UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO DOUGLAS GUEDES FERREIRA Biorremediação de Solo Argiloso Contaminado com Gasolina Aditivada com Diferentes Teores de Etanol RIO DE JANEIRO 2010 DOUGLAS GUEDES FERREIRA Biorremediação de Solo Argiloso Contaminado com Gasolina Aditivada com Diferentes Teores de Etanol Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Tecnologia dos Processos Químicos e Bioquímicos, Escola de Química, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial para a obtenção do Título de mestre em Ciências Orientação: Prof. Dra. Eliana Flávia Camporese Sérvulo Prof. Dra. Denise Dias de Carvalho RIO DE JANEIRO 2010 F383b Ferreira, Douglas Guedes Biorremediação de Solo Argiloso Contaminado com Gasolina Aditivada com Diferentes Teores de Etanol/ Douglas Guedes Ferreira. - 2010 xx, 113 f.: il. Dissertação (Mestrado em Tecnologia dos Processos Químicos e Bioquímicos) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Escola de Química, Rio de Janeiro, 2010. Orientadoras: Eliana Flávia Camporese Sérvulo e Denise Dias de Carvalho. 1. Solo Argiloso. 2. Gasolina. 3. Biorremediação. – Teses. I. Sérvulo, Eliana Flávia Camporese (Orient.). II. Carvalho, Denise Dias (Orient.). III. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Programa de Pós-graduação em Tecnologia dos Processos Químicos e Bioquímicos, Escola de Química. IV. Título. CCD 363.7 AGRADECIMENTOS Gostaria de agradecer: • À Deus pela sua iluminação e conforto até mesmo nos momentos mais difíceis; • Aos meus pais, em especial ao meu pai que hoje é um exemplo de serenidade e sabedoria que me permite encontrar o equilíbrio mesmo nos momentos mais turbulentos; • À Professora Eliana que foi muito mais que uma orientadora durante toda a nossa convivência, emprestando seus ombros e ouvidos como uma grande amiga e ainda o colo confortável de uma mãe amorosa; • À Professora Denise pela colaboração; • À Dra Márcia e toda a equipe do Laboratório de Biocorrosão e Biodegradação, Instituto Nacional de Tecnologia (Ana, Luciana, Mariana, Miriam e Viviane), que permitiram a realização deste trabalho tanto pelo fornecimento do espaço físico quanto pela ajuda na realização dos ensaios; • À equipe do Laboratório de Microbiologia Industrial pela amizade e contribuição, principalmente a Juliana e Kally por compartilhar dos momentos de aflição; • À equipe do Laboratório de Tecnologia Ambiental pela colaboração na realização desse trabalho, principalmente as técnicas Suzana e Verônica; • À equipe do Laboratório de Geotecnia/COPPE pela colaboração na realização desse trabalho, principalmente a Dra Alcione Chagas; • Às minhas amigas de faculdade que me permitem compreender que mesmo com a vida atribulada ainda é possível manter os laços de amizade, em especial a Aline, Andreza, Carol B., Carol K., Juliana, Patrícia e Tatiana; • À minha amiga Fernanda por muitas vezes ser meus olhos, ouvidos e consciência; • Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e à PETRORAS pelo fornecimento de bolsa e todo o suporte financeiro para a realização desse trabalho; • E, à todos aqueles que participaram de forma direta ou indireta para que eu alcançasse esse meu objetivo. “Qualquer coisa que você fizer na vida será insignificante, mas é muito importante que você o faça” Mahatma Ghandi RESUMO O solo é um ecossistema rico em biodiversidade, entretanto as atividades antrópicas ameaçam a dinâmica e até mesmo a permanência das espécies de microrganismos, animais e vegetais que compõem esse bioma. O uso intensivo do petróleo e seus derivados podem ser apontados como uma das origens dessa ameaça ambiental. Dentre os derivados do petróleo, a gasolina se destaca pela geração de efeitos agressivos ao meio ambiente e à saúde humana. No caso da gasolina brasileira ainda existe um agravante, pois a legislação nacional determina que a gasolina comercial contenha 25% (v/v) de etanol. Essa adição aumenta a solubilidade da gasolina em água permitindo a maior difusão do contaminante, e, por conseguinte aumentando a área contaminada. Desse modo, há a necessidade de se aplicar métodos de tratamento nas áreas afetadas pela contaminação. As opções de tratamento incluem técnicas físico-químicas e/ou biológicas, contudo as técnicas biológicas são, em geral apresentam custos inferiores às técnicas físico-químicas e, ainda, possuem maior aceitabilidade por parte da sociedade e agências reguladoras. Por isso, este estudo dividiu-se em duas partes, a primeira foi realizada em microcosmos e teve por finalidade avaliar as condições nutricionais e de umidade na biorremediação da gasolina em solo argiloso, bem como verificar se a variação no percentual de etanol na gasolina interfere no processo de biorremediação. Já a segunda parte foi realizada em colunas cilíndricas de 60 cm de comprimento e 10 cm de raio visando verificar a realização do processo em diferentes profundidades de solo. Os resultados obtidos na primeira etapa indicaram que o teor de etanol testado (25%) não interfere no processo de biorremediação, por outro lado, o ajuste do solo para 50 ppm de fósforo permitiu a remoção de mais 50% do contaminante nos ensaios. Baseado nisso, verificou-se que o maior teor de umidade (40%) colabora para a maior eficiência do processo. Na segunda etapa, o etanol também não interferiu na biorremediação, entretanto permitiu que o contaminante atingisse o fundo da coluna em um menor intervalo de tempo. A degradação do contaminante foi irrisória no solo sem ajuste de nutrientes, enquanto que nos ensaios com ajuste de 50 ppm de fósforo foi possível remover cerca de 70% do contaminante. Esses dados indicam que a biorremediação pode ser aplicada no tratamento de solos contaminados com gasolina, que introdução de nutrientes é crucial para isso, e também pôde-se observar que a presença do etanol não interfere nesse processo. ABSTRACT Soil is an ecosystem rich in biodiversity, however human activities threaten the dynamic and even the permanence of microorganisms, animals and plants species which compose this biome. The intensive use of oil and its derivatives are one of the causes these environmental threats. Among the petroleum, gasoline promotes harmful effects to the environment and human health. Additionally, the Brazilian gasoline still has an aggravating, because the legislation provides that the commercial gasoline contains 25% (v / v) ethanol. This addition increases the water solubility of gasoline and allows greater diffusion of the contaminant, therefore increases the contaminated area. So, it’s necessary to apply treatment methods in the areas affected by contamination. Treatment options include physico-chemical techniques and / or biological, but biological techniques have generally lower costs than physico-chemical techniques, and also have greater acceptance by society and regulator agency. Therefore, this study was divided into two parts, the first one was performed in microcosms and aimed to evaluate the nutritional status and moisture for gasoline bioremediation in clay soil and verify if the variation in the ethanol percentage in gasoline interfere in bioremediation process. The second part was performed in cylindrical columns with 60 cm long and 10 cm in radius in order to verify the completion of the process in different soil depths. The results obtained in the first stage indicated that the concentration of ethanol tested (25%) did not interfere in bioremediation process, however, adjusting the soil to 50 ppm of phosphorus allowed the removal of over 50% of the contaminant in the assays. Based on that, it was found that the higher moisture content (40%) contributes to greater efficiency. In the second stage, ethanol also did not interfere in bioremediation, however allowed the contaminant to reach the bottom of the column in a shorter time interval. The degradation of the contaminant was negligible in the soil of nutrients without adjustment, while tests with adjustment of 50 ppm of phosphorus was possible to remove about 70% of the contaminant. These data indicate that bioremediation can be applied in the treatment of soils contaminated with gasoline, the introduction of nutrients is crucial for this, and could also be observed that the presence of ethanol does not interfere in this process. LISTA DE FIGURAS PÁGINA Figura 1 – Representação dos cinco horizontes de um solo completo 18 Figura 2 – Classificação textural dos solos segundo departamento de 20 agricultura dos Estados Unidos da América, 1993 Figura 3 – Distribuição dos argissolos e dos latossolos no território 21 brasileiro Figura 4 – Processo de refino do petróleo e as reações de transformação 27 dos produtos da destilação Figura 5 – Principais fontes poluidoras do estado de São Paulo 32 Figura 6 – Causas da poluição por postos de combustíveis na cidade de 33 São Paulo Figuras 7 – Principais combustíveis contaminantes do solo no estado de 33 São Paulo Figura 8 – Local de coleta do solo argiloso 43 Figura 9 – Ilustração do reator usado no ensaio de diversidade 52 microbiana Figura 10 – Testes de percolação do contaminante feitos em coluna 53 (Úmido: 20% de umidade; saturado: 40%) Figura 11 – Placa multipoço usada para a estimativa da concentração de 55 bactérias hidrocarbonoclásticas pela técnica do número mais provável Figura 12 – Ciclo usado na reação de PCR (“polymerase chain reaction”) 57 para a identificação de culturas isoladas Figura 13 - Avaliação da ecotoxicidade 60 Figura 14 - Constituição granulométrica do solo argiloso utilizado 61 Figura 15 – Teores finais de hdrocarbonetos totais do petróleo, expressos 69 em valores médios, para a biorremediação de latossolo contaminado com 10% (m/m) de gasolina em diferentes condições de etanol, fertilizante e umidade. Figura 16 – Concentrações inicial e final de bactérias 73 hidrocarbonoclásticas para biorremediação de solo contaminado com gasolina nas diferentes condições ensaiadas usando solo úmido. Figura 17 – Concentrações inicial e final de bactérias hidrocarbonoclásticas para biorremediação de solo contaminado com gasolina nas diferentes condições ensaiadas usando solo saturado. 74 Figura 18 – Comparação entre o percentual de remoção de HTP e a 76 variação da concentração de BHC nos ensaios do planejamento fatorial (Quadros 5 e 6). Figura 19 – Percentual de mortalidade de minhocas nos ensaios do 79 planejamento fatorial Figura 20 – Diagrama de Pareto mostrando a contribuição das variáveis 82 estudadas na remoção de hidrocarbonetos totais do petróleo Figura 21 – Diagrama de Pareto mostrando a contribuição das variáveis 82 estudadas para o crescimento das bactérias hidrocarbonoclásticas Figura 22 – Diagrama de Pareto mostrando a contribuição das variáveis 83 estudadas na mortalidade de minhocas (Eisenia fetida) Figura 23 – Gráfico das Médias relacionando a mortalidade de minhocas 84 e a concentração de fósforo, com base na umidade (úmido-20%; saturado-40%) Figura 24 – Teor de hidrocarbonetos totais do petróleo no ensaio EB-1 87 em diferentes profundidades ao longo de 60 dias Figura 25 – Teor de hidrocarbonetos totais do petróleo no ensaio EB-2 87 em diferentes profundidades ao longo de 60 dias Figura 26 – Teor de hidrocarbonetos totais do petróleo no ensaio EB-3 88 diferentes profundidades ao longo de 60 dias Figura 27 – Teor de hidrocarbonetos totais do petróleo no ensaio EB-4 88 em diferentes profundidades ao longo de 60 dias Figura 28 – Variação da população de bactérias hidrocarbonoclásticas no 90 controle CEB-I em diferentes profundidades de solo ao longo do tempo. Figura 29 – Variação da população de bactérias hidrocarbonoclásticas no 91 controle CEB-II em diferentes profundidades de solo ao longo do tempo Figura 30 – Variação da população de bactérias hidrocarbonoclásticas no 91 ensaio EB-1 em diferentes profundidades de solo ao longo do tempo. Figura 31 – Variação da população de bactérias hidrocarbonoclásticas no 92 ensaio EB-2 em diferentes profundidades de solo ao longo do tempo. Figura 32 – Variação da população de bactérias hidrocarbonoclásticas no 94 ensaio EB-3 em diferentes profundidades de solo ao longo do tempo. Figura 33 – Variação da população de bactérias hidrocarbonoclásticas no ensaio EB-4 em diferentes profundidades de solo ao longo do tempo 95 LISTA DE QUADROS PÁGINA Quadro 1 – Distribuição de microrganismos em várias profundidades do 22 solo Quadro 2 – Frações típicas do petróleo 26 Quadro 3 - Componentes da gasolina identificados por Solid Phase 29 Microextraction (SPME) Quadro 4 – Parâmetros analisados para caracterização do solo 46 Quadro 5 – Quadro 5 – Matriz do Planejamento Fatorial 22 em Solo com 49 20% de umidade Quadro 6 – Matriz do Planejamento Fatorial 22 em Solo com 40% de 49 umidade Quadro 7 – Matriz dos ensaios controles realizados 50 Quadro 8 – Matriz do Ensaio de Biorremediação em Coluna 52 Quadro 9 – Concentração final dos reagentes na reação de PCR 57 Quadro 10 – Características físico-químicas do solo 64 Quadro 11 – Características físico-químicas e microbiológicas do solo 67 corrigido Quadro 12 – Bactérias isoladas do solo in natura e de amostras dos ensaios de biorremediação 98 SUMÁRIO PÁGINA 1. INTRODUÇÃO E OBJETIVOS 12 2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 16 2.1. Solo 16 2.1.1. Formação do Solo 16 2.1.2. Características do Solo 18 2.1.3. Solo Brasileiro 21 2.1.4. Microbiologia do Solo 22 2.1.4.1. Fatores que Afetam a Microbiota do Solo 23 2.2. Petróleo e Derivados 25 2.2.1. Gasolina 28 2.2.2. Mistura Gasolina/Álcool 30 2.3. Contaminação dos Solos 31 2.4. Tratamento de Solos Contaminados 34 2.4.1. Biorremediação 35 2.4.1.1. Fatores que Afetam a Biorremediação 37 2.4.1.2. Avaliação da toxicidade do solo 40 2.5. Ferramentas Estatísticas 41 3. MATERIAL E MÉTODOS 43 3.1. Solo 43 3.2. Combustíveis 44 3.3. Fertilizante 44 3.4. Ajuste do pH do Solo 44 3.5. Preparo do Inóculo 45 3.6. Detalhamento dos Ensaios de Biorremediação 46 3.6.1. Caracterização do Solo 46 3.6.2. Ensaios de Biorremediação em Mocrocosmos 47 3.6.3. Avaliação da Biorremediação em Colunas 51 3.7. Análises Quantitativas 54 3.7.1. Análises Microbiológicas 54 3.7.1.1. Quantificação das Bactérias Heterotróficas Cultiváveis Totais 54 3.7.1.2. Quantificação das Bactérias Hidrocarbonoclásticas Cultiváveis 54 3.7.1.3. Métodos Moleculares 55 3.7.1.3.1. Extração de DNA 56 3.7.1.3.2. PCR (“polymerase chain reaction”) 56 3.7.1.3.3. Seqüenciamento das Culturas Isoladas 58 3.8. Análises Físico-Químicas 58 3.8.1. pH (potencial de Hidrogênio) 58 3.8.2. Teor de Umidade Total 58 3.8.3. Teor de Hidrocarbonetos Totais do Petróleo (TPH) 59 3.9. Análise de Ecotoxicidade 59 3.9.1. Teste de mortalidade de Minhocas 59 3.10. Análise Estatística 60 4. RESULTADOS E DISCUSSÃO 61 4.1. Solo 61 4.2. Avaliação de Parâmetros para a Biorremediação da Gasolina 67 4.2.1. Análise Estatística do Planejamento Fatorial 80 4.3. Ensaio de Biorremediação em Colunas 85 4.4. Isolamento e Identificação de Microrganismos 96 5. CONCLUSÕES 101 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 104 Ferreira, D.G. Introdução e Objetivos 1. INTRODUÇÃO E OBJETIVOS A superfície do planeta Terra é composta por três camadas distintas, que são a atmosfera, hidrosfera e litosfera. Essas camadas consistem, respectivamente, na camada de ar que envolve a superfície do planeta, e nos ecossistemas aquáticos e terrestres. Por sua vez, a associação dessas três camadas permite a existência de vida, representada por seres humanos, animais, vegetais e microrganismos, que juntos compõem a biosfera (Oliveira, 2008). A biosfera varia com o ambiente. Por exemplo, o solo é um ecossistema rico em biodiversidade, em grande parte composta por microrganismos. Por outro lado, a dinâmica dessas espécies microbianas autóctones pode ser alterada artificialmente por atividades antrópicas, principalmente, em conseqüência do desenvolvimento dos centros urbanos e dos setores industriais. As atividades humanas têm provocado a poluição do meio ambiente, de modo crescente e descontrolado, particularmente pela circulação da elevada frota de veículos automotores. Um levantamento realizado na cidade de São Paulo mostrou que os postos de combustíveis são as maiores fontes de poluição, sobretudo através de vazamentos em tanques de armazenamento e em tubulações (CETESB, 2005; CETESB, 2006). No caso dos vazamentos nos tanques de armazenamento de combustíveis, 72% dos registros foram atribuídos ao derramamento de gasolina, seguidos pelo óleo diesel (19%) e etanol combustível (2%). Esses dados, obviamente, são decorrentes da grande circulação de veículos nos grandes centros urbanos, da maior frota de veículos movidos a gasolina, e do tempo de vida útil dos tanques de armazenamento, de aproximadamente 30 anos, já ter expirado (CETESB, 2005). Os vazamentos de gasolina apresentam grande importância, poisos hidrocarbonetos que compõem esse combustível provocam impactos graves ao meio ambiente e à saúde humana (Corseuil & Fernandes, 1999; Niven, 2005). A gasolina é uma mistura complexa de hidrocarbonetos, que pode variar de acordo com a composição do óleo de origem e dos aditivos adicionados para a comercialização. Em geral, os hidrocarbonetos que compõem esse combustível 12 Ferreira, D.G. Introdução e Objetivos apresentam cadeias de estrutura variável que possuem de 4 a 12 átomos de carbono (Harris, Whiticar & Eek, 1999). Dentre os hidrocarbonetos, destacam-se os compostos aromáticos voláteis benzeno, tolueno, etilbenzeno e os isômeros orto-, para- e metaxileno (BTEX), pela sua elevada toxicidade à saúde humana atuando como, por exemplo, depressores do sistema nervoso central, agentes mutagênicos e carcinogênicos. Além disso, em relação aos demais hidrocarbonetos presentes na gasolina, os BTEX apresentam maior solubilidade em água, o que permite que, em casos de vazamento, esses compostos possam não só ser nocivos as atividades no solo, mas também comprometer a potabilidade das águas subterrâneas (Corseuil & Fernandes, 1999; Niven, 2005). No caso da gasolina comercializada no território nacional, a presença de 25% etanol (Art. 1º, Resolução CIMA, nº37 de 27/06/2007) tem sido motivo de preocupação para os órgãos ambientais. Isto se deve a solubilidade do etanol em água que, pelo fenômeno de co-solvência, poderia agir como uma ponte para a solubilização dos hidrocarbonetos. Dessa forma a presença do álcool permitiria que, em casos de vazamento, o contaminante se alastrasse mais, atingido uma maior área de solo e, inclusive, que maiores concentrações alcançassem as águas subterrâneas (Corseuil & Fernandes, 1999; Niven, 2005). Portanto, no caso de ocorrerem acidentes seja por vazamentos de tanques de armazenamento de gasolina ou pelo seu transporte é imprescindível que sejam definidas estratégias para a remediação da área impactada, de modo a conter o contaminante e tentar reconstituir a condição natural da área afetada (Riser-Roberts, 1998). Algumas técnicas já foram desenvolvidas para o tratamento de áreas contaminadas por petróleo e seus derivados. Dentre essas, as técnicas físico-químicas, que envolvem o emprego de substâncias químicas e fatores físicos como, por exemplo, temperatura e pressão, são de uso freqüente devido à grande eficiência e ao curto período de tratamento. Porém, além do alto custo, esses tratamentos apresentam inconvenientes, como a geração de grandes volumes de rejeitos contaminados (águas 13 Ferreira, D.G. Introdução e Objetivos e solventes), e risco de poluição atmosférica através da volatilização de alguns compostos (Riser-Roberts, 1998; Khan, Husain & Ramzi, 2004). Uma alternativa aos métodos físico-químicos são os métodos biológicos que consistem na aplicação de organismos vivos capazes de atuar na remoção do contaminante. Os tratamentos biológicos também apresentam grande eficiência, em geral, são menos onerosos e possuem maior aceitabilidade por parte da sociedade e agências reguladoras. Entretanto, também possuem desvantagens como tempo maior, a dependência de condições ambientais e a especificidade do processo (Riser-Roberts, 1998; Iwamoto & Nasu, 2001; Khan, Husain & Ramzi, 2004). A biorremediação é um exemplo de tratamento biológico que se baseia na capacidade dos microrganismos de modificar ou decompor o contaminante. Essa técnica, diferentemente das técnicas físico-químicas, pode permitir como benefício máximo a mineralização do contaminante (Riser-Roberts, 1998; Khan, Husain & Ramzi, 2004). Nos solos, a biorremediação da área contaminada, pode ser efetuada pela ação dos microrganismos autóctones que, dependendo do caso, pode ser estimulada pela introdução de nutrientes (bioestimulação). Além disso, quando a concentração de microrganismos é baixa ou a microbiota nativa não é capaz de degradar os compostos xenobióticos, pode ser feita a introdução no solo de microrganismos com potencial degradador (bioaumento), a fim de aumentar a remoção do contaminante (Bento et al., 2005; Olaniram, Pillay & Pillay, 2006; Serrano et al., 2007; Stucki et al., 2007). A aplicação da biorremediação no tratamento de ecossistemas contaminados com gasolina já foi alvo de alguns estudos (Corseuil et al., 1996; Phelps & Young, 1999; Yerushalmi, Manuel & Guiot, 1999; Barbaro & Barker, 2000; Kao & Wang, 2000; Solano-Serena et al., 2000; Rahman et al., 2002; Silva & Alvarez, 2002; Landmeyer & Bradley, 2003; Ghazali et al., 2004; Nardi et al., 2005; Tiburtius, Peralta-Zamora & Emmel, 2005; Baldwin, Nakatsu & Nies, 2007; Dou et al., 2007). No entanto, poucos trabalhos deram ênfase ao papel e aos efeitos da presença de álcool em associação a adição de fertilizante no processo. As informações disponíveis na literatura indicam que a presença de álcool na gasolina resulta no aumento dos danos ao ambiente e interfere 14 Ferreira, D.G. Introdução e Objetivos negativamente na atividade microbiana (Corseuil et al., 1996; Österreicher-Cunha et al., 2004; Niven, 2005; Österreicher-Cunha et al., 2007; Österreicher-Cunha et al., 2009). Ademais, não há registros sobre os efeitos da variação da concentração de etanol na gasolina, tampouco registros relacionados à interferência das condições nutricionais ou de umidade. Nesse contexto, e considerando a relevância da contaminação dos solos urbanos com combustíveis, é fundamental conhecer as possíveis implicações da interação do contaminante com o ecossistema. Este estudo teve como objetivo principal a avaliação do processo de biorremediação da gasolina, aditivada ou não com etanol anidro, em solo argiloso, em função da condição nutricional, da umidade do solo e da profundidade do solo. Para tanto, foram delineados os seguintes objetivos específicos: Caracterizar o solo quanto aos seus aspectos físico-químicos e microbiológicos; Realizar ensaios em microcosmos, baseados em um planejamento fatorial, para verificar a significância da umidade, da concentração de etanol na gasolina e do bioestímulo no processo de biorremediação da gasolina; Determinar o efeito da adição e da concentração de etanol (0, 12,5 e 25%) à gasolina no processo de biorremediação, através do planejamento fatorial; Estimar a influência da condição nutricional do solo na degradação dos hidrocarbonetos do petróleo pelo ajuste da concentração de fósforo para 25 e 50 ppm, através do planejamento fatorial; Avaliar a toxicidade do solo após a biorremediação, nos ensaios de microcosmos, utilizando anelídeos da espécie Eisenia fetida; Realizar ensaios em colunas para avaliar o efeito da concentração de etanol na gasolina e da umidade do solo na percolação do contaminante no solo; 15 Ferreira, D.G. Revisão Bibliográfica 2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 2.1. Solo Segundo a Pedologia*, o solo pode ser definido como um corpo natural resultante da ação conjunta de vários processos pedogenéticos quer biológicos quer ambientais, que se constituem nos fatores de formação do solo (Jenny, 1994; Oliveira, 2008). 