Desenvolvimento Cidades sustentáveis Sem tempo para postergar as ações O desenvolvimento sustentável precisa ir muito além do discurso. Somente a adoção de políticas públicas responsáveis e eficientes nas cidades será capaz de gerar resultados positivos para equacionar um problema que é global. texto Henrique Arraes 36 O debate em torno do tema cidades sustentáveis foi um dos que mais interesse despertou durante o “II Encontro dos Municípios com o Desenvolvimento Sustentável”, evento realizado em Brasília pela Frente Nacional dos Prefeitos (FNP). Representantes do terceiro setor, gestores públicos e apaixonados pelo tema trocaram ideias e experiências sobre diferentes aspectos que cercam o desenvolvimento sustentável e que colocam as políticas públicas locais como protagonistas para alcançar êxito nessa questão. O conceito de desenvolvimento sustentável tem como um de seus pilares garantir o crescimento nas dimensões econômica, social e cultural, ao mesmo tempo em que promove a redução dos impactos no meio ambiente e o uso mais racional dos recursos naturais. Mas, envolve, sobretudo, mudanças de hábitos, posturas e valores. Para Oded Grajew, coordenador da Rede Nossa São Paulo e Presidente emérito do Instituto Ethos, a sustentabilidade é uma escolha de um modo de vida, de um modelo de desenvolvimento, de princípios e de valores. Uma escolha que leva em conta a consequência dos nossos atos sobre as pessoas de hoje e de amanhã. André Trigueiro, jornalista que há mais de duas décadas acompanha de perto as questões ligadas ao desenvolvimento sustentável, ressalta que “ser sustentável é sinônimo de sobrevivência, ser sustentável é respeitar os limites e a capacidade de suporte de onde estamos. É inteligente ser sustentável”. CORRIDA CONTRA O TEMPO As questões e os desafios relacionados à utilização racional dos recursos naturais e ao desenvolvimento sustentável já estão postas há muito tempo. Décadas atrás, quando o tema começou a ganhar força junto a governos e sociedade, a situação de degradação ambiental e risco de escassez progressiva de recursos naturais essenciais já eram realidade. Por isso, não há tempo para prorrogar decisões, mudanças de posturas e ações efetivas. Florence Laloe, Secretária Executiva para América do Sul do ICLEI – Governos Locais pela Sustentabilidade, alerta: “é uma luta contra o tempo. Quanto mais o tempo passa, mais a coisa vai ficando difícil e a gente vai tendo menos tempo pra de fato tomar essas decisões éticas pela sustentabilidade, tomar decisões efetivas para mostrar a transformação que a gente quer ver no mundo”. Para ela, o desafio é ir além dos compromissos. “Adotar um compromisso, adotar metas é relativamente fácil, no sentido de que precisa apenas da vontade política inicial. Mas, nós precisamos ir além. Precisamos partir para a implementação, partir para os resultados de fato”, diz Florence. Para alcançarmos os objetivos desejados em relação ao desenvolvimento sustentável, não há mágica. Trigueiro afirma que uma agenda sustentável pressupõem planejamento. Segundo ele, a sustentabilidade na gestão pública não é obra do acaso, ela não acontece por uma coincidência, ela é resultado de um trabalho. Para André, esse trabalho deve começar via de regra por um bom levantamento, um diagnóstico do município. E depois é preciso estabelecer as prioridades, definir metas exequíveis, prazos compatíveis com as metas, criar uma organização das rotinas, um plano diretor, uma lei orgânica. Ele reforça que o município que não consegue se planejar está à deriva. Oded Grajew reforça a ideia de que contar com indicadores e fazer um acompanhamento é fundamental. Ele exemplifica com o modelo que é adotado pelo próprio Programa Cidades Sustentáveis. O município que participa do Programa precisa fazer um diagnóstico inicial, observando os indicadores estabelecidos pelo Cidades Sustentáveis e que formam 12 eixos centrais. A partir daí, olhando esses indicadores, o prefeito entende como sua cidade está do ponto de vista da sustentabilidade, consegue definir metas, traçar os caminhos que precisa percorrer e fazer um acompanhamento permanente dos resultados das ações. “O prefeito que faz a escolha ética pela sustentabilidade, significa o seguinte: eu quero propiciar qualidade de vida para todos os habitantes da cidade e não só para alguns. E eu quero que essa qualidade de vida seja crescente ao longo do tempo e que não comprometa a qualidade de vida das gerações futuras.”, diz Grajew. 