DIAGNÓSTICO PARA A GESTÃO E O GERENCIAMENTO DE RESÍDUOS ... 39 DIAGNÓSTICO PARA A GESTÃO E O GERENCIAMENTO DE RESÍDUOS SÓLIDOS DE FUNILARIAS Elcio Eiti Maeda Graduando em Engenharia Ambiental, Departamento de Hidráulica e Saneamento, Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo (SHS-EESC-USP); bolsista de iniciação científica da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), e-mail: [email protected] Anne Alessandra Cardoso Neves Doutoranda em Ciências da Engenharia Ambiental, Departamento de Hidráulica e Saneamento, Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo (SHS-EESC-USP) Valdir Schalch Professor Livre-Docente do Departamento de Hidráulica e Saneamento, Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo (SHS-EESC-USP) Resumo O paradigma de que desenvolvimento significa produzir, consumir e deteriorar não se mostra mais verdadeiro. Atualmente entende-se que é possível compatibilizar crescimento econômico e conservação ambiental por meio do desenvolvimento sustentável, que integra às atividades econômicas das empresas as preocupações de longo prazo com o meio ambiente e com a saúde e segurança do trabalhador e da comunidade. No Brasil, observa-se que somente as grandes indústrias possuem certo controle dos resíduos gerados na linha de produção, e é justamente com elas que os órgãos responsáveis pela fiscalização mais se preocupam. Porém, isto não ocorre com micro e pequenas indústrias, funilarias, postos de combustíveis, oficinas de fundo de quintal, dentre outras, que produzem resíduos ambientalmente perigosos e que podem trazer sérios riscos à saúde da população local. Esta poluição pontual, na verdade, está presente em todas as áreas de um município e, portanto, tomar conhecimento ou mapeá-las é um processo muito mais complexo do que no caso de grandes contaminações. Com isso, a poluição gerada por micro e pequenas empresas e indústrias é pouco visível para a mídia e para os órgãos de fiscalização. No entanto, esse tipo de poluição apresenta graus variados de periculosidade e por estar difusa em inúmeras áreas de um município torna-se de difícil controle. A pesquisa em questão teve por foco o levantamento, análise e estudo dos resíduos sólidos especificamente nas funilarias. Procurouse discutir ainda algumas possíveis sugestões de melhores alternativas para a gestão dos resíduos gerados, tendo em vista a busca de desenvolvimento sustentável. Palavras-chave: resíduos sólidos, funilarias, gestão e gerenciamento de resíduos sólidos, São Carlos. Introdução Atualmente, um dos problemas ambientais de grande destaque é a poluição provocada pelos veículos automotores, causada principalmente pelo aumento do número de veículos. A frota brasileira de veículos tem crescido nos últimos anos em proporções maiores do que o aumento da população. Em 2000, eram 8,9 pessoas/veículo, enquanto em 2005 já eram 7,9 pessoas/veículo. Entre 2000 e 2005, a frota brasileira cresceu 15,6%. No ano 2000 havia 20,1 milhões de veículos circulando. Segundo o Sindipeças (Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores), em 2005, esse número já era de 23,3 milhões de veículos (Leite, 2006). Muito se fala na poluição que esses veículos causam ao emitirem compostos que, liberados na atmosfera, formarão outros compostos altamente prejudiciais à natureza e à saúde humana, como óxido de enxofre, óxido de nitrogênio, monóxido de carbono e gás carbônico. Observase, porém, que são poucos os estudos sobre uma atividade que envolve diretamente veículos automotores: a funilaria. Esse tipo de atividade é caracterizado por ser uma prestação de serviços de reparos e consertos na carroceria Minerva, 6(1): 39-46 40 MAEDA, NEVES & SCHALCH (estrutura de chapa metálica) de veículos automotores, como: remoção de pontos de ferrugem, desamassamento, pintura, lanternagem, dentre outros. Os materiais mais utilizados em uma oficina de funilaria e pintura são: o solvente (também conhecido pelos funileiros como thinner) e a tinta. Segundo Jotun (2006), o thinner é inflamável; é nocivo, pois pode causar danos aos pulmões se ingerido; pode provocar secura da pele ou fissuras, por exposição repetida; pode provocar sonolência e vertigens, por inalação dos vapores; além de ser tóxico para os organismos aquáticos e poder causar