-los
pelas instituições normalmente ocupadas por políticos profissionais (os partidos e o Congresso), o que é
justificado pela visão cidadão comum de partidos, políticos e parlamento como parte de um item
“homogêneo”, a classe política. Ademais, a correlação entre confiança no Congresso e confiança nos
partidos é razoavelmente alta (.84).
2
Ver Figura 1 e Tabela 1 nos anexos.
5
necessidade de prestar contas. Na maior parte dos casos, essas soluções “mágicas”
resultam em fracasso, dando origem a novos candidatos que incorrerão no mesmo tipo
de práticas, gerando assim um círculo vicioso que invariavelmente contribuirá para o
aumento da desconfiança política por parte dos cidadãos.
Escândalos de corrupção têm sido freqüentes nas novas democracias da América
Latina. Há muitos exemplos: os processos que levaram ao impeachment de Fernando
Collor no Brasil e Carlos Andrés Perez na Venezuela, as propinas de Salinas no
México, o episódio da extorsão que derrubou Fujimori no Peru, o financiamento
irregular da campanha de Menem na Argentina e o caso do “mensalão” no governo
Lula, entre outros, envolvendo figuras mais e menos poderosas de cada país. Power e
Jamison usam o Índice de Percepção da Corrupção (CPI), produzido pela organização
Transparência Internacional, que mede as percepções do grau da corrupção por meio de
surveys aplicados a homens de negócios, analistas de risco e o público de geral, e
apontam que praticamente toda a América Latina se percebe como “altamente corrupta”
(abaixo da média global do índice). Explicitam, também, que no WVS de 1997, a
correlação entre estimativas de corrupção por parte dos cidadãos e a confiança dos
mesmos no Congresso foi estatisticamente significativa, bem como a correlação entre as
estimativas de corrupção e a confiança nos partidos políticos. 3
Outro aspecto que incorre negativamente na confiança dos cidadãos é o uso
instrumental de instituições por parte dos governantes. Diversas elites políticas sulamericanas tornaram-se conhecidas ao longo das últimas décadas por agir de maneira a
favorecer suas reeleições, ajudar aliados e punir oponentes. Como apontam Power e
Jamison, tais práticas de instrumentalização das instituições trazem à mente o conceito
de democracias delegativas de O’Donnell: gozam de competitividade eleitoral e relativa
liberdade civil e política, mas seus oficiais são pouco responsivos às preferências dos
cidadãos e pouco coibidos pelas agências responsáveis pelo accountability horizontal –
afinal, no caso das democracias latino-americanas, percebe-se que as próprias agências
foram estabelecidas de maneira a ajudar nessa instrumentalização. Ademais, nota-se
certo “comodismo”; um governante dificilmente terá a intenção de mudar o sistema que
tanto conveio aos anteriores, mesmo porque também desejará as benesses do esquema.
Conseqüentemente, os cidadãos apresentam desconfiança: crê-se que políticos
governam para si próprios. Em pesquisa do WVS de 1995-97, 75% dos brasileiros, 76%
3
Ver Figura 2 nos anexos.
6
dos mexicanos, 77% dos uruguaios, 79% dos colombianos, 84% dos venezuelanos, 88%
dos argentinos e 92% dos dominicanos acreditavam nessa premissa; todos acima de
70%, que é a média mundial. De acordo com pesquisas de 1995 do Latinobarómetro, a
porcentagem de cidadãos sul-americanos que crêem que os oficiais se importam com
aquilo que as pessoas comuns pensam é irrisória: 16% no Brasil e na Venezuela, 19%
na Argentina, 24% no Chile, 28% no Paraguai, 29% no Peru e 38% no Uruguai. 4
Tal desconfiança reverte em menor apoio a elementos fundamentais do processo
democrático. A figura 3 em anexo mostra um corte transversal da correlação entre a
preferência pela democracia e a percepção de dispensabilidade dos políticos. De acordo
com Power e Jamison, os políticos, ao perceberem o desdém, partem para a
“antipolítica”, buscando escapar da identificação com sua classe. Os partidos são
enfraquecidos (ou extintos) e a política alcança níveis maiores de personalização,
corroendo, desta maneira, os sistemas partidários. Devido aos insucessos no ato de
governar, há um efeito cíclico: a desconfiança gera o comportamento antipolítico, que
possibilita a vitória de candidatos que quase invariavelmente serão malsucedidos, o que
trará novos candidatos com propostas similares nas eleições seguintes. O desencanto
com a democracia também pode abrir espaço para posicionamentos mais autoritários.