37 “Ser sustentável é sinônimo de sobrevivência, ser sustentável é respeitar os limites e a capacidade de suporte de onde estamos. É inteligente ser sustentável”. André Trigueiro, Jornalista nais e internacionais que devem servir como referência para que os gestores adaptem essas práticas localmente. Florence também acredita que o momento pode ser muito positivo. Para ela, se os novos gestores municipais decidirem tomar ações efetivas, o país pode dar um salto muito grande em relação ao desenvolvimento sustentável. “Quatro anos é bastante tempo, é uma oportunidade muito grande para algo ser feito e nós temos a faca e o queijo na mão, pois existem recursos (financeiros) disponíveis”, comenta Laloe. Mesmo os municípios menores tem condições de realizar projetos visando ao desenvolvimento sustentável. Isso porque existem uma série de práticas que dependem de poucos ou nenhum recurso direto. E, para os investimentos mais vultuosos, há a alternativa de que municípios de uma mesma região se associem e compartilhem os custos por meio de consórcio. Incentivos Fiscais OPORTUNIDADES E EXEMPLOS Apesar dos grandes desafios, o cenário pode ser encarado como favorável. Oded considera que a boa notícia é que hoje sabemos quais são os problemas, mas também há informações e conhecimento do que fazer para corrigir. Existem casos exemplares nacio- 38 A arrecadação de impostos pode ser usada como um excelente mecanismo de incentivar práticas sustentáveis. Dois bons exemplos são o ICMS Ecológico e o IPTU Verde. O ICMS Ecológico já é adotado em 14 estados brasileiros e o mecanismo central consiste na escolha por parte do estado de alguns critérios de sustentabilidade e a partir daí são coletadas informações em cada município, estabelecendo um ranking dessas cidades de acordo com uma pontu- ação relacionada aos indicadores. E, o estado faz repasse maiores de ICMS aos municípios melhor ranqueados. Portanto, para municípios desses estados, ser sustentável melhora a qualidade de vida de sua população e ainda gera ganhos diretos de receita. Já o IPTU verde já é adotado por diversos municípios do país. A ideia central é que a prefeitura dê descontos ou mesmo isente de cobrança os proprietários de imóveis que seguirem critérios definidos pela prefeitura como importantes, como por exemplo, proprietários que preservem em seus terrenos áreas verdes consideradas estratégicas para o bem estar da população como um todo. Compras públicas Para prover os serviços básicos à população, o setor público precisa fazer aquisições de bens e serviços de praticamente todos os setores da economia. Por isso, incluir critérios de sustentabilidade nos processos de licitações e compras governamentais é uma alternativa muito interessante. As possibilidades são muitas: desde a preferência pela compra de produtos orgânicos para merenda escolar até a exigência de processos sustentáveis na execução de obras públicas. Política Nacional de Resíduos Sólidos Florence Laloe enxerga na PNRS uma grande oportunidade, por ser uma política extremamente inovadora e ambiciosa. “Precisamos conseguir tirá-la do papel e o município tem papel central em tirá-la do papel, fazendo boas escolhas de tecnologias, fazendo bons planos consistentes, integrando a sociedade, integrando os catadores, promovendo a inclusão social, integrando o setor privado”, diz ela. Uma das questões centrais da PNRS envolve a eliminação dos lixões por parte dos municípios até 2014. Para André Trigueiro, isso é fundamental, pois os lixões são uma bomba-relógio ambiental: geram chorume que contamina lençol freático, geram gases de efeito estufa, atraem vetores que transmitem doenças e pessoas que se degradam junto com o lixo fazendo a segregação totalmente fora dos padrões viáveis e aceitáveis. “Consórcio intermunicipal é a solução possível, porque eu já vi funcionar. Une forças, diminui despesas. Um dos municípios vai sediar o aterro sanitário novo, você vai ter uma prazo generoso para remediação do solo e das águas dos outros municípios. Segregação dos recicláveis gera uma receita pequena, mas importante. Transformação da matéria orgânica em adubo de excelente qualidade para uso nos parques e jardins desses municípios também funciona, dá certo”, conclui André. Água