UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
DOUGLAS GUEDES FERREIRA
Biorremediação de Solo Argiloso Contaminado com Gasolina Aditivada
com Diferentes Teores de Etanol
RIO DE JANEIRO
2010
DOUGLAS GUEDES FERREIRA
Biorremediação de Solo Argiloso Contaminado com Gasolina Aditivada
com Diferentes Teores de Etanol
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-graduação em Tecnologia
dos Processos Químicos e Bioquímicos,
Escola de Química, Universidade Federal do
Rio de Janeiro, como requisito parcial para a
obtenção do Título de mestre em Ciências
Orientação: Prof. Dra. Eliana Flávia Camporese Sérvulo
Prof. Dra. Denise Dias de Carvalho
RIO DE JANEIRO
2010
F383b
Ferreira, Douglas Guedes
Biorremediação de Solo Argiloso Contaminado com Gasolina Aditivada com
Diferentes Teores de Etanol/ Douglas Guedes Ferreira. - 2010
xx, 113 f.: il.
Dissertação (Mestrado em Tecnologia dos Processos Químicos e
Bioquímicos) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Escola de Química, Rio
de Janeiro, 2010.
Orientadoras: Eliana Flávia Camporese Sérvulo e Denise Dias de Carvalho.
1. Solo Argiloso. 2. Gasolina. 3. Biorremediação. – Teses. I. Sérvulo, Eliana
Flávia Camporese (Orient.). II. Carvalho, Denise Dias (Orient.). III. Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Programa de Pós-graduação em Tecnologia dos
Processos Químicos e Bioquímicos, Escola de Química. IV. Título.
CCD 363.7
AGRADECIMENTOS
Gostaria de agradecer:
• À Deus pela sua iluminação e conforto até mesmo nos momentos mais difíceis;
• Aos meus pais, em especial ao meu pai que hoje é um exemplo de serenidade e
sabedoria que me permite encontrar o equilíbrio mesmo nos momentos mais
turbulentos;
• À Professora Eliana que foi muito mais que uma orientadora durante toda a nossa
convivência, emprestando seus ombros e ouvidos como uma grande amiga e
ainda o colo confortável de uma mãe amorosa;
• À Professora Denise pela colaboração;
• À Dra Márcia e toda a equipe do Laboratório de Biocorrosão e Biodegradação,
Instituto Nacional de Tecnologia (Ana, Luciana, Mariana, Miriam e Viviane), que
permitiram a realização deste trabalho tanto pelo fornecimento do espaço físico
quanto pela ajuda na realização dos ensaios;
• À equipe do Laboratório de Microbiologia Industrial pela amizade e contribuição,
principalmente a Juliana e Kally por compartilhar dos momentos de aflição;
• À equipe do Laboratório de Tecnologia Ambiental pela colaboração na realização
desse trabalho, principalmente as técnicas Suzana e Verônica;
• À equipe do Laboratório de Geotecnia/COPPE pela colaboração na realização
desse trabalho, principalmente a Dra Alcione Chagas;
• Às minhas amigas de faculdade que me permitem compreender que mesmo com
a vida atribulada ainda é possível manter os laços de amizade, em especial a
Aline, Andreza, Carol B., Carol K., Juliana, Patrícia e Tatiana;
• À minha amiga Fernanda por muitas vezes ser meus olhos, ouvidos e
consciência;
• Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e à
PETRORAS pelo fornecimento de bolsa e todo o suporte financeiro para a
realização desse trabalho;
• E, à todos aqueles que participaram de forma direta ou indireta para que eu
alcançasse esse meu objetivo.
“Qualquer coisa que você fizer na
vida será insignificante, mas é muito
importante que você o faça”
Mahatma Ghandi
RESUMO
O solo é um ecossistema rico em biodiversidade, entretanto as atividades
antrópicas ameaçam a dinâmica e até mesmo a permanência das espécies de
microrganismos, animais e vegetais que compõem esse bioma. O uso intensivo do
petróleo e seus derivados podem ser apontados como uma das origens dessa
ameaça ambiental. Dentre os derivados do petróleo, a gasolina se destaca pela
geração de efeitos agressivos ao meio ambiente e à saúde humana. No caso da
gasolina brasileira ainda existe um agravante, pois a legislação nacional determina
que a gasolina comercial contenha 25% (v/v) de etanol. Essa adição aumenta a
solubilidade da gasolina em água permitindo a maior difusão do contaminante, e, por
conseguinte aumentando a área contaminada. Desse modo, há a necessidade de se
aplicar métodos de tratamento nas áreas afetadas pela contaminação. As opções de
tratamento incluem técnicas físico-químicas e/ou biológicas, contudo as técnicas
biológicas são, em geral apresentam custos inferiores às técnicas físico-químicas e,
ainda, possuem maior aceitabilidade por parte da sociedade e agências reguladoras.
Por isso, este estudo dividiu-se em duas partes, a primeira foi realizada em
microcosmos e teve por finalidade avaliar as condições nutricionais e de umidade na
biorremediação da gasolina em solo argiloso, bem como verificar se a variação no
percentual de etanol na gasolina interfere no processo de biorremediação. Já a
segunda parte foi realizada em colunas cilíndricas de 60 cm de comprimento e 10
cm de raio visando verificar a realização do processo em diferentes profundidades
de solo. Os resultados obtidos na primeira etapa indicaram que o teor de etanol
testado (25%) não interfere no processo de biorremediação, por outro lado, o ajuste
do solo para 50 ppm de fósforo permitiu a remoção de mais 50% do contaminante
nos ensaios. Baseado nisso, verificou-se que o maior teor de umidade (40%)
colabora para a maior eficiência do processo. Na segunda etapa, o etanol também
não interferiu na biorremediação, entretanto permitiu que o contaminante atingisse o
fundo da coluna em um menor intervalo de tempo. A degradação do contaminante
foi irrisória no solo sem ajuste de nutrientes, enquanto que nos ensaios com ajuste
de 50 ppm de fósforo foi possível remover cerca de 70% do contaminante. Esses
dados indicam que a biorremediação pode ser aplicada no tratamento de solos
contaminados com gasolina, que introdução de nutrientes é crucial para isso, e
também pôde-se observar que a presença do etanol não interfere nesse processo.
ABSTRACT
Soil is an ecosystem rich in biodiversity, however human activities threaten the
dynamic and even the permanence of microorganisms, animals and plants species
which compose this biome. The intensive use of oil and its derivatives are one of the
causes these environmental threats. Among the petroleum, gasoline promotes
harmful effects to the environment and human health. Additionally, the Brazilian
gasoline still has an aggravating, because the legislation provides that the
commercial gasoline contains 25% (v / v) ethanol. This addition increases the water
solubility of gasoline and allows greater diffusion of the contaminant, therefore
increases the contaminated area. So, it’s necessary to apply treatment methods in
the areas affected by contamination. Treatment options include physico-chemical
techniques and / or biological, but biological techniques have generally lower costs
than physico-chemical techniques, and also have greater acceptance by society and
regulator agency. Therefore, this study was divided into two parts, the first one was
performed in microcosms and aimed to evaluate the nutritional status and moisture
for gasoline bioremediation in clay soil and verify if the variation in the ethanol
percentage in gasoline interfere in bioremediation process. The second part was
performed in cylindrical columns with 60 cm long and 10 cm in radius in order to
verify the completion of the process in different soil depths. The results obtained in
the first stage indicated that the concentration of ethanol tested (25%) did not
interfere in bioremediation process, however, adjusting the soil to 50 ppm of
phosphorus allowed the removal of over 50% of the contaminant in the assays.
Based on that, it was found that the higher moisture content (40%) contributes to
greater efficiency. In the second stage, ethanol also did not interfere in
bioremediation, however allowed the contaminant to reach the bottom of the column
in a shorter time interval. The degradation of the contaminant was negligible in the
soil of nutrients without adjustment, while tests with adjustment of 50 ppm of
phosphorus was possible to remove about 70% of the contaminant. These data
indicate that bioremediation can be applied in the treatment of soils contaminated
with gasoline, the introduction of nutrients is crucial for this, and could also be
observed that the presence of ethanol does not interfere in this process.
LISTA DE FIGURAS
PÁGINA
Figura 1 – Representação dos cinco horizontes de um solo completo
18
Figura 2 – Classificação textural dos solos segundo departamento de
20
agricultura dos Estados Unidos da América, 1993
Figura 3 – Distribuição dos argissolos e dos latossolos no território
21
brasileiro
Figura 4 – Processo de refino do petróleo e as reações de transformação
27
dos produtos da destilação
Figura 5 – Principais fontes poluidoras do estado de São Paulo
32
Figura 6 – Causas da poluição por postos de combustíveis na cidade de
33
São Paulo
Figuras 7 – Principais combustíveis contaminantes do solo no estado de
33
São Paulo
Figura 8 – Local de coleta do solo argiloso
43
Figura 9 – Ilustração do reator usado no ensaio de diversidade
52
microbiana
Figura 10 – Testes de percolação do contaminante feitos em coluna
53
(Úmido: 20% de umidade; saturado: 40%)
Figura 11 – Placa multipoço usada para a estimativa da concentração de
55
bactérias hidrocarbonoclásticas pela técnica do número mais provável
Figura 12 – Ciclo usado na reação de PCR (“polymerase chain reaction”)
57
para a identificação de culturas isoladas
Figura 13 - Avaliação da ecotoxicidade
60
Figura 14 - Constituição granulométrica do solo argiloso utilizado
61
Figura 15 – Teores finais de hdrocarbonetos totais do petróleo, expressos
69
em valores médios, para a biorremediação de latossolo contaminado com
10% (m/m) de gasolina em diferentes condições de etanol, fertilizante e
umidade.
Figura
16
–
Concentrações
inicial
e
final
de
bactérias
73
hidrocarbonoclásticas para biorremediação de solo contaminado com
gasolina nas diferentes condições ensaiadas usando solo úmido.
Figura
17
–
Concentrações
inicial
e
final
de
bactérias
hidrocarbonoclásticas para biorremediação de solo contaminado com
gasolina nas diferentes condições ensaiadas usando solo saturado.
74
Figura 18 – Comparação entre o percentual de remoção de HTP e a
76
variação da concentração de BHC nos ensaios do planejamento fatorial
(Quadros 5 e 6).