2.1.1. Formação do Solo Em geral, a formação e a evolução do solo ocorrem através da ação de quatro fatores de formação: material de origem; clima; relevo; e seres vivos (Oliveira, 2008). O solo tem sua origem nas rochas presentes na litosfera, do grego, lithos, que significa pedra, basicamente formada por três grandes grupos de rochas: magmáticas; metamórficas; e sedimentares (Oliveira, 2008). As rochas magmáticas são resultado do resfriamento e da consolidação do magma, enquanto que as rochas sedimentares se originam da compactação dos sedimentos. Já, a formação das rochas metamórficas ocorre a partir da ação da temperatura e da pressão atmosférica sobre as rochas sedimentares e magmáticas (Amaral & Leinz, 2001). Esses três tipos de rocha apresentam composição elementar semelhante, em geral, compostos por: oxigênio (62,6%), silício (22,1%), alumínio (6,5%), sódio (2,6%), ferro (1,9%), cálcio (1,9%), magnésio (1,4%) e potássio (1%) (Oliveira, 2008). Na superfície, as rochas ficam expostas a uma série de fatores ambientais bióticos (ação dos seres vivos) e abióticos (ação de interações químicas e de agentes climáticos) - que provocam o desgaste e o enfraquecimento das rochas. Esse fenômeno é denominado intemperismo, e pode ser classificado como químico, físico ou biológico de acordo com o seu agente promotor (Gordon & Dorn, 2005; Turkington, Phillips & Campbell, 2005; Oliveira, 2008). Ademais, o grau de intemperismo possibilita a formação de diferentes tipos de solo. * Pedologia – ciência que estuda o solo. 16 Ferreira, D.G. Revisão Bibliográfica Na formação do solo, o clima e o relevo agem de maneira integrada, e interferem diretamente na ocorrência e na velocidade dos fenômenos, uma vez que estão relacionados a dinâmica e ao escoamento da água no solo, a incidência da radiação solar na sua superfície, e conseqüentemente, na temperatura do solo (Oliveira, 2008). Como a radiação solar atinge apenas a superfície do solo, é nela onde ocorrem as maiores variações de temperatura. Entretanto, com o aumento da profundidade, a temperatura tende a diminuir até um ponto de isotermia, que em solos da região intertropical ocorre a partir da faixa entre 50 e 100 cm (Oliveira, 2008). Os seres vivos – flora, fauna e microbiota – colaboram diretamente no processo de formação do solo, seja em sua superfície ou em seu interior. Particularmente, a microbiota nativa através dos microrganismos autotróficos atuam desde os estágios iniciais do intemperismo, com a secreção de produtos do seu metabolismo capazes de dissolver sais e outros nutrientes inorgânicos da rocha matriz. A esfoliação das rochas por esses agentes químicos promove o acúmulo de partículas sobre a rocha matriz, que formam a camada superficial do solo. Ao longo do tempo, essa camada superficial se expande e a matéria orgânica presente, oriunda principalmente dos microrganismos, viabiliza que outros seres possam se desenvolver. Assim, microrganismos heterotróficos, animais e vegetais, dão continuidade ao processo de formação e evolução do solo. A evolução do solo também está envolvida no aumento da espessura dessa camada superficial, afastando cada vez mais a rocha matriz da superfície do solo. E entre a superfície do solo e a rocha matriz são formadas camadas de solo denominadas de horizontes que diferem, entre si, em composição e em grau de intemperismo (Oliveira, 2008). O número de horizontes varia com o tipo e o estágio de evolução do solo, uma vez que o processo evolutivo do solo é ininterrupto e, portanto, estando em constante transformação e sujeito a ação dos fatores de formação (Oliveira, 2008). Genericamente, um solo com o seu processo de formação concluído apresenta cinco diferentes horizontes (O, A, B, C e R), como mostra a Figura 1 (EMBRAPA, 1988). Ressalta-se que a separação entre os horizontes não é abrupta, mas sim gradativa. Assim, é possível observar regiões intermediárias que apresentam características mistas tanto na camada superior quanto na inferior. 17 Ferreira, D.G. Revisão Bibliográfica Em paralelo às ações naturais, as atividades antrópicas, tais como a agricultura, o desmatamento, o reflorestamento, as construções e a poluição também estão envolvidas no processo de transformação e evolução do solo (Oliveira, 2008). Fonte: Adaptação de http://www.dct.uminho.pt/pnpg/gloss/gifs/perfil_ampl.jpg; Oliveira (2008). Figura 1 – Representação dos cinco horizontes de um solo completo. 2.1.2. Características do Solo O solo se divide basicamente em três fases: líquida (água e solução do solo), gasosa (vapor d’água, CO2, O2, NH3 e outros gases) e sólida (partículas de solo e seres vivos). As fases líquida e gasosa são complementares e ocupam os espaços vazios formados entre os sólidos (Prevedello, 1996). A água ao penetrar no solo dissolve alguns dos componentes químicos nele presentes, formando uma solução constituída de diferentes íons como, por exemplo, NO3-, H2PO4-, SO42-, Cl-, Na+, K+, Ca2+, H+ e NH4+. Essa solução recebe o nome de solução do solo. A composição química da solução do solo, bem como o grau de intemperismo conferem ao solo diferentes características, principalmente relacionadas à consistência, textura, porosidade, permeabilidade e coloração (Oliveira, 2008). 18 Ferreira, D.G. Revisão Bibliográfica A consistência é o aspecto tátil que o solo assume baseado nas interações das partículas (forças de coesão) entre si e com a solução do solo (forças de adesão). Por isso, a consistência pode variar de acordo com a umidade, composição química e tamanho das partículas do solo (Lodi, 2007). O tamanho das partículas de solo também interfere na textura do solo, sendo as principais partículas àquelas com tamanho inferior a 2 mm (areia, silte e argila). No solo, essas partículas se arranjam formando espaços “vazios”, que se constituem nos poros do solo. O tamanho dos poros é variável, distinguindo-se em macro e microporos. Os macroporos são importantes para a aeração e infiltração da água no solo, já os microporos estão relacionados com o armazenamento da água no solo. Para os poros de tamanhos intermediários, atribui-se a condução dos gases e da água no solo (Oliveira, 2008). A proporção das partículas de areia, silte e argila é adotada para classificação dos solos em três grandes grupos: arenoso, siltuoso e argiloso. No entanto, classes intermediárias também podem ser encontradas como ilustra a Figura 2 (Departamento de Agricultura dos EUA, 1993). Na escala textural, as partículas de areia são as maiores (2,0 a 0,05 mm) e se compõem, principalmente, por materiais resistentes ao intemperismo como, por exemplo, quartzo e dióxido de titânio (TiO2). Em geral, essas partículas apresentam superfície específica reduzida e fracas interações de coesão e adesão. Por conta do seu tamanho e das interações químicas, os solos com alto teor de areia apresentam alta permeabilidade e porosidade (CETESB, 2001; Oliveira, 2008). Já as partículas de silte, com diâmetro entre 0,05 e 0,002 mm, são constituídas tanto por materiais resistentes (dióxido de titânio e quartzo), quanto por materiais sensíveis ao intemperismo (feldspatos, micas, anfibólios e outros minerais primários). As partículas de silte apresentam fortes interações entre si, o que faz com que, em comparação com as partículas de areia, apresentem menor permeabilidade e maior capacidade de retenção de água (CETESB, 2001; Oliveira, 2008). 19 Ferreira, D.G. Revisão Bibliográfica Clay – Argila Sand – Areia Silt – Silte Loam – Franco Percent - Percentual Fonte: http://media-2.web.britannica.com/eb-media/21/24021-004-3F055051.gif; (Departamento de Agricultura dos EUA, 1993). Figura 2 – Classificação textural dos solos. Comparativamente, a argila é a partícula de menor tamanho, com diâmetro inferior a 0,002 mm, e, portanto, grande superfície específica (CETESB, 2001; Oliveira, 2008). Também apresentam carga iônica pela presença óxidos de ferro e de alumínio. Em relação à areia e ao silte, a argila é a que possui a maior capacidade de interagir com íons e reter água. Os solos podem apresentar diversas colorações que dependem da proporção dos compostos químicos neles presentes. Por exemplo, a existência de altas concentrações de óxidos de ferro e/ou alumínio no solo confere a ele colorações que variam do amarelo ao vermelho. Já óxidos de manganês causam o enegrecimento do solo, enquanto o carbonato de cálcio gera o seu branqueamento. Por outro lado, a presença de material orgânico confere ao solo uma coloração mais escura (EMBRAPA, 1999). Considerando que a concentração dos compostos químicos varia no solo, este pode apresentar diferentes matizes (EMBRAPA, 1999; Oliveira, 2008). 20 Ferreira, D.G. Revisão Bibliográfica 2.1.3. Solo Brasileiro No Brasil há predomínio de duas classes de solos argilosos - Latossolos e os Argissolos (Oliveira, 2008) - cuja distribuição pode ser observada na Figura 3. Essas duas classes de solo se subdividem em diversos tipos que se distinguem quanto as constituições química, granulométrica e estrutural. As denominações desses solos, normalmente, estão relacionadas a estrutura, coloração e textura, como, por exemplo, Argissolo amarelo distrófico arênico (EMBRAPA, 1999). Argissolo Latossolo Fonte: Adaptação de http://www.dcs.ufla.br/Cerrados Figura 3 – Distribuição dos Argissolos e dos Latossolos no território brasileiro. Os Latossolos ocupam mais de 50% da extensão do território nacional e caracterizam-se pelo avançado estágio de intemperismo e reduzida reserva de nutrientes. Enquanto que os Argissolos recobrem pouco mais de 30% do solo nacional, e se caracterizam pela presença de uma camada mineral subsuperficial com característica franco-arenosa imediatamente abaixo ao horizonte A (Santos et al., 2006). 21 Ferreira, D.G. Revisão Bibliográfica 2.1.4. Microbiologia do Solo Em geral, o solo é um ecossistema composto por um elevado número de organismos, com predominância de microrganismos em termos quantitativos e em diversidade de espécies (Moreira & Siqueira, 2006). A microbiota autóctone dos solos engloba seres procariotos (Archaeas e Bactérias) e eucariotos (Fungos, Microalgas e Protozoários). A atividade biológica é mais intensa na camada superficial do solo (até cerca de 20 cm de profundidade), pois nessa camada encontra-se um maior acúmulo de nutrientes, que resultam da deposição de materiais vegetais e animais (Madigan, Martinko & Parker, 2004; Moreira & Siqueira, 2006). A variação qualitativa e quantitativa das populações microbianas encontradas nas diferentes camadas de solo pode ser observada no Quadro 1. Quadro 1 – Distribuição de microrganismos em várias profundidades do solo Microrganismos por grama de solo Profundidade Bactérias Aeróbicas Bactérias Anaeróbicas Actinomicetos Fungos Algas* 3-8 7,8 x 106 2,0 x 106 2,1 x 106 1,2 x 105 2,5 x 104 20-25 1,8 x 106 3,8 x 105 2, 5 x 105 5,0 x 104 5 x 103 35-40 4,72 x 105 9,8 x 104 4,9 x 104 1,4 x 104 5 x 102 65-75 1,0 x 102 1 x 103 5 x 103 6 x 103 1 x 102 135-145 1,0 x 101 4 x 102 - 3 x 102 - *Inclui as cianobactérias Fonte: Moreira & Siqueira (2006). Os microrganismos têm papel de destaque no processo de formação do solo. No entanto, uma vez o solo formado, os microrganismos continuam participando ativamente de fenômenos como decomposição de matéria orgânica, produção de húmus, ciclagem de nutrientes e de energia, decomposição de compostos xenobióticos e no controle biológico de pragas e doenças (Riser-Roberts, 1998; Madigan, Martinko & Parker, 2004). Em geral, essas atividades são realizadas pela interação das diferentes espécies microbianas em comunidades, o que torna o solo um ecossistema rico em biodiversidade. Todavia, a biodiversidade é pouco 22 Ferreira, D.G. Revisão Bibliográfica conhecida devido a uma série de limitações metodológicas, tais como, a heterogeneidade espacial, a adesão dos microrganismos na matriz do solo ou nos tecidos vegetais, a similaridade morfológica dos microrganismos, as ambigüidades nas chaves taxonômicas e a dificuldade do cultivo in vitro de várias espécies pela impossibilidade de se reproduzir as condições nutricionais e ambientais de cada micronicho (Hill et al., 2000; Kirk et al., 2004). Além da importância de conhecer as espécies que compõem a biodiversidade do solo há também um grande interesse no potencial biotecnológico dessas espécies, principalmente naquelas capazes de degradar compostos xenobióticos. Os estudos iniciais foram feitos baseados em métodos fenotípicos que, devido à pequena quantidade de microrganismos cultiváveis e à semelhança na estrutura e na composição celular, mostraram-se pouco representativos (Hill et al., 2000; Kirk et al., 2004). Todavia, os avanços tecnológicos e científicos permitiram que atualmente diversas metodologias possam ser aplicadas para o estudo da dinâmica e da biodiversidade dos mais variados ecossistemas, baseadas nas características dos microrganismos, quer fenotípicas quer genotípicas (Hill et al., 2000; Kirk et al., 2004; Leckie, 2005; Liu et al., 2006). Como exemplos, as técnicas moleculares, que embora apresentem algumas desvantagens para estudos da biodiversidade em solos, ainda são mais fidedignas e representativas do que as técnicas baseadas em cultivos in vitro (Wolk, Mitchell & Patel, 2001; Kirk et al., 2004). Alguns autores já conseguiram mostrar que, no solo, há uma grande e intensa dinâmica populacional microbiana estimulada por diversos fatores ambientais, como estresse nutricional, variações de pH, distribuição de gases, quantidade de água e variações de temperatura (Degens et al., 2001; Insam, 2001; Moreira & Siqueira, 2006). 2.1.4.1. Fatores que Afetam a Microbiota do Solo Em geral, o solo contém uma ampla diversidade de compostos orgânicos e inorgânicos, cujas concentrações variam de acordo com o tipo e as características do solo. Naturalmente, a matéria orgânica presente no solo origina-se de resíduos de plantas, animais e microrganismos, no entanto em alguns casos de contaminação também podem ser encontrados compostos xenoióticos. 23 Ferreira, D.G. Revisão Bibliográfica No solo, a matéria orgânica é formada basicamente por resíduos de plantas, animais e microrganismos e, em casos de contaminação, por compostos xenobióticos. A distribuição da matéria orgânica varia, e sua degradação depende das propriedades químicas, físicas e biológicas dos micro-habitats, bem como da disponibilidade desses compostos à degradação (Moreira & Siqueira, 2006). A baixa concentração de nutrientes no solo pode ser um fator limitante para o metabolismo microbiano, interferindo na síntese de energia, na divisão celular, na mobilidade e até nas relações simbióticas (Moreira & Siqueira, 2006). Além da disponibilidade de nutrientes, o pH é um dos fatores essenciais para a atividade microbiana. A maioria dos solos apresenta valor de pH na faixa entre 4,0 e 8,5. Os horizontes superficiais dos solos, em regiões de clima úmido, tendem a ser mais ácidos devido à lixiviação dos compostos formados pela decomposição da matéria orgânica. Por outro lado, em regiões de clima seco, o solo tende a apresentar um caráter alcalino (Moreira & Siqueira, 2006). A diversidade metabólica dos microrganismos permite que fungos e bactérias apresentem pH ótimo desde extremamente ácido até extremamente básico. No entanto, de forma genérica, o pH ideal para o metabolismo fúngico é ligeiramente ácido, em torno de 5,0, enquanto que as bactérias são mais adaptadas a valores próximos a neutralidade, variando de 6 a 8 (Madigan, Martinko & Parker, 2004). No solo, as variações de pH podem afetar a fisiologia dos microrganismos autóctones por: desnaturação de proteínas estruturais e enzimas, desestabilização da membrana e canais de troca iônica, disponibilidade de íons, e aumento da toxicidade de alguns compostos iônicos, principalmente àqueles contendo alumínio, ferro e manganês (Moreira & Siqueira, 2006). Outra limitação para o metabolismo microbiano é a disponibilidade de oxigênio. A disponibilidade de oxigênio está diretamente relacionada com a umidade do solo posto que os gases ocupam os espaços não ocupados pela água, o que por sua vez contribui para a sua solubilização na solução do solo. A solubilização do oxigênio é um dos pontos críticos, no caso dos solos mais úmidos, pois a solubilidade dos gases em água geralmente é baixa e depende do tipo de gás, da temperatura, da concentração de sais e da pressão local (Moreira & Siqueira, 2006). 24 Ferreira, D.G. Revisão Bibliográfica A disponibilidade de oxigênio determina o tipo de metabolismo que irá ocorrer no solo. O metabolismo aeróbico é mais vantajoso, pois resulta na mineralização da matéria orgânica e na geração de maior quantidade de energia. No entanto, considerando a baixa disponibilidade de oxigênio no solo, o metabolismo anaeróbio poderá ser o mais recorrente (Moreira & Siqueira, 2006). Neste caso, haverá predomínio dos microrganismos anaeróbios e facultativos se desenvolvendo em condição de anaerobiose, cujo metabolismo é mais lento, e pode levar à formação de compostos nocivos como gás sulfídrico, nitrito, etc. Ademais, independentemente do tipo de metabolismo, a velocidade das reações metabólicas é dependente da temperatura. O solo com cobertura vegetal pode ser considerado um isolante térmico. Nos 5 cm superficiais, a temperatura varia de 15 a 18°C, mas com o aumento da profundidade tende reduzir de 1 a 2°C a partir dos 30 cm de profundidade, até atingir um ponto de isotermia. Em geral, a temperatura ótima para a atividade de microrganismos mesófilos se situa na faixa entre 25 e 30°C, embora ainda sejam capazes de manter o seu metabolismo ativo em temperaturas um pouco acima ou abaixo dessa faixa de modo mais lento (Madigan, Martinko & Parker, 2004; Moreira & Siqueira, 2006). A diminuição da temperatura reduz a atividade microbiana, principalmente, pelo enfraquecimento das ligações entre as proteínas, o que compromete a fluidez da membrana celular e, por conseguinte, a entrada de nutrientes e saída dos produtos do metabolismo. Por outro lado, o aumento da temperatura provoca a desnaturação das proteínas celulares (enzimas) inviabilizando as reações metabólicas (Madigan, Martinko & Parker, 2004; Moreira & Siqueira, 2006). 2.2. Petróleo e Derivados O petróleo é um combustível fóssil composto predominantemente por uma mistura complexa de hidrocarbonetos distinguindo-se em: parafínicos normais, parafínicos ramificados, parafinicos cíclicos (naftênicos), aromáticos, e resinas e asfaltenos (Corrêa, 2003; Thomas, 2004). No estado líquido, o petróleo é uma substância oleosa, inflamável, menos densa que a água, com cheiro característico e cor variando entre o negro e o 25 Ferreira, D.G. Revisão Bibliográfica castanho-claro. Apesar de sua composição química variar em função do reservatório, os diferentes tipos de petróleo apresentam semelhanças na análise elementar, sendo constituídos (%m/m) de: carbono (83-87); hidrogênio (11-14); enxofre (0,06-8); nitrogênio (0,11-1,7); oxigênio (0,1-2); e metais (até 0,3). Como mostrado no Quadro 2, os derivados de petróleo são obtidos através de destilação do petróleo em frações de diferentes pontos de ebulição. Quadro 2 – Frações típicas do petróleo Temperatura de Ebulição (oC) Composição aproximadamente Aplicações Até 40 C1 – C2 C3 – C4 gás combustível engarrafado, uso doméstico e industrial. Gasolina 40 – 175 C5 – C10 combustível de automóveis, solvente. Querosene 175 – 235 C11 – C12 iluminação, combustível de aviões a jato. Gasóleo leve 235 – 305 C13 – C17 diesel, fornos. Gasóleo pesado 305 – 400 C18 – C25 combustível, matéria-prima para lubrificantes Lubrificantes 400 – 510 C26 – C38 óleos lubrificantes. Acima de 510 C38+ asfalto, piche, impermeabilizantes. Fração Gás residual Gás Liquefeito de Petróleo – GLP Resíduo Fonte: Thomas, 2004 Após a destilação, as frações são submetidas a alguns processos químicos de síntese, como a alquilação e a reforma catalítica, e de craqueamento, conforme apresentado na Figura 4. Os processos químicos têm por objetivo modificar as frações sem interesse econômico para gerar produtos de alto valor agregado como combustíveis veiculares, na forma de querosene de aviação, gasolina, óleo diesel, e combustíveis industriais, como propano e butano, e ainda na fabricação de borrachas, lubrificantes e asfalto (Thomas, 2004). Dentre os combustíveis derivados do petróleo, a gasolina é a mais importante dentro dos centros urbanos, uma vez que grande parte dos veículos que circulam nas cidades é movido à gasolina. 