Um relatório recente da Agência Nacional de Águas aponta que se não forem realizados investimento superiores a R$20 bilhões até 2015 para melhoria do sistema de distribuição de água potável e na preservação de nascentes e mananciais, 55% dos municípios brasileiros correm um risco im- enso de ter problemas com a segurança hídrica, na qualidade e no suprimento. Segundo André Trigueiro, as possibilidades para o consumo racional e a preservação dos recursos hídricos são muitas, mas ele citou como exemplo um conjunto de três medidas adotadas em Niterói (RJ). A primeira, a obrigação da instalação de hidrômetro individual, o que estimula o consumo mais consciente de cada um. A segunda medida é a exigência de que construções novas tenham em seus projetos mecanismos para coletarem água da chuva. Essa medida é duplamente interessante: a água que iria para o ralo pode ser usada para utilização de finalidades não nobres na própria edificação e à medida que as edificações conseguem reter as águas das chuvas, auxiliam na drenagem e escoamento das águas em casos de fortes temporais, o que pode minimizar os transtornos e riscos ainda frequentes em nossas cidades nesse tipo de situação. A terceira medida é a retenção e tratamento das águas ensaboadas proveniente de lavabos, chuveiros, tanques e máquinas de lavar. A água é tratada dentro da própria edificação, num processo rápido, barato e similar ao tratamento de águas de piscinas. Depois, essas águas são bombeadas para cada andar, onde há uma torneirinha com a etiqueta de água de reuso, que pode ser usada para finalidades como lavar pisos. sil os dados levantados no censo de 2010, que apontam que mais da metade da população brasileira não tem rede coletora e que pouco mais de 20% dos municípios tem sistemas de tratamento de esgoto. Trigueiro lembrou que a solução nem sempre passa por “É uma luta contra o tempo. Quanto mais o tempo passa, mais a coisa vai ficando difícil e a gente vai tendo menos tempo pra de fato tomar essas decisões pela sustentabilidade” Florence Laloe, Diretora Executiva Para América do Sul do ICLEI Saneamento básico Saneamento é básico. É vergonhoso para um país como o Bra- 39 obras complexas e investimentos caríssimos. Ele citou uma tecnologia que já foi tema de suas reportagens: a possibilidade de transformar esgoto humano em biogás, o que transforma o problema do esgoto em uma solução energética. “Isso dá tão certo, que a experiência consolidada em Petrópolis unindo prefeitura, companhia privada de água e esgoto e uma ONG fez de Petrópolis a capital brasileira dos biodigestores”, comenta ele. Com essa tecnologia, o esgoto é retido em cisternas anaeróbicas, resultando em gás metano e deixando de ser um contaminante do ambiente local. O gás pode ser canalizado e usado em prol da própria comunidade, sendo usado, por exemplo, em fogões das cozinhas de creche. E o melhor, Trigueiro lembra que a construção de biodigestores envolve custos baixíssimos se comparados às grandes obras de saneamento. Construção Civil As áreas urbanas são responsáveis pela maior parte dos impactos ambientais e, portanto, são nelas que as soluções devem ser implementadas. É lógico que em um ambiente moldado por edificações e intervenções humanas, a construção civil precisa deixar para trás seu passado histórico e começar a atuar de forma mais responsável do ponto de vista da sustentabilidade. Para André Trigueiro, “edifícios inteligentes devem estar no norte magnético da bússola de quem governa uma cidade. Isso você faz para edifícios comerciais, edifícios 40 públicos, edifícios residenciais, escolas, creches, jardim zoológico”. As tecnologias para que cada nova construção seja erguida de forma sustentável estão todas aí, já desenvolvidas. O poder público deveria impor padrões mínimos para aprovar o projeto de cada uma das novas construções. Além, claro, de estimular intervenções nas edificações já existentes visando torná-las mais eficientes do ponto de vista do consumo de recursos naturais e da redução do impacto ambiental. Infelizmente, o fato dessas exigências mínimas não serem regra no Brasil, tem por trás diversos motivos, muitos deles resultantes das falhas do modelo políticoeleitoral brasileiro e das relações historicamente escusas entre parte do poder público e da iniciativa privada no Brasil. Nesse ponto, Triguieiro é incisivo no intuito