Duração: o tempo e seus entrelaçamentos com a psicologia III Mostra de Pesquisa da Pós-Graduação PUCRS Marcos Adegas de Azambuja, Neuza Guareschi (orientadora) Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social e da Personalidade, Faculdade de Psicologia, PUCRS, Resumo O presente trabalho é parte da produção de uma tese de doutorado no grupo de pesquisa Estudos Culturais e Modos de Subjetivação na área de concentração de Psicologia Social. A intenção desta pesquisa desenvolve-se na investigação das práticas culturais através das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC’s) e as produções de espaço-tempo nos processos de subjetivação. Para os fins desta escrita, nos deteremos na problematização da epistemologia da psicologia, a partir do conceito de duração do filósofo Henri Bergson, procurando uma aproximação à psicologia e seu modo de produzir conhecimento. Introdução Henri Bergson é um dos filósofos que põe fim a era cartesiana. Emancipando-se dos postulados da filosofia moderna, inaugura um pensamento contemporâneo que escapa e critica o racionalismo e seus derivados – positivismo, idealismo e associacionismo –, bem como o cientificismo de sua época que perdura até hoje. A ciência, para Bergson, procura produzir conhecimento primordialmente a partir de uma perspectiva de tempo ideal ou lógicomatemática, na qual seria possível apreender a realidade, mensurá-la e generalizá-la, como se a realidade se repetisse sempre a mesma no decorrer do tempo. É este um dos principais alertas de Bergson: tomar a realidade presa em um espaço de tempo é mortificá-la, é descolar o conhecimento da vida. Já devemos adiantar aqui que a realidade é vir-a-ser, impulso vital, duração (TREVISAN, 1995). Para analisarmos a lógica de espaço-tempo deste pensador vamos descrever o conceito de duração, explorando possíveis modos de apreensão da duração que se produzem na ciência psicológica. III Mostra de Pesquisa da Pós-Graduação – PUCRS, 2008 O conceito de duração bergsoniano tem duas vertentes: a duração homogênea e a duração heterogênea. Na primeira, duração homogênea, como dizíamos acima, reduzimos o tempo real psíquico a imagens de espaço físico ou a unidades do espaço lógico-matemático. Há, por exemplo, uma tentativa de apreensão de estados de consciência utilizando-se do espaço, ou seja, de algum parâmetro de exterioridade (positivismo) para representar os fenômenos de consciência. Para capturar determinados fenômenos procuramos alinhá-los no espaço, retirando-os do tempo, para, assim, mensurá-los. Podemos, então, distinguir um fenômeno de outro, graduá-los por sua intensidade (psicofísica), reconhecer formas de associação entre uns e outros (associacionismo), mas não estamos operando na natureza do objeto estudado e, sim, apenas nas diferenças de graus de determinado objeto. É retirando determinados fenômenos do tempo e os aprisionando no espaço, ou melhor, esquadrinhandoos em um diagrama espaço-temporal já delimitado que podemos erigir determinadas verdades sobre o sujeito. É assim que um campo de saber se cria e ganha o estatuto de ciência: desenvolvendo-se em um racionalismo de ordem matemática, eternizando ou universalizando determinados achados (BERGSON, 1984). Na duração heterogênea falamos de um tempo da existência, há uma ordem ontológica, que opera no sentido de que na duração (ou no tempo) nunca se repete a mesma sensação (TREVISAN, 1995). Sendo assim, o movimento que vinha encadeado e tinha certa ordenação espaço-temporal vê-se revirado, perde seu eixo. A linha dura do movimento, do movimento que envolve o tempo, de um começo, meio e fim, se esmaece. Passado, presente e futuro não seguem uma linha reta. Aquele que se guiava por um tempo cronológico (dos calendários e dos relógios), que prosseguia em um tempo natural e biológico (das estações da vida), que respeitava os tempos de aprender, que seguia todo um movimento da vida, vê-se instado a perguntar onde foi parar. Algum de seus movimentos escapou dessa seriação; foi dado um passo em falso, e o movimento torna-se aberrante, assustador. É esse movimento percebido como bizarro que libera o tempo na medida em que este se libera do movimento a que antes se subordinava (PELBART, 2004). Metodologia A intenção deste trabalho está em pesquisar a filosofia de Henri Bergson para, a partir deste pensador, desencadear um tensionamento nas formas de pensar psicologia, isto é, problematizar a epistemologia da psicologia. Para isso, vamos trabalhar o conceito de epistemologia, em seguida, como a psicologia se constitue como um campo de saber e, III Mostra de Pesquisa da Pós-Graduação – PUCRS, 2008 finalmente, aproximar o conceito bergsoniano tais de duração à psicologia e seu modo de produzir conhecimento. Nesse sentido, envolvemo-nos com a idéia de duração no intento de provocar linhas de fuga, produzindo os movimentos infinitos do pensamento, invocando, assim, novas maneiras de se pensar a psicologia. Já que Deleuze (1999) sintetiza a tese de Bergson sobre duração em “a duração é o que difere de si” (p. 103), dizemos de antemão que pensar nessa perspectiva é produzir diferença, escapando a qualquer tendência dialética e transformando o ponto de vista do negativo. Para isso, nos propomos em engendrar a própria ciência psicológica em um processo de análise, no qual se coloque os problemas referentes a este campo de saber em função do tempo, promovendo a liberação deste em relação ao espaço, encontrando somente assim diferenças de natureza e não de graus. Diferença de natureza é a diferença interna de determinada coisa, e não o que se diferencia a partir de uma exterioridade, ou seja, duração é o que difere de si e em si mesmo. A própria natureza da duração é diferença e, portanto, indivisível, mas, ao dividir-se, já mudou de natureza. Portanto, o que difere não são as coisas, nem os estados de coisas, mas o virtual que cada atualização carrega – este campo movente de singularidades pré-individuais que assegura sua situação no devir. Resultados e Discussão As problematizações procuram promover discussões sobre uma psicologia como duração, isto é, uma psicologia em um tempo que se emancipou do movimento. É, pois, nesse momento decisivo, quando se perde do movimento concatenado, que uma infinidade de mundos comparece a um só tempo. Essa trama de tempos passa por um estranhamento, quando perspectivado por uma lógica de pensamento delineada sob linhas duras e binarismos. Um estranhamento, um passo em falso fica, dessa forma, entendido como erro, algo que desviou do caminho correto, que destrilhou as amarras do pensamento iluminado. O que se percebe aqui é um não-distanciamento de uma lógica identitária. A subjetividade é envelopada para que se mantenha o controle e se produzam sujeitos assujeitados, subjetividades em decalque1. Por outro lado, todos esses erros são as afirmações do falso – vontade de potência, que briga contra a disciplina e o julgamento, já que é devir, é luta de forças – e a prova de que precisávamos para pôr em xeque a busca desenfreada pela verdade, enlouquecedora aproximação com o verdadeiro (PELBART, 2004). A errância, em sua III Mostra de Pesquisa da Pós-Graduação – PUCRS, 2008 potência e positividade, leva-nos a um desprendimento sensório-motor, liberando-nos das amarras do presente, provocando uma abertura a um passado enquanto virtualidade. É por uma coexistência virtual (DELEUZE, 1999), coexistência de mundos, que o presente se multiplica, se torna potência do novo. Referências BERGSON, H. Cartas, conferências e outros escritos. São Paulo, SP: Abril Cultural, Coleção Os Pensadores, 1984. DELEUZE, G. Bergsonismo. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1999. DELEUZE, G., GUATARRI, F. Mil Platôs: Capitalismo e Esquizofrenia. vol. 1. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1995 PELBART, P. P. O Tempo Não-Reconciliado: imagens de tempo em Deleuze. São Paulo: Perspectiva, 2004. TREVISAN, R. M. Bergson e a Educação. Piracicaba: Editora Unimep, 1995. WERTHEIM, M. Uma História do Espaço de Dante à Internet. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. 1 A lógica da árvore (...) “consiste em decalcar algo que se dá já feito, a partir de uma estrutura que sobrecodifica ou de um eixo que suporta. A árvore articula e hierarquiza os decalques, os decalques são como folhas da árvore” (DELEUZE e GUATTARI, 1995, p. 21). III Mostra de Pesquisa da Pós-Graduação – PUCRS, 2008