26 Ferreira, D.G. Revisão Bibliográfica Fonte: Adaptação de http://www.galpenergia.com Figura 4 – Processo de refino do petróleo e as reações de transformação dos produtos da destilação. 27 Ferreira, D.G. Revisão Bibliográfica 2.2.1. Gasolina A gasolina, um dos principais derivados do petróleo utilizados no cotidiano dos habitantes das cidades, é basicamente composta por hidrocarbonetos que possuem uma cadeia carbônica relativamente pequena, quando comparada aos hidrocarbonetos constituintes do óleo bruto e do óleo diesel. Os hidrocarbonetos da gasolina diferem entre si quanto ao tamanho (com 4 a 12 átomos de carbono) e à estrutura das cadeias, que se distinguem em: abertas, cíclicas e aromáticas. As variações de tamanho e estrutura da cadeia definem as propriedades físico-químicas e, portanto, a qualidade do combustível. No Quadro 3 estão discriminados alguns dos diferentes hidrocarbonetos constituintes da gasolina. As duas características de maior interesse no uso da gasolina como combustível são o ponto de ebulição e o índice de auto-detonação (ou octanagem) dos hidrocarbonetos nela presentes. O primeiro pode variar desde temperaturas ambientes, em torno de 30ºC, até temperaturas elevadas, acima dos 200ºC. Enquanto que o segundo varia de 40 a 101, estando, em geral, próximo a 85. Como o índice de auto-detonação é relativamente baixo, pode-se elevá-lo pela introdução de substâncias com maior poder de detonação, denominadas aditivos (Cruz, 2003). No Brasil, desde a década de 1970, a gasolina é aditivada com etanol anidro em substituição ao chumbo tetraetila, com o intuito de reduzir a emissão de poluentes e aumentar a qualidade do combustível (Corseuil & Fernandes, 1999; Niven, 2005). Atualmente, toda a gasolina comercializada em território nacional recebe a adição de 25% de etanol anidro, por determinação da legislação (CIMA, nº37; Lei 10.203/2001). A gasolina é um combustível relativamente estável capaz de preservar as suas características por até seis meses se estocada em condições apropriadas. A deterioração do combustível ocorre quando há a precipitação de compostos formados pela reação entre os hidrocarbonetos insaturados e íons de cobre, que constituem os reservatórios de combustível (Hamilton, 1995). 28 Ferreira, D.G. Revisão Bibliográfica Quadro 3 – Componentes da gasolina identificados por Solid Phase Microextraction (SPME) Nome Químico Propano 2,2-dimetilhexano Isobutano Tolueno n-Butano 2,3,4-trimetilpentano trans-2-buteno 3-metilheptano cis-2-buteno 2-metilheptano 3-metil-1-buteno n-octano Isopentano 2,4,4-trimetilhexano 1-penteno 2,2-dimetilheptano 2-metil-1-buteno Etilbenzeno 2-metil-1,3-butadieno p-xileno n-pentano m-xileno Trans-2-penteno 3,3,4- trimetilhexano 2-metil-2-buteno o-xileno 2-metil-1,2-butadieno 2,2,4-trimetilheptano 3,3-dimetilbutano n-nonano Ciclopentano 3,3,5-trimetilheptano 3-metil-1-penteno n-propilmenzeno 2,3-dimetilbutano 2,3,4-trimetilheptano 2-metilpentano 1,3,5-trimetilbenzeno 3-metilpentano 1,2,4-trimetilbenzeno n-hexano n-decano Metilciclopentano Metilpropilbenzeno 2,2-dimetilpentano Dimetilbenzeno Benzeno n-undecano Ciclohexano 1,2,4,5-tetrametilbenzeno 2,3-dimetilpentano 1,2,3,4-tetrametilbenzeno 3-metilhexano 1,2,4-trimetil-5-etilbenzeno 3-etilpentano 1,2,3,4-trimetiletilbenzeno n-heptano n-dodecano 2,2,4-trimetilpentano Naftaleno Metilciclohexano Metilnaftaleno Fonte: Harris, Whiticar & Eek, 1999. 29 Ferreira, D.G. Revisão Bibliográfica Alguns dos hidrocarbonetos constituintes da gasolina apresentam baixos pontos de ebulição, podendo passar para a fase gasosa à temperatura ambiente. Além da perda de parte do combustível, a volatilização gera poluição atmosférica. Os hidrocarbonetos voláteis mais importantes são conhecidos pela sigla BTEX, que é o acrônimo de benzeno, tolueno, etilbenzeno e xileno (Corseuil & Fernandes, 1999; Niven, 2005). Os compostos BTEX são nocivos à saúde humana pelo seu potencial mutagênico e carcinogênico. Esses compostos penetram pela mucosa nasal, atingindo o sistema nervoso central (SNC) e a medula óssea vermelha. A curto prazo, a exposição a altas concentrações causa enjôos, alucinações e perda de consciência, e a longo prazo pode provocar leucemia e lesões irreparáveis ao SNC, fígado e rins (Corseuil & Fernandes, 1999; Niven, 2005; Durmusoglu, Taspinar & Karademir, 2010). A transferência dos BTEX para a fase gasosa pode ser potencializada pela presença de alcoóis. Nesse caso, a gasolina brasileira pelo seu conteúdo de etanol aumenta as chances de volatilização desses compostos e, conseqüentemente, aumenta os danos à saúde humana (Corseuil & Fernandes, 1999; Niven, 2005). 2.2.2. Mistura Gasolina/Álcool Desde o início do emprego de gasolina como combustível automotor houve adição de compostos com o propósito de elevar a sua octanagem. Inicialmente, utilizavam-se compostos altamente agressivos ao meio ambiente como o chumbo tetra-etila. Com os avanços tecnológicos e a ampliação da consciência ambiental, foram desenvolvidas novas formas para aumento da octanagem. Atualmente, em vários países e no Brasil, o chumbo tetra-etila não é mais aplicado. Em substituição adiciona-se o etanol, que individualmente apresenta um índice de octanagem de 110. A adição de etanol à gasolina permite a comercialização do combustível com índices de octanagem entre 87 e 95 (Santos & Peixoto, 2008). O uso da mistura etanol e gasolina ao invés da gasolina pura também contribui para a redução na emissão de poluentes. Isto porque além da queima de menor 30 Ferreira, D.G. Revisão Bibliográfica quantidade do combustível fóssil que gera vários compostos, muitos dos quais poluentes como o monóxido de carbono (CO) e óxidos de enxofre (SOx) e nitrogênio (NOx), a combustão do etanol é completa com formação de CO2 e água. Em decorrência dos grandes impactos ambientais pelo uso de combustíveis fósseis, somados a impossibilidade da sua renovação, várias pesquisas estão sendo desenvolvidas para a otimização de processos de obtenção de biocombustíveis. O etanol combustível é uma alternativa técnica e economicamente viável em uso desde a década de 1970 (Corseuil & Fernandes, 1999; Niven, 2005; Santos & Peixoto, 2008). Comercialmente, o etanol usado como combustível e como aditivo da gasolina é produzido pela fermentação alcoólica do caldo da cana-de-açúcar. Em geral, a fermentação do caldo da cana é realizada pela levedura Saccharomyces cerevisiae. O mosto fermentado é destilado e comercializado na forma hidratada (92,6%, v/v) quando usado como combustível, ou na sua forma anidra (99,3% v/v) quando usado como aditivo da gasolina. Cabe enfatizar que apesar das vantagens citadas para a adição de etanol à gasolina, isto pode trazer conseqüências sérias ao meio ambiente. O etanol, além de aumentar a capacidade de volatilização dos BTEX, pode aumentar a solubilidade dos hidrocarbonetos da gasolina em água. Logo, em caso de derrames, irá ocorrer maior difusão do contaminante na área impactada, com grande risco de atingir as águas subterrâneas (Corseuil & Fernandes, 1999; Niven, 2005). 2.3. Contaminação dos Solos É comum a aplicação de conceitos errôneos no que concerne a contaminação dos solos. Há uma tendência a aplicar os conceitos de poluição e contaminação como sinônimos. Contudo, segundo Nass (2002) a poluição é um termo abrangente, que consiste em qualquer alteração causada por atividades antrópicas que provoquem danos ao meio ambiente. Por outro lado, a contaminação é mais restritiva e se refere exclusivamente à introdução de compostos nocivos à saúde humana e ao ambiente (Nass, 2002). Portanto, acidentes ambientais envolvendo petróleo e seus derivados, são considerados como contaminantes. 31 Ferreira, D.G. Revisão Bibliográfica Segundo o relatório da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB, 2006), os postos de combustíveis são as principais fontes de contaminação dos solos, como mostra a Figura 5. Indústria 15% Comércial 6% Resíduo 4% Acidentes 1% Posto de combustível 74% Desconhecida 0% Fonte: CETESB (2006). Figura 5 – Principais Fontes de Contaminação do Estado de São Paulo. Os acidentes relacionados aos postos de combustíveis têm inúmeras causas, conforme ilustra a Figura 6. Nesses acidentes, o combustível mais recorrente foi a gasolina, como pode ser observado na Figura 7 (CETESB, 2005). E, esses dados, possivelmente, são decorrentes da maior frota de veículos movidos a gasolina e do maior potencial corrosivo desse combustível em relação aos demais. A maioria desses acidentes ocorreu pela deterioração dos tanques de armazenamento de combustíveis, pois a validade desses reservatórios é de no máximo 30 anos e grande parte dos postos de combustíveis foi construídos na década de 1970. E, a fim de evitar esses danos ambientais a legislação se tornou mais restritiva em relação à construção dos reservatórios de combustíveis. Atualmente a construção e a instalação dos reservatórios de combustíveis devem seguir as orientações da resolução CONAMA no 273, que prevê, inclusive, que o postos de revenda de combustíveis obrigatoriamente sejam licenciados e fiscalizados periodicamente pelas agências reguladoras. Além de determinar que os reservatórios possuam diversos mecanismos para evitar vazamentos, como parede 32 Ferreira, D.G. Revisão Bibliográfica dupla (NBR 13785) com a parte externa não metálica, válvulas de controle e câmara de contenção . Tubulações do Não Tanque Identificada 4% 1% Postos Desativados 3% Passivo Ambiental 18% Outros 5% Descarte 6% Extravazamento 8% Caixa Separadora 1% Tubulação 17% Bomba 4% Tanque 33% Fonte: CETESB (2005). Figura 6 – Causas da poluição por postos de combustíveis na cidade de São Paulo. Resíduo 2% Óleo Lubrificante 1% Não Identificado 2% GNV 2% Diesel 19% Álcool 2% Gasolina 72% Fonte: CETESB (2006). Figura 7 – Principais Combustíveis Contaminantes do Solo no Estado de São Paulo. 33 Ferreira, D.G. Revisão Bibliográfica No entanto, mesmo com o aumento das medidas para evitar os acidentes, a sua ocorrência em alguns casos é inevitável, sendo necessária a realização de ações corretivas que possam, inicialmente, impedir a propagação do dano, e posteriormente restabelecer o equilíbrio da área afetada, bem como as suas condições naturais (Dias & Mello, 1998). 2.4. Tratamento de Solos Contaminados com Hidrocarbonetos O tratamento das áreas contaminadas envolve a identificação da fonte de contaminação e da extensão da área atingida, o conhecimento das características da área e dos contaminantes envolvidos, e informações quanto à legislação aplicável (Riser-Roberts, 1998; Khan, Husain & Ramzi, 2004). As diversas técnicas para o tratamento de áreas impactadas com compostos xenobióticos se dividem em processos físico-químicos e processos biológicos. Em alguns casos, inclusive, pode ser feita a combinação de duas ou mais técnicas a fim de se obter o melhor resultado possível. Independente do processo em que o tratamento é conduzido, a remediação pode ocorrer no local onde o processo será conduzido (in situ), ou pode ser feita a remoção do material contaminado para uma área externa onde o tratamento será efetuado (ex situ). Sendo que na maioria dos casos de tratamento ex situ o material removido é devolvido ao local de origem (Riser-Roberts, 1998; Khan, Husain & Ramzi, 2004). A principal vantagem do tratamento in situ é que o material contaminado não precisa ser transportado, o que reduz os custos. Porém, tem como desvantagens a necessidade de adequação das condições do local contaminado e o elevado tempo necessário para que ocorra a descontaminação. Por outro lado, as tecnologias ex situ são realizadas em menor prazo uma vez que permitem estabelecer as condições ideais para a atividade microbiana. Entretanto, faz-se necessária a prévia remoção do material contaminante, implicando na escavação do local contaminado e o transporte de todo o material coletado até a área de tratamento (Baptista, 2003). Existem diversas técnicas físico-químicas para a remediação das áreas contaminadas, mas no que concerne às áreas contaminadas com gasolina 34 Ferreira, D.G. Revisão Bibliográfica destacam-se o tratamento térmico que consiste no aquecimento do solo transferindo o contaminante para a fase gasosa, a extração de vapores por um sistema de sucção à vácuo instalado em poços no local contaminado e o air stripping que se baseia na injeção de ar na área contaminada, favorecendo a transferência dos compostos voláteis para a fase gasosa que em seguida são coletados por um sistema de coleta de gases. (Riser-Roberts, 1998; Iwamoto & Nasu, 2001; Baird, 2002; Khan, Husain & Ramzi, 2004). Essas três técnicas são potencialmente eficientes na remoção dos contaminantes voláteis, contudo se não forem instalados equipamentos de captação dos compostos voláteis gerados pode haver a promoção da poluição atmosférica pela transferência do contaminante para a atmosfera. Uma estratégia interessante para o tratamento de áreas contaminadas com eficiência equivalente aos métodos físico-químicos, em geral, de menor custo e maior aceitabilidade pelos órgãos ambientais e pela sociedade são os processos biológicos. Esses se baseiam no uso de seres vivos para a remoção do contaminante. No caso do organismo aplicado para a remoção do contaminante ser uma planta, o processo é denominado fitorremediação, já quando são utilizados microrganismos o processo recebe o nome de biorremediação (Riser-Roberts, 1998; Iwamoto & Nasu, 2001; Khan, Husain & Ramzi, 2004). 2.4.1. Biorremediação O conceito de biorremediação pode sofrer pequenas alterações de acordo com o autor, no entanto de uma forma geral é um processo que se baseia em reações químicas realizadas por microrganismos, em condições aeróbias e/ou anaeróbias, sobre compostos estranhos ao ambiente natural. Essa ação microbiana é capaz de modificar ou decompor o composto original em formas mais simples, atóxicas ou menos tóxicas, sendo a mineralização do contaminante o benefício máximo alcançado nesse processo (Riser-Roberts, 1998; Del’Arco, 1999; Semple, Reid & Fermor, 2001) Esse processo pode ocorrer naturalmente pela ação dos microrganismos autóctones, processo denominado atenuação natural. No entanto, em geral, os solos apresentam limitações nutricionais que submetem os microrganismos a condições 35 Ferreira, D.G. Revisão Bibliográfica estarvantes, o que reduz a eficácia da biorremediação por atenuação natural. Nesses casos o solo pode receber a introdução de nutrientes, como fontes de nitrogênio e fósforo que ao estimular o metabolismo microbiano, contribuirão para o aumento das chances de sucesso do tratamento, e principalmente oxigênio para favorecer a atividade dos microrganismos aeróbicos. A estimulação dos microrganismos pela introdução de fontes nutricionais é denominada bioestimulação (Serrano et al., 2007; Stucki et al., 2007). Contudo, em algumas situações a melhora nas condições nutricionais do solo não é suficiente para atingir os resultados esperados. Por exemplo, quando inexistem microrganismos hábeis em atuar na modificação e decomposição dos compostos xenobióticos ou seu número é muito baixo. Então, torna-se necessário realizar a introdução de microrganismos endógenos, processo conhecido como bioaumento (Bento et al., 2005; Olaniram, Pillay & Pillay, 2006; Serrano et al., 2007; Stucki et al., 2007). Existem diversas tecnologias de biorremediação, sendo o bioslurry, biosparging e o bioslurping as mais adequadas no tratamento em casos de contaminação com gasolina. Essas três metodologias se baseiam na introdução de nutrientes para a estimulação do metabolismo microbiano, variando em relação a forma de condução do processo e os nutrientes aplicados. O bioslurry é uma tecnologia ex situ que utiliza um reator contendo o material a ser tratado misturado a uma grande quantidade de água acrescida de nutrientes, formando uma espécie de pasta, e no caso do tratamento de voláteis há também um sistema de introdução e captação de gases acoplado ao reator (Banerji et al., 1995). Por outro lado o biosparging é uma tecnologia in situ que consiste na união de duas metodologias, o bioventing (introdução de oxigênio para a estimulação do metabolismo aeróbio) e o air sparging (introdução de ar no solo para a remoção dos compostos voláteis), dessa forma essa metodologia permite, através da injeção de fontes de nutrientes e oxigênio no solo, a remoção dos contaminantes voláteis e não voláteis (EPA, 1994). Assim como o biosparging, o bioslurping também é uma tecnologia in situ baseada na associação do bioventing com metodologias de extração dos vapores, 36 Ferreira, D.G. Revisão Bibliográfica que pode ser aplicada na remoção do contaminante de águas subterrâneas e dos compostos voláteis do solo. As técnicas acima apresentadas viabilizam a recuperação da área contaminada, entretanto, sempre que há o envolvimento de microrganismos é necessário o monitoramento e a avaliação de uma série de fatores limitantes que interferem no metabolismo microbiano e, por conseguinte, na eficiência e eficácia do processo (Riser-Roberts, 1998; Iwamoto & Nasu, 2001; Khan, Husain & Ramzi, 2004). Em geral, a avaliação do processo de biorremediação é feita pelo monitoramento da concentração do contaminante e/ou pela estimativa dos microrganismos envolvidos na biodegradação. O monitoramento dos microrganismos pode ser feito diretamente por técnicas de contagem microbiana, ou de forma indireta através de técnicas baseadas na atividade metabólica. A quantificação do número de microrganismos no solo, geralmente, é feita por diluições seriadas semeadas em meios de cultura específicos, onde podem ser feitas a contagem de unidades formadoras de colônias (UFC), ou a estimação do número mais provável de células (NMP) presentes em conhecida quantidade de amostra (Balba, Al-Awadhi & Al-Daher, 1998). 2.4.1.1. Fatores que Afetam a Biorremediação O número de microrganismos e a diversidade de espécies são fatores primordiais para a eficácia do tratamento por biorremediação da área impactada. Sabe-se que quanto maior for a versatilidade enzimática e o número de células metabolicamente ativas, maior será a eficiência da degradação do contaminante. A diversidade microbiana do solo ainda é pouco conhecida, no entanto alguns gêneros bacterianos apresentam destaque no que concerne à biorremediação de compostos xenobióticos, principalmente àqueles derivados de combustíveis fósseis. As espécies dos gêneros Nocardia, Pseudomonas, Micrococcus e Bacillus já são amplamente difundidas pela capacidade de degradar hidrocarbonetos presentes em combustíveis derivados do petróleo (Solano-Serena et al., 2000; Ghazali et al., 2004; Silva & Alvarez, 2004; Dou et al., 2007). Mas, embora as bactérias tenham papel de destaque, os demais grupos microbianos (fungos, actinobactérias e 37 Ferreira, D.G. Revisão Bibliográfica cianobactérias) também já foram descritos pelo seu potencial para a biodegradação de derivados do petróleo (Reddy, 1995; Alvarez, 2003; Gallego et al., 2006; Mancera-Lopez et al., 2007). Em geral, a composição química dos contaminantes é heterogênea e altamente complexa. Dessa forma é improvável a existência de um único microrganismo, que naturalmente, seja capaz de decompor todas as substâncias químicas presentes. Por isso, em processos de biorremediação é comum o emprego de consórcios microbianos para obter um melhor resultado final (Ghazali et al., 2004). Os microrganismos com a capacidade de utilizar petróleo e seus derivados como fontes de carbono e energia são chamados de hidrocarbonoclásticos. Essa população microbiana possui em seu material genético, os genes específicos para a produção das enzimas que atuam no processo de biodegradação. É possível encontrar essas espécies em ambientes sem histórico de contaminação. Nesse caso, a sua detecção pode ser dificultada pela predominância de outras populações mais adaptadas ao ambiente natural. Contudo, em casos de contaminação pode haver a seleção e aumento das populações tolerantes e com potencial para a degradação ao contaminante (Hamme, Sigh & Ward, 2003; Ollivier & Magot, 2005). Entretanto, é importante ressaltar que o aumento da população com potencial degradador só ocorre se o solo apresentar condições favoráveis para isso (Semple, Reid & Fermor, 2001). A biorremediação de solos pode ser afetada por diferentes fatores como a concentração de oxigênio dissolvido, pH, temperatura, presença de metabólitos tóxicos, potencial de oxi-redução, disponibilidade de nutrientes e umidade (Rodriguez, 2006). Por exemplo, em alguns casos, o solo pode conter um grande teor de matéria orgânica que se encontra humificada e, portanto, não disponível para o consumo imediato. Essa característica permite que as fontes de carbono sejam lançadas paulatinamente no solo funcionando como um mecanismo de controle da dinâmica populacional (Moreira & Siqueira, 2006). No ambiente natural, resíduos de plantas e animais mortos são fontes de carbono disponíveis para a pronta assimilação pelos microrganismos autóctones. Em contrapartida, em situações de contaminação o xenobiótico pode interagir com a matriz do solo e tornar-se indisponível para a biodegradação (Alexander, 1999). 