De acordo com dados do Latinobarómetro de 1997, há correlação razoável (.69) entre a
confiança nas forças armadas e a idéia de dispensabilidade de políticos5; além disso, no
Latinobarómetro de 2003, há altos índices para afirmações como “Mais do que partidos
políticos e Congresso, do que realmente precisamos é de um líder decidido que resolva
os problemas” (69% dos entrevistados) e “Eu não me importaria se um governo nãodemocrático chegasse ao poder se ele pudesse resolver nossos problemas econômicos”
(52%). Apenas 50% dos entrevistados responderam positivamente a “Mesmo que
tivéssemos um governo de mão forte, isso não resolveria nossos problemas”.
Por um lado, o aumento na percepção de corrupção e instrumentalização das
instituições sinaliza um funcionamento efetivo de uma das dimensões do accountability
vertical: a cobertura da mídia, cada vez mais ampla, permite um maior volume de
informação nas mãos dos cidadãos.
Por outro lado, também sinaliza um desgaste da legitimidade das democracias, o
que é um problema sério para democracias recentes, que não têm as “reservas” de
legitimidade de democracias mais antigas. Por conseguinte, a dimensão de voto
4
5
Ver Tabela 2 nos anexos.
Ver Figura 4 nos anexos.
7
retrospectivo (ou seja, punição ou premiação de candidatos de acordo com seu
desempenho anterior) da accountability vertical fica comprometida: primeiro, faz crer
que episódios de corrupção ou instrumentalização das instituições são rotineiros, não
apenas desqualificando os mecanismos de accountability horizontal, mas também
diminuindo o estímulo à reflexão e participação (“que diferença faz, político é tudo
igual mesmo...”); segundo, afeta negativamente a responsividade dos governos ao
danificar essa relação entre os cidadãos e a classe política.
Ademais, de acordo com Torcal, a desafeição política (isto é, o sentimento
subjetivo de ineficácia, cinismo e falta de confiança política, que gera distanciamento e
alienação, mas não um questionamento da legitimidade do sistema) tem forte efeito
desmobilizador nas novas democracias (das quais fazem parte as latino-americanas). Ao
passo que, como demonstrado por correlação de dados do Latinobarómetro de 1995, o
efeito do apoio da democracia na participação política é quase inexistente, a desafeição
política tem considerável impacto sobre a participação convencional (voto) e nãoconvencional (outras formas de manifestação), o que contribui para o aumento da
distância entre os cidadãos e seus representantes.
O’Donnell argumenta que, em caso de negligência das agências responsáveis
pelo accountability horizontal, as reivindicações sociais podem levar a uma insatisfação
que, coberta pela mídia, pode obstruir as políticas governamentais e fazer com que os
detentores do poder percam suas próximas eleições. Ademais, como há um sentimento
geral de que o governo freqüentemente incorre em práticas corruptas, a mídia faz o
papel dos tribunais, denunciando as práticas inadequadas e seus praticantes – o que
eventualmente pode levar a punições errôneas. Dahl já advertia para possibilidades
afins; da mesma maneira que existe uma percepção de que as elites controlam as
agências de fiscalização horizontal, podem vir a controlar e manipular a informação nas
mídias de massa. A informação pode ser comprometida não apenas por necessidades
mercadológicas, mas também devido à natureza do próprio processo de produção de
notícias (newsmaking).