Figura 19 – Percentual de mortalidade de minhocas nos ensaios do
79
planejamento fatorial
Figura 20 – Diagrama de Pareto mostrando a contribuição das variáveis
82
estudadas na remoção de hidrocarbonetos totais do petróleo
Figura 21 – Diagrama de Pareto mostrando a contribuição das variáveis
82
estudadas para o crescimento das bactérias hidrocarbonoclásticas
Figura 22 – Diagrama de Pareto mostrando a contribuição das variáveis
83
estudadas na mortalidade de minhocas (Eisenia fetida)
Figura 23 – Gráfico das Médias relacionando a mortalidade de minhocas
84
e a concentração de fósforo, com base na umidade (úmido-20%;
saturado-40%)
Figura 24 – Teor de hidrocarbonetos totais do petróleo no ensaio EB-1
87
em diferentes profundidades ao longo de 60 dias
Figura 25 – Teor de hidrocarbonetos totais do petróleo no ensaio EB-2
87
em diferentes profundidades ao longo de 60 dias
Figura 26 – Teor de hidrocarbonetos totais do petróleo no ensaio EB-3
88
diferentes profundidades ao longo de 60 dias
Figura 27 – Teor de hidrocarbonetos totais do petróleo no ensaio EB-4
88
em diferentes profundidades ao longo de 60 dias
Figura 28 – Variação da população de bactérias hidrocarbonoclásticas no
90
controle CEB-I em diferentes profundidades de solo ao longo do tempo.
Figura 29 – Variação da população de bactérias hidrocarbonoclásticas no
91
controle CEB-II em diferentes profundidades de solo ao longo do tempo
Figura 30 – Variação da população de bactérias hidrocarbonoclásticas no
91
ensaio EB-1 em diferentes profundidades de solo ao longo do tempo.
Figura 31 – Variação da população de bactérias hidrocarbonoclásticas no
92
ensaio EB-2 em diferentes profundidades de solo ao longo do tempo.
Figura 32 – Variação da população de bactérias hidrocarbonoclásticas no
94
ensaio EB-3 em diferentes profundidades de solo ao longo do tempo.
Figura 33 – Variação da população de bactérias hidrocarbonoclásticas no
ensaio EB-4 em diferentes profundidades de solo ao longo do tempo
95
LISTA DE QUADROS
PÁGINA
Quadro 1 – Distribuição de microrganismos em várias profundidades do
22
solo
Quadro 2 – Frações típicas do petróleo
26
Quadro 3 - Componentes da gasolina identificados por Solid Phase
29
Microextraction (SPME)
Quadro 4 – Parâmetros analisados para caracterização do solo
46
Quadro 5 – Quadro 5 – Matriz do Planejamento Fatorial 22 em Solo com
49
20% de umidade
Quadro 6 – Matriz do Planejamento Fatorial 22 em Solo com 40% de
49
umidade
Quadro 7 – Matriz dos ensaios controles realizados
50
Quadro 8 – Matriz do Ensaio de Biorremediação em Coluna
52
Quadro 9 – Concentração final dos reagentes na reação de PCR
57
Quadro 10 – Características físico-químicas do solo
64
Quadro 11 – Características físico-químicas e microbiológicas do solo
67
corrigido
Quadro 12 – Bactérias isoladas do solo in natura e de amostras dos
ensaios de biorremediação
98
SUMÁRIO
PÁGINA
1. INTRODUÇÃO E OBJETIVOS
12
2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
16
2.1. Solo
16
2.1.1. Formação do Solo
16
2.1.2. Características do Solo
18
2.1.3. Solo Brasileiro
21
2.1.4. Microbiologia do Solo
22
2.1.4.1. Fatores que Afetam a Microbiota do Solo
23
2.2. Petróleo e Derivados
25
2.2.1. Gasolina
28
2.2.2. Mistura Gasolina/Álcool
30
2.3. Contaminação dos Solos
31
2.4. Tratamento de Solos Contaminados
34
2.4.1. Biorremediação
35
2.4.1.1. Fatores que Afetam a Biorremediação
37
2.4.1.2. Avaliação da toxicidade do solo
40
2.5. Ferramentas Estatísticas
41
3. MATERIAL E MÉTODOS
43
3.1. Solo
43
3.2. Combustíveis
44
3.3. Fertilizante
44
3.4. Ajuste do pH do Solo
44
3.5. Preparo do Inóculo
45
3.6. Detalhamento dos Ensaios de Biorremediação
46
3.6.1. Caracterização do Solo
46
3.6.2. Ensaios de Biorremediação em Mocrocosmos
47
3.6.3. Avaliação da Biorremediação em Colunas
51
3.7. Análises Quantitativas
54
3.7.1. Análises Microbiológicas
54
3.7.1.1. Quantificação das Bactérias Heterotróficas Cultiváveis Totais
54
3.7.1.2. Quantificação das Bactérias Hidrocarbonoclásticas Cultiváveis
54
3.7.1.3. Métodos Moleculares
55
3.7.1.3.1. Extração de DNA
56
3.7.1.3.2. PCR (“polymerase chain reaction”)
56
3.7.1.3.3. Seqüenciamento das Culturas Isoladas
58
3.8. Análises Físico-Químicas
58
3.8.1. pH (potencial de Hidrogênio)
58
3.8.2. Teor de Umidade Total
58
3.8.3. Teor de Hidrocarbonetos Totais do Petróleo (TPH)
59
3.9. Análise de Ecotoxicidade
59
3.9.1. Teste de mortalidade de Minhocas
59
3.10. Análise Estatística
60
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO
61
4.1. Solo
61
4.2. Avaliação de Parâmetros para a Biorremediação da Gasolina
67
4.2.1. Análise Estatística do Planejamento Fatorial
80
4.3. Ensaio de Biorremediação em Colunas
85
4.4. Isolamento e Identificação de Microrganismos
96
5. CONCLUSÕES
101
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
104
Ferreira, D.G.
Introdução e Objetivos
1. INTRODUÇÃO E OBJETIVOS
A superfície do planeta Terra é composta por três camadas distintas, que são a
atmosfera, hidrosfera e litosfera. Essas camadas consistem, respectivamente, na
camada de ar que envolve a superfície do planeta, e nos ecossistemas aquáticos e
terrestres. Por sua vez, a associação dessas três camadas permite a existência de vida,
representada por seres humanos, animais, vegetais e microrganismos, que juntos
compõem a biosfera (Oliveira, 2008).
A biosfera varia com o ambiente. Por exemplo, o solo é um ecossistema rico em
biodiversidade, em grande parte composta por microrganismos. Por outro lado, a
dinâmica dessas espécies microbianas autóctones pode ser alterada artificialmente por
atividades antrópicas, principalmente, em conseqüência do desenvolvimento dos
centros urbanos e dos setores industriais. As atividades humanas têm provocado a
poluição do meio ambiente, de modo crescente e descontrolado, particularmente pela
circulação da elevada frota de veículos automotores.
Um levantamento realizado na cidade de São Paulo mostrou que os postos de
combustíveis são as maiores fontes de poluição, sobretudo através de vazamentos em
tanques de armazenamento e em tubulações (CETESB, 2005; CETESB, 2006). No
caso dos vazamentos nos tanques de armazenamento de combustíveis, 72% dos
registros foram atribuídos ao derramamento de gasolina, seguidos pelo óleo diesel
(19%) e etanol combustível (2%). Esses dados, obviamente, são decorrentes da grande
circulação de veículos nos grandes centros urbanos, da maior frota de veículos movidos
a gasolina, e do tempo de vida útil dos tanques de armazenamento, de
aproximadamente 30 anos, já ter expirado (CETESB, 2005).
Os
vazamentos
de
gasolina
apresentam
grande
importância,
poisos
hidrocarbonetos que compõem esse combustível provocam impactos graves ao meio
ambiente e à saúde humana (Corseuil & Fernandes, 1999; Niven, 2005).
A gasolina é uma mistura complexa de hidrocarbonetos, que pode variar de
acordo com a composição do óleo de origem e dos aditivos adicionados para a
comercialização. Em geral, os hidrocarbonetos que compõem esse combustível
12
Ferreira, D.G.
Introdução e Objetivos
apresentam cadeias de estrutura variável que possuem de 4 a 12 átomos de carbono
(Harris, Whiticar & Eek, 1999). Dentre os hidrocarbonetos, destacam-se os compostos
aromáticos voláteis benzeno, tolueno, etilbenzeno e os isômeros orto-, para- e metaxileno (BTEX), pela sua elevada toxicidade à saúde humana atuando como, por
exemplo,
depressores
do
sistema
nervoso
central,
agentes
mutagênicos
e
carcinogênicos. Além disso, em relação aos demais hidrocarbonetos presentes na
gasolina, os BTEX apresentam maior solubilidade em água, o que permite que, em
casos de vazamento, esses compostos possam não só ser nocivos as atividades no
solo, mas também comprometer a potabilidade das águas subterrâneas (Corseuil &
Fernandes, 1999; Niven, 2005).
No caso da gasolina comercializada no território nacional, a presença de 25%
etanol (Art. 1º, Resolução CIMA, nº37 de 27/06/2007) tem sido motivo de preocupação
para os órgãos ambientais. Isto se deve a solubilidade do etanol em água que, pelo
fenômeno de co-solvência, poderia agir como uma ponte para a solubilização dos
hidrocarbonetos. Dessa forma a presença do álcool permitiria que, em casos de
vazamento, o contaminante se alastrasse mais, atingido uma maior área de solo e,
inclusive, que maiores concentrações alcançassem as águas subterrâneas (Corseuil &
Fernandes, 1999; Niven, 2005).
Portanto, no caso de ocorrerem acidentes seja por vazamentos de tanques de
armazenamento de gasolina ou pelo seu transporte é imprescindível que sejam
definidas estratégias para a remediação da área impactada, de modo a conter o
contaminante e tentar reconstituir a condição natural da área afetada (Riser-Roberts,
1998).
Algumas técnicas já foram desenvolvidas para o tratamento de áreas
contaminadas por petróleo e seus derivados. Dentre essas, as técnicas físico-químicas,
que envolvem o emprego de substâncias químicas e fatores físicos como, por exemplo,
temperatura e pressão, são de uso freqüente devido à grande eficiência e ao curto
período de tratamento. Porém, além do alto custo, esses tratamentos apresentam
inconvenientes, como a geração de grandes volumes de rejeitos contaminados (águas
13
Ferreira, D.G.
Introdução e Objetivos
e solventes), e risco de poluição atmosférica através da volatilização de alguns
compostos (Riser-Roberts, 1998; Khan, Husain & Ramzi, 2004).
Uma alternativa aos métodos físico-químicos são os métodos biológicos que
consistem na aplicação de organismos vivos capazes de atuar na remoção do
contaminante. Os tratamentos biológicos também apresentam grande eficiência, em
geral, são menos onerosos e possuem maior aceitabilidade por parte da sociedade e
agências reguladoras. Entretanto, também possuem desvantagens como tempo maior,
a dependência de condições ambientais e a especificidade do processo (Riser-Roberts,
1998; Iwamoto & Nasu, 2001; Khan, Husain & Ramzi, 2004).
A biorremediação é um exemplo de tratamento biológico que se baseia na
capacidade dos microrganismos de modificar ou decompor o contaminante. Essa
técnica, diferentemente das técnicas físico-químicas, pode permitir como benefício
máximo a mineralização do contaminante (Riser-Roberts, 1998; Khan, Husain & Ramzi,
2004).