38 Ferreira, D.G. Revisão Bibliográfica Além da fonte de carbono, outros elementos nutricionais são limitantes para o desenvolvimento dos microrganismos, em especial fontes de nitrogênio e fósforo, cujas concentrações devem ser convenientemente ajustadas. Esses elementos são fundamentais para as funções vitais dos microrganismos como na síntese de material genético (RNA e DNA) e proteínas, e para a geração de energia (ATP) (Rogers et al., 1993). A presença de oxigênio, que atua como doador de elétrons, estimula o metabolismo aeróbico, permitindo a geração de maior quantidade de energia para as células. No entanto, na sua ausência outros compostos podem substituí-lo como, por exemplo, NO-3, SO4-2, Mn+4 e Fe+3, estabelecendo uma condição de anaerobiose (Madigan, Martinko & Parker, 2004). A presença de água e sua disponibilidade, assim como os nutrientes também são fundamentais, já que estão diretamente relacionadas à homeostase e ao transporte de nutrientes através da membrana celular. Com exceção dos períodos de chuva ou irrigação, os solos contêm quantidades de água insuficientes para suportar o pleno funcionamento do metabolismo microbiano, pois normalmente a água é drenada até atingir o lençol freático (Moreira & Siqueira, 2006). Nos solos, a temperatura na camada superior, onde se concentra o maior número de microrganismos, praticamente não varia, estando próxima da temperatura ambiente do local. Por isso, os microrganismos são predominantemente mesófilos (Madigan, Martinko & Parker, 2004). A concentração do íon hidrogênio no solo é outro parâmetro de relevância que deve ser considerado. Em geral, em solos ácidos predominam fungos, enquanto que em solos neutros predominam bactérias. O pH também afeta o potencial de oxiredução (Eh), que pode ainda ser influenciado pela temperatura, pressão e compostos presentes. A coexistência de microrganismos aeróbios, facultativos e anaeróbios na mesma amostra de solo indica que podem haver micronichos próximos com diferentes valores de Eh (D’Esposito, 1999). 39 Ferreira, D.G. Revisão Bibliográfica 2.4.1.2 Avaliação da toxicidade do solo Independente da técnica de remediação aplicada é necessário que antes de se determinar a conclusão do tratamento seja feita uma avaliação adequada da toxicidade dos compostos residuais, pois ao longo da degradação pode haver a formação de compostos tão ou mais nocivos que o composto original, o que irá provocar efeitos ainda mais danosos ao ambiente (Balba et al., 1998; Riser-Roberts, 1998; Phillips et al., 2000; Niven, 2005). Bioensaios de ecotoxicidade são metodologias analíticas que permitem caracterizar a toxicidade de efluentes e substâncias químicas em geral sobre o meio ambiente a partir da exposição de organismos vivos (bioindicadores) a estas substâncias e da observação e quantificação dos efeitos tóxicos das mesmas sobre aqueles organismos. Em função da elevada sensibilidade dos bioindicadores a efeitos tóxicos em seu ambiente, estas valiosas ferramentas de análise ambiental, apenas recentemente introduzidas no Brasil, já vêm sendo utilizadas extensivamente e com ótimos resultados em países desenvolvidos. No caso de solos, os testes para essa avaliação podem ser baseados no uso de seres vivos como sementes de vegetais, organismos invertebrados ou algas, ou ainda kits comerciais baseados na bioluminescência e na mutação de culturas microbianas padrão (Amadi, Dickson & Maate, 1993; Xu & Johnson, 1995; Chaineau, Morel & Outdot, 1997; Balba et al., 1998; Ratte, Hammers-Wirtz & Cleuvers, 2003; Ogboghodo et al., 2004; Labud, Garcia & Hernandez, 2007; Silva et al., 2009). A atividade enzimática pode ser utilizada para descrever os efeitos de compostos tóxicos sobre a população microbiológica do solo. No caso da biorremediação, é comum o teste da atividade desidrogenásica, uma vez que a maioria das reações de oxidação biológica de compostos orgânicos é um processo de desidrogenação (Ratsep, 1991). O composto químico mais usado nessa análise é o cloreto-2,3,5-trifeniltetrazólico (TTC) que age como aceptor final de elétrons de enzimas desidrogenásicas, sendo reduzido a trifenilformazan (TPF) de cor vermelha, cuja intensidade é diretamente proporcional à atividade microbiana, e pode ser determinada por espectrofotometria (Bitton & Koopman, 1992; Gong et al., 1997). 40 Ferreira, D.G. Revisão Bibliográfica As minhocas também têm sido empregadas como bioindicadores. As espécies recomendadas pelo padrão OECD (1984) e ASTM (1995) são Eisenia fetida e Eisenia andrei, facilmente cultiváveis em laboratório. Os efeitos usados para diagnóstico podem ser o crescimento, comportamento, reprodução e processos fisiológicos, bem como, observações de mudanças patológicas externas como lesão ou dureza. Há também o teste de fuga de minhocas que, em muitos casos, pode ser um indicador mais sensível para avaliar compostos tóxicos no solo, para nível de estresse baixo dos organismos (Kapanen & Itavaara, 2001). A fitotoxicidade pode ser determinada pela germinação das sementes, alongamento das raizes e crescimento de mudas. Muitos estudos têm demonstrado e eficiência de espécies como pepino e agrião (Helfrich et al., 1998), alface e soja (Gundersson et al., 1997) em testes de toxicidade. Knoke et al. (1999) avaliaram a toxicidade de solo contaminado com hidrocarbonetos do petróleo após a utilização de técnicas de biorremediação como bioestímulo e bioaumento. Foram avaliados ensaios com adição de nutrientes como fósforo e/ou bioumento com Pseudomonas sp UG30, com capacidade de degradar compostos xenobióticos. Após os ensaios de biodegradação, observaram que os testes feitos com minhoca e com a germinação de alface, a adição de fósforo ao solo aumentou a toxicidade enquanto que os testes com o bioaumento houve redução da toxicidade, sugerindo que dependendo da técnica de biorremediação utilizada a toxicidade pode aumentar ou diminuir. 2.5. Ferramentas Estatísticas No âmbito da pesquisa científica busca-se continuamente a melhor forma de obter o máximo de informações com o mínimo de experimentos, o que reduz os custos dos estudos. E, uma das formas de se organizar experimentos nesse contexto é a aplicação de ferramentas estatísticas, como o planejamento fatorial (Barros-Neto, Scarminio & Burns, 2007). O planejamento fatorial pode ser aplicado quando há diversos fatores que interagem entre si e podem interferir na realização de um processo, esses fatores na linguagem estatística são conhecidos como variáveis independentes. E, os valores atribuídos a esses fatores são denominados níveis. 41 Ferreira, D.G. Revisão Bibliográfica Essa ferramenta estatística permite a combinação das diversas variáveis independentes, inclusive em diferentes níveis. Tal fato permite analisar os resultados integrados e os fatores que influenciam o processo. Em termos práticos, um planejamento fatorial deve ser feito em 2 ou 3 níveis, pois o uso de mais níveis aumentaria o número de experimentos, inviabilizando a sua aplicação (Calado & Montgomery, 2003). Uma vez organizados e realizados os experimentos, a interpretação estatística dos dados obtidos pode ser executada através de vários critérios estatísticos de significância, como por exemplo, o Teste p, o Teste t e o modelo matemático proposto, através do coeficiente de correlação (Rodrigues & Iemma, 2005). O Teste p fundamenta-se na probabilidade de se descartar os efeitos principais e de interação da variável em estudo, em um nível de confiança pré-determinado. o valor do nível de confiança normalmente encontrado em trabalhos é de 95%, no entanto a sua determinação varia de acordo com a acurácia desejada. No caso do Teste t de Student a sua análise é feita através dos efeitos calculados (sejam eles positivos ou negativos), considerados significativos e diferentes de zero, em um determinado nível de confiança. O coeficiente de correlação mede a aproximação entre os pontos experimentais e uma curva qualquer. Quando este valor se aproxima de 1, tem-se um bom ajuste dos pontos à curva, indicando que o modelo proposto pode ser usado para a previsão de resultados dentro da faixa estudada. Embora o planejamento experimental seja útil, é difícil identificar a influência de uma ou mais variáveis sobre outra variável de interesse. O sistema, inicialmente, é considerado com uma função desconhecida que atua sobre as variáveis de entrada (os fatores) e produz como saída, as respostas observadas. Sendo assim, o intuito principal do planejamento fatorial é identificar a função que represente de modo mais fidedigno o processo (Rodrigues & Iemma, 2005; Barros-Neto, Scarminio & Burns, 2007). 42 Ferreira, D.G. Material e Métodos 3. MATERIAL E MÉTODOS 3.1. Solo Nesse trabalho foi utilizado um solo, coletado no município de Belford Roxo-RJ no mês de dezembro de 2006, de uma área urbana sem histórico de contaminação. Esse solo é característico do estado do Rio de Janeiro e por isso foi estudado no tratamento de biorremediação de solos contaminados com petróleo ou seus derivados. Logo após a coleta, o solo foi peneirado grosseiramente para a retirada de material como plantas, raízes, pedras e gravetos. Em seguida, o solo foi quarteado, com o intuito de homogeneizar o solo a ser utilizado nos ensaios de biorremediação, de modo que as amostras de solo aplicadas nos diferentes ensaios possuíssem características similares em relação a sua composição granulométrica, físicoquímica e microbiológica. Todos os ensaios de biorremediação foram realizados com solo de um mesmo lote, isto é, de mesma procedência e data. Para tanto, após o quarteamento o solo foi acondicionado em sacos plásticos de 10 kg cada, os quais foram armazenados sob refrigeração a 5±1ºC, até o momento do uso. Figura 8 – Local de coleta do solo argiloso 43 Ferreira, D.G. Material e Métodos 3.2. Combustíveis Foram usados dois combustíveis comerciais, gasolina automotiva e etanol anidro, misturados em diferentes proporções (100:0; 100:12,5; 100:25). Ambas as amostras foram provenientes da Petrobras de modo a garantir a sua pureza, ou seja, a ausência de qualquer aditivo ou adulteração que pudesse interferir nos resultados obtidos nesse estudo. A gasolina e o etanol são combustíveis estáveis e não sofrem degradação quando armazenados sobre refrigeração e em recipientes não metálicos. Portanto, os combustíveis utilizados nos ensaios de biorremediação foram coletadas do mesmo local e data, e ao chegar no laboratório foram armazenados em bombonas de polietileno a 5±1ºC, até o momento do uso. 3.3. Fertilizante Em algumas condições ensaiadas foi feita a adição de fontes de nutrientes, através da aplicação do fertilizante comercial da marca ULTRAVERDE, com relação Nitrogênio:Fósforo:Potássio de 4:14:8. O ajuste da condição nutricional do solo foi baseada no teor de fósforo presente no solo, podendo ser de 25 ou 50 ppm de acordo com o ensaio. 3.4. Ajuste do pH do Solo De um modo geral os solos argilosos possuem um caráter ácido, então a fim de favorecer o metabolismo bacteriano, elevando o pH a um valor próximo à neutralidade, foi realizada a calagem do solo com Carbonato de Cálcio (CaCO3). Para tanto foi adicionado 15 g de CaCO3 em cada quilo de solo utilizado antes da realização dos ensaios. 44 Ferreira, D.G. Material e Métodos 3.5. Preparo do Inóculo A fim de reduzir o tempo dos ensaios de biorremediação, a população microbiana autóctone do solo foi aumentada através da introdução das culturas endógenas previamente adaptadas ao contaminante (gasolina). Com esse propósito, foi produzido um inóculo em fase sólida conforme metodologia desenvolvida por Baptista (2007). O preparo do inóculo em fase sólida foi conduzido em recipiente plástico retangular (40 cm x 80 cm x 20 cm), onde foi distribuído aproximadamente 15 kg do solo. Em seguida, esse solo recebeu ajuste da umidade (para aproximadamente 25%) e da condição nutricional para 50 ppm de fósforo. Esses ajustes foram feitos pela solubilização de 3,2 g de fertilizante por quilo de solo em água e então aplicados paulatinamente no solo, ajustando a condição nutricional e de umidade concomitantemente. Após uma semana o solo foi contaminado artificialmente uma única vez com 5% (v/m) de gasolina automotiva sem adição de etanol. Após a contaminação o inóculo foi incubado em local arejado com temperatura média de 30ºC por 21 dias, atingindo nesse período uma quantidade de bactérias metabolicamente ativas e adaptadas ao contaminante. Nesse ínterim a umidade foi ajustada pela dispersão de água destilada na superfície do solo. O monitoramento das populações cultiváveis de interesse (bactérias heterotróficas totais e bactérias hidrocarbonoclásticas) foi feito através da quantificação semanal de cultivos das amostras retiradas do sistema em meios específicos (Item 3.7.1.). Finalizadas as etapas de ativação do metabolismo das bactérias hidrocarbonoclásticas (BHC) e sua adaptação aos hidrocarbonetos da gasolina, amostras desse solo foram incorporadas aos ensaios de biorremediação na proporção de 10%(m/m). 45 Ferreira, D.G. Material e Métodos 3.6. Detalhamento dos Ensaios de Biorremediação Esse trabalho foi realizado em etapas seqüenciais, na primeira foi feita a caracterização granulométrica, físico-química e microbiológica do solo. Na segunda foram realizados ensaios em microcosmos baseados em um planejamento fatorial para definir a significância da condição nutricional, da umidade e da concentração de etanol adicionada na gasolina no processo de biorremediação. E, na terceira foram conduzidas algumas condições propostas pelo planejamento fatorial em colunas de 60 cm a fim de reproduzir condições mais próximas da realidade e estudar a biorremediação e a percolação vertical da gasolina adicionada com 25% de etanol. 3.6.1. Caracterização do solo A caracterização do solo foi feita baseada na sua granulometria, condição nutricional, físico-química e microbiológica. No Quadro 4 podem ser observadas as metodologias utilizadas nessa caracterização. Quadro 4 – Parâmetros analisados para caracterização do solo Parâmetro Metodologia Granulometria ABNT-NBR 7181/84 Matéria orgânica (mg/Kg), Nitrogênio e Fósforo Cobre, Ferro, Manganês, Zinco, Alumínio, Cálcio, Magnésio, Potássio pH Jaramillo, 1996 Raij et al., 2001 Baptista, 2007 Espectrômetro de Umidade infravermelho Bactérias Heterotróficas Totais Pour plate Cultiváveis Bactérias Hidrocarbonoclásticas Cultiváveis Número Mais Provável 46 Ferreira, D.G. Material e Métodos A análise granulométrica foi realizada segundo a metodologia descrita na norma ABNT-NBR 781/84. A determinação da condição nutricional do solo foi baseada nas metodologias descritas por Jaramillo (1996) e por Raij et al. (2001). O pH foi feito seguindo a metodologia descrita por Baptista (2007) e o teor de umidade foi determinado através de um espectrômetro de infravermelho. E, as análises microbiológicas foram feitas pela técnica de pour plate para as bactéricas heterotróficas totais cultiváveis e pela técnica do número mais provável para as bactérias hidrocarbonoclásticas cultiváveis. A caracterização granulométrica (ABNT-NBR 781/84) e a dosagem de Cobre, Ferro, Manganês, Zinco, Alumínio, Cálcio, Magnésio e Potássio (Raij et al., 2001) foram realizadas pelo Laboratório de Geotecnia (COPPE/UFRJ). A dosagem de matéria orgânica, nitrogênio e fósforo (Jaramillo, 1996) foram realizadas no Laboratório de Tecnologia Ambiental (Escola de Química/UFRJ). E a determinação do pH e da umidade foram realizados no Laboratório de Biocorrosão e Biodegradação (Instituto Nacional de Tecnologia). 3.6.2. Ensaios de Biorremediação em Microcosmos Após a sua caracterização, esse solo foi usado como base para o estudo da interferência da umidade, da condição nutricional e da presença de etanol na gasolina no processo de biorremediação. Para tanto, foram organizadas 12 ensaios usando duas matrizes de planejamento fatorial completo de dois níveis e dois fatores (22), conforme apresenta os Quadro 5 e 6. A condição nutricional e a adição de etanol na gasolina foram definidos como variáveis independentes. E, nos Quadros 5 e 6 pode-se observar os fatores (parâmetros) e os níveis (valores mínimo, máximo e intermediário) atribuídos para cada uma das variáveis independentes. Os níveis atribuídos à concentração de fósforo (0; 25 e 50 ppm) foram estabelecidos de acordo com a classificação de solo, em termos nutricionais, segundo Jaramillo (1996) em pobre ou rico. Em relação ao teor de álcool adicionado à gasolina (0; 12,5 e 25%), os percentuais foram baseados na legislação brasileira, 47 Ferreira, D.G. Material e Métodos que determina a adição de 25% de álcool na gasolina comercial (CIMA, nº37; Lei 10.203/2001). E, as duas condições de umidade estudadas contemplaram uma condição normal de solo úmido (aproximadamente 20%) e outra saturada (aproximadamente 40%). Os valores mínimos e máximos estabelecidos para cada um dos fatores foram combinados de forma a organizar todas as condições experimentais possíveis, e também foram realizadas duas réplicas do ponto central. Além de avaliar a condição nutricional e a presença de álcool, também foi estudada o efeito da umidade no processo de biorremediação. Dessa forma, foram estudados duas condições de umidade, uma com o solo apresentando um aspecto úmido (aproximadamente 20% de umidade) e outra com o solo visualmente encharcado (cerca de 40% de umidade). O aspecto visual que o solo apresenta está intimamente ligado à sua capacidade de retenção de água (CRA), ou seja, a CRA consiste no máximo de água que as partículas de solo são capazes de absorver. Assim, quando um solo apresenta a formação de filmes de água, ele se encontra saturado, tendo sido ultrapassado o volume máximo de água que as partículas do solo foram capazes de absorver. O solo utilizado nesse estudo apresenta uma CRA de aproximadamente 30%, sendo assim os valores de umidade estudados foi 10% inferior no caso do solo úmido (67% da CRA) e 10% superior para o solo encharcado (133% da CRA). E, no Quadro 5 e 6 podem ser observadas as condições ensaiadas em 20 e 40% de umidade, respectivamente. Ademais, foram realizados oito ensaios controle, sendo quatro em solo úmido e outros quatro em solo encharcado. Portanto, considerando os ensaios do planejamento fatorial, as réplicas do ponto central e os controles, foram realizados um total de vinte experimentos, os quais são descritos nos Quadros 5, 6 e 7. Os experimentos descritos nos Quadros 5, 6 e 7 foram realizados em recipientes plásticos redondos de 6 cm de raio, nos quais foram acondicionados 300g de solo, com o pH ajustado para a faixa da neutralidade, e com diferentes 48 Ferreira, D.G. Material e Métodos concentrações de nutrientes, contaminante e condição de umidade. Todos os ensaios do planejamento (Quadros 5 e 6) e, ainda, os controles CPF-I e CPF-V (Quadro 7) sofreram bioaumento através da incorporação de 10% (m/m) inóculo preparado em solo (item 3.4). Esses controles foram realizados com o propósito de avaliar o comportamento do bioaumento em solo não contaminado. Por outro lado, os controles CPF-II, CPF-III, CPF-IV, CPF-VI, CPF-VII e CPF-VIII foram conduzidos sem bioaumento e com adição do biocida formaldeído, na concentração de 2%(v/m), de modo a avaliar a degradação abiótica, isto é, as perdas ocorridas durante o tratamento. Quadro 5 – Matriz do Planejamento Fatorial 22 em Solo com 20% de umidade Ensaio Teor de Álcool (%v/v) Concentração de fertilizante (ppm de Fósforo) Umidade (%) PF-1 0 0 20 PF-2 25 0 20 PF-3 0 50 20 PF-4 25 50 20 PF-9 12,5 25 20 PF-10 12,5 25 20 PF - Planejamento Fatorial Quadro 6 – Matriz do Planejamento Fatorial 22 em Solo com 40% de umidade Ensaio Teor de Álcool (%v/v) Concentração de fertilizante (ppm de Fósforo) Umidade (%) PF-5 0 0 40 PF-6 25 0 40 PF-7 0 50 40 PF-8 25 50 40 PF-11 12,5 25 40 PF-12 12,5 25 40 PF - Planejamento Fatorial 49 Ferreira, D.G. Material e Métodos Quadro 7 – Matriz dos Ensaios Controles Realizados Ensaio Descrição do Ensaio Umidade (%) CPF-I Solo + Inóculo 20 CPF-II Solo + Gasolina* 20 CPF-III Solo + Gasolina com 25% de álcool* 20 CPF-IV Solo + Gasolina com 12,5% de álcool* 20 CPF-V Solo + Inóculo 40 CPF-VI Solo + Gasolina* 40 CPF-VII Solo + Gasolina com 25% de álcool* 40 CPF-VIII Solo + Gasolina com 12,5% de álcool* 40 CPF – Controle do Planejamento Fatorial *Controles abióticos, receberam a adição de 2% de formaldeído Uma vez que a condição nutricional do solo e a adição do inóculo (dependente do ensaio realizado) foram feita, cada ensaio recebeu a contaminação com 10% de gasolina (m/m) com teor de etanol variando em função da condição estudada. Para todos os ensaios, independentemente da condição, e inclusive os controles, foi feito o monitoramento periódico da umidade dos solos, de modo a controlar esse parâmetro na condição definida para o estudo. E, após um período de 30 dias em ambiente arejado, com temperatura média de 28 ºC (±2ºC), amostras foram retiradas de todos os sistemas para a determinação do teor residual de hidrocarbonetos totais do petróleo (HTP), e quantificação de bactérias hidrocarbonoclásticas. Também foram feitos bioensaios com anelídeos a fim de avaliar a toxicidade do solo residual após cada um dos tratamentos ensaiados. Devido ao número elevado de ensaios, os 20 experimentos não foram realizados concomitantemente, sendo então escolhidos randomicamente formando dois grupos de 10 condições. Também por essa razão, com exceção do ponto central, não foram feitas réplicas dos ensaios, embora as análises realizadas a partir das amostras coletadas desses ensaios foram feitas em duplicada. 50 Ferreira, D.G. Material e Métodos 3.6.3. Ensaios de Biorremediação em Colunas A partir dos ensaios anteriores (item 3.5.1) foram reproduzidas algumas das condições operacionais para a biorremediação de solo contaminado com gasolina. O tratamento foi então conduzido em uma escala maior, de modo a possibilitar a avaliação do processo simulando as condições em campo, inclusive, em diferentes profundidades. Para tanto, foi especialmente construído um sistema para a condução desse estudo que consistiu de uma coluna cilíndrica de PVC composta por três partes superpostas, de modo a permitir avaliar a atividade microbiana e a degradação ao longo de 60 cm de uma dada área, como ilustra a Figura 9. Cada uma das 3 células da coluna possuía 10 cm de raio e 20 cm de altura, com 4 pontos de coleta (2 de cada lado). Assim, como mostra a Figura 9, a coluna apresentava um total de 12 pontos de coleta localizados em 6 alturas distintas. Na parte inferior do reator foi instalada uma válvula a fim permitir, caso fosse necessário, a coleta do material percolado e a sua reintrodução no sistema. Em cada ensaio foi empregada uma quantidade total de solo de cerca 21 kg (aproximadamente 7 kg por seção), incluído o bioaumento de 10% (m/m). Como mostra o Quadro 7, nas colunas de PVC, foram ensaiadas as condições dos ensaios PF-1, PF-2, PF-3 e PF-4, descritos no Quadro 5, e do controle CPF-I, apresentado no Quadro 7. Simultaneamente, foi feito um controle (CEB-II) para avaliar o perfil de crescimento dos microrganismos pelo bioaumento do solo na presença de fertilizante (Quadro 8). Ao longo de 60 dias, os ensaios foram mantidos em local arejado com temperatua média de 28ºC (±2ºC) com ajustes periódicos de umidade, através da dispersão de água na superfície do solo, e coletas semanais de amostras de solo a fim de monitorar a população de bactérias hidrocarbonoclásticas, o teor de contaminante e, ainda, para as medições de pH do solo. Conforme indicado no Quadro 8, os ensaios na coluna de PVC foram realizados apenas com o solo úmido, ou seja, com 20% de umidade. Isso foi devido à interferência da umidade na percolação do contaminante, já que quando no solo 51 Ferreira, D.G. Material e Métodos encharcado (40% de umidade) não ocorria a permeação do contaminante, como pode ser observado nos testes realizados preliminarmente em provetas, contendo 300 g de solo, por 7 dias, como ilustrado na Figura 10. 10 cm 60 cm Pontos de coleta Coletor do percolado Figura 9 – Ilustração do reator usado no ensaio de biorremediação. Quadro 8 – Matriz do Ensaio de Biorremediação em Coluna Ensaio Descrição do Ensaio EB-1 Solo úmido + Inóculo + Gasolina (PF-1) EB -2 Solo úmido + Inóculo + Gasolina com álcool (PF-2) EB -3 Solo úmido + Inóculo + Fertilizante + Gasolina (PF-3) EB -4 Solo úmido + Inóculo + Fertilizante + Gasolina com álcool (PF-4) CEB -I Solo úmido + Inóculo (CPF-I) CEB -II Solo úmido + Inóculo + Fertilizante EB – Ensaio de Biorremediação CEB – Controle Ensaio de Biorremediação 52 Ferreira, D.G. Material e Métodos Esses testes foram realizados com distintos teores de água: umidade natural do solo; solo úmido (20% de umidade); e solo encharcado (40% de umidade). Como mostra a Figura 10, quando o solo com teor de umidade natural foi contaminado com 10% (m/m) de gasolina, ocorreu absorção total do contaminante pelas partículas de solo, sem sequer atingir o fundo da proveta. Por outro lado, no solo com aproximadamente 40% de umidade, a saturação causou a impermeabilidade do solo, impedindo a penetração do contaminante. Somente na condição com aproximadamente 20% de umidade é que foi possível estabelecer a percolação da gasolina até a base da proveta. A mesma situação observada inicialmente em cada proveta se manteve mesmo após 30 dias, o que descartou a possibilidade de usar o solo encharcado ou a umidade natural do solo nessa etapa do estudo. solo sem ajuste de umidade solo com 20% de umidade solo com 40% de umidade Figura 10 – Testes de percolação do contaminante feitos em coluna (Úmido: 20% de umidade; encharcado: 40%). 53 Ferreira, D.G. Material e Métodos 3.7. Análises Quantitativas 3.7.1. Análises Microbiológicas A quantificação de microrganismos foi feita utilizando 5 g de solo, devidamente homogeneizadas e diluídas em série na proporção de 1:10 em solução fisiológica (0,85% de NaCl). A partir dessas diluições foi feita a quantificação de duas populações bacterianas cultiváveis de interesse as heterotróficas totais (BHT) através da técnica de plaqueamento em profundidade (Vermelho, Pereira & Coelho, 2006), e as hidrocarbonoclásticas (BHC) através da técnica do número mais provável (NMP) (Van Hamme, Singh & Ward, 2003) em ágar nutriente e bushnell Haas, respectivamente. Essas análises foram realizadas em dois diferentes laboratórios, as amostras coletadas a partir ensaios em microcosmos foram analisadas no Laboratório de Microbiologia Industrial II (Escola de Química/CT/UFRJ), enquanto que as amostras oriundas dos ensaios em coluna foram analisadas no Laboratório de Biocorrosão e Biodegradação (Instituto Nacional de Tecnologia) 3.7.1.1. Quantificação das Bactérias Heterotróficas Totais Cultiváveis As BHT foram quantificadas utilizando como meio de cultura o agar nutriente (Merck). Após incubação das placas semeadas à 28±2ºC por 48 h. foi feita a contagem de unidades formadoras de colônia (UFC), e os resultados foram calculados e expressos em UFC/g de solo seco. 3.7.1.2. Quantificação das Bactérias Hidrocarbonoclásticas Cultiváveis As BHC foram estimadas através do NMP em placas multipoços contendo 1,8 ml do meio mineral Bushnell Haas. Após inoculação com 0,2 ml de cada uma das 8 diluições (10-1 a 10-8), em cada poço foi distribuído aproximadamente 25 μl de óleo árabe leve, como a única fonte de carbono presente. A seguir, as placas foram incubadas em estufa bacteriológica por 7 dias a 28±2ºC. Ao fim do período de incubação foi feita a leitura, considerando os poços com aparente degradação da gota de óleo como positivos, e como negativos aqueles onde a camada de óleo 54 Ferreira, D.G. Material e Métodos permaneceu inalterada, conforme ilustrado na Figura 11. Determinados os poços positivos e negativos foram feitos os cálculos levando em conta a diluição, e os resultados expressos em NMP/g de solo seco. ‐2 A ‐6 ‐3 ‐7 ‐4 ‐8 B CO ‐5 CO CM Figura 11 – Placa multipoço usada para a estimativa da concentração de BHC por NMP (A: degradação positiva; B: negativa; CO: controle de óleo; CM: controle de meio). 3.7.1.3. Métodos Moleculares A partir das dos poços das placas de NMP (Figura 11) onde foi constatada a degradação do óleo (resultados positivos) foram tomadas alíquotas para isolamento de bactérias potencialmente degradadoras de hidrocarbonetos. Com este fim, as alíquotas foram inoculadas em caldo nutriente (Merck), por 24 h, de onde foram tomadas novas alíquotas que foram plaqueadas em superfície em ágar nutriente. As colônias obtidas foram identificadas posteriormente por seqüenciamento. Também foi feito o isolamento das culturas presentes no solo que apresentaram capacidade degradadora. Essas análises foram realizadas no Laboratório de Biocorrosão e Biodegradação (Instituto Nacional de Tecnologia), com exceção do seqüenciamento, cujas amostras foram enviadas para a Universidade de São Paulo. 55 Ferreira, D.G. Material e Métodos 3.7.1.3.1. Extração de DNA As culturas isoladas a partir dos solos após biorremediação e, também, diretamente do solo virgem tiveram o seu material genético extraído através do kit comercial MOBio Ultra CleanTM Microbial DNA Isolation. As concentrações dos DNA assim obtidos foram determinadas por espectrofotometria no aparelho Nanodrop Espectrophotometer, modelo ND-1000. 3.7.1.3.2. PCR (“Polymerase Chain Reaction”) A técnica de PCR permite a geração de um grande número de cópias de um determinado fragmento de DNA. Os produtos dessa reação, no caso desse trabalho, foram utilizados para a identificação das culturas isoladas, por meio de seqüenciamento (Item 3.7.1.3.3). Para que a reação de PCR aconteça é necessário o preparo de um mix de reagentes contendo água, tampão, dNTPs (desoxirribonucleotideos trifosfatados), iniciadores (“primers”) e enzima (Taq DNA polimerase). A concentração final de cada um desses reagentes no mix de reação, bem como a sua função é apresentada no Quadro 9. De acordo com o tamanho do fragmento a ser amplificado são usados diferentes pares de primers. A reação de PCR para a identificação das culturas isoladas, que necessita de fragmentos com aproximadamente 1500 pb, foi feita com os primers Sadir (foward: 5'-AGAGTTTGATCATGGCTCAGA-3') e S17 (reverse: 5'GTTACCTTGTTACGACTT-3’ (Altschul et al., 1990). As reações de PCR foram feitas no termociclador PCR System 9700, da Applied Biosystems. A Figura 12 ilustra o ciclo usado na reação de PCR para a identificação das bactérias isoladas. Uma vez concluída a reação, o produto gerado foi visualizado por eletroforese em gel de agarose (1%, m/v), purificado com o kit comercial MOBio Ultra CleanTM Purification, e quantificados por espectrometria no aparelho Nanodrop Espectrophotometer, modelo ND-1000. Após obter a concentração necessária, os produtos de PCR foram seqüenciados. 56 Ferreira, D.G. Material e Métodos Quadro 9 – Concentração final dos reagentes na reação de PCR Reagente Concentração Final Função Água ultra-pura estéril * Completar o volume final do mix, mantendo as concentrações finais Tampão de PCR 10X 1X Garantir a estabilidade do pH e das concentrações iônicas Mix de dNTP 0,2 mM (de cada dNTP) Bases nitrogenadas (Adenina, Timina, Citosina e Guanina) para a construção das cópias do fragmento de DNA MgCl2 1,5 mM Funciona como cofator da enzima DNA polimerase Primer Foward 0,5 μM Iniciador para a formação da fita no sentido 3’→5’ Primer Reverse 0,5 μM Iniciador para a formação da fita no sentido 5’→3’ Taq Polimerase 2,5 U Criação do novo fragmento de DNA pela introdução dos dNTPs complementares à fita molde DNA alvo 10 pg-10 μg Material genético molde para a formação de outras fitas Fonte: Lodish et al., 2002 30 ciclos °C Tempo 94 5’ 94 72 30’’ 30’’ 55 30’’ 72 5’ 4 ∞ Figura 12 – Ciclo usado na reação de PCR para a identificação de culturas isoladas. 57 Ferreira, D.G. Material e Métodos 3.7.1.3.3. Seqüenciamento das Culturas Isoladas Os produtos de PCR das culturas isoladas foram enviados à Universidade de São Paulo, onde foram seqüenciados, pelo método de Sanger, no equipamento ABI PRISM® 3100 GeneticAnalyzer/HITACHI. As seqüências foram obtidas através do tratamento dos dados recebidos com os softwares Chromas Lite e Bioedit permitindo a sua comparação com o dados disponíveis no GeneBank e então a sua identificação. 3.8. Análises Físico-Químicas 3.8.1. pH (potencial de Hidrogênio) A medição do pH foi feita baseada na metodologia usada por Baptista, Camporese & Freire (2006). Para tanto, 10 g de solo em 25 ml de água destilada foram agitados em vórtex por cerca de 5 min. para homogeneização. A seguir, o pH da solução de solo foi medido diretamente em potenciômetro digital. Essas análises foram realizadas em dois diferentes laboratórios, as amostras coletadas a partir ensaios em microcosmos foram analisadas no Laboratório de Tecnologia Ambiental (Escola de Química/CT/UFRJ), enquanto que as amostras oriundas dos ensaios em coluna foram analisadas no Laboratório de Biocorrosão e Biodegradação (Instituto Nacional de Tecnologia) 3.8.2. Teor de Umidade Total A determinação da umidade da amostra foi feita através do Analisador de Umidade, Gehaka IV 2000. Esse sistema composto por balança, permite a secagem da amostra por infra-vermelho, e fornece diretamente o percentual de água nela contido. Essas análises foram realizadas em dois diferentes laboratórios, as amostras coletadas a partir ensaios em microcosmos foram analisadas no Laboratório de Tecnologia Ambiental (Escola de Química/CT/UFRJ), enquanto que as amostras 58 Ferreira, D.G. Material e Métodos oriundas dos ensaios em coluna foram analisadas no Laboratório de Biocorrosão e Biodegradação (Instituto Nacional de Tecnologia) 3.8.3. Teor de Hidrocarbonetos Totais do Petróleo (HTP) A determinação do teor de HTP foi realizada por dois métodos distintos. Nos ensaios preliminares a determinação foi feita através do espectrofotômetro de infravermelho Horiba OCMA-350. Por esse aparelho, o HTP do solo é determinado após a extração com o solvente comercial S-316 (EPA, 2001). No caso das amostras oriundas dos ensaios realizados nas colunas de PVC, a análise de HTP foi feita pela empresa Bioagri Ambiental por cromatografia gasosa seguindo a norma EPA SW 846-8015 (EPA, 1997). 3.9. Análise de Ecotoxicidade 3.9.1. Teste de mortalidade de Minhocas Os ensaios de ecotoxicidade foram realizados através do Teste de Mortalidade de Minhocas (adaptação de OECD, 1984), que consiste na exposição do anelídeo da espécie Eisenia foetida a uma amostra de solo. Os anelídeos utilizados para essa avaliação eram mantidos em um minhocário no Laboratório de Tecnologia Ambiental (Escola de Química/CT/UFRJ) Para tanto, em bequeres de vidro com capacidade de 400 ml foram distribuídos 180 g de amostra de solo misturado com 20 g de esterco e, a seguir, introduzidas 10 minhocas. Os bequeres foram envoltos com papel alumínio para protegê-los da luz, e deste modo simular as condições naturais, mesmo porque as minhocas não toleram a luminosidade direta. Com o mesmo fim, e ainda para evitar a fuga das minhocas, as aberturas dos becheres foram cobertas com tecido permeável ao ar. Após um período de incubação de 7 dias a 20±1ºC, foi feita a contagem das minhocas sobreviventes, e estimado o percentual de mortalidade. A Figura 13 ilustra as várias etapas de execução dos ensaios de ecotoxicidade realizados com minhocas. 59 Ferreira, D.G. Material e Métodos A análise de ecotoxicidade das amostras coletadas nos ensaios em microcosmos foi realizada no Laboratório de Tecnologia Ambiental (Escola de Química/CT/UFRJ). Figura 13 – Avaliação da ecotoxicidade por meio do Teste de Mortalidade das Minhocas, utilizando O anelídeo Eisenia foetida (A); B e C – Frasco vazio envolto por papel laminado; D – Seleção das minhocas a serem utilizadas nos ensaios; E – Solo com as minhocas selecionadas; F – As minhocas cobertas pelo resto de solo completando 200 g; G e H – Frasco rotulado e fechado. 3.10. Análise Estatística A análise estatística dos dados experimentais de biorremediação obtidos pelo planejamento fatorial foi realizada usando o software Statistica versão 6.0. 60 Ferreira, D.G. Resultados e Discussão 4. RESULTADOS E DISCUSSÃO 4.1. Caracterização do solo Inicialmente, o solo utilizado nesse estudo foi submetido a análises granulométrica, físico-químicas e microbiológicas, a fim de determinar o tamanho e a proporção das suas partículas, a sua composição nutricional e, por fim, a existência de populações microbianas com potencial degradador. Esses dados, que influenciam na biodegradação dos hidrocarbonetos, são fundamentais para implementar uma eficiente descontaminação do solo por biorremediação. A distribuição granulométrica do solo revelou a predominância de partículas de argila, conforme apresentado na Figura 14. Os teores de argila, areia e silte determinados permitiram classificar o solo como argiloso, segundo a classificação textural de solos do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (1993), apresentada na Figura 2 (página 20). Esse tipo de solo é característico da maior parte do território nacional, conforme ilustrado na Figura 3 (página 22). Silte 6% Areia 34% Argila 60% Argila Silte Areia Figura 14 – Constituição granulométrica do solo argiloso utilizado. 61 Ferreira, D.G. Resultados e Discussão A eficácia da degradação microbiana de hidrocarbonetos no solo pode ser limitada por diversos fatores, dentre eles, a porosidade e a umidade (Baptista, 2003). Neste contexto, a textura do solo se destaca, pois as partículas de argila e silte têm efeito direto na sorção de hidrocarbonetos (Millioli et al., 2008). A fração de argila presente na maioria dos solos é constituída de minerais muito diferentes, em composição e propriedades físicas, em relação àqueles presentes na areia e silte. Como a maior fração da água presente no solo se encontra como um filme aderido à superfície das partículas de argila, a quantidade de argila presente no solo exerce importante influência na sua capacidade total de retenção de água (Resende et al., 2002). A umidade do solo é outro fator de grande importância na biorremediação do solo, visto que reduções relativamente pequenas da umidade resultam em significativas reduções da atividade microbiológica do solo (Jacques et al., 2010). E ainda, o monitoramento da umidade do solo nos locais onde a biorremediação está em curso tem sido negligenciado em favor de fatores químicos, como adubações fosfatadas e nitrogenadas, com comprometimento da eficiência da biorremediação. É fundamental manter bons níveis de umidade para favorecer a atividade metabólica no ambiente contaminado, visto que a água é o veículo para o transporte de nutrientes para dentro da célula, bem como para a externalização de produtos do seu metabolismo (Cunha, 1996). No caso de contaminação por compostos químicos de baixa solubilidade em água, como é o caso dos hidrocarbonetos do petróleo, estes são facilmente adsorvidos pela argila ou frações de húmus no solo e passam lentamente para a fase aquosa, tornando-se, então disponíveis para serem metabolizados pelos microrganismos (Bardi et al., 2000). Por isso, em solos com baixo teor de umidade a biodegradação de hidrocarbonetos do petróleo é influenciada pela área de interface entre o óleo e a água (Huang et al., 2000). Os solos com elevados teores de argila e silte, em combinação com uma alta umidade apresentam permeabilidade bastante reduzida, se constituindo em uma barreira física para a infiltração das águas pluviais no solo e para a difusão de gases, dificultando o processo de biodegradação (Robaina et al., 2001; Jacques et al., 2007). A permeabilidade do solo é um fator limitante para o desenvolvimento das 62 Ferreira, D.G. Resultados e Discussão tecnologias de tratamento biológico in situ. Um solo de baixa permeabilidade pode reduzir a capacidade de contato entre microrganismos e contaminante e, assim, restringir a eficiência do processo. Por outro lado, o excesso de água pode inviabilizar o processo de biodegradação no solo, já que a ocupação pela água reduz a área ocupada pelos gases, criando condições anóxicas, e, ainda, provocando alterações no pH da solução do solo (U.S.EPA, 1990). Dessa forma, observa-se que a biorremediação em solos com elevado conteúdo de argila é um processo complexo e que deve considerar, principalmente, a aeração do sistema a fim de beneficiar o metabolismo aeróbio, pois permite a mineralização do contaminante e, em geral, apresenta maior velocidade quando comparado ao metabolismo anaeróbio. No Quadro 10 estão discriminados alguns componentes químicos do solo. Dentre eles, as concentrações de ferro (Fe) e alumínio (Al) que são os principais responsáveis pela coloração desse tipo de solo. Nesse quadro pode-se observar a predominância de ferro em relação ao alumínio, o que explica a coloração vermelhoalaranjada do solo analisado. Assim, considerada a coloração do solo, a granulometria e as observações de campo, pode-se classificá-lo como Latossolo vermelho-alaranjado. As partículas de argila presentes no Latossolo apresentam grande superfície de contato polarizada facilitando sua interação com íons, água e, principalmente, com as células microbianas, tornando difícil a separação das células aderidas às partículas de argila (Moreira & Siqueira, 2006; Oliveira, 2008). Os Latossolos são ricos em óxidos de Fe e Al, que, inclusive, favorecem a fixação de fósforo no solo (Resende, 2002). Qualquer que seja o tipo de solo é fundamental que ele apresente propriedades físicas e químicas que permitam a biodegradação dos poluentes (Gaivizzo, 2001). Os elementos químicos, relacionados no Quadro 10, são essenciais para as funções vitais das células microbianas. Os nutrientes, independentemente de serem micro ou macronutrientes, são indispensáveis para o bom funcionamento celular. Contudo, cabe ressaltar que a matéria orgânica, o nitrogênio e o fósforo são os nutrientes de 63 Ferreira, D.G. Resultados e Discussão maior importância, por estarem envolvidos em diferentes atividades celulares, tais como: equilíbrio osmótico da célula; cofatores para reações enzimáticas; geração de energia; e síntese de constituintes celulares, sejam eles estruturais ou genéticos (Brunken & Szarfare, 1999; Gomes, 2005; Moreira & Siqueira, 2006). Quadro 10 – Características Físico-Químicas do Solo Características físico-químicas Micronutrientes Macronutrientes Características Físico-Químicas Valores (ppm*) Cobre 0,1 Ferro 3 Manganês 0,1 Zinco 0,3 Alumínio 0,5 Cálcio 0,4 Fósforo 5 Matéria Orgânica 3000 Magnésio 0,1 Nitrogênio 675 Potássio 0,1 pH 5,0 Umidade 10% (v/m) *ppm corresponde a mg/kg Segundo a literatura científica a relação C:N:P ideal para o metabolismo microbiano é de 100:10:1 (Riser-Roberts, 1998). Assim, o solo analisado pode ser considerado fora das condições ideais para o desenvolvimento de