De acordo com Malena Rodrigues, o newsmaking de modelo americano (ou seja,
um modelo mais “global”, dado o posicionamento dos EUA na indústria) deve atender a
diversos critérios. Em primeiro lugar, aqueles ligados aos interesses econômicos e
políticos da empresa; mas, com igual importância, critérios substantivos ligados à
atualidade, polêmica, impacto e interesse gerado pela notícia e a compatibilidade com a
disponibilidade de material (imagens, declarações, personagens), as especificidades do
8
meio, o timing da notícia e o público. “São essas características das rotinas que
justificam e resultam: no uso abusivo de fontes oficiais, no pouco uso de fontes da
sociedade civil; na personalização dos fatos, dada a necessidade de personagens; na
busca por polêmicas e por escândalos por si só; na concentração em fofocas; na baixa
cobertura de temas cotidianos de interesse do cidadão, mas sem apelo sensacionalístico;
na preocupação maior com a fonte do que com o leitor; na necessidade de gerar crises,
quando elas não acontecem, pela garantia da manutenção de maior audiência ao
noticiário; na deslegitimação de instâncias representativas, como o Poder Legislativo,
que se torna um bom fornecedor de produtos mediáticos” (RODRIGUES, 2008:8).
Tal personalização dos fatos, obedecendo a critérios comercial-mediáticos, pode
incidir em distorções do sistema democrático, notavelmente no tocante à necessidade de
fontes alternativas. Ademais, a preferência por escândalos e crises pode afetar tanto a
participação dos cidadãos (por tratar de maneira desigual as fontes e temas do universo
político) e a agenda política, uma vez que medidas antipopulares são deixadas de lado
devido à sua repercussão.
Conclusões
Os mecanismos de accountability são afetados por alguns tipos de problemas
internos e externos à política, dentre os quais destaquei a corrupção, a
instrumentalização de instituições para fins próprios, o baixo desempenho econômico e
o funcionamento da mídia. Por meio desta pequena pesquisa, busquei demonstrar como
esses problemas de accountability afetam, por sua vez, a confiança política dos
cidadãos, o que os leva a um questionamento das instituições e da democracia em si.
Aparentemente, os governos não apenas violam princípios republicanos ao apropriaremse de meios voltados ao bem público para benefício próprio, mas também conseguem
estabelecer uma maneira de solapar os princípios básicos de accountability; isto é, por
meio de promessas de “salvação em meio à crise”, esquemas de propina, a escalação de
membros das agências de accountability de acordo com as necessidades próprias e
outros fatores, os governantes fazem com que não haja prestação de contas e, dessa
maneira, contribuem para que a democracia tenha menor qualidade.
Outro importante aspecto é a falha da mídia em fazer seu papel de fiscalização.
Se originalmente seria um importante anteparo entre Estado e sociedade, como que
protegendo a sociedade de possíveis investidas totalitárias por parte do poder público, a
9
mídia de massa passou a pautar o processo de produção de notícias pela capacidade
destas de possibilitar ganhos comerciais e alcançar bom impacto entre os públicos. Isso
evidentemente também contribui para um decréscimo na qualidade das democracias.
É admissível que as interpretações aqui apresentadas acerca dos efeitos da
desconfiança política no apoio à democracia são questionáveis. Alguns autores apontam
que as democracias sul-americanas, meu objeto de estudo, apresentam alguma
estabilidade e, principalmente, que a aceitação normativa da democracia (frente a outras
alternativas) vem crescendo nos últimos anos. Ademais, de acordo com Przeworski, o
que ameaça a sobrevivência da democracia não é a falta de legitimidade desta, e sim a
presença de alternativas autoritárias organizadas, ainda que de fato haja baixo índice de
apoio dos cidadãos às instituições políticas.
10
Anexos
Referência: POWER e JAMISON, 2005.
Referência: POWER e JAMISON, 2005.
11
Tabela 2
Eficácia interna e externa em sete países latino-americanos em 1995
Países
% “os oficiais se preocupam com o
% “a política não é muito
que as pessoas como eu pensam”
complicada e eu consigo entendê(eficácia externa)
la” (eficácia interna)
Brasil
16
34
Venezuela
16
45
Argentina
19
61
Chile
24
46
Paraguai
28
38
Peru
29
53
Uruguai
38
60
Referência: TORCAL, 2001.
Referência: POWER e JAMISON, 2005.
12
Referência: POWER e JAMISON, 2005.
13
Referência: POWER e JAMISON, 2005.
14
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16
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