efeitos nefastos, a longo prazo, no ambiente aquático. Já de acordo com Bentlin (2007), os pigmentos de tinta podem conter metais e outros elementos tóxicos em sua composição, como cianeto, fenol, nitrato, dentre outros. O Quadro 1 a seguir mostra resumidamente os perigos de diversos elementos potencialmente tóxicos. Quadro 1 Riscos potenciais de diversas substâncias. Fonte: CETESB (2005). Minerva, 6(1): 39-46 DIAGNÓSTICO PARA A GESTÃO E O GERENCIAMENTO DE RESÍDUOS ... As oficinas de funilaria e pintura são um tipo de empresa que cresce cada vez mais e está presente em todos os municípios, no entanto, quase não há estudos sobre elas, tampouco pesquisas que abordem seus impactos no meio ambiente e na saúde humana. Objetivos Esta pesquisa teve por objetivos: a) Levantar dados, por meio de questionários, sobre as funilarias existentes no município de São Carlos. b) Classificar os resíduos gerados com base nas normas técnicas ABNT NBR 10.004, 10.005, 10.006 e 10.007. c) Propor medidas para melhor gestão e gerenciamento dos resíduos de funilarias. 41 As perguntas mais relevantes, bem como as respectivas tabulações das respostas, se encontram reproduzidas a seguir. Quanto ao tipo de piso (Quadro 2), convém destacar que tanto o concreto quanto o contrapiso são recomendados para as oficinas de funilaria e pintura pelo fato de serem mais impermeáveis, dificultando eventual contaminação do lençol freático. Por outro lado, a terra e o pedregulho são considerados ruins para pisos em uma oficina dessa natureza por serem mais permeáveis, podendo ocorrer contaminação do lençol freático, bem como poluição do solo e subsolo. Duas das funilarias pesquisadas são representativas desse problema: uma que possui piso de concreto em uma parte e terra na restante; outra que possui concreto em uma parte e pedregulho na restante. Metodologia Inicialmente, foi obtido o cadastro das oficinas de funilaria e pintura junto à Prefeitura Municipal de São Carlos. Paralelamente, elaborou-se um questionário para ser aplicado nas oficinas de funilaria e pintura. Esse questionário foi adaptado do formulário que consta na Resolução CONAMA no 313 de 29 de outubro de 2002. Posteriormente, passou-se à fase de visitas e aplicação dos questionários nas oficinas de funilaria e pintura. Selecionou-se, então, um número representativo de funilarias para realizar a coleta e classificação dos resíduos, de acordo com o compêndio das Normas ABNT (10.004 a 10.007 de 2004). Com a análise dos dados fornecidos a partir das visitas, questionários e classificação dos resíduos, obtevese o diagnóstico atual da gestão e gerenciamento dos resíduos de oficinas de funilaria e pintura. Finalmente, como última etapa da pesquisa foram propostas medidas para melhor gestão e gerenciamento desses resíduos. Resultados e Discussões Aplicação de questionários Foram identificadas 40 funilarias no município de São Carlos, das quais: z z z 31 funilarias responderam ao questionário elaborado; 8 funilarias estavam desativadas, ou não existiam mais; 1 funilaria não quis participar. a) Qual é o tipo de piso da funilaria? Quadro 2 Tipos de piso. b) Possui conhecimento sobre: Legislação ambiental: desconhece ( ) conhece ( ) Perigo dos resíduos sólidos: desconhece ( ) conhece ( ) Classificação dos resíduos sólidos: desconhece ( ) conhece ( ) Quanto ao nível de conhecimento dos profissionais, pode-se constatar que a maioria dos funileiros desconhece a legislação ambiental, bem como o perigo dos resíduos sólidos e sua classificação, o que pode ser considerado altamente preocupante (Quadro 3). Quadro 3 Conhecimento de legislação ambiental, perigo e classificação dos resíduos sólidos. Minerva, 6(1): 39-46 42 MAEDA, NEVES & SCHALCH O conhecimento dessas questões é importante para que o dono da funilaria atue de forma mais responsável perante o meio ambiente e seus funcionários [como o incentivo do uso de EPIs (Equipamentos de Proteção Individual)]. c) Qual é a quantidade média mensal de tinta utilizada nesta oficina de funilaria e pintura? As 27 funilarias que responderam a essa questão (Figura 1) utilizam juntas, em média, 720,5 L por mês, o que significa uma média de 26,7 L/ mês/ funilaria. Tinta utilizada por mês em litros d) Dos resíduos gerados nesta funilaria, quais são encaminhados à reciclagem? Pode-se aferir que parte considerável de alguns resíduos (papel/papelão/jornal – 61,3%; e embalagens de produtos – 74,2%) é encaminhada à reciclagem. Já quanto ao plástico (35%) e às sucatas (29%), não se pode dizer o mesmo (Quadro 4). e) Quais resíduos são destinados ao lixo comum, isto é, ao lixo que cujo destino final é o aterro? O Quadro 5 ilustra que 71% e 32,3% das funilarias visitadas descartam, respectivamente, resíduos de estopa e varrição no lixo cujo destino final é o aterro. O fato de esses resíduos conterem restos de tintas é motivo de preocupação, principalmente se forem de classe I ou IIA, pois estão sendo encaminhados para o aterro sem nenhum tratamento prévio. Outro fato observado a partir das visitas às funilarias e dos questionários é que os resíduos de funilarias vão, ou para o esgoto (Figura 2), ou para o lixo (Figura 3), ou para a atmosfera (Figura 4). Ressalta-se que isso é preocupante, principalmente se for diagnosticado nas análises em laboratório que esses resíduos são de classe I ou IIA. 160 140 140 Quantidade de tinta utilizada por mês em L 120 100 80 80 60 50 40 40 40 30 30 35 30 30 28 20 20 20 15 15 20 12 20 10 10 10 10 7,5 5 8 1 4 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 Funilarias Figura 1 Quantidade média de tinta utilizada por mês. Quadro 4 Resíduos que são encaminhados à reciclagem. Quadro 5 Resíduos destinados ao lixo comum. Minerva, 6(1): 39-46 DIAGNÓSTICO PARA A GESTÃO E O GERENCIAMENTO DE RESÍDUOS ... 43 Figura 2 Funilaria descartando resíduo para o esgoto. Figura 3 Funilaria descartando resíduo para o lixo. Figura 4 Resíduo de funilaria difuso no ar. Minerva, 6(1): 39-46 44 MAEDA, NEVES & SCHALCH f) A pintura dos veículos é realizada em uma cabine de pintura? Os funcionários utilizam EPIs no trabalho? Apenas seis funilarias (19%) afirmaram realizar a pintura de veículos em uma cabine de pintura adequada (Figura 5). Quanto ao uso de EPI (Figura 6), apenas quatro funilarias (13%) responderam positivamente. A não existência ou a não utilização adequada de uma cabine de pintura em 81% das oficinas de funilaria e pintura analisadas significa que a tarefa é realizada praticamente ao ar livre. Isso, combinado ao não uso de EPI por parte do funileiro, certamente aumenta o risco de os funcionários desenvolverem problemas de saúde com o passar do tempo. Coleta de Amostras Foram realizadas coletas de resíduos em quatro funilarias distintas. Os critérios de seleção foram o porte da funilaria e os questionários. Foram escolhidas uma funilaria de grande porte, duas de porte médio e uma de pequeno porte. Foram coletadas oito amostras ao todo, conforme a descrição a seguir: z z z z z z z z Amostra 1: funilaria 1 (porte maior) – área de lixamento e polimento. Amostra 2: funilaria 1 (porte maior) – laboratório de pintura, mistura, tintas e solventes. Amostra 3: funilaria 1 (porte maior) – papéis da cabine de pintura. Amostra 4: funilaria 1 ( porte maior) – resíduo do ralo. Amostra 5: funilaria 2 (porte médio) – cabine de pintura. Amostra 6: funilaria 2 (porte médio) – resíduo do ralo. Amostra 7: funilaria 3 (porte pequeno) – pintura. Amostra 8: funilaria 4 (porte médio) – geral. Figura 5 Cabine de pintura de uma funilaria entrevistada. Figura 6 Exemplo de um EPI que deveria ser usado por todos os funileiros. Minerva, 6(1): 39-46 DIAGNÓSTICO PARA A GESTÃO E O GERENCIAMENTO DE RESÍDUOS ... A coleta dos resíduos, bem como o seu armazenamento, para posterior análise em laboratório, respeitou a NBR 10.007 (ABNT, 2004). Extratos lixiviados e solubilizados Foi realizada a extração de lixiviado de resíduos sólidos conforme a NBR 10.005 (ABNT, 2004) para averiguar se os resíduos coletados são de classe I ou II. Para o ensaio de lixiviação foi analisada uma amostra de cada funilaria. Os resultados desse ensaio encontramse na Tabela 1. Para saber se a amostra é de resíduo classe I ou II, compararam-se os resultados obtidos com os parâmetros 45 que constam no Anexo F (“Concentração – limite máximo no extrato obtido no ensaio de lixiviação”) da NBR 10.004 (ABNT, 2004), reproduzido na própria Tabela 1 (amostra “ABNT*”). Comparando-se os valores de cada amostra com o da ABNT, vemos que o limite máximo no extrato lixiviado não é atingido em nenhum dos parâmetros analisados, assim, de acordo com a NBR 10.005 (ABNT, 2004), esses resíduos podem ser considerados de classe II. O ensaio de solubilização definirá se os resíduos serão classe IIA ou IIB. Para o ensaio de solubilização, foram analisadas oito amostras. Os resultados encontramse nas Tabelas 2 e 3. Tabela 1 Resultados dos ensaios de lixiviação Tabela 2 Resultados do ensaio de solubilização. Tabela 3 Resultados do ensaio de solubilização (continuação). Minerva, 6(1): 39-46 46 MAEDA, NEVES & SCHALCH Para saber se a amostra é de resíduo classe IIA ou IIB, deve-se comparar os resultados obtidos com os parâmetros que constam no Anexo G (“Padrões para o ensaio de solubilização”) da NBR 10.004 (2004), reproduzido nas Tabelas 2 e 3 (amostra “ABNT*”). Os resultados acima dos padrões de ensaio de solubilização foram colocados em negrito. Das oito amostras analisadas, todas tiveram valores de concentração de fenol e manganês acima dos padrões de ensaio de solubilização; seis amostras de ferro estiveram acima do padrão; duas de cromo; e uma de fluoreto e zinco. Como, em todas as amostras, o limite máximo no extrato solubilizado é ultrapassado para pelo menos um parâmetro analisado, então, de acordo com a NBR 10.006 (2004), esses resíduos podem ser considerados classe IIA (“não inertes”). De todos os parâmetros que estão acima dos padrões, o fenol certamente é o mais preocupante, pois, além de isso ocorrer em todas as amostras, ele apresenta sérios riscos à saúde humana, por ser altamente tóxico, carcinogênico e alergogênico. Apesar de quase todas (no caso do ferro) ou todas (no caso do manganês) as amostras apresentarem valores acima do padrão de solubilização, elas não representam problemas à saúde humana quando não estão muito acima do padrão. Considerações Finais Com base nas visitas às funilarias, aplicação de questionários, coleta e análise de amostras, propõem-se as seguintes medidas para melhor gerenciamento (de resíduos) de funilarias: z z z z Pedir a quantidade necessária de tinta para cada carro (algumas funilarias entrevistadas afirmaram que fazem isso e, assim, reduzem seus custos, além de gerar menos resíduos – sobra de tinta não utilizada). Toda funilaria deve ter cabine de pintura, pois uma área menor estará sujeita à poluição causada pela pintura, o que implica economia de água e de tempo de limpeza e menor propagação de poluentes. Todo funcionário de funilaria e pintura deve usar EPI, principalmente aqueles que trabalham no setor de pintura. Os ensaios de lixiviação e solubilização mostraram que os resíduos das funilarias são classe IIA (“não inertes”). Esses resíduos não podem ser dispostos em qualquer aterro e, sim, em um aterro licenciado pelo órgão ambiental competente. Minerva, 6(1): 39-46 Como observação final vale ressaltar que, em geral, no Brasil praticamente não há legislação e fiscalização em oficinas de funilaria e pintura. Assim como ocorreu com os postos de combustíveis mais recentemente, é necessária maior fiscalização ou elaboração de leis por parte do município ou do órgão estadual competente. Dessa forma, muitos desses problemas constatados poderiam ser significativamente minimizados. Referências Bibliográficas ABNT. NBR 10.004: Classificação de resíduos sólidos. São Paulo, 2004. ABNT. NBR 10.005: Procedimento para obtenção de extrato lixiviado de resíduos sólidos. São Paulo, 2004. ABNT. NBR 10.006: Procedimento para obtenção de extrato solubilizado de resíduos sólidos. São Paulo, 2004. ABNT. NBR 10.007: Amostragem de resíduos sólidos. São Paulo, 2004. BENTLIN, F. R. S. Desenvolvimento de métodos analíticos para a determinação de metais e metalóides em tinta. 2007. Dissertação (Mestrado) – Instituto de Química, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. BRASIL. Resolução Conama n. 313 de 29 de outubro de 2002. Dispõe sobre o Inventário Nacional de Resíduos Sólidos Industriais. 2002. CETESB. Relatório de qualidade das águas interiores do Estado de São Paulo 2004. São Paulo, 2005. 307 p. JOTUN. Ficha de dados de segurança. Jotun Thinner, n. 2, 2006. Disponível em: <www.jotun.no> Acesso em: 26 fev. 2009. LEITE, J. O Brasil, cada vez mais motorizado. Web Motors, Brasil, 6 jun. 2006. Disponível em: <http://www.webmotors. com.br/wmpublicador/Colunista2_Conteudo. vxlpub? hnid=36334>. Acesso em: 3 mar. 2009.