microrganismos, já que apresenta uma relação de C:N:P, aproximadamente de 100:22:0,2. Isso impõe a suplementação do solo com fontes de fósforo de modo a estabelecer condições nutricionais apropriadas para a atividade microbiana. Nesse caso, o emprego de fertilizantes é recomendado pelo seu baixo custo e por conter a fonte de fósforo para a suplementação. Além da limitação de nutrientes, esse solo tem um caráter ácido, com um valor de pH de 4,7. Normalmente, esse valor é favorável à atividade fúngica, mas não 64 Ferreira, D.G. Resultados e Discussão para o crescimento da maioria das bactérias, que necessitam de pH ideal próximo à neutralidade (Madigan, Martinko & Parker, 2004). Portanto, considerando que a participação das bactérias é mais efetiva no processo de biorremediação, visto a sua maior velocidade de crescimento, foi necessário o aumento do pH do solo (RiserRoberts, 1998; Neto, Figueirêdo & Queiroz, 2005; Moreira & Siqueira, 2006). Com relação ao percentual de água, seu teor no solo foi de aproximadamente 10%. Esse valor restringe a atividade metabólica da maioria dos microrganismos, já que, conforme mencionado anteriormente, a água é o veículo de transporte de nutrientes através da membrana celular e também está relacionada com a homeostase (Madigan, Martinko & Parker, 2004). Assim, para a realização dos ensaios houve a necessidade de aumentar a umidade do solo. Porém, devido ao caráter argiloso do solo, foram estabelecidos dois valores de umidade (úmido- 20% e saturado-40%) de modo a poder avaliar o desempenho dos microrganismos em diferentes condições ambientais. É importante ressaltar que no meio ambiente as características do solo são variáveis, sendo que essas variações são mais acentuadas no sentido vertical, em conseqüência das camadas formadas no processo de formação dos solos. Portanto, é importante que o monitoramento da biodegradação seja conduzido em diferentes profundidades. As condições ambientais ótimas para o metabolismo celular variam de acordo com a espécie microbiana. Em geral, a temperatura ótima de crescimento está na faixa entre 25 e 30ºC, enquanto o pH deve estar próximo à neutralidade para as bactérias e ligeiramente ácido para os fungos (Riser-Roberts, 1998; Madigan, Martinko & Parker, 2004; Neto, Figueirêdo & Queiroz, 2005; Moreira & Siqueira, 2006). Apesar das características físico-químicas e nutricionais determinadas para o solo estudado serem limitantes para a atividade de bactérias, o solo utilizado nesse estudo apresentou cerca de 105 UFC/g de solo de bactérias heterotróficas cultiváveis totais (BHT) e 102 NMP/g de solo de bactérias hidrocarbonoclásticas (BHC). A presença de bactérias hidrocarbonoclásticas nesse solo ratifica a possibilidade de se detectar e isolar espécies de microrganismos com potencial 65 Ferreira, D.G. Resultados e Discussão degradador, mesmo em solos sem histórico de contaminação (Atlas, 1981; RiserRoberts, 1998). Tal fato corrobora a biodiversidade dos solos, assim como a versatilidade das comunidades microbianas neles presentes quanto à degradação de fontes complexas de carbono e energia. Por outro lado, alguns autores preconizam que baixas concentrações de espécies com potencial degradador em condições ambientais desfavoráveis dificultam a remoção biológica de um eventual contaminante (Vidali, 2001; Singh & Ward, 2004). Dentre as alternativas indicadas para a biorremediação de petróleo e seus derivados têm-se o bioaumento pela incorporação no solo tanto de populações endógenas do solo com potencial degradador, quanto de populações microbianas exógenas específicas, essa adição de microrganismos recebe o nome de bioenriquecimento. No caso de já existirem espécies potencialmente degradadoras na comunidade microbiana, é possível aumentar o seu número tão somente pelo ajuste da condição nutricional e do pH (bioestímulo). Entretanto, a ausência ou a baixa concentração dessas espécies induz a introdução de microrganismos exógenos juntamente com o bioestímulo. Em ambas situações o intuito é garantir uma efetiva atividade microbiana no local e, conseqüentemente, um tratamento mais efetivo e mais rápido. No Brasil, onde a legislação ambiental restringe a introdução de espécies não nativas ou modificadas geneticamente, sendo apenas possível a realização de bioaumento pela introdução de espécies autóctones autorizadas pelo IBAMA (CONAMA no 237, 1997; CONAMA no 314, 2002). No caso do bioestímulo há que se monitorar as concentrações de nutrientes durante o tratamento para que essas não fiquem abaixo dos níveis necessários para a atividade celular ou, ao contrário, atinjam níveis tóxicos que ultrapassem as concentrações permitidas pela legislação (Riser-Roberts, 1998; Resolução CONAMA nº 357/2005). Como o solo do presente estudo possui microrganismos com potencial degradador, foi definido realizar bioaumento e bioestímulo a fim de incrementar a biodegradação com microrganismos autóctones. 66 Ferreira, D.G. Resultados e Discussão 4.2. Avaliação de Parâmetros para a Biorremediação da Gasolina Em face da caracterização microbiológica do solo empregado ter apontado uma baixa concentração de bactérias hidrocarbonoclásticas (102 NMP/g de solo), preliminarmente foi realizado o preparo do inóculo para o bioaumento, a fim de aumentar o número de células metabolicamente ativas e adaptadas ao contaminante. E, assim, tentar aumentar a eficiência da biodegradação da gasolina no Latossolo, em um menor intervalo de tempo. Segundo vários autores, o emprego de uma população microbiana adaptada ao contaminante é crucial nos tratamentos de biorremediação (Vidali, 2001; Olaniram, Pillay & Pillay, 2006). O inóculo foi preparado em fase sólida, isto é, no próprio solo. Para tanto, houve a necessidade também de ajustar os parâmetros físico-químicos, visto que as análises do solo mostraram condições inadequadas de concentração de nutrientes, pH e teor de umidade para a proliferação de bactérias (Quadro 10). O monitoramento do Latossolo, após os ajustes devidos de umidade e pH e dos acréscimos de fertilizante comercial (cerca de 50 ppm de P) e de 5%(v/m) de gasolina, revelou o aumento da concentração de bactérias, cujos resultados, decorridos 21 dias, são apresentados no Quadro 11. Nesse quadro também constam as características físico-químicas do solo após o bioestímulo. Quadro 11 – Características Físico-Químicas e Microbiológicas do Solo Corrigido Características Nutrientes Populações Microbianas Características FísicoQuímicas Concentração Matéria Orgânica 26,6 g/kg Nitrogênio 1g/kg Fósforo 50 mg/kg Potássio 20 mg/kg BHT* 108 UFC/g BHC** 105 NMP/g pH 7,4 Umidade 30% 5 *BHT – Bactérias Heterotróficas Totais; inicial: 10 UFC/g **BHC – Bactérias Hidrocarbonoclásticas; inicial: 102 NMP/g 67 Ferreira, D.G. Resultados e Discussão Com o ajuste da condição nutricional para 50 ppm de fósforo, estabelecendo uma relação C:N:P de aproximadamente 530:20:1, houve um aumento da população inicial de bactérias hidrocarbonoclásticas de 102 NMP/g de solo para 105 NMP/g, demonstrando a capacidade de espécies do consórcio de microrganismos autóctones de usar o contaminante como fonte de carbono (Pala, 2003; Pala et al., 2004; Baptista, Camporese & Freire, 2006). Pode-se ainda evidenciar um aumento de três ordens de grandeza para a população de bactérias heterotróficas cultiváveis totais, o que sugere que o metabolismo das BHC gerou compostos químicos passíveis de serem assimilados pelas BHT, resultando em um aumento. Uma vez tendo alcançado uma concentração apropriada de microrganismos degradadores em solo, amostras foram usadas para efetuação do bioaumento nas diferentes condições experimentais, dando início aos ensaios de biorremediação propriamente ditos. Através do bioaumento, verificou-se um aumento da população de BHC de uma ordem de grandeza. Embora esse aumento possa ser considerado baixo as células introduzidas estavam metabolicamente ativas e adaptadas ao contaminante. Nesta etapa, o foco principal foi avaliar a interferência de alguns parâmetros na biorremediação da gasolina, em especial a presença de etanol, que é usado comercialmente como aditivo no Brasil. Para isso, foram avaliadas diferentes combinações de concentração de fósforo, teor de etanol e umidade através de um planejamento fatorial (Quadros 5 e 6). A interferência do etanol na biorremediação da gasolina, e as melhores condições de fertilizante e umidade para a condução do processo foram avaliadas com base no monitoramento da população de bactérias hidrocarbonoclásticas, do teor de hidrocarbonetos totais de petróleo (HTP) e da toxicidade dos compostos residuais no solo para minhocas. Ressalta-se que o teor de HTP no solo foi a principal resposta para a estimativa da eficiência do processo de biorremediação. Os teores de HTP ao final de 30 dias para os diferentes sistemas ensaiados são apresentados na Figura 14. Em todos os ensaios (PF-1 a PF-12) foi evidenciada redução da concentração de HTP pela ação dos microrganismos. Entretanto, em nenhuma das condições ensaiadas, o contaminante foi totalmente removido. 68 Ferreira, D.G. Resultados e Discussão Provavelmente, em função do esgotamento das fontes nutricionais e/ou ao tempo de tratamento. Destaca-se ainda que a redução da concentração de HTP variou com a bioestimulação. De modo que, nos ensaios realizados com a maior adição de fertilizante (PF-3, PF-4, PF-7 e PF-8), foram detectadas as menores concentrações residuais do contaminante. Enquanto que nos ensaios sem adição do fertilizante (PF-1, PF-2, PF-5 e PF-6) foram detectadas as maiores concentrações finais de HTP. Interessante notar que a variação da umidade só interferiu nos ensaios conduzidos com a máxima quantidade de fertilizante. 10000 Concentração de HTP no solo (mg/Kg) 9000 8000 7000 6000 5000 4000 3000 2000 1000 0 Ensaios *O desvio padrão médio de aproximadamente 6% Figura 15 – Teores finais de HTP, expressos em valores médios, para a biorremediação de latossolo contaminado com 10% (m/m) de gasolina em diferentes condições de etanol, fertilizante e umidade. Teor de HTP inicial: 30.000 mg/kg. Condições do ensaio (%etanol; [P]; % de umidade): PF-1 (0%;0ppm;20%); PF-2 (25%;0ppm;20%); PF-3 (0%;50ppm;20%); PF-4 (25%;50ppm;20%); PF-5 (0%;0ppm;40%); PF-6 (25%;0ppm;40%); PF-7 (0%;50ppm;40%); PF-8 (25%;50ppm;40%); PF-9 (12,5%;25ppm;20%); PF-10 (12,5%;25ppm;20%); (12,5%;25ppm;40%); CPF-I (Solo;Inóculo;20%); PF-11 CPF-II (12,5%;25ppm;40%); (Solo;Gasolina;20%); PF-12 CPF-III (Solo;Gasolina(25%);20%); CPF-IV (Solo;Gasolina(12,5%);20%); CPF-V (Solo;Inóculo;40%); CPF-VI (Solo;Gasolina;40%); CPF-VII (Solo;Gasolina;40%); CPF-VIII (Solo;Gasolina(12,5%);40%). 69 Ferreira, D.G. Resultados e Discussão Embora o solo tenha sido contaminado com 10% (m/m) de gasolina, ou seja, 100.000 mg/kg de solo, a metodologia utilizada para monitorar a concentração de HTP detectou em média 30.000 mg/kg de solo. Essa discrepância de valor deve-se principalmente ao fato de a técnica utilizada avaliar o teor de contaminante adsorvido nas partículas de solo e não todo o HTP introduzido. Assim, comparando a concentração inicial detectada com a concentração de HTP final dos ensaios controle mais de 75% do contaminante foi perdido através de fatores abióticos, isto é, sem a interferência dos microrganismos. Esse percentual foi determinado com base na comparação entre a concentração inicial e final detectada nos controles abióticos (CPF-II, CPF-III, CPF-IV, CPF-VI, CPF-VII e CPF-VIII). Österreicher-Cunha et al. (2004) observaram que logo nas primeiras 24 h após a contaminação do solo com gasolina houve uma grande volatilização de hidrocarbonetos que, em alguns casos, chegou a atingir 80% da quantidade inicial. Com o decorrer do tratamento, a concentração de hidrocarbonetos foi decrescendo gradativamente, não sendo mais detectada decorridos 80 dias. A biorremediação da gasolina é um processo que já foi alvo de alguns estudos, seja em processos aeróbicos (Corseuil et al., 1996; Barbaro & Barker, 2000; Kao & Wang, 2000; Solano-Serena et al., 2000; Rahman et al., 2002; Landmeyer & Bradley, 2003; Ghazali et al., 2004; Tiburtius, Peralta-Zamora & Emmel, 2005; Baldwin, Nakatsu & Nies, 2007) ou anaeróbicos (Corseuil et al., 1996; Phelps & Young, 1999; Yerushalmi, Manuel & Guiot, 1999; Silva & Alvarez, 2002; Nardi et al., 2005; Dou et al., 2007). Entretanto, poucos trabalhos avaliaram o papel e os efeitos da adição de etanol na biorremediação da gasolina. O percentual de remoção do contaminante para cada condição ensaiada foi calculado deduzindo as perdas abióticas, a partir dos dados dos respectivos ensaios controle. Assim, o maior percentual de degradação do contaminante para os ensaios realizados sem adição de fertilizante (PF-1, PF-2, PF-5 e PF-6) foi inferior a 30%. Esses resultados foram similares aos dos ensaios realizados nas condições dos pontos centrais do planejamento (PF-9 a PF-12), que apresentaram reduções de contaminação de aproximadamente 35%. Nessas condições, a variação na condição de umidade não interferiu de maneira efetiva na biodegradação dos hidrocarbonetos. 70 Ferreira, D.G. Resultados e Discussão Em contrapartida, nos ensaios realizados com a adição do valor máximo de fertilizante, a biodegradação variou em função da condição de umidade. Para os solos saturados (PF-7 e PF-8), a remoção do contaminante foi superior a 50%, enquanto que para o menor teor de umidade (ensaios PF-3 e PF-4), a redução do teor de contaminante foi inferior a 40%. De um modo geral, a variação do conteúdo de etanol na gasolina não provocou diferenças notórias na concentração final de HTP. Ao contrário das informações disponíveis na literatura que indicam que a adição de etanol à gasolina interfere negativamente no processo de biorremediação, e aumenta os danos ao ambiente (Corseuil et al., 1996; Lovanh, Hunt & Alvarez, 2002; Corseuil, Kaipper & Fernandes, 2004; Österreicher-Cunha et al., 2004; Niven, 2005; Silva & Alvarez, 2004; Mackay, et al., 2006; Gusmão et al., 2006; Österreicher-Cunha et al., 2007; ÖsterreicherCunha et al., 2009). Uma vez que, segundo a maioria desses autores, o etanol também retarda a biodegradação dos hidrocarbonetos constituintes da gasolina. O maior tempo de processo requerido para a degradação da gasolina quando na presença de etanol se justifica pela menor complexidade do biocombustível quando comparado aos hidrocarbonetos do petróleo, fazendo com que o álcool seja assimilado preferencialmente pelos microrganismos, e dessa forma retardando o consumo dos hidrocarbonetos (Corseuil & Moreno, 2001; Lovanh, Hunt & Alvarez, 2002; Corseuil, Kaipper & Fernandes, 2004; Malamud et al., 2005; Silva & Alvarez, 2004; Mackay, et al., 2006; Gusmão et al., 2006; Österreicher-Cunha et al., 2009). Existe ainda a possibilidade de ocorrer oxidação do etanol à ácido acético gerando um ambiente ácido e anaeróbico Além de interferir no processo de degradação microbiana dos hidrocarbonetos, a presença de etanol na gasolina provoca o aumento da concentração de hidrocarbonetos dissolvidos em água (Banerjee & Yalkowsky, 1988). Isso ocorre porque o álcool se dissolve facilmente em água, atuando como uma ponte para a transferência de hidrocarbonetos hidrofóbicos para a fase aquosa, através do fenômeno de co-solvência. Essa transferência propaga a distribuição dos hidrocarbonetos pelo ecossistema, aumentando a extensão da área contaminada, e, por conseguinte, 71 Ferreira, D.G. Resultados e Discussão ampliando os efeitos da contaminação (Corseuil & Fernandes, 1999; Corseuil, Kaipper & Fernandes, 2004). Contudo, os efeitos da co-solvência são dependentes da concentração de etanol misturado à gasolina, uma vez que a transferência de hidrocarbonetos para a fase aquosa ocorre apenas em teores de etanol superiores a 10% (v/v) (Banerjee & Yalkowsky, 1988; Corseuil, Kaipper & Fernandes, 2004). Como anteriormente mencionado, os impactos negativos no processo de biorremediação são decorrentes dos efeitos nocivos do contaminante sobre as populações microbianas. Em geral, a contaminação reduz as populações de bactérias, embora, após uma fase de adaptação, algumas espécies sejam capazes de se restabelecer e, portanto, retomar o seu crescimento. Österreicher-Cunha et al. (2004), avaliando a bioventilação no tratamento de solo contaminado com gasolina, verificaram que logo após a contaminação houve um decréscimo considerável da concentração celular. Entretanto, em um intervalo de apenas 24 h, ocorreu o restabelecimento das espécies microbianas (103 UCF/g de solo), e passados 30 dias, no solo foi detectada a concentração de 105 UCF/g. Nas Figuras 16 e 17, podem ser observadas as contagens de bactérias hidrocarbonoclásticas para os diferentes ensaios (PF-1 a PF-12) e controles (CPF-I a CPF-IV), definidos segundo planejamento fatorial (Quadro 5), para solos em condições de umidade distintas. A análise da figura mostra que a contaminação provocou uma ligeira redução dessa população bacteriana nos ensaios que não receberam bioestímulo, embora, diferentemente do observado por ÖsterreicherCunha et al. (2004), não tenha sido observado o seu aumento (PF-1, PF-2, PF-5 e PF-6), nem mesmo decorridos 30 dias, independentemente do teor de umidade (Figuras 16 e 17). Possivelmente, as limitações nutricionais impediram que a população bacteriana utilizasse todo o seu potencial metabólico, o que, conseqüentemente, resultou na baixa remoção dos hidrocarbonetos do solo (Figura 15). Para os ensaios com bioestímulo (PF-3, PF-4, PF-7 e PF-8), foi verificado aumento da concentração de BHC, com valores máximos semelhantes independentemente da presença ou não de etanol, e do teor de umidade (20 ou 40%). 72 BHC NMP/g (log10) Ferreira, D.G. Resultados e Discussão 6 5,5 5 4,5 4 3,5 3 2,5 2 1,5 1 0,5 0 PF‐1 PF‐2 PF‐3 PF‐4 PF‐9 PF‐10 CPF‐I CPF‐II CPF‐III CPF‐IV Ensaios Inicial 30 dias após a contaminação *O desvio padrão médio de aproximadamente 5% (inicial), e de 2% (30 dias após a contaminação) Figura 16 – Concentrações inicial e final de bactérias hidrocarbonoclásticas (BHC) para biorremediação de solo contaminado com gasolina nas diferentes condições ensaiadas usando solo úmido. Condições do ensaio (%etanol; [P]; % de umidade): PF-1 (0%;0ppm;20%); PF-2 (25%;0ppm;20%); PF-3 (0%;50ppm;20%); PF-4 (25%;50ppm;20%); PF-10 (12,5%;25ppm;20%); PF11 (12,5%;25ppm;40%); PF-12 (12,5%;25ppm;40%); CPF-I (Solo;Inóculo;20%); CPF-II (Solo;Gasolina;20%); CPF-III (Solo;Gasolina(25%);20%); CPF-IV (Solo;Gasolina(12,5%);20%); Por outro lado, para os controles abióticos (CPF-II, CPF-III, CPFIV, CPF-VI, CPF-VII e CPF-VIII), não foram detectados microrganismos viáveis ao 30º dia de tratamento, como mostram as Figuras 16 e 17. Dessa forma pode-se garantir que os microrganismos autóctones dos solos desses ensaios foram inibidos pela adição de formaldeído, o que comprova que a redução de HTP (Figura 15) não foi através da ação microbiana sobre o contaminante. Logo, a perdas de HTP desses controles podem ser atribuídos apenas aos fatores abióticos. Conforme ilustrado na Figura 18, as maiores reduções de HTP ocorreram para os ensaios onde o crescimento de BHC foi maior. Portanto, pode-se aferir que a concentração de bactérias hidrocarbonoclásticas metabolicamente ativas e o teor de HTP são parâmetros interligados. 73 BHC NMP/g (log10) Ferreira, D.G. Resultados e Discussão 6 5,5 5 4,5 4 3,5 3 2,5 2 1,5 1 0,5 0 PF‐5 PF‐6 PF‐7 PF‐8 PF‐11 PF‐12 CPF‐V CPF‐VI CPF‐VII CPF‐VIII Ensaios Incial 30 dias após a contaminação *O desvio padrão médio de aproximadamente 2% (inicial), e de 1% (30 dias após a contaminação) Figura 17 – Concentrações inicial e final de bactérias hidrocarbonoclásticas (BHC) para biorremediação de solo contaminado com gasolina nas diferentes condições ensaiadas usando solo saturado. Condições do ensaio (%etanol; [P]; % de umidade): PF-5 (0%;0ppm;40%); PF-6 (25%;0ppm;40%); PF-7 (0%;50ppm;40%); PF-8 (25%;50ppm;40%); PF-11 (12,5%;25ppm;40%); PF12 (12,5%;25ppm;40%); CPF-V (Solo;Inóculo;40%); CPF-VI (Solo;Gasolina;40%); CPF-VII (Solo;Gasolina;40%); CPF-VIII (Solo;Gasolina(12,5%);40%). A redução de parte da população de BHC não impediu que as espécies remanescentes promovessem o consumo dos hidrocarbonetos da gasolina (ensaios PF-1, PF-2, PF-5 e PF-6). Fato também observado por Bento e colaboradores (2005). Segundo esses autores, a contaminação, dependendo das condições ensaiadas pode reduzir o número de bactérias viáveis, embora possa haver aumento da atividade metabólica. Logo, as células remanescentes continuam metabolicamente ativas e atuando na remoção do contaminante. Isso se deve, principalmente, ao fato de a contaminação provocar uma seleção natural das espécies com potencial para tolerar e degradar o composto xenobiótico introduzido no ecossistema. Por outro lado, como mostra a Figura 18, a bioestimulação, principalmente nos ensaios PF-3, PF-4, PF-7 e PF-8, promoveu o aumento da população de bactérias 74 Ferreira, D.G. Resultados e Discussão degradadoras, que culminou na remoção das maiores concentrações de contaminante. Esses resultados diferem do estudo de Bento e colaboradores (2005), onde a remoção do contaminante foi igual ou pior quando a bioestimulação foi comparada à bioatenuação. Os resultados da população de bactérias hidrocarbonoclásticas e do teor de HTP apresentaram diferenças notórias em relação à condição de umidade e à concentração de nutrientes. Porém, o percentual de etanol adicionado à gasolina não pareceu ter efeito na sua biodegradação. Os melhores resultados para a remoção da gasolina foram obtidos com a adição de 50 ppm de fósforo, sendo que os ensaios que aplicaram solo saturado (aproximadamente 40% de umidade) apresentaram concentrações residuais de HTP menores que às detectadas nos ensaios com solo úmido (aproximadamente 20% de umidade). Possivelmente, a solubilização dos hidrocarbonetos em água aumentou a sua biodisponibilidade favorecendo o seu consumo pelos microrganismos. Em ambas as condições de umidade, o sucesso na remoção da gasolina do solo foi dependente da concentração de fósforo a ele adicionada. Os ensaios bioestimulados, seja com 25 ou 50 ppm de fósforo, apresentaram concentrações próximas ou inferiores à 5000 ppm de HTP. A legislação ambiental brasileira não detém valores de referência e de intervenção sobre a concentração de contaminantes no solo. Por isso, em geral, são adotados parâmetros de legislações estrangeiras, principalmente, as da Holanda e da Alemanha (CETESB, 1999; CETESB, 2001; Environmental Statement, 2005; Ministério do Meio Ambiente, 2007). Obviamente, a adoção de legislações estrangeiras pode ser utilizada somente como um indicativo da qualidade dos ecossistemas já que as condições ambientais desses paises são diferentes das encontradas no território nacional. 75 Ferreira, D.G. 8.00E+04 100 90 7.00E+04 80 6.00E+04 2.00E+04 Percentual de Remoção 1.00E+04 70 0.00E+00 60 50 40 ‐1.00E+04 30 20 10 0 CPF‐VII CPF‐VIII CPF‐V CPF‐VI CPF‐III CPF‐I CPF‐II PF‐12 Variação da população de BHC PF‐11 PF‐10 PF‐9 Ensaios PF‐8 PF‐1 0 CPF‐IV 10 PF‐7 20 PF‐6 30 3.00E+04 PF‐5 40 Variação da população de BHC 4.00E+04 PF‐4 50 5.00E+04 PF‐3 60 PF‐2 70 Variação da população de BHC (NMP/g) Percentual de Remoção do Contaminante (%) Resultados e Discussão Percentual de Remoção *O desvio padrão dos resultados desse gráfico são os mesmos mostrados nas Figuras 15, 15 e 16 Figura 18 – Comparação entre o percentual de remoção de HTP e a variação da concentração de BHC nos ensaios do planejamento fatorial (Quadros 5 e 6). Condições do ensaio (%etanol; [P]; % de umidade):: PF-1 (0%;0ppm;20%); PF-2 (25%;0ppm;20%); PF-3 (0%;50ppm;20%); PF-4 (25%;50ppm;20%); PF-5 (0%;0ppm;40%); PF-6 (25%;0ppm;40%); PF-7 (0%;50ppm;40%); PF-8 (25%;50ppm;40%); PF-9 (12,5%;25ppm;20%); PF-10 (12,5%;25ppm;20%); PF-11 (12,5%;25ppm;40%); PF-12 (12,5%;25ppm;40%); CPF-I (Solo;Inóculo;20%); CPF-II (Solo;Gasolina;20%); CPF-III (Solo;Gasolina(25%);20%); CPF-IV (Solo;Gasolina(12,5%);20%); CPF-V (Solo;Inóculo;40%); CPF-VI (Solo;Gasolina;40%); CPF-VII (Solo;Gasolina;40%); CPF-VIII (Solo;Gasolina(12,5%);40%). No caso de contaminações por petróleo e seus derivados, são utilizados como base os padrões holandeses, o qual determina que um solo pode ser dado como não contaminado quando o teor de HTP é inferior à 50 ppm. Ainda com base na legislação holandesa, a intervenção de uma área, ou seja, a sua remediação é feita 76 Ferreira, D.G. Resultados e Discussão quando são detectadas concentrações iguais ou superiores a 5000 ppm de HTP no solo (CETESB, 1999; CETESB, 2001). Com base no valor limítrofe da legislação holandesa, tem-se que os ensaios PF-1 e PF-2 necessitariam ainda de intervenção. Já os pontos centrais (ensaios PF5, PF-6, PF-11 e PF-12), que apresentaram concentrações próximas ao valor limítrofe, possivelmente, só dependeriam de um tempo maior de tratamento. Mas, os ensaios PF-3, PF-4, PF-7 e PF-8, para os quais as concentrações de HTP foram bem inferiores à concentração limite, os tratamentos poderiam ser considerados como concluídos. No caso de contaminação por gasolina além dosagem de HTP, também deve ser avaliado a concentração de BTEX no solo antes da conclusão do tratamento, contudo nesse trabalho não foi utilizada nenhuma metodologia para a dosagem desses hidrocarbonetos. Dessa forma, pode-se aferir que o processo de biorremediação foi mais eficaz quando aplicada a bioestimulação, dentro dos parâmetro monitorados, independentemente do solo estar úmido ou saturado, uma vez que, mesmo a adição mínima de fósforo (25 ppm), permitiu que os microrganismos promovessem a degradação do contaminante até um valor igual ou inferior ao de intervenção, segundo a legislação holandesa. A detecção de valores inferiores a 5000 ppm deve apenas servir como parâmetro para sinalização de finalização do tratamento, já que os compostos residuais podem ser tão, ou até mesmo mais tóxicos que os compostos originais (Yerushalmi & Guiot, 1998). Por isso, é importante analisar os hidrocarbonetos residuais quanto a sua toxicidade antes de dar o tratamento por encerrado tentando restabelecer as condições naturais do ecossistema (Riser-Roberts, 1998; Phillips et al., 2000; Niven, 2005). Dentre as diferentes metodologias empregadas para avaliação da toxicidade de compostos residuais no ambiente, destaca-se o teste de mortalidade de minhocas, que são anelídeos altamente sensíveis. De fato, esse teste se destaca por ser cerca de 80% mais sensível do que aqueles realizados com sementes de vegetais e algas (Dorn et al., 1998). 77 Ferreira, D.G. Resultados e Discussão Os anelídeos nutrem-se através da ingestão dos constituintes presentes em solos, e a respiração ocorre através de trocas gasosas pela superfície cutânea. Por isso, mesmo que os compostos tóxicos estejam presentes em baixas concentrações no solo, essas substâncias podem ser letais ou vir a causar lesões a esses invertebrados (Contreras-Ramos, Alvarez-Bernal & Dendooven, 2009). Logo, as minhocas podem ser usadas para avaliar os efeitos tóxicos letais ou subletais de contaminantes num curto período de tempo. Os efeitos subletais podem interferir em seu crescimento, comportamento, reprodução ou, ainda, nos processos fisiológicos. A duração do teste de toxicidade aguda varia de 7 a 14 dias e o teste de reprodução em torno de 9 semanas (Kapanen & Itavaara, 2001; Harmon & Wyatt, 2008; Contreras-Ramos, Alvarez-Bernal & Dendooven, 2009). Como mostra a Figura 19, no presente estudo, os percentuais de mortalidade variaram de acordo com as condições dos ensaios. Nos controles abióticos (CPF-II, CPF-III, CPFIV, CPF-VI, CPF-VII e CPF-VIII), mesmo ao final do tratamento, houve morte da totalidade das minhocas, indicando a toxicidade do solo. Em contrapartida, nos controles bióticos (CPF-I e CPF-V) não foi evidenciada morte dos anelídeos, o que representa que os compostos residuais, carreados do bioaumento, eram atóxicos ou se encontravam em concentrações não tóxicas. De um modo geral, os ensaios realizados com solo saturado (aproximadamente 40% de umidade) apresentaram menor mortalidade das minhocas em comparação com aqueles conduzidos com solos úmidos (aproximadamente 20% de umidade). Nesse caso, destacam-se os ensaios PF-7 e PF-8, para os quais não observada toxicidade para a espécie Eisenia fetida. Por outro lado, nos ensaios com o solo úmido (20% de umidade), não houve nenhuma condição que resultasse em solo completamente atóxico para as minhocas, sendo o percentual de mortalidade mais baixo de 50% correspondente ao ensaio PF-3. Considerando que os resultados referentes às concentrações de BHC e aos teores de HTP no solo foram similares para ambos os percentuais de umidade testados, embora a toxicidade dos solos após tratamento tenha variado em função do teor de água no solo pode-se presumir que, nos solos com 20 e 40% de umidade, a degradação dos hidrocarbonetos ocorreu através de rotas metabólicas distintas, 78 Ferreira, D.G. Resultados e Discussão com geração de produtos qualitativa ou quantitativamente diversos, o que resultou em diferentes níveis de toxicidade. A Figura 18 mostra que a maior concentração de microrganismos culmina na maior remoção do contaminante, e que por sua vez resulta em menor toxicidade do solo. Contudo, é importante ressaltar que a toxicidade observada em alguns ensaios, possivelmente, está relacionada mais com a geração de produtos intermediários tóxicos do que com altas concentrações de HTP. 100 Mortalidade de Minhocas (%) 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 Ensaios Percentual de mortalidade de minhocas após 30 dias de tratamento Figura 19 – Percentual de mortalidade de minhocas nos ensaios do planejamento fatorial. Condições do ensaio (%etanol; [P]; % de umidade): PF-1 (0%;0ppm;20%); PF-2 (25%;0ppm;20%); PF-3 (0%;50ppm;20%); PF-4 (25%;50ppm;20%); PF-5 (0%;0ppm;40%); PF-6 (25%;0ppm;40%); PF-7 (0%;50ppm;40%); PF-8 (25%;50ppm;40%); PF-9 (12,5%;25ppm;20%); PF-10 (12,5%;25ppm;20%); PF-11 (12,5%;25ppm;40%); PF-12 (12,5%;25ppm;40%); CPF-I (Solo;Inóculo;20%); CPF-II (Solo;Gasolina;20%); CPF-III (Solo;Gasolina(25%);20%); CPF-IV (Solo;Gasolina(12,5%);20%); CPF-V (Solo;Inóculo;40%); CPF-VI (Solo;Gasolina;40%); CPF-VII (Solo;Gasolina;40%); CPF-VIII (Solo;Gasolina(12,5%);40%). 79 Ferreira, D.G. Resultados e Discussão Diferentemente da condição nutricional e da condição de umidade, o conteúdo de etanol na gasolina novamente não teve qualquer efeito na toxicidade do solo após seu tratamento, o que sugere que o biocombustível não interfere na toxicidade do metabolismo de degradação da gasolina. Porém apenas uma análise estatística pode revelar a significância desse parâmetro e seu efeito a partir das possíveis interações. 4.2.1. Análise Estatística do Planejamento Fatorial Em tratamentos de biorremediação, diversos fatores podem interferir, tanto positiva quanto negativamente, na degradação dos contaminantes. O presente trabalho se restringiu a avaliar apenas a condição de umidade, o percentual de etanol adicionado à gasolina e a concentração de fósforo no solo através de três variáveis de resposta que foram: teor residual de HTP no solo, a concentração das bactérias com potencial degradador; e toxicidade do solo à minhoca vermelha Eisenia fetida. Os resultados obtidos para as variáveis foram tratados estatisticamente com o software Statistica 6.0, que permite a determinação da significância dos fatores estudados, bem como os seus efeitos e possíveis interações. E ainda, em alguns casos, torna possível a construção de um modelo matemático para a estimação de resultados dentro da faixa estudada (Calado & Montgomery, 2003). Mas, em geral, a construção de modelos matemáticos para estimar parâmetros em processos biológicos pode não ser representativa, pois esses processos são sensíveis a variações sutis nas condições ambientais, o que reduz a representatividade da estimação de resultados a partir de uma base matemática (Calado & Montgomery, 2003; Rodrigues & Iemma, 2005). Portanto, embora o software possa fornecer um grande volume de informação, a análise estatística desse estudo será restrita às informações inerentes a significância e aos efeitos dos fatores. A significância dos fatores está diretamente atrelada ao intervalo de confiança usado. Nesse caso foi escolhido um intervalo de confiança de 95%, que corresponde ao menor nível em que os dados são significativos em um teste de hipótese utilizando o teste t de Student. 80 Ferreira, D.G. Resultados e Discussão A disposição dos dados estatísticos pode ser feita de inúmeras formas, sendo o diagrama de Pareto uma das representações gráficas mais completas, pois permite a visualização da significância dos fatores e suas interações, bem como os efeitos desses fatores sobre as variáveis de resposta. Já a análise das interações entre os fatores pode ser melhor analisada através do gráfico das médias, que permite identificar o ponto em que a interação ocorre ou tende a ocorrer. O diagrama de Pareto mostrando os efeitos da umidade, do percentual de etanol adicionado à gasolina e da concentração de fósforo no solo, para a biodegradação do contaminante em função das variáveis de resposta teor de HTP, concentração de BHC e toxicidade às minhocas pode ser observada nas Figuras 20, 21 e 22, respectivamente. Nos gráficos, uma linha pontilhada baseada no intervalo de confiança prédeterminado, indica o valor limite para a aceitação ou rejeição da hipótese nula, isto é, separa os fatores de acordo com a sua significância estatística. O valor positivo ou negativo indica a significância e o efeito do parâmetro na variável analisada, ou seja, interfere no aumento ou na redução, respectivamente. Nota-se, na Figura 20, que a variável que mais influenciou na remoção de HTP foi a concentração de fósforo, seguida pela umidade. Ambos os fatores atuaram reduzindo a concentração de HTP no solo e por isso, o valor atribuído a esses fatores é apresentado no gráfico com o sinal negativo. Em relação à concentração das bactérias hidrocarbonoclásticas, como mostra a Figura 21, apenas a concentração de fósforo no solo foi considerada significativa, e inclusive o valor positivo atribuído a esse fator preconiza que a adição de nutrientes estimula a atividade microbiana. Diferentemente da análise para o teor de HTP e para a população de BHC, a Figura 22 apresenta que para o teste de toxicidade com minhocas, além da umidade e da concentração de fósforo, a interação desses dois fatores também foi significativa. O sinal negativo das variáveis, como anteriormente mencionado, significa que para maiores valores dessas variáveis há menor formação de compostos tóxicos a partir da degradação da gasolina. 81 Ferreira, D.G. Resultados e Discussão Figura 20 – Diagrama de Pareto mostrando a contribuição das variáveis estudadas na remoção de HTP. Figura 21 – Diagrama de Pareto mostrando a contribuição das variáveis estudadas para o crescimento das bactérias hidrocarbonoclásticas. 82 Ferreira, D.G. Resultados e Discussão Figura 22 – Diagrama de Pareto mostrando a contribuição das variáveis estudadas na mortalidade de minhocas (Eisenia fetida). O fator de interação entre a concentração de fósforo e a condição de umidade pode ser melhor analisado na Figura 23, que apresenta o gráfico das médias. Esse tipo de gráfico dispõe os dados combinando os resultados dos pontos mínimos e máximos de cada fator e traça uma reta interligando os pontos. A tendência das duas retas formadas permite estabelecer a existência ou não de interação entre os fatores. Assim, se as retas estão dispostas em paralelo é indicativo que não haverá um ponto de congruência, isto é, não há interação entre os fatores. Por outro lado, se as retas tendem a interseccionar em algum ponto, esse ponto determina uma interação entre os fatores. Cabe ainda ressaltar que esse tipo de gráfico indica a tendência a uma interação, porém a sua significância é determinada com base no teste de hipótese do teste t de Student representado no diagrama de Pareto. 83 Ferreira, D.G. Resultados e Discussão Figura 23 – Gráfico das Médias relacionando a mortalidade de minhocas e a concentração de fósforo, com base na umidade (úmido-20%; saturado-40%). Conforme ilustrado na Figura 23, as retas que representam os fatores tendem a se encontrar no valor mínimo da concentração de fósforo. Isso indica que a interação entre esses fatores interfere de modo significativo na redução do percentual de mortalidade de minhocas nos ensaios onde o solo não sofreu bioestimulação. Como previsto, o etanol não foi relevante do ponto de vista estatístico para nenhuma das variáveis de resposta, assim como a sua interação com os demais fatores. Além disso, a bioestimulação foi considerada a variável mais significante para o processo de biorremediação. Já a significância da umidade foi dependente da resposta utilizada. O tratamento estatístico dos resultados obtidos corrobora e valida matematicamente os efeitos dos parâmetros estudados sobre as variáveis de resposta no processo de biorremediação. 84 Ferreira, D.G. Resultados e Discussão 4.3. Ensaio de Biorremediação em Colunas Em geral, os estudos realizados apenas em laboratório permitem avaliar a viabilidade técnica de um determinado tratamento biológico. Nessa fase são determinados, ajustados e controlados os parâmetros significativos de modo a definir as condições ideais de processo (Lima et al., 2002). Contudo, ao ser aplicado em campo, nem sempre é possível alcançar os mesmos resultados visto que é difícil reproduzir as condições reais no laboratório. Por isso, algumas das condições definidas no item anterior (umidade e concentração de fósforo) com base na análise estatística, para a biorremediação de Latossolo contaminado com gasolina, foram ensaiadas em condições mais próximas as de campo. Nesses ensaios também foi testada a presença de etanol, embora não tenha sido comprovado qualquer efeito do etanol no consumo microbiano dos hidrocarbonetos da gasolina, uma vez que esse composto químico já foi descrito pela sua atuação como facilitador na solubilização de hidrocarbonetos em água, o que pode vir a agravar a contaminação do ambiente (Corseuil & Moreno, 2001; Lovanh, Hunt & Alvarez, 2002; Corseuil, Kaipper & Fernandes, 2004; Malamud et al., 2005; Silva & Alvarez, 2004; Mackay, et al., 2006; Gusmão et al., 2006). Para a condução dos experimentos, o solo foi umedecido com 20% de água, embora a análise estatística tenha indicado que a biodegradação da gasolina é mais eficiente em solo saturado. Tal procedimento é justificado pela baixa permeabilidade do solo quando na coluna, conforme ilustrado na Figura 9. Portanto, nos ensaios conduzidos em colunas de 60 cm de altura foram reproduzidas as condições descritas no Quadro 7. Nesses ensaios, a contaminação foi feia na mesma concentração usada nos ensaios de biorremediação em microcosmos (10% m/m). E, assim como nos ensaios anteriores, a perda abiótica do combustível foi determinada pela análise da concentração de HTP no início e ao final de 60 dias nos ensaios controle. Nessa etapa dos ensaios a perda abiótica foi menor que nos ensaios anteriores (aproximadamente 50%), provavelmente por volatilização. Esse percentual foi inferior ao determinado nos ensaios preliminares, tal fato provavelmente está 85 Ferreira, D.G. Resultados e Discussão relacionado à percolação e ao acúmulo do contaminante ao no fundo do sistema o que reduziu a volatilização dos hidrocarbonetos da gasolina. As Figuras 24 a 27 apresentam o perfil de distribuição do contaminante ao longo do tempo e da célula de ensaio em 4 diferentes profundidades para os ensaios EB-1, EB-2, EB-3 e EB-4. Analisando a Figura 24, nota-se que nos primeiros 7 dias do ensaio EB-1 a maior concentração de HTP se encontrava na superfície. Mas, com o decorrer do tempo, houve migração dos hidrocarbonetos, resultando no seu acumulo na parte mais inferior da coluna. A análise da concentração total de HTP ao longo do tempo indica que a remoção biológica do contaminante foi muito pequena. De modo distinto, o ensaio EB-2 apresentou outro perfil de distribuição (Figura 25), que sugere que o contaminante tenha percolado mais rapidamente, já que com 7 dias foi detectada a maior concentração de HTP na profundidade de 35 cm. Mas, analogamente ao ensaio EB-1, nessa condição a taxa de biodegradação foi baixa. Note-se que embora as concentrações residuais de HTP nos solos desses dois ensaios (EB-1 e EB-2) tenham sido inferiores a 50.000 mg/kg, a concentração final detectada no ensaio EB-2 superou em mais de 4.000 mg/kg a verificada no ensaio EB-1. As altas concentrações de HTP detectadas nesse ensaio podem estar relacionadas à limitação nutricional do solo, dificultando a biodegradação. Os ensaios EB-3 e EB-4 apresentaram o mesmo perfil de degradação do contaminante, havendo acúmulo de hidrocarbonetos na parte mais profunda da coluna desde os primeiros 7 dias (Figuras 26 e 27). Além disso, nessas condições houve um consumo de mais de 30.000 mg/kg de HTP, o que sugere que, nesses ensaios (EB-3 e EB-4) o consumo do contaminante pelos microrganismos tenha sido mais rápido, quando comparado aos ensaios EB-1 e EB-2. Diferentemente dos ensaios EB-1 e EB-2, os ensaios EB-3 e EB-4 foram bioestimulados, e possivelmente essa foi a causa do maior consumo de HTP, já que nos ensaios EB-3 e EB-4 detectou-se, ao final, cerca de 15.000 mg/kg, contra uma média de 46.000 mg/kg nos ensaios EB-1 e EB-2. 86 Ferreira, D.G. Resultados e Discussão As Figuras 24, 25, 26 e 27 apresentam diferenças grandes entre as ordens de grandeza dos valores reais obtidos nas análises, por isso seus resultados foram plotados na forma de logaritmo de base 10. Entretanto, a fim de facilitar a análise, os valores reais, respectivamente, estão expressos em mg/kg em cada barra presente nos gráficos. Figura 24 – Teor de HTP no ensaio EB-1 em diferentes profundidades ao longo de 60 dias. Condições do ensaio (%etanol; [P]; % de umidade): 0%;0ppm;20%. Figura 25 – Teor de HTP no ensaio EB-2 em diferentes profundidades ao longo de 60 dias. Condições do ensaio (%etanol; [P]; % de umidade): 25%;0ppm;20%. 87 Ferreira, D.G. Resultados e Discussão Figura 26 – Teor de HTP no ensaio EB-3 diferentes profundidades ao longo de 60 dias. Condições do ensaio (%etanol; [P]; % de umidade): 0%;50ppm;20% Figura 27 – Teor de HTP no ensaio EB-4 em diferentes profundidades ao longo de 60 dias. Condições do ensaio (%etanol; [P]; % de umidade): 25%;50ppm;20% 88 Ferreira, D.G. Resultados e Discussão Aparentemente, a presença de etanol no contaminante (ensaios EB-2 e EB-4) não interferiu na degradação de hidrocarbonetos da gasolina, mas acelerou sua percolação através da coluna de solo. Ao passo que, a variação da concentração de HTP, evidenciada ao longo da coluna, pode estar relacionada tanto à percolação do contaminante, quanto à sua degradação pelos microrganismos. As Figuras 28 a 33 apresentam os perfis de distribuição das bactérias hidrocarbonoclásticas pra os controles CEB-I e CEB-II, e ensaios EB-1, EB-2, EB-3 e EB-4, respectivamente. Nos diferentes ensaios, inicialmente, foi detectado um valor médio inicial de 104 NMP/g de solo, porém ao longo do ensaio a concentração celular variou em função tanto da condição e quanto do ponto de amostragem, inclusive podendo atingir concentrações iguais ou superiores a 1012 NMP/g de solo. É importante ressaltar que a técnica do NMP é um método estatístico, baseado em cálculos de probabilidade, que estima a população de bactérias cultiváveis dentro do um intervalo de confiança (ISSC, 2008). Sendo assim são feitas no máximo 10 diluições, podendo expressar o resultado em até 1012 NMP/g, os valores superiores a esse limite são expressos como >1012 NMP/g, evitando a extrapolação dos resultados o que pode resultar no fornecimento de resultados errôneos (ISSC, 2008). Na Figura 28 pode-se observar que a população de BHC, em solo livre de contaminação e sem a adição de nutrientes, aumentou ao longo do tempo, com variações em função da profundidade, atingindo valores superiores a 1012NMP/g de solo a partir do 21º dia. Esse aumento pode ser atribuído ao consumo da matéria orgânica advinda do bioaumento e aos ajustes de pH e umidade. Nesse ensaio a atividade dessa população microbiana foi similar na faixa de profundidade entre 15 e 45 cm durante os 28 primeiros dias. No entanto, nos sete dias subseqüentes, as populações das zonas mais superficiais foram mais ativas, e atingiram a concentração máxima detectada. 89 Ferreira, D.G. Resultados e Discussão Figura 28 – Variação da população de bactérias hidrocarbonoclásticas no controle CEB-I em diferentes profundidades de solo ao longo do tempo. Condições de ensaio: solo+ inóculo. No caso do controle CEB-II (Figura 29), a população de BHC rapidamente atinge seu valor máximo, que permanece inalterada até o fim do período de ensaio. Logo, a adição de fertilizante incentivou o metabolismo microbiano intensificando o crescimento dos microrganismos. Tal evidencia consolida a importância da adição de nutrientes nesse caso. A evolução da população de BHC para os ensaios EB-1 e EB-2 variou de acordo com a profundidade e o contaminante, isto é, gasolina sem e com adição de 25% de etanol, respectivamente (Figuras 30 e 31). A análise comparativa das figuras mostra que a adição de etanol à gasolina resultou em alterações na atividade das bactérias hidrocarbonoclásticas. 90 Ferreira, D.G. Resultados e Discussão Figura 29 – Variação da população de bactérias hidrocarbonoclásticas no controle CEB-II em diferentes profundidades de solo ao longo do tempo. Condições de ensaio: solo + inóculo + fertilizante Figura 30 – Variação da população de bactérias hidrocarbonoclásticas no ensaio EB-1 em diferentes profundidades de solo ao longo do tempo. Condições de ensaio: solo + inóculo + gasolina. 91 Ferreira, D.G. Resultados e Discussão No caso do ensaio EB-1 (Figura 30), o contaminante interferiu de modo diferenciado ao longo da coluna. É possível que esse efeito seja devido ao acúmulo de hidrocarbonetos voláteis em diferentes regiões, provocando a redução da população de bactérias hidrocarbonoclásticas. A atividade de BHC foi mais intensa na superfície e em 25 e 35 cm de profundidade, onde atingiu o limite de detecção aos 42, 49 e 56 dias, respectivamente. Todavia, para 15, 45 e 55 cm de profundidade, não foi excedido o limite de detecção em nenhum momento. Pelo contrário, as populações nessas zonas após aumentar de 3 a 4 ordens de grandeza, mantiveram-se nesse patamar durante todo o tempo. Quando o solo foi contaminado com a gasolina adicionada de 25% de etanol (ensaio EB-2), conforme ilustrado na Figura 31 foi observado um perfil bem diferente ao do EB-1. Figura 31 – Variação da população de bactérias hidrocarbonoclásticas no ensaio EB-2 em diferentes profundidades de solo ao longo do tempo. Condições de ensaio: solo + inóculo + gasolina (25% de etanol). 92 Ferreira, D.G. Resultados e Discussão Na primeira metade do tempo, se evidencia claramente dois grupos distintos. Nas zonas mais superficiais, até 25 cm, as BHC sofreram mais efeitos tóxicos que nos pontos de maior profundidade. Esse comportamento, possivelmente, se deve ao aumento da solubilidade dos hidrocarbonetos em água, cuja degradação criou uma atmosfera com mais hidrocarbonetos voláteis que atuaram negativamente sobre a população bacteriana (Corseuil et al., 1996; Corseuil & Fernades, 1999). Por outro lado, a presença do etanol permitiu que nos pontos de coleta mais profundos a população de BHC se desenvolvesse mais, provavelmente pela maior disponibilidade de fontes de carbono. A partir do 28º dia, não foi mais possível distinguir variação no comportamento das BHC nas diferentes regiões da coluna. Inclusive, há um aumento das populações de BHC nos pontos de coleta que no período anterior foram mais afetadas, atingindo o limite de detecção a partir do 49º dia de ensaio. Já para os pontos de profundidade de 15 cm em diante, a exceção da zona de maior profundidade, houve uma queda da concentração de BHC. No caso da amostragem feita em 35 cm, o decaimento foi de aproximadamente 3 ordens de grandeza e, posteriormente, a população se manteve nesse patamar. Em relação ao ensaio EB-3, a Figura 32 mostra que a atividade microbiana no solo contaminado, quando aplicado o bioestímulo, provocou uma ligeira queda da população de BHC nos períodos iniciais. Esse efeito indica que, diferentemente dos ensaios não bioestimulados, a fase de adaptação dos microrganismos ao contaminante foi mais extensa, perdurando por cerca de 20 dias. Nesse ponto, o crescimento da população de BHC é retomado, ultrapassando o limite de detecção a partir do 42º dia, em função do local de amostragem. Exceto na zona superficial do solo, a evolução do crescimento das BHC foi semelhante nas várias profundidades quando feito o bioestímulo. Na superfície, a população de BHC atingiu o seu máximo mais rapidamente, embora logo após tenha se seguido uma queda. Essa variação pode estar relacionada à maior disponibilidade de um determinado composto que, uma vez consumido, permite que a população volte ao equilíbrio. 93 Ferreira, D.G. Resultados e Discussão Figura 32 – Variação da população de bactérias hidrocarbonoclásticas no ensaio EB-3 em diferentes profundidades de solo ao longo do tempo. Condições de ensaio: solo + inóculo + gasolina + fertilizante. Pela análise da Figura 33, pode-se observar que o perfil da variação populacional referente ao ensaio EB-4 foi semelhante ao do ensaio EB-3 (Figura 32). No entanto, a presença de etanol acentuou a queda populacional que ocorre nos primeiros 15 dias. E, dessa vez, a atividade na superfície não foi diferenciada. Ademais, o etanol também retardou a biodegradação da gasolina nos pontos de maior profundidade. A análise comparativa dos resultados de concentração de HTP sugere que a biorremediação foi mais efetiva nos ensaios bioestimulados, uma vez que esses apresentaram as menores concentrações de HTP residual. Por outro lado, o etanol teve efeitos diferenciados, dependendo do caso. Sem o bioestímulo, a adição de etanol à gasolina incentivou o crescimento das BHC que atingiu o valor máximo em 94 Ferreira, D.G. Resultados e Discussão um menor intervalo de tempo (ensaio EB-2), enquanto em associação ao bioestímulo acentuou a redução populacional na fase de adaptação (ensaio EB-4). Figura 33 – Variação da população de bactérias hidrocarbonoclásticas no ensaio EB-4 em diferentes profundidades de solo ao longo do tempo. Condições de ensaio: solo + inóculo + gasolina (25% etanol) + fertilizante. A presença do etanol na gasolina não afetou a biodegradação da gasolina, uma vez que os valores de HTP residuais foram muito semelhantes entre os ensaios EB-1/EB-2 e EB-3/EB-4. Entretanto, o etanol intensificou a difusão do contaminante verticalmente no solo. Outros trabalhos na literatura verificaram que a gasolina adicionada de álcool tem uma maior velocidade de difusão, criando uma maior pluma de contaminação (Corseuil & Fernandes, 1999; Corseuil, Kaipper & Fernandes, 2004; Mackay, et al., 2006). 95 Ferreira, D.G. Resultados e Discussão Na presença de etanol, não houve variação da concentração de BHC em função da profundidade, desde a superfície até 60 cm abaixo. Em geral, ao final de 60 dias, foram atingidos os valores máximos de detecção pela técnica NMP nos diferentes níveis. Ao contrário, Fierrer e colaboradores (2003) verificaram uma redução superior a 50% na concentração de bactérias em níveis de mais de 50 cm de profundidade em solo natural. Essa discordância pode ser explicada pela homogeneidade do solo nas colunas, diferentemente do que ocorre em solos naturais. Destaca-se a distinção para a remoção do contaminante entre o processo de biorremediação realizado nos ensaios preliminares daqueles conduzido em colunas. Já os efeitos do etanol e do bioestímulo foram os mesmos, apesar da interferência negativa do álcool no crescimento inicial das bactérias hidrocarbonoclásticas no ensaio bioestimulado. Österreicher-Cunha e colaboradores (2004) corroboram que a contaminação do solo com gasolina aditivada tem efeito inibitório, reduzindo a população de bactérias em duas ordens de grandeza, enquanto que pela contaminação apenas com gasolina, a população se mantém inalterada. Embora nos ensaios tenha ocorrido a redução da concentração de HTP, principalmente nos ensaios EB-3 e EB-4, em nenhum deles essa concentração atingiu níveis inferiores a 5000 ppm. Logo, não pode-se considerar o tratamento concluído, com base na legislação holandesa (CETESB, 1999; CETESB, 2001), o que implicaria em prolongamento do tempo de tratamento ou a adoção de outras medidas a serem estudadas. Deve ainda ser considerado os valores de BTEX não determinados nesse estudo. 4.4. Isolamento e Identificação de Microrganismos A presença de microrganismos em solos, como discutido anteriormente, é ampla e diversa. Todavia, o isolamento de microrganismos provenientes dessas amostras nem sempre pode ser realizado. Um dos maiores desafios no isolamento microbiano é o cultivo das espécies in vitro, quer pela incompatibilidade metabólica, 96 Ferreira, D.G. Resultados e Discussão quer pela diferença entre as condições ambientais do cultivo em laboratório e as do ecossistema natural, que envolvem várias interações entre os microrganismos (Hill et al., 2000; Okamoto, Izawa & Yanase, 2003). Adicionalmente, a contaminação no ambiente provoca alterações na microbiota, inativando ou inibindo algumas espécies, ou estimulando mutações ou o crescimento de outras. Logo, atua na biodiversidade microbiana do ecossistema, restrito apenas as espécies tolerantes ao contaminante (Thompson et al., 1998). Nesse estudo foram isoladas cinco espécies das quais três a partir de amostras do solo in natura e duas a partir dos ensaios de biorremediação em coluna, independente da condição estudada. Ao longo do período de ensaios foram feitas diversas tentativas de isolar mais espécies, no entanto, com o meio de cultura utilizado só foi possível o isolamento dessas cinco culturas microbianas. Cabe ressaltar que apesar de só ter sido possível cultivar e isolar três culturas microbianas a partir do solo in natura não significa que essas sejam as únicas espécies presentes. Uma alternativa para o conhecimento dos microrganismos desse ecossistema seria a aplicação de métodos moleculares de estudo da diversidade (Hill et al., 2000; Kirk et al., 2004; Leckie, 2005; Liu et al., 2006). As três diferentes espécies isoladas a partir de várias amostragens do solo argiloso, cujas morfologias macroscópicas são mostradas no Quadro 12, foram: Staphylococcus saprophyticus, Bacillus megaterium, e Arthrobacter sp., o qual só foi possível classificar até o nível de gênero. Normalmente, as espécies do gênero Arthrobacter são de difícil identificação, devido à semelhança genética e à versatilidade seja metabólica seja estrutural. Portanto, a sua identificação por sequenciamento envolve procedimentos mais específicos, os quais não foram possíveis de realizar nesse trabalho (Comi, Cantoni & Cocolin, 2004; Hanbo et al., 2004). As três espécies isoladas do solo utilizado nesse estudo são comumente encontradas em amostras de solo e, inclusive já foram descritas pelo seu potencial para a degradação de compostos xenobióticos (Ilhan et al., 2004; Getenga et al., 2009; Lian et al., 2010; Oyeyola, 2010). 97 Ferreira, D.G. Resultados e Discussão Quadro 12 – Bactérias isoladas do solo in natura e de amostras dos ensaios de biorremediação Origem Solo Solo Ilustração da Colônia Identificação Arthrobacter sp. (99% de similaridade) Staphylococcus saprophyticus (99% de similaridade) Solo Bacillus megaterium (99% de similaridade) Ensaio Pseudomonas aeruginosa (99% de similaridade) Ensaio Pseudomonas putida (99% de similaridade) 98 Ferreira, D.G. Resultados e Discussão O gênero Arthrobacter engloba grande parte das espécies bacterianas cultiváveis obtidas do solo. Essas bactérias caracterizam-se pela capacidade de modificar sua composição e estrutura celular em resposta aos estímulos ambientais. Como já mencionado, as espécies desse gênero possuem grande versatilidade metabólica, atuando na decomposição de fontes de carbono complexas, inclusive compostos xenobióticos como, por exemplo, os pesticidas p-nitrofenol (PNP) e antrazina. Além da degradação de compostos recalcitrantes, algumas espécies desse gênero são capazes de reduzir os íons de cromo até formas menos tóxicas (Labana et al., 2005; Getenga et al., 2009). Assim como as espécies do gênero Arthrobacter, a espécie Bacillus megaterium também apresenta uma série de genes importantes para a biorremediação (Vary et al., 2007). Dentre as habilidades dessa espécie estão a degradação de hidrocarbonetos poliaromáticos (HPA), redução de íons cromo até formas menos tóxicas e resistência a metais pesados (Huang et al., 1999; McGrath & Singleton, 2000; Carmichael & Wong, 2001; Cheung & Gu, 2005; Cheung, Lai & Gu, 2006). No entanto, o maior destaque atribuído a essa espécie está relacionado ao seu potencial como promotor de crescimento vegetal. Nesse caso, o estímulo se dá pela simbiose com outras espécies microbianas, através da solubilização de íons, e no controle biológico (Pereira et al., 2008; Oyeyola, 2010). A espécie Staphylococcus saprophyticus também é uma integrante típica da microbiota do solo e possui potencial para a degradação de contaminantes químicos (Ilhan et al., 2004; Carvalho et al., 2009; Oyeyola, 2010). Essa espécie bacteriana já foi descrita pela sua capacidade de degradação de derivados do petróleo, com redução considerável da concentração de óleo diesel no solo, bem como pela redução do efeito tóxico do contaminante no solo (Carvalho et al., 2009). Além disso, Carvalho (2006) descreve a ação de S. saprophyticus, associado à quitosana, como uma excelente combinação para a remoção de metais traço e petróleo a partir de efluentes. Embora essas espécies apresentem potencial para a biorremediação de solos contaminados com hidrocarbonetos de petróleo, nenhuma delas foi isolada dos solos dos ensaios submetidos às diferentes condições de tratamento. Possivelmente isso se deve a uma alteração na dinâmica da comunidade microbiana provocada pela 99 Ferreira, D.G. Resultados e Discussão contaminação, o que favoreceu o desenvolvimento de outras espécies mais adaptadas e mais tolerantes ao contaminante. As modificações na comunidade microbiana são comuns sempre que há alguma alteração nas condições ambientais (Kozdrój & Elsas, 2001-A; Moreira & Siqueira, 2006). Nesse caso, as duas espécies cultiváveis, isoladas das amostras coletadas dos ensaios, pertenciam ao gênero Pseudomonas. Esse gênero é amplamente descrito no que concerne a degradação de petróleo e seus derivados (Raghavan & Vivekanandan, 1999; Iwamoto & Nasu, 2001; Rahman et al., 2002; Ron & Rosenberg, 2002; Chaerun et al., 2004; Das & Mukherjee, 2007; Cameotra & Singh, 2008; Miguel et al., 2009; Karamalidis et al., 2010; Singh & Fulekar, 2010). Sendo as espécies P. aeruginosa e a P. putida, isoladas a partir dos ensaios, as mais descritas para essa finalidade. A habilidade dessas espécies em degradar esses compostos está relacionada, principalmente, à versatilidade metabólica para o uso de diferentes fontes de carbono. Embora a produção de moléculas biossurfatantes e bioemulsificantes também induza a degradação química desses hidrocarbonetos (Mattick, Whitchunch & Alm, 1996; Loh & Cao, 2008). As características de catabolismo e anabolismo que permitem a degradação desses compostos xenobióticos, permitem que essas espécies degradem até mesmo os hidrocarbonetos voláteis (BTEX), que são considerados os mais tóxicos tanto para espécies microbianas quanto para animais (Shim & Yang, 1999; Lin, Cheng & Tsai, 2007). As espécies de Pseudomonas também são comuns em solos não contaminados, no entanto, nesse estudo, elas só foram detectadas depois de ocorrida a contaminação. A introdução da gasolina, provavelmente reduziu as demais populações, e dada as suas habilidades, essas espécies puderam se desenvolver até se tornarem predominantes e serem as únicas espécies cultiváveis a serem detectadas. O isolamento de apenas duas espécies não significa que apenas elas tenham sido as responsáveis pela degradação. Outras bactérias com capacidade de degradar hidrocarbonetos da gasolina sejam elas cultiváveis ou não também deviam estar presentes, contudo em função da sua concentração no momento da amostragem não foi possível a sua detecção. 100 Ferreira, D.G. Conclusões 5. CONCLUSÕES Neste estudo foi demonstrada a presença de microrganismos reconhecidamente degradadores de hidrocarbonetos de petróleo (HTP) em solo sem histórico de contaminação. Contudo, a remoção da gasolina só foi efetiva quando realizado o bioaumento com microrganismos, oriundos do próprio solo, metabolicamente ativos e previamente adaptados ao contaminante; O melhoramento das condições nutricionais do solo, pela bioestimulação com fonte de fósforo, foi fundamental para a obtenção de maiores índices de remoção do contaminante; As concentrações de bactérias heterotróficas totais cultiváveis e bactérias hidrocarbonoclásticas, bem como a concentração residual de hidrocarbonetos no solo variou de acordo com o teor de umidade (20 e 40%) e com a condição nutricional do solo (sem e com fertilizante), independentemente do teor de etanol (0 a 25%); A análise estatística do processo de biorremediação indica que a concentração de nutrientes é um fator significativo pra a realização do processo, enquanto que o etanol não pode ser considerado como um fator significativo, embora possa afetar a degradação microbiana dos hidrocarbonetos da gasolina; A análise ecotóxica do solo tratado, através de ensaios com anelídeos da espécie Eisenia fetida, foi importante para estabelecer a toxicidade dos compostos residuais no solo, mesmo quando a concentração de hidrocarbonetos totais de petróleo (HTP) estava abaixo do limite aceitável pela legislação; A análise comparativa da biorremediação da gasolina em solo em diferentes escalas demonstrou a importância de se avaliar o processo simulando as condições mais próximas das de campo; 101 Ferreira, D.G. Conclusões Independente da escala, o bioaumento foi fundamental para obter a redução da concentração de gasolina no solo. Em maior escala, mesmo na presença qualitativa e quantitativa de microrganismos degradadores, a redução do teor de hidrocarbonetos do petróleo até níveis aceitáveis depende de um maior período de tratamento; A umidade é um fator que influencia na percolação da gasolina pelo solo; sem ajuste de umidade, o Latossolo absorve superficialmente todo o contaminante impedindo a sua percolação; O Latossolo saturado (40% de umidade) tem a sua permeabilidade reduzida, impedindo que o contaminante penetre através do solo; O solo com cerca de 20% de umidade permite a percolação da gasolina por 60 cm, o que, possivelmente, no meio ambiente, resultaria em uma contaminação mais profunda podendo atingir as águas subterrâneas; O etanol interfere na distribuição vertical da gasolina no solo, uma vez que permite que o contaminante aditivado atinja maiores profundidades em um intervalo de tempo menor comparativamente a gasolina não aditivada; A avaliação da biorremediação em diferentes profundidades mostrou que a bioestimulação promove um crescimento constante das bactérias hidrocarbonoclásticas ao longo do tempo, com um perfil bem delineado. Enquanto que na condição nutricional natural do solo a concentração celular varia de acordo com a profundidade e com o tempo; Independente da escala em que a biorremediação foi estudada, os melhores resultados foram obtidos quando o solo foi bioestimulado com 50 mg/kg de fertilizante N:P:K (4:14:8), independente da concentração de etanol (0 a 25%) presente na gasolina; O processo de biorremediação pode ser utilizado como uma alternativa para o tratamento de áreas contaminadas com gasolina. No entanto, o tempo necessário 102 Ferreira, D.G. Conclusões para reduzir a concentração do contaminante até níveis aceitáveis é determinado pela proporção da contaminação no ecossistema e das condições ambientais do mesmo; O solo sem histórico de contaminação por combustíveis fósseis e derivados podem apresentar bactérias com potencial de degradação de hidrocarbonetos de petróleo, como Arthrobacter sp., Staphylococcus saprophyticus e Bacillus megaterium; A introdução, artificial, do contaminante reduz a concentração de microrganismos no solo e seleciona as populações com mecanismos de sobrevivência eficientes e com potencial de degradação do contaminante; Os microrganismos, após a contaminação, se adaptam a nova condição e iniciam a fase desenvolvimento tendendo a aumentar o tamanho da população de bactérias potencialmente degradadoras; 103 Ferreira, D.G. Referências Bibliográficas 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS • Acosta-Martínez, V.; Cruz, L.; Sotomayor-Ramirez, D.; Pérez-Alegría. 2007. 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