de provocar uma grande reflexão sobre o assunto: “Essa ligação espúria entre políticos e empreiteiros que financiam campanha. Por que é uma ligação espúria? Porque na hora de você determinar regras para construção sustentável, usando materiais menos impactantes, permitindo ventilação e iluminação naturais, espaço para coleta seletiva, bicicletário, coleta de água de chuva, coletor solar, o construtor diz o que? Não vou nessa não porque me custa mais caro.” O custo de instalação dessas tecnologias durante a construção, são de fato mais caros. Contudo, a amortização ocorre de forma muito rápida, pois a manutenção das edificações e os custos com “O prefeito que faz a escolha ética pela sustentabilidade, significa o seguinte: eu quero propiciar qualidade de vida para todos os habitantes da cidade e não só para alguns.”. Oded Grajew, Presideente emérito do Instituto Etho respeito aos entulhos de reformas e construções. Na maior parte das cidades brasileiras, a destinação dos entulhos é feita de forma totalmente inadequada. Em outros, os entulhos são transportados e enterrados, o que representa um desperdício descomunal. Trigueiro lembrou o caso de Belho Horizonte, aonde a prefeitura tritura todo o entulho coletado em três usinas que utilizam equipamentos baratos e que lá foram doados por mineradoras. Restos de cerâmica, concreto e cimento são triturados em cinco diferentes granulações e servem de insumo para as obras e construções do próprio município. Segundo André, o que hoje é comprado com recursos público, pode ser obtido com o que a cidade dá de graça, ficando para o gestor municipal o trabalho de levar isso para uma usina e reconfigurar na forma que lhe interessa e para múltiplos usos: base e sub-base de asfalto, bloquetes, fabricação de tijolos etc. Vale ressaltar que em Belo Horizonte, esse tipo de ação gerou uma economia direta de aproximadamente R$7 milhões ao ano. Mobilidade urbana Os problemas relacionados à mobilidade nas cidades brasileiras não tem como único impacto a emissão de poluentes pelos veículos automotores. Mesmo que toda a frota fosse instantaneamente contas de insumos como água e luz são muito menores que os de uma construção tradicional. Uma outra questão relacionada à construção civil e ainda muito mal equacionada país afora diz Equipar as edificações com tecnologias que tornem mais eficiente o consumo de água e energia e que possibilitem destinar corretamente os resíduos é fundamental para uma cidade se tornar sustentável substituída por veículos livres da emissão de poluentes e super eficientes do ponto de vista de consumo energético, ainda assim a falta de mobilidade continuaria sendo uma prática não sustentável, por prejudicar o direito de ir e vir e consequentemente a qualidade de vida da população e sua capacidade de produção econômica. Trigueiro observa que “a cidade não pode ter como prioridade abrir caminho para o motorista. Tem que abrir caminho para quem não é motorista. É isso que a gente vê pelo mundo”. Florence Laloe segue reflexão similar: “estamos pensando nas cidades para as pessoas? Eu acho que não. O que mais vemos nos nossos grandes centros urbanos são as pessoas reclamando que a cidade está ruim, que o trânsito está insuportável”. As soluções, necessariamente passam pela melhoria do transporte coletivo e do sistema como um todo, permitindo ao cidadão utilizar meios menos impactantes para realizar todos os deslocamentos necessários em seu dia-a-dia. André Trigueiro aborda ainda um outro tema controverso: a repetida política de redução de IPI sobre veículos como forma de estimular a economia. Para ele, essa é uma decisão simplista, que não leva em conta as questões de desenvolvimento sustentável. Para agravar, ele tem dúvidas se a política consegue ser eficiente sequer do aspecto econômico. Segundo ele, além da grande renúncia fiscal, que poderia ser investida e gerar resultados positivos de outras maneiras, não são levados em consideração os prejuízos causados pelo volume cada vez maior de automóveis nos centros urbanos brasileiros. Ele cita um estudo recente do pesquisador da USP Paulo Saldiva, que aponta que o paulistano, em média, tem vivido dois anos a menos devido à poluição do ar e que os prejuízos econômicos causados pelos congestionamentos e falta de mobilidade, somente na cidade de São Paulo, ultrapassam R$50 bilhões ao ano. 41