Nos solos, a biorremediação da área contaminada, pode ser efetuada pela ação
dos microrganismos autóctones que, dependendo do caso, pode ser estimulada pela
introdução de nutrientes (bioestimulação). Além disso, quando a concentração de
microrganismos é baixa ou a microbiota nativa não é capaz de degradar os compostos
xenobióticos, pode ser feita a introdução no solo de microrganismos com potencial
degradador (bioaumento), a fim de aumentar a remoção do contaminante (Bento et al.,
2005; Olaniram, Pillay & Pillay, 2006; Serrano et al., 2007; Stucki et al., 2007).
A aplicação da biorremediação no tratamento de ecossistemas contaminados com
gasolina já foi alvo de alguns estudos (Corseuil et al., 1996; Phelps & Young, 1999;
Yerushalmi, Manuel & Guiot, 1999; Barbaro & Barker, 2000; Kao & Wang, 2000;
Solano-Serena et al., 2000; Rahman et al., 2002; Silva & Alvarez, 2002; Landmeyer &
Bradley, 2003; Ghazali et al., 2004; Nardi et al., 2005; Tiburtius, Peralta-Zamora &
Emmel, 2005; Baldwin, Nakatsu & Nies, 2007; Dou et al., 2007). No entanto, poucos
trabalhos deram ênfase ao papel e aos efeitos da presença de álcool em associação a
adição de fertilizante no processo. As informações disponíveis na literatura indicam que
a presença de álcool na gasolina resulta no aumento dos danos ao ambiente e interfere
14
Ferreira, D.G.
Introdução e Objetivos
negativamente na atividade microbiana (Corseuil et al., 1996; Österreicher-Cunha et al.,
2004; Niven, 2005; Österreicher-Cunha et al., 2007; Österreicher-Cunha et al., 2009).
Ademais, não há registros sobre os efeitos da variação da concentração de etanol na
gasolina, tampouco registros relacionados à interferência das condições nutricionais ou
de umidade. Nesse contexto, e considerando a relevância da contaminação dos solos
urbanos com combustíveis, é fundamental conhecer as possíveis implicações da
interação do contaminante com o ecossistema.
Este estudo teve como objetivo principal a avaliação do processo de
biorremediação da gasolina, aditivada ou não com etanol anidro, em solo argiloso, em
função da condição nutricional, da umidade do solo e da profundidade do solo. Para
tanto, foram delineados os seguintes objetivos específicos:
ƒ Caracterizar o solo quanto aos seus aspectos físico-químicos e microbiológicos;
ƒ Realizar ensaios em microcosmos, baseados em um planejamento fatorial, para
verificar a significância da umidade, da concentração de etanol na gasolina e do
bioestímulo no processo de biorremediação da gasolina;
ƒ Determinar o efeito da adição e da concentração de etanol (0, 12,5 e 25%) à
gasolina no processo de biorremediação, através do planejamento fatorial;
ƒ Estimar a influência da condição nutricional do solo na degradação dos
hidrocarbonetos do petróleo pelo ajuste da concentração de fósforo para 25 e 50
ppm, através do planejamento fatorial;
ƒ Avaliar a toxicidade do solo após a biorremediação, nos ensaios de microcosmos,
utilizando anelídeos da espécie Eisenia fetida;
ƒ Realizar ensaios em colunas para avaliar o efeito da concentração de etanol na
gasolina e da umidade do solo na percolação do contaminante no solo;
15
Ferreira, D.G.
Revisão Bibliográfica
2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
2.1. Solo
Segundo a Pedologia*, o solo pode ser definido como um corpo natural
resultante da ação conjunta de vários processos pedogenéticos quer biológicos quer
ambientais, que se constituem nos fatores de formação do solo (Jenny, 1994;
Oliveira, 2008).
2.1.1. Formação do Solo
Em geral, a formação e a evolução do solo ocorrem através da ação de quatro
fatores de formação: material de origem; clima; relevo; e seres vivos (Oliveira, 2008).
O solo tem sua origem nas rochas presentes na litosfera, do grego, lithos, que
significa pedra, basicamente formada por três grandes grupos de rochas:
magmáticas; metamórficas; e sedimentares (Oliveira, 2008).
As rochas magmáticas são resultado do resfriamento e da consolidação do
magma, enquanto que as rochas sedimentares se originam da compactação dos
sedimentos. Já, a formação das rochas metamórficas ocorre a partir da ação da
temperatura e da pressão atmosférica sobre as rochas sedimentares e magmáticas
(Amaral & Leinz, 2001).
Esses três tipos de rocha apresentam composição elementar semelhante, em
geral, compostos por: oxigênio (62,6%), silício (22,1%), alumínio (6,5%), sódio
(2,6%), ferro (1,9%), cálcio (1,9%), magnésio (1,4%) e potássio (1%) (Oliveira,
2008).
Na superfície, as rochas ficam expostas a uma série de fatores ambientais bióticos (ação dos seres vivos) e abióticos (ação de interações químicas e de
agentes climáticos) - que provocam o desgaste e o enfraquecimento das rochas.
Esse fenômeno é denominado intemperismo, e pode ser classificado como químico,
físico ou biológico de acordo com o seu agente promotor (Gordon & Dorn, 2005;
Turkington, Phillips & Campbell, 2005; Oliveira, 2008). Ademais, o grau de
intemperismo possibilita a formação de diferentes tipos de solo.
* Pedologia – ciência que estuda o solo.
16
Ferreira, D.G.
Revisão Bibliográfica
Na formação do solo, o clima e o relevo agem de maneira integrada, e
interferem diretamente na ocorrência e na velocidade dos fenômenos, uma vez que
estão relacionados a dinâmica e ao escoamento da água no solo, a incidência da
radiação solar na sua superfície, e conseqüentemente, na temperatura do solo
(Oliveira, 2008). Como a radiação solar atinge apenas a superfície do solo, é nela
onde ocorrem as maiores variações de temperatura. Entretanto, com o aumento da
profundidade, a temperatura tende a diminuir até um ponto de isotermia, que em
solos da região intertropical ocorre a partir da faixa entre 50 e 100 cm (Oliveira,
2008).
Os seres vivos – flora, fauna e microbiota – colaboram diretamente no processo
de formação do solo, seja em sua superfície ou em seu interior. Particularmente, a
microbiota nativa através dos microrganismos autotróficos atuam desde os estágios
iniciais do intemperismo, com a secreção de produtos do seu metabolismo capazes
de dissolver sais e outros nutrientes inorgânicos da rocha matriz. A esfoliação das
rochas por esses agentes químicos promove o acúmulo de partículas sobre a rocha
matriz, que formam a camada superficial do solo. Ao longo do tempo, essa camada
superficial se expande e a matéria orgânica presente, oriunda principalmente dos
microrganismos, viabiliza que outros seres possam se desenvolver. Assim,
microrganismos heterotróficos, animais e vegetais, dão continuidade ao processo de
formação e evolução do solo.
A evolução do solo também está envolvida no aumento da espessura dessa
camada superficial, afastando cada vez mais a rocha matriz da superfície do solo. E
entre a superfície do solo e a rocha matriz são formadas camadas de solo
denominadas de horizontes que diferem, entre si, em composição e em grau de
intemperismo (Oliveira, 2008). O número de horizontes varia com o tipo e o estágio
de evolução do solo, uma vez que o processo evolutivo do solo é ininterrupto e,
portanto, estando em constante transformação e sujeito a ação dos fatores de
formação (Oliveira, 2008).
Genericamente, um solo com o seu processo de formação concluído apresenta
cinco diferentes horizontes (O, A, B, C e R), como mostra a Figura 1 (EMBRAPA,
1988). Ressalta-se que a separação entre os horizontes não é abrupta, mas sim
gradativa. Assim, é possível observar regiões intermediárias que apresentam
características mistas tanto na camada superior quanto na inferior.
17
Ferreira, D.G.
Revisão Bibliográfica
Em paralelo às ações naturais, as atividades antrópicas, tais como a
agricultura, o desmatamento, o reflorestamento, as construções e a poluição
também estão envolvidas no processo de transformação e evolução do solo
(Oliveira, 2008).
Fonte: Adaptação de http://www.dct.uminho.pt/pnpg/gloss/gifs/perfil_ampl.jpg; Oliveira (2008).
Figura 1 – Representação dos cinco horizontes de um solo completo.
2.1.2. Características do Solo
O solo se divide basicamente em três fases: líquida (água e solução do solo),
gasosa (vapor d’água, CO2, O2, NH3 e outros gases) e sólida (partículas de solo e
seres vivos). As fases líquida e gasosa são complementares e ocupam os espaços
vazios formados entre os sólidos (Prevedello, 1996).
A água ao penetrar no solo dissolve alguns dos componentes químicos nele
presentes, formando uma solução constituída de diferentes íons como, por exemplo,
NO3-, H2PO4-, SO42-, Cl-, Na+, K+, Ca2+, H+ e NH4+. Essa solução recebe o nome de
solução do solo. A composição química da solução do solo, bem como o grau de
intemperismo
conferem
ao
solo
diferentes
características,
principalmente
relacionadas à consistência, textura, porosidade, permeabilidade e coloração
(Oliveira, 2008).
18
Ferreira, D.G.
Revisão Bibliográfica
A consistência é o aspecto tátil que o solo assume baseado nas interações das
partículas (forças de coesão) entre si e com a solução do solo (forças de adesão).
Por isso, a consistência pode variar de acordo com a umidade, composição química
e tamanho das partículas do solo (Lodi, 2007).
O tamanho das partículas de solo também interfere na textura do solo, sendo
as principais partículas àquelas com tamanho inferior a 2 mm (areia, silte e argila).
No solo, essas partículas se arranjam formando espaços “vazios”, que se constituem
nos poros do solo. O tamanho dos poros é variável, distinguindo-se em macro e
microporos. Os macroporos são importantes para a aeração e infiltração da água no
solo, já os microporos estão relacionados com o armazenamento da água no solo.
Para os poros de tamanhos intermediários, atribui-se a condução dos gases e da
água no solo (Oliveira, 2008).
A proporção das partículas de areia, silte e argila é adotada para classificação
dos solos em três grandes grupos: arenoso, siltuoso e argiloso. No entanto, classes
intermediárias também podem ser encontradas como ilustra a Figura 2
(Departamento de Agricultura dos EUA, 1993).
Na escala textural, as partículas de areia são as maiores (2,0 a 0,05 mm) e se
compõem, principalmente, por materiais resistentes ao intemperismo como, por
exemplo, quartzo e dióxido de titânio (TiO2). Em geral, essas partículas apresentam
superfície específica reduzida e fracas interações de coesão e adesão. Por conta do
seu tamanho e das interações químicas, os solos com alto teor de areia apresentam
alta permeabilidade e porosidade (CETESB, 2001; Oliveira, 2008).
Já as partículas de silte, com diâmetro entre 0,05 e 0,002 mm, são constituídas
tanto por materiais resistentes (dióxido de titânio e quartzo), quanto por materiais
sensíveis ao intemperismo (feldspatos, micas, anfibólios e outros minerais
primários). As partículas de silte apresentam fortes interações entre si, o que faz
com que, em comparação com as partículas de areia, apresentem menor
permeabilidade e maior capacidade de retenção de água (CETESB, 2001; Oliveira,
2008).
19
Ferreira, D.G.
Revisão Bibliográfica
Clay – Argila
Sand – Areia
Silt – Silte
Loam – Franco
Percent - Percentual
Fonte: http://media-2.web.britannica.com/eb-media/21/24021-004-3F055051.gif;
(Departamento de Agricultura dos EUA, 1993).
Figura 2 – Classificação textural dos solos.
Comparativamente, a argila é a partícula de menor tamanho, com diâmetro
inferior a 0,002 mm, e, portanto, grande superfície específica (CETESB, 2001;
Oliveira, 2008). Também apresentam carga iônica pela presença óxidos de ferro e
de alumínio. Em relação à areia e ao silte, a argila é a que possui a maior
capacidade de interagir com íons e reter água.
Os solos podem apresentar diversas colorações que dependem da proporção
dos compostos químicos neles presentes. Por exemplo, a existência de altas
concentrações de óxidos de ferro e/ou alumínio no solo confere a ele colorações que
variam do amarelo ao vermelho. Já óxidos de manganês causam o enegrecimento
do solo, enquanto o carbonato de cálcio gera o seu branqueamento. Por outro lado,
a presença de material orgânico confere ao solo uma coloração mais escura
(EMBRAPA, 1999). Considerando que a concentração dos compostos químicos
varia no solo, este pode apresentar diferentes matizes (EMBRAPA, 1999; Oliveira,
2008).
20
Ferreira, D.G.
Revisão Bibliográfica
2.1.3. Solo Brasileiro
No Brasil há predomínio de duas classes de solos argilosos - Latossolos e os
Argissolos (Oliveira, 2008) - cuja distribuição pode ser observada na Figura 3. Essas
duas classes de solo se subdividem em diversos tipos que se distinguem quanto as
constituições química, granulométrica e estrutural. As denominações desses solos,
normalmente, estão relacionadas a estrutura, coloração e textura, como, por
exemplo, Argissolo amarelo distrófico arênico (EMBRAPA, 1999).
Argissolo
Latossolo
Fonte: Adaptação de http://www.dcs.ufla.br/Cerrados
Figura 3 – Distribuição dos Argissolos e dos Latossolos no território brasileiro.
Os Latossolos ocupam mais de 50% da extensão do território nacional e
caracterizam-se pelo avançado estágio de intemperismo e reduzida reserva de
nutrientes. Enquanto que os Argissolos recobrem pouco mais de 30% do solo
nacional, e se caracterizam pela presença de uma camada mineral subsuperficial
com característica franco-arenosa imediatamente abaixo ao horizonte A (Santos et
al., 2006).
21
Ferreira, D.G.
Revisão Bibliográfica
2.1.4. Microbiologia do Solo
Em geral, o solo é um ecossistema composto por um elevado número de
organismos, com predominância de microrganismos em termos quantitativos e em
diversidade de espécies (Moreira & Siqueira, 2006). A microbiota autóctone dos
solos engloba seres procariotos (Archaeas e Bactérias) e eucariotos (Fungos,
Microalgas e Protozoários).
A atividade biológica é mais intensa na camada superficial do solo (até cerca de
20 cm de profundidade), pois nessa camada encontra-se um maior acúmulo de
nutrientes, que resultam da deposição de materiais vegetais e animais (Madigan,
Martinko & Parker, 2004; Moreira & Siqueira, 2006). A variação qualitativa e
quantitativa das populações microbianas encontradas nas diferentes camadas de
solo pode ser observada no Quadro 1.
Quadro 1 – Distribuição de microrganismos em várias profundidades do solo
Microrganismos por grama de solo
Profundidade
Bactérias
Aeróbicas
Bactérias
Anaeróbicas
Actinomicetos
Fungos
Algas*
3-8
7,8 x 106
2,0 x 106
2,1 x 106
1,2 x 105
2,5 x 104
20-25
1,8 x 106
3,8 x 105
2, 5 x 105
5,0 x 104
5 x 103
35-40
4,72 x 105
9,8 x 104
4,9 x 104
1,4 x 104
5 x 102
65-75
1,0 x 102
1 x 103
5 x 103
6 x 103
1 x 102
135-145
1,0 x 101
4 x 102
-
3 x 102
-
*Inclui as cianobactérias
Fonte: Moreira & Siqueira (2006).
Os microrganismos têm papel de destaque no processo de formação do solo.
No entanto, uma vez o solo formado, os microrganismos continuam participando
ativamente de fenômenos como decomposição de matéria orgânica, produção de
húmus, ciclagem de nutrientes e de energia, decomposição de compostos
xenobióticos e no controle biológico de pragas e doenças (Riser-Roberts, 1998;
Madigan, Martinko & Parker, 2004). Em geral, essas atividades são realizadas pela
interação das diferentes espécies microbianas em comunidades, o que torna o solo
um ecossistema rico em biodiversidade. Todavia, a biodiversidade é pouco
22
Ferreira, D.G.
Revisão Bibliográfica
conhecida devido a uma série de limitações metodológicas, tais como, a
heterogeneidade espacial, a adesão dos microrganismos na matriz do solo ou nos
tecidos vegetais, a similaridade morfológica dos microrganismos, as ambigüidades
nas chaves taxonômicas e a dificuldade do cultivo in vitro de várias espécies pela
impossibilidade de se reproduzir as condições nutricionais e ambientais de cada
micronicho (Hill et al., 2000; Kirk et al., 2004). Além da importância de conhecer as
espécies que compõem a biodiversidade do solo há também um grande interesse no
potencial biotecnológico dessas espécies, principalmente naquelas capazes de
degradar compostos xenobióticos.
Os estudos iniciais foram feitos baseados em métodos fenotípicos que, devido
à pequena quantidade de microrganismos cultiváveis e à semelhança na estrutura e
na composição celular, mostraram-se pouco representativos (Hill et al., 2000; Kirk et
al., 2004). Todavia, os avanços tecnológicos e científicos permitiram que atualmente
diversas metodologias possam ser aplicadas para o estudo da dinâmica e da
biodiversidade dos mais variados ecossistemas, baseadas nas características dos
microrganismos, quer fenotípicas quer genotípicas (Hill et al., 2000; Kirk et al., 2004;
Leckie, 2005; Liu et al., 2006). Como exemplos, as técnicas moleculares, que
embora apresentem algumas desvantagens para estudos da biodiversidade em
solos, ainda são mais fidedignas e representativas do que as técnicas baseadas em
cultivos in vitro (Wolk, Mitchell & Patel, 2001; Kirk et al., 2004).
Alguns autores já conseguiram mostrar que, no solo, há uma grande e intensa
dinâmica populacional microbiana estimulada por diversos fatores ambientais, como
estresse nutricional, variações de pH, distribuição de gases, quantidade de água e
variações de temperatura (Degens et al., 2001; Insam, 2001; Moreira & Siqueira,
2006).
2.1.4.1. Fatores que Afetam a Microbiota do Solo
Em geral, o solo contém uma ampla diversidade de compostos orgânicos e
inorgânicos, cujas concentrações variam de acordo com o tipo e as características
do solo. Naturalmente, a matéria orgânica presente no solo origina-se de resíduos
de plantas, animais e microrganismos, no entanto em alguns casos de contaminação
também podem ser encontrados compostos xenoióticos.
23
Ferreira, D.G.
Revisão Bibliográfica
No solo, a matéria orgânica é formada basicamente por resíduos de plantas,
animais e microrganismos e, em casos de contaminação, por compostos
xenobióticos. A distribuição da matéria orgânica varia, e sua degradação depende
das propriedades químicas, físicas e biológicas dos micro-habitats, bem como da
disponibilidade desses compostos à degradação (Moreira & Siqueira, 2006). A baixa
concentração de nutrientes no solo pode ser um fator limitante para o metabolismo
microbiano, interferindo na síntese de energia, na divisão celular, na mobilidade e
até nas relações simbióticas (Moreira & Siqueira, 2006).
Além da disponibilidade de nutrientes, o pH é um dos fatores essenciais para a
atividade microbiana. A maioria dos solos apresenta valor de pH na faixa entre 4,0 e
8,5. Os horizontes superficiais dos solos, em regiões de clima úmido, tendem a ser
mais ácidos devido à lixiviação dos compostos formados pela decomposição da
matéria orgânica. Por outro lado, em regiões de clima seco, o solo tende a
apresentar um caráter alcalino (Moreira & Siqueira, 2006).
A diversidade metabólica dos microrganismos permite que fungos e bactérias
apresentem pH ótimo desde extremamente ácido até extremamente básico. No
entanto, de forma genérica, o pH ideal para o metabolismo fúngico é ligeiramente
ácido, em torno de 5,0, enquanto que as bactérias são mais adaptadas a valores
próximos a neutralidade, variando de 6 a 8 (Madigan, Martinko & Parker, 2004).
No solo, as variações de pH podem afetar a fisiologia dos microrganismos
autóctones por: desnaturação de proteínas estruturais e enzimas, desestabilização
da membrana e canais de troca iônica, disponibilidade de íons, e aumento da
toxicidade de alguns compostos iônicos, principalmente àqueles contendo alumínio,
ferro e manganês (Moreira & Siqueira, 2006).
Outra limitação para o metabolismo microbiano é a disponibilidade de oxigênio.
A disponibilidade de oxigênio está diretamente relacionada com a umidade do solo
posto que os gases ocupam os espaços não ocupados pela água, o que por sua vez
contribui para a sua solubilização na solução do solo. A solubilização do oxigênio é
um dos pontos críticos, no caso dos solos mais úmidos, pois a solubilidade dos
gases em água geralmente é baixa e depende do tipo de gás, da temperatura, da
concentração de sais e da pressão local (Moreira & Siqueira, 2006).
24
Ferreira, D.G.
Revisão Bibliográfica
A disponibilidade de oxigênio determina o tipo de metabolismo que irá ocorrer
no solo. O metabolismo aeróbico é mais vantajoso, pois resulta na mineralização da
matéria orgânica e na geração de maior quantidade de energia. No entanto,
considerando a baixa disponibilidade de oxigênio no solo, o metabolismo anaeróbio
poderá ser o mais recorrente (Moreira & Siqueira, 2006). Neste caso, haverá
predomínio dos microrganismos anaeróbios e facultativos se desenvolvendo em
condição de anaerobiose, cujo metabolismo é mais lento, e pode levar à formação
de compostos nocivos como gás sulfídrico, nitrito, etc.
Ademais, independentemente do tipo de metabolismo, a velocidade das
reações metabólicas é dependente da temperatura. O solo com cobertura vegetal
pode ser considerado um isolante térmico. Nos 5 cm superficiais, a temperatura
varia de 15 a 18°C, mas com o aumento da profundidade tende reduzir de 1 a 2°C a
partir dos 30 cm de profundidade, até atingir um ponto de isotermia.
Em geral, a temperatura ótima para a atividade de microrganismos mesófilos se
situa na faixa entre 25 e 30°C, embora ainda sejam capazes de manter o seu
metabolismo ativo em temperaturas um pouco acima ou abaixo dessa faixa de modo
mais lento (Madigan, Martinko & Parker, 2004; Moreira & Siqueira, 2006).
A diminuição da temperatura reduz a atividade microbiana, principalmente, pelo
enfraquecimento das ligações entre as proteínas, o que compromete a fluidez da
membrana celular e, por conseguinte, a entrada de nutrientes e saída dos produtos
do metabolismo. Por outro lado, o aumento da temperatura provoca a desnaturação
das proteínas celulares (enzimas) inviabilizando as reações metabólicas (Madigan,
Martinko & Parker, 2004; Moreira & Siqueira, 2006).
2.2. Petróleo e Derivados
O petróleo é um combustível fóssil composto predominantemente por uma
mistura complexa de hidrocarbonetos distinguindo-se em: parafínicos normais,
parafínicos ramificados, parafinicos cíclicos (naftênicos), aromáticos, e resinas e
asfaltenos (Corrêa, 2003; Thomas, 2004).
No estado líquido, o petróleo é uma substância oleosa, inflamável, menos
densa que a água, com cheiro característico e cor variando entre o negro e o
25
Ferreira, D.G.
Revisão Bibliográfica
castanho-claro. Apesar de sua composição química variar em função do
reservatório, os diferentes tipos de petróleo apresentam semelhanças na análise
elementar, sendo constituídos (%m/m) de: carbono (83-87); hidrogênio (11-14);
enxofre (0,06-8); nitrogênio (0,11-1,7); oxigênio (0,1-2); e metais (até 0,3).
Como mostrado no Quadro 2, os derivados de petróleo são obtidos através de
destilação do petróleo em frações de diferentes pontos de ebulição.
Quadro 2 – Frações típicas do petróleo
Temperatura de
Ebulição (oC)
Composição
aproximadamente
Aplicações
Até 40
C1 – C2
C3 – C4
gás combustível engarrafado, uso
doméstico e industrial.
Gasolina
40 – 175
C5 – C10
combustível de automóveis,
solvente.
Querosene
175 – 235
C11 – C12
iluminação, combustível de
aviões a jato.
Gasóleo leve
235 – 305
C13 – C17
diesel, fornos.
Gasóleo pesado
305 – 400
C18 – C25
combustível, matéria-prima para
lubrificantes
Lubrificantes
400 – 510
C26 – C38
óleos lubrificantes.
Acima de 510
C38+
asfalto, piche,
impermeabilizantes.
Fração
Gás residual
Gás Liquefeito de
Petróleo – GLP
Resíduo
Fonte: Thomas, 2004
Após a destilação, as frações são submetidas a alguns processos químicos de
síntese, como a alquilação e a reforma catalítica, e de craqueamento, conforme
apresentado na Figura 4. Os processos químicos têm por objetivo modificar as
frações sem interesse econômico para gerar produtos de alto valor agregado como
combustíveis veiculares, na forma de querosene de aviação, gasolina, óleo diesel, e
combustíveis industriais, como propano e butano, e ainda na fabricação de
borrachas, lubrificantes e asfalto (Thomas, 2004).
Dentre os combustíveis derivados do petróleo, a gasolina é a mais importante
dentro dos centros urbanos, uma vez que grande parte dos veículos que circulam
nas cidades é movido à gasolina.
26
Ferreira, D.G.
Revisão Bibliográfica
Fonte: Adaptação de http://www.galpenergia.com
Figura 4 – Processo de refino do petróleo e as reações de transformação dos produtos da
destilação.
27
Ferreira, D.G.
Revisão Bibliográfica
2.2.1. Gasolina
A gasolina, um dos principais derivados do petróleo utilizados no cotidiano dos
habitantes das cidades, é basicamente composta por hidrocarbonetos que possuem
uma
cadeia
carbônica
relativamente
pequena,
quando
comparada
aos
hidrocarbonetos constituintes do óleo bruto e do óleo diesel.
Os hidrocarbonetos da gasolina diferem entre si quanto ao tamanho (com 4 a
12 átomos de carbono) e à estrutura das cadeias, que se distinguem em: abertas,
cíclicas e aromáticas. As variações de tamanho e estrutura da cadeia definem as
propriedades físico-químicas e, portanto, a qualidade do combustível. No Quadro 3
estão discriminados alguns dos diferentes hidrocarbonetos constituintes da gasolina.
As duas características de maior interesse no uso da gasolina como
combustível são o ponto de ebulição e o índice de auto-detonação (ou octanagem)
dos hidrocarbonetos nela presentes. O primeiro pode variar desde temperaturas
ambientes, em torno de 30ºC, até temperaturas elevadas, acima dos 200ºC.
Enquanto que o segundo varia de 40 a 101, estando, em geral, próximo a 85. Como
o índice de auto-detonação é relativamente baixo, pode-se elevá-lo pela introdução
de substâncias com maior poder de detonação, denominadas aditivos (Cruz, 2003).
No Brasil, desde a década de 1970, a gasolina é aditivada com etanol anidro
em substituição ao chumbo tetraetila, com o intuito de reduzir a emissão de
poluentes e aumentar a qualidade do combustível (Corseuil & Fernandes, 1999;
Niven, 2005). Atualmente, toda a gasolina comercializada em território nacional
recebe a adição de 25% de etanol anidro, por determinação da legislação (CIMA,
nº37; Lei 10.203/2001).
A gasolina é um combustível relativamente estável capaz de preservar as suas
características por até seis meses se estocada em condições apropriadas. A
deterioração do combustível ocorre quando há a precipitação de compostos
formados pela reação entre os hidrocarbonetos insaturados e íons de cobre, que
constituem os reservatórios de combustível (Hamilton, 1995).
28
Ferreira, D.G.
Revisão Bibliográfica
Quadro 3 – Componentes da gasolina identificados por Solid
Phase Microextraction (SPME)
Nome Químico
Propano
2,2-dimetilhexano
Isobutano
Tolueno
n-Butano
2,3,4-trimetilpentano
trans-2-buteno
3-metilheptano
cis-2-buteno
2-metilheptano
3-metil-1-buteno
n-octano
Isopentano
2,4,4-trimetilhexano
1-penteno
2,2-dimetilheptano
2-metil-1-buteno
Etilbenzeno
2-metil-1,3-butadieno
p-xileno
n-pentano
m-xileno
Trans-2-penteno
3,3,4- trimetilhexano
2-metil-2-buteno
o-xileno
2-metil-1,2-butadieno
2,2,4-trimetilheptano
3,3-dimetilbutano
n-nonano
Ciclopentano
3,3,5-trimetilheptano
3-metil-1-penteno
n-propilmenzeno
2,3-dimetilbutano
2,3,4-trimetilheptano
2-metilpentano
1,3,5-trimetilbenzeno
3-metilpentano
1,2,4-trimetilbenzeno
n-hexano
n-decano
Metilciclopentano
Metilpropilbenzeno
2,2-dimetilpentano
Dimetilbenzeno
Benzeno
n-undecano
Ciclohexano
1,2,4,5-tetrametilbenzeno
2,3-dimetilpentano
1,2,3,4-tetrametilbenzeno
3-metilhexano
1,2,4-trimetil-5-etilbenzeno
3-etilpentano
1,2,3,4-trimetiletilbenzeno
n-heptano
n-dodecano
2,2,4-trimetilpentano
Naftaleno
Metilciclohexano
Metilnaftaleno
Fonte: Harris, Whiticar & Eek, 1999.
29
Ferreira, D.G.
Revisão Bibliográfica
Alguns dos hidrocarbonetos constituintes da gasolina apresentam baixos
pontos de ebulição, podendo passar para a fase gasosa à temperatura ambiente.
Além da perda de parte do combustível, a volatilização gera poluição atmosférica.
Os hidrocarbonetos voláteis mais importantes são conhecidos pela sigla BTEX, que
é o acrônimo de benzeno, tolueno, etilbenzeno e xileno (Corseuil & Fernandes,
1999; Niven, 2005).
Os compostos BTEX são nocivos à saúde humana pelo seu potencial
mutagênico e carcinogênico. Esses compostos penetram pela mucosa nasal,
atingindo o sistema nervoso central (SNC) e a medula óssea vermelha. A curto
prazo, a exposição a altas concentrações causa enjôos, alucinações e perda de
consciência, e a longo prazo pode provocar leucemia e lesões irreparáveis ao SNC,
fígado e rins (Corseuil & Fernandes, 1999; Niven, 2005; Durmusoglu, Taspinar &
Karademir, 2010).
A transferência dos BTEX para a fase gasosa pode ser potencializada pela
presença de alcoóis. Nesse caso, a gasolina brasileira pelo seu conteúdo de etanol
aumenta as chances de volatilização desses compostos e, conseqüentemente,
aumenta os danos à saúde humana (Corseuil & Fernandes, 1999; Niven, 2005).
2.2.2. Mistura Gasolina/Álcool
Desde o início do emprego de gasolina como combustível automotor houve
adição de compostos com o propósito de elevar a sua octanagem. Inicialmente,
utilizavam-se compostos altamente agressivos ao meio ambiente como o chumbo
tetra-etila. Com os avanços tecnológicos e a ampliação da consciência ambiental,
foram desenvolvidas novas formas para aumento da octanagem.
Atualmente, em vários países e no Brasil, o chumbo tetra-etila não é mais
aplicado. Em substituição adiciona-se o etanol, que individualmente apresenta um
índice de octanagem de 110. A adição de etanol à gasolina permite a
comercialização do combustível com índices de octanagem entre 87 e 95 (Santos &
Peixoto, 2008).
O uso da mistura etanol e gasolina ao invés da gasolina pura também contribui
para a redução na emissão de poluentes. Isto porque além da queima de menor
30
Ferreira, D.G.
Revisão Bibliográfica
quantidade do combustível fóssil que gera vários compostos, muitos dos quais
poluentes como o monóxido de carbono (CO) e óxidos de enxofre (SOx) e nitrogênio
(NOx), a combustão do etanol é completa com formação de CO2 e água.
Em decorrência dos grandes impactos ambientais pelo uso de combustíveis
fósseis, somados a impossibilidade da sua renovação, várias pesquisas estão sendo
desenvolvidas para a otimização de processos de obtenção de biocombustíveis. O
etanol combustível é uma alternativa técnica e economicamente viável em uso
desde a década de 1970 (Corseuil & Fernandes, 1999; Niven, 2005; Santos &
Peixoto, 2008).
Comercialmente, o etanol usado como combustível e como aditivo da gasolina
é produzido pela fermentação alcoólica do caldo da cana-de-açúcar. Em geral, a
fermentação do caldo da cana é realizada pela levedura Saccharomyces cerevisiae.
O mosto fermentado é destilado e comercializado na forma hidratada (92,6%, v/v)
quando usado como combustível, ou na sua forma anidra (99,3% v/v) quando usado
como aditivo da gasolina.
Cabe enfatizar que apesar das vantagens citadas para a adição de etanol à
gasolina, isto pode trazer conseqüências sérias ao meio ambiente. O etanol, além de
aumentar a capacidade de volatilização dos BTEX, pode aumentar a solubilidade
dos hidrocarbonetos da gasolina em água. Logo, em caso de derrames, irá ocorrer
maior difusão do contaminante na área impactada, com grande risco de atingir as
águas subterrâneas (Corseuil & Fernandes, 1999; Niven, 2005).
2.3. Contaminação dos Solos
É comum a aplicação de conceitos errôneos no que concerne a contaminação
dos solos. Há uma tendência a aplicar os conceitos de poluição e contaminação
como sinônimos. Contudo, segundo Nass (2002) a poluição é um termo abrangente,
que consiste em qualquer alteração causada por atividades antrópicas que
provoquem danos ao meio ambiente. Por outro lado, a contaminação é mais
restritiva e se refere exclusivamente à introdução de compostos nocivos à saúde
humana e ao ambiente (Nass, 2002). Portanto, acidentes ambientais envolvendo
petróleo e seus derivados, são considerados como contaminantes.
31
Ferreira, D.G.
Revisão Bibliográfica
Segundo o relatório da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo
(CETESB, 2006), os postos de combustíveis são as principais fontes de
contaminação dos solos, como mostra a Figura 5.
Indústria
15%
Comércial
6%
Resíduo
4%
Acidentes
1%
Posto de combustível
74%
Desconhecida
0%
Fonte: CETESB (2006).
Figura 5 – Principais Fontes de Contaminação do Estado de São Paulo.
Os acidentes relacionados aos postos de combustíveis têm inúmeras causas,
conforme ilustra a Figura 6. Nesses acidentes, o combustível mais recorrente foi a
gasolina, como pode ser observado na Figura 7 (CETESB, 2005). E, esses dados,
possivelmente, são decorrentes da maior frota de veículos movidos a gasolina e do
maior potencial corrosivo desse combustível em relação aos demais.
A maioria desses acidentes ocorreu pela deterioração dos tanques de
armazenamento de combustíveis, pois a validade desses reservatórios é de no
máximo 30 anos e grande parte dos postos de combustíveis foi construídos na
década de 1970. E, a fim de evitar esses danos ambientais a legislação se tornou
mais restritiva em relação à construção dos reservatórios de combustíveis.
Atualmente a construção e a instalação dos reservatórios de combustíveis
devem seguir as orientações da resolução CONAMA no 273, que prevê, inclusive,
que o postos de revenda de combustíveis obrigatoriamente sejam licenciados e
fiscalizados periodicamente pelas agências reguladoras. Além de determinar que os
reservatórios possuam diversos mecanismos para evitar vazamentos, como parede
32
Ferreira, D.G.
Revisão Bibliográfica
dupla (NBR 13785) com a parte externa não metálica, válvulas de controle e câmara
de contenção
.
Tubulações do Não Tanque
Identificada
4%
1%
Postos Desativados
3%
Passivo Ambiental
18%
Outros
5%
Descarte
6%
Extravazamento
8%
Caixa Separadora
1%
Tubulação
17%
Bomba
4%
Tanque
33%
Fonte: CETESB (2005).
Figura 6 – Causas da poluição por postos de combustíveis na cidade de São Paulo.
Resíduo
2%
Óleo Lubrificante
1%
Não Identificado
2%
GNV
2%
Diesel
19%
Álcool
2%
Gasolina
72%
Fonte: CETESB (2006).
Figura 7 – Principais Combustíveis Contaminantes do Solo no Estado de São Paulo.
33
Ferreira, D.G.
Revisão Bibliográfica
No entanto, mesmo com o aumento das medidas para evitar os acidentes, a
sua ocorrência em alguns casos é inevitável, sendo necessária a realização de
ações corretivas que possam, inicialmente, impedir a propagação do dano, e
posteriormente restabelecer o equilíbrio da área afetada, bem como as suas
condições naturais (Dias & Mello, 1998).
2.4. Tratamento de Solos Contaminados com Hidrocarbonetos
O tratamento das áreas contaminadas envolve a identificação da fonte de
contaminação e da extensão da área atingida, o conhecimento das características
da área e dos contaminantes envolvidos, e informações quanto à legislação
aplicável (Riser-Roberts, 1998; Khan, Husain & Ramzi, 2004).
As diversas técnicas para o tratamento de áreas impactadas com compostos
xenobióticos se dividem em processos físico-químicos e processos biológicos. Em
alguns casos, inclusive, pode ser feita a combinação de duas ou mais técnicas a fim
de se obter o melhor resultado possível.
Independente do processo em que o tratamento é conduzido, a remediação
pode ocorrer no local onde o processo será conduzido (in situ), ou pode ser feita a
remoção do material contaminado para uma área externa onde o tratamento será
efetuado (ex situ). Sendo que na maioria dos casos de tratamento ex situ o material
removido é devolvido ao local de origem (Riser-Roberts, 1998; Khan, Husain &
Ramzi, 2004).
A principal vantagem do tratamento in situ é que o material contaminado não
precisa ser transportado, o que reduz os custos. Porém, tem como desvantagens a
necessidade de adequação das condições do local contaminado e o elevado tempo
necessário para que ocorra a descontaminação. Por outro lado, as tecnologias ex
situ são realizadas em menor prazo uma vez que permitem estabelecer as
condições ideais para a atividade microbiana. Entretanto, faz-se necessária a prévia
remoção do material contaminante, implicando na escavação do local contaminado e
o transporte de todo o material coletado até a área de tratamento (Baptista, 2003).
Existem diversas técnicas físico-químicas para a remediação das áreas
contaminadas, mas no que concerne às áreas contaminadas com gasolina
34
Ferreira, D.G.
Revisão Bibliográfica
destacam-se o tratamento térmico que consiste no aquecimento do solo
transferindo o contaminante para a fase gasosa, a extração de vapores por um
sistema de sucção à vácuo instalado em poços no local contaminado e o air
stripping que se baseia na injeção de ar na área contaminada, favorecendo a
transferência dos compostos voláteis para a fase gasosa que em seguida são
coletados por um sistema de coleta de gases. (Riser-Roberts, 1998; Iwamoto &
Nasu, 2001; Baird, 2002; Khan, Husain & Ramzi, 2004).
Essas
três
técnicas
são
potencialmente
eficientes
na
remoção
dos
contaminantes voláteis, contudo se não forem instalados equipamentos de captação
dos compostos voláteis gerados pode haver a promoção da poluição atmosférica
pela transferência do contaminante para a atmosfera.
Uma estratégia interessante para o tratamento de áreas contaminadas com
eficiência equivalente aos métodos físico-químicos, em geral, de menor custo e
maior aceitabilidade pelos órgãos ambientais e pela sociedade são os processos
biológicos. Esses se baseiam no uso de seres vivos para a remoção do
contaminante. No caso do organismo aplicado para a remoção do contaminante ser
uma planta, o processo é denominado fitorremediação, já quando são utilizados
microrganismos o processo recebe o nome de biorremediação (Riser-Roberts, 1998;
Iwamoto & Nasu, 2001; Khan, Husain & Ramzi, 2004).
2.4.1. Biorremediação
O conceito de biorremediação pode sofrer pequenas alterações de acordo com
o autor, no entanto de uma forma geral é um processo que se baseia em reações
químicas realizadas por microrganismos, em condições aeróbias e/ou anaeróbias,
sobre compostos estranhos ao ambiente natural. Essa ação microbiana é capaz de
modificar ou decompor o composto original em formas mais simples, atóxicas ou
menos tóxicas, sendo a mineralização do contaminante o benefício máximo
alcançado nesse processo (Riser-Roberts, 1998; Del’Arco, 1999; Semple, Reid &
Fermor, 2001)
Esse processo pode ocorrer naturalmente pela ação dos microrganismos
autóctones, processo denominado atenuação natural. No entanto, em geral, os solos
apresentam limitações nutricionais que submetem os microrganismos a condições
35
Ferreira, D.G.
Revisão Bibliográfica
estarvantes, o que reduz a eficácia da biorremediação por atenuação natural.
Nesses casos o solo pode receber a introdução de nutrientes, como fontes de
nitrogênio e fósforo que ao estimular o metabolismo microbiano, contribuirão para o
aumento das chances de sucesso do tratamento, e principalmente oxigênio para
favorecer
a
atividade
dos
microrganismos
aeróbicos.
A
estimulação
dos
microrganismos pela introdução de fontes nutricionais é denominada bioestimulação
(Serrano et al., 2007; Stucki et al., 2007).
Contudo, em algumas situações a melhora nas condições nutricionais do solo
não é suficiente para atingir os resultados esperados. Por exemplo, quando
inexistem microrganismos hábeis em atuar na modificação e decomposição dos
compostos xenobióticos ou seu número é muito baixo. Então, torna-se necessário
realizar a introdução de microrganismos endógenos, processo conhecido como
bioaumento (Bento et al., 2005; Olaniram, Pillay & Pillay, 2006; Serrano et al., 2007;
Stucki et al., 2007).
Existem diversas tecnologias de biorremediação, sendo o bioslurry, biosparging
e o bioslurping as mais adequadas no tratamento em casos de contaminação com
gasolina. Essas três metodologias se baseiam na introdução de nutrientes para a
estimulação do metabolismo microbiano, variando em relação a forma de condução
do processo e os nutrientes aplicados.
O bioslurry é uma tecnologia ex situ que utiliza um reator contendo o material a
ser tratado misturado a uma grande quantidade de água acrescida de nutrientes,
formando uma espécie de pasta, e no caso do tratamento de voláteis há também um
sistema de introdução e captação de gases acoplado ao reator (Banerji et al., 1995).
Por outro lado o biosparging é uma tecnologia in situ que consiste na união de
duas metodologias, o bioventing (introdução de oxigênio para a estimulação do
metabolismo aeróbio) e o air sparging (introdução de ar no solo para a remoção dos
compostos voláteis), dessa forma essa metodologia permite, através da injeção de
fontes de nutrientes e oxigênio no solo, a remoção dos contaminantes voláteis e não
voláteis (EPA, 1994).
Assim como o biosparging, o bioslurping também é uma tecnologia in situ
baseada na associação do bioventing com metodologias de extração dos vapores,
36
Ferreira, D.G.
Revisão Bibliográfica
que pode ser aplicada na remoção do contaminante de águas subterrâneas e dos
compostos voláteis do solo.
As
técnicas
acima
apresentadas
viabilizam
a
recuperação
da
área
contaminada, entretanto, sempre que há o envolvimento de microrganismos é
necessário o monitoramento e a avaliação de uma série de fatores limitantes que
interferem no metabolismo microbiano e, por conseguinte, na eficiência e eficácia do
processo (Riser-Roberts, 1998; Iwamoto & Nasu, 2001; Khan, Husain & Ramzi,
2004). Em geral, a avaliação do processo de biorremediação é feita pelo
monitoramento da concentração do contaminante e/ou pela estimativa dos
microrganismos
envolvidos
na
biodegradação.
O
monitoramento
dos
microrganismos pode ser feito diretamente por técnicas de contagem microbiana, ou
de forma indireta através de técnicas baseadas na atividade metabólica.
A quantificação do número de microrganismos no solo, geralmente, é feita por
diluições seriadas semeadas em meios de cultura específicos, onde podem ser
feitas a contagem de unidades formadoras de colônias (UFC), ou a estimação do
número mais provável de células (NMP) presentes em conhecida quantidade de
amostra (Balba, Al-Awadhi & Al-Daher, 1998).
2.4.1.1. Fatores que Afetam a Biorremediação
O número de microrganismos e a diversidade de espécies são fatores
primordiais para a eficácia do tratamento por biorremediação da área impactada.
Sabe-se que quanto maior for a versatilidade enzimática e o número de células
metabolicamente ativas, maior será a eficiência da degradação do contaminante.
A diversidade microbiana do solo ainda é pouco conhecida, no entanto alguns
gêneros bacterianos apresentam destaque no que concerne à biorremediação de
compostos xenobióticos, principalmente àqueles derivados de combustíveis fósseis.
As espécies dos gêneros Nocardia, Pseudomonas, Micrococcus e Bacillus já
são amplamente difundidas pela capacidade de degradar hidrocarbonetos presentes
em combustíveis derivados do petróleo (Solano-Serena et al., 2000; Ghazali et al.,
2004; Silva & Alvarez, 2004; Dou et al., 2007). Mas, embora as bactérias tenham
papel de destaque, os demais grupos microbianos (fungos, actinobactérias e
37
Ferreira, D.G.
Revisão Bibliográfica
cianobactérias) também já foram descritos pelo seu potencial para a biodegradação
de derivados do petróleo (Reddy, 1995; Alvarez, 2003; Gallego et al., 2006;
Mancera-Lopez et al., 2007).
Em geral, a composição química dos contaminantes é heterogênea e altamente
complexa. Dessa forma é improvável a existência de um único microrganismo, que
naturalmente, seja capaz de decompor todas as substâncias químicas presentes.
Por isso, em processos de biorremediação é comum o emprego de consórcios
microbianos para obter um melhor resultado final (Ghazali et al., 2004).
Os microrganismos com a capacidade de utilizar petróleo e seus derivados
como fontes de carbono e energia são chamados de hidrocarbonoclásticos. Essa
população microbiana possui em seu material genético, os genes específicos para a
produção das enzimas que atuam no processo de biodegradação.
É possível encontrar essas espécies em ambientes sem histórico de
contaminação. Nesse caso, a sua detecção pode ser dificultada pela predominância
de outras populações mais adaptadas ao ambiente natural. Contudo, em casos de
contaminação pode haver a seleção e aumento das populações tolerantes e com
potencial para a degradação ao contaminante (Hamme, Sigh & Ward, 2003; Ollivier
& Magot, 2005).
Entretanto, é importante ressaltar que o aumento da população com potencial
degradador só ocorre se o solo apresentar condições favoráveis para isso (Semple,
Reid & Fermor, 2001). A biorremediação de solos pode ser afetada por diferentes
fatores como a concentração de oxigênio dissolvido, pH, temperatura, presença de
metabólitos tóxicos, potencial de oxi-redução, disponibilidade de nutrientes e
umidade (Rodriguez, 2006). Por exemplo, em alguns casos, o solo pode conter um
grande teor de matéria orgânica que se encontra humificada e, portanto, não
disponível para o consumo imediato. Essa característica permite que as fontes de
carbono sejam lançadas paulatinamente no solo funcionando como um mecanismo
de controle da dinâmica populacional (Moreira & Siqueira, 2006).
No ambiente natural, resíduos de plantas e animais mortos são fontes de
carbono disponíveis para a pronta assimilação pelos microrganismos autóctones.
Em contrapartida, em situações de contaminação o xenobiótico pode interagir com a
matriz do solo e tornar-se indisponível para a biodegradação (Alexander, 1999).
38
Ferreira, D.G.
Revisão Bibliográfica
Além da fonte de carbono, outros elementos nutricionais são limitantes para o
desenvolvimento dos microrganismos, em especial fontes de nitrogênio e fósforo,
cujas concentrações devem ser convenientemente ajustadas. Esses elementos são
fundamentais para as funções vitais dos microrganismos como na síntese de
material genético (RNA e DNA) e proteínas, e para a geração de energia (ATP)
(Rogers et al., 1993).
A presença de oxigênio, que atua como doador de elétrons, estimula o
metabolismo aeróbico, permitindo a geração de maior quantidade de energia para as
células. No entanto, na sua ausência outros compostos podem substituí-lo como, por
exemplo, NO-3, SO4-2, Mn+4 e Fe+3, estabelecendo uma condição de anaerobiose
(Madigan, Martinko & Parker, 2004).
A presença de água e sua disponibilidade, assim como os nutrientes também
são fundamentais, já que estão diretamente relacionadas à homeostase e ao
transporte de nutrientes através da membrana celular. Com exceção dos períodos
de chuva ou irrigação, os solos contêm quantidades de água insuficientes para
suportar o pleno funcionamento do metabolismo microbiano, pois normalmente a
água é drenada até atingir o lençol freático (Moreira & Siqueira, 2006).
Nos solos, a temperatura na camada superior, onde se concentra o maior
número de microrganismos, praticamente não varia, estando próxima da
temperatura ambiente do local. Por isso, os microrganismos são predominantemente
mesófilos (Madigan, Martinko & Parker, 2004).
A concentração do íon hidrogênio no solo é outro parâmetro de relevância que
deve ser considerado. Em geral, em solos ácidos predominam fungos, enquanto que
em solos neutros predominam bactérias. O pH também afeta o potencial de oxiredução (Eh), que pode ainda ser influenciado pela temperatura, pressão e
compostos presentes. A coexistência de microrganismos aeróbios, facultativos e
anaeróbios na mesma amostra de solo indica que podem haver micronichos
próximos com diferentes valores de Eh (D’Esposito, 1999).
39
Ferreira, D.G.
Revisão Bibliográfica
2.4.1.2 Avaliação da toxicidade do solo
Independente da técnica de remediação aplicada é necessário que antes de se
determinar a conclusão do tratamento seja feita uma avaliação adequada da
toxicidade dos compostos residuais, pois ao longo da degradação pode haver a
formação de compostos tão ou mais nocivos que o composto original, o que irá
provocar efeitos ainda mais danosos ao ambiente (Balba et al., 1998; Riser-Roberts,
1998; Phillips et al., 2000; Niven, 2005).
Bioensaios de ecotoxicidade são metodologias analíticas que permitem
caracterizar a toxicidade de efluentes e substâncias químicas em geral sobre o meio
ambiente a partir da exposição de organismos vivos (bioindicadores) a estas
substâncias e da observação e quantificação dos efeitos tóxicos das mesmas sobre
aqueles organismos. Em função da elevada sensibilidade dos bioindicadores a
efeitos tóxicos em seu ambiente, estas valiosas ferramentas de análise ambiental,
apenas recentemente introduzidas no Brasil, já vêm sendo utilizadas extensivamente
e com ótimos resultados em países desenvolvidos.
No caso de solos, os testes para essa avaliação podem ser baseados no uso
de seres vivos como sementes de vegetais, organismos invertebrados ou algas, ou
ainda kits comerciais baseados na bioluminescência e na mutação de culturas
microbianas padrão (Amadi, Dickson & Maate, 1993; Xu & Johnson, 1995;
Chaineau, Morel & Outdot, 1997; Balba et al., 1998; Ratte, Hammers-Wirtz &
Cleuvers, 2003; Ogboghodo et al., 2004; Labud, Garcia & Hernandez, 2007; Silva et
al., 2009).
A atividade enzimática pode ser utilizada para descrever os efeitos de
compostos tóxicos sobre a população microbiológica do solo. No caso da
biorremediação, é comum o teste da atividade desidrogenásica, uma vez que a
maioria das reações de oxidação biológica de compostos orgânicos é um processo
de desidrogenação (Ratsep, 1991). O composto químico mais usado nessa análise é
o cloreto-2,3,5-trifeniltetrazólico (TTC) que age como aceptor final de elétrons de
enzimas desidrogenásicas, sendo reduzido a trifenilformazan (TPF) de cor vermelha,
cuja intensidade é diretamente proporcional à atividade microbiana, e pode ser
determinada por espectrofotometria (Bitton & Koopman, 1992; Gong et al., 1997).
40
Ferreira, D.G.
Revisão Bibliográfica
As minhocas também têm sido empregadas como bioindicadores. As espécies
recomendadas pelo padrão OECD (1984) e ASTM (1995) são Eisenia fetida e
Eisenia andrei,
facilmente cultiváveis em laboratório. Os efeitos usados para
diagnóstico podem ser o crescimento, comportamento, reprodução e processos
fisiológicos, bem como, observações de mudanças patológicas externas como lesão
ou dureza. Há também o teste de fuga de minhocas que, em muitos casos, pode ser
um indicador mais sensível para avaliar compostos tóxicos no solo, para nível de
estresse baixo dos organismos (Kapanen & Itavaara, 2001).
A fitotoxicidade pode ser determinada pela germinação das sementes,
alongamento das raizes e crescimento de mudas. Muitos estudos têm demonstrado
e eficiência de espécies como pepino e agrião (Helfrich et al., 1998), alface e soja
(Gundersson et al., 1997) em testes de toxicidade.
Knoke et al. (1999) avaliaram a toxicidade de solo contaminado com
hidrocarbonetos do petróleo após a utilização de técnicas de biorremediação como
bioestímulo e bioaumento. Foram avaliados ensaios com adição de nutrientes como
fósforo e/ou bioumento com Pseudomonas sp UG30, com capacidade de degradar
compostos xenobióticos. Após os ensaios de biodegradação, observaram que os
testes feitos com minhoca e com a germinação de alface, a adição de fósforo ao
solo aumentou a toxicidade enquanto que os testes com o bioaumento houve
redução da toxicidade, sugerindo que dependendo da técnica de biorremediação
utilizada a toxicidade pode aumentar ou diminuir.
2.5. Ferramentas Estatísticas
No âmbito da pesquisa científica busca-se continuamente a melhor forma de
obter o máximo de informações com o mínimo de experimentos, o que reduz os
custos dos estudos. E, uma das formas de se organizar experimentos nesse
contexto é a aplicação de ferramentas estatísticas, como o planejamento fatorial
(Barros-Neto, Scarminio & Burns, 2007).
O planejamento fatorial pode ser aplicado quando há diversos fatores que
interagem entre si e podem interferir na realização de um processo, esses fatores na
linguagem estatística são conhecidos como variáveis independentes. E, os valores
atribuídos a esses fatores são denominados níveis.
41
Ferreira, D.G.
Revisão Bibliográfica
Essa ferramenta estatística permite a combinação das diversas variáveis
independentes, inclusive em diferentes níveis. Tal fato permite analisar os resultados
integrados e os fatores que influenciam o processo. Em termos práticos, um
planejamento fatorial deve ser feito em 2 ou 3 níveis, pois o uso de mais níveis
aumentaria o número de experimentos, inviabilizando a sua aplicação (Calado &
Montgomery, 2003).
Uma vez organizados e realizados os experimentos, a interpretação estatística
dos dados obtidos pode ser executada através de vários critérios estatísticos de
significância, como por exemplo, o Teste p, o Teste t e o modelo matemático
proposto, através do coeficiente de correlação (Rodrigues & Iemma, 2005).
O Teste p fundamenta-se na probabilidade de se descartar os efeitos principais
e de interação da variável em estudo, em um nível de confiança pré-determinado. o
valor do nível de confiança normalmente encontrado em trabalhos é de 95%, no
entanto a sua determinação varia de acordo com a acurácia desejada.
No caso do Teste t de Student a sua análise é feita através dos efeitos
calculados (sejam eles positivos ou negativos), considerados significativos e
diferentes de zero, em um determinado nível de confiança.
O coeficiente de correlação mede a aproximação entre os pontos experimentais
e uma curva qualquer. Quando este valor se aproxima de 1, tem-se um bom ajuste
dos pontos à curva, indicando que o modelo proposto pode ser usado para a
previsão de resultados dentro da faixa estudada.
Embora o planejamento experimental seja útil, é difícil identificar a influência de
uma ou mais variáveis sobre outra variável de interesse. O sistema, inicialmente, é
considerado com uma função desconhecida que atua sobre as variáveis de entrada
(os fatores) e produz como saída, as respostas observadas. Sendo assim, o intuito
principal do planejamento fatorial é identificar a função que represente de modo mais
fidedigno o processo (Rodrigues & Iemma, 2005; Barros-Neto, Scarminio & Burns,
2007).
42
Ferreira, D.G.
Material e Métodos
3. MATERIAL E MÉTODOS
3.1. Solo
Nesse trabalho foi utilizado um solo, coletado no município de Belford Roxo-RJ
no mês de dezembro de 2006, de uma área urbana sem histórico de contaminação.
Esse solo é característico do estado do Rio de Janeiro e por isso foi estudado no
tratamento de biorremediação de solos contaminados com petróleo ou seus
derivados.
Logo após a coleta, o solo foi peneirado grosseiramente para a retirada de
material como plantas, raízes, pedras e gravetos. Em seguida, o solo foi quarteado,
com o intuito de homogeneizar o solo a ser utilizado nos ensaios de biorremediação,
de modo que as amostras de solo aplicadas nos diferentes ensaios possuíssem
características similares em relação a sua composição granulométrica, físicoquímica e microbiológica.
Todos os ensaios de biorremediação foram realizados com solo de um mesmo
lote, isto é, de mesma procedência e data. Para tanto, após o quarteamento o solo
foi acondicionado em sacos plásticos de 10 kg cada, os quais foram armazenados
sob refrigeração a 5±1ºC, até o momento do uso.
Figura 8 – Local de coleta do solo argiloso
43 Ferreira, D.G.
Material e Métodos
3.2. Combustíveis
Foram usados dois combustíveis comerciais, gasolina automotiva e etanol
anidro, misturados em diferentes proporções (100:0; 100:12,5; 100:25). Ambas as
amostras foram provenientes da Petrobras de modo a garantir a sua pureza, ou seja,
a ausência de qualquer aditivo ou adulteração que pudesse interferir nos resultados
obtidos nesse estudo.
A gasolina e o etanol são combustíveis estáveis e não sofrem degradação
quando armazenados sobre refrigeração e em recipientes não metálicos. Portanto,
os combustíveis utilizados nos ensaios de biorremediação foram coletadas do
mesmo local e data, e ao chegar no laboratório foram armazenados em bombonas
de polietileno a 5±1ºC, até o momento do uso.
3.3. Fertilizante
Em algumas condições ensaiadas foi feita a adição de fontes de nutrientes,
através da aplicação do fertilizante comercial da marca ULTRAVERDE, com relação
Nitrogênio:Fósforo:Potássio de 4:14:8. O ajuste da condição nutricional do solo foi
baseada no teor de fósforo presente no solo, podendo ser de 25 ou 50 ppm de
acordo com o ensaio.
3.4. Ajuste do pH do Solo
De um modo geral os solos argilosos possuem um caráter ácido, então a fim de
favorecer o metabolismo bacteriano, elevando o pH a um valor próximo à
neutralidade, foi realizada a calagem do solo com Carbonato de Cálcio (CaCO3).
Para tanto foi adicionado 15 g de CaCO3 em cada quilo de solo utilizado antes da
realização dos ensaios.
44 Ferreira, D.G.
Material e Métodos
3.5. Preparo do Inóculo
A fim de reduzir o tempo dos ensaios de biorremediação, a população
microbiana autóctone do solo foi aumentada através da introdução das culturas
endógenas previamente adaptadas ao contaminante (gasolina). Com esse propósito,
foi produzido um inóculo em fase sólida conforme metodologia desenvolvida por
Baptista (2007).
O preparo do inóculo em fase sólida foi conduzido em recipiente plástico
retangular (40 cm x 80 cm x 20 cm), onde foi distribuído aproximadamente 15 kg do
solo. Em seguida, esse solo recebeu ajuste da umidade (para aproximadamente
25%) e da condição nutricional para 50 ppm de fósforo. Esses ajustes foram feitos
pela solubilização de 3,2 g de fertilizante por quilo de solo em água e então
aplicados paulatinamente no solo, ajustando a condição nutricional e de umidade
concomitantemente.
Após uma semana o solo foi contaminado artificialmente uma única vez com
5% (v/m) de gasolina automotiva sem adição de etanol. Após a contaminação o
inóculo foi incubado em local arejado com temperatura média de 30ºC por 21 dias,
atingindo nesse período uma quantidade de bactérias metabolicamente ativas e
adaptadas ao contaminante. Nesse ínterim a umidade foi ajustada pela dispersão de
água destilada na superfície do solo.
O
monitoramento
das
populações
cultiváveis
de
interesse
(bactérias
heterotróficas totais e bactérias hidrocarbonoclásticas) foi feito através da
quantificação semanal de cultivos das amostras retiradas do sistema em meios
específicos (Item 3.7.1.).
Finalizadas
as
etapas
de
ativação
do
metabolismo
das
bactérias
hidrocarbonoclásticas (BHC) e sua adaptação aos hidrocarbonetos da gasolina,
amostras desse solo foram incorporadas aos ensaios de biorremediação na
proporção de 10%(m/m).
45 Ferreira, D.G.
Material e Métodos
3.6. Detalhamento dos Ensaios de Biorremediação
Esse trabalho foi realizado em etapas seqüenciais, na primeira foi feita a
caracterização granulométrica, físico-química e microbiológica do solo. Na segunda
foram realizados ensaios em microcosmos baseados em um planejamento fatorial
para definir a significância da condição nutricional, da umidade e da concentração de
etanol adicionada na gasolina no processo de biorremediação. E, na terceira foram
conduzidas algumas condições propostas pelo planejamento fatorial em colunas de
60 cm a fim de reproduzir condições mais próximas da realidade e estudar a
biorremediação e a percolação vertical da gasolina adicionada com 25% de etanol.
3.6.1. Caracterização do solo
A caracterização do solo foi feita baseada na sua granulometria, condição
nutricional, físico-química e microbiológica. No Quadro 4 podem ser observadas as
metodologias utilizadas nessa caracterização.
Quadro 4 – Parâmetros analisados para caracterização do solo
Parâmetro
Metodologia
Granulometria
ABNT-NBR 7181/84
Matéria orgânica (mg/Kg), Nitrogênio
e Fósforo
Cobre, Ferro, Manganês, Zinco,
Alumínio, Cálcio, Magnésio, Potássio
pH
Jaramillo, 1996
Raij et al., 2001
Baptista, 2007
Espectrômetro de
Umidade
infravermelho
Bactérias Heterotróficas Totais
Pour plate
Cultiváveis
Bactérias Hidrocarbonoclásticas
Cultiváveis
Número Mais Provável
46 Ferreira, D.G.
Material e Métodos
A análise granulométrica foi realizada segundo a metodologia descrita na
norma ABNT-NBR 781/84. A determinação da condição nutricional do solo foi
baseada nas metodologias descritas por Jaramillo (1996) e por Raij et al. (2001). O
pH foi feito seguindo a metodologia descrita por Baptista (2007) e o teor de umidade
foi determinado através de um espectrômetro de infravermelho.
E, as análises
microbiológicas foram feitas pela técnica de pour plate para as bactéricas
heterotróficas totais cultiváveis e pela técnica do número mais provável para as
bactérias hidrocarbonoclásticas cultiváveis.
A caracterização granulométrica (ABNT-NBR 781/84) e a dosagem de Cobre,
Ferro, Manganês, Zinco, Alumínio, Cálcio, Magnésio e Potássio (Raij et al., 2001)
foram realizadas pelo Laboratório de Geotecnia (COPPE/UFRJ). A dosagem de
matéria orgânica, nitrogênio e fósforo (Jaramillo, 1996) foram realizadas no
Laboratório de Tecnologia Ambiental (Escola de Química/UFRJ). E a determinação
do pH e da umidade foram realizados no Laboratório de Biocorrosão e
Biodegradação (Instituto Nacional de Tecnologia).
3.6.2. Ensaios de Biorremediação em Microcosmos
Após a sua caracterização, esse solo foi usado como base para o estudo da
interferência da umidade, da condição nutricional e da presença de etanol na
gasolina no processo de biorremediação. Para tanto, foram organizadas 12 ensaios
usando duas matrizes de planejamento fatorial completo de dois níveis e dois fatores
(22), conforme apresenta os Quadro 5 e 6.
A condição nutricional e a adição de etanol na gasolina foram definidos como
variáveis independentes. E, nos Quadros 5 e 6 pode-se observar
os fatores
(parâmetros) e os níveis (valores mínimo, máximo e intermediário) atribuídos para
cada uma das variáveis independentes.
Os níveis atribuídos à concentração de fósforo (0; 25 e 50 ppm) foram
estabelecidos de acordo com a classificação de solo, em termos nutricionais,
segundo Jaramillo (1996) em pobre ou rico. Em relação ao teor de álcool adicionado
à gasolina (0; 12,5 e 25%), os percentuais foram baseados na legislação brasileira,
47 Ferreira, D.G.
Material e Métodos
que determina a adição de 25% de álcool na gasolina comercial (CIMA, nº37; Lei
10.203/2001). E, as duas condições de umidade estudadas contemplaram uma
condição normal de solo úmido (aproximadamente 20%) e outra saturada
(aproximadamente 40%).
Os valores mínimos e máximos estabelecidos para cada um dos fatores foram
combinados de forma a organizar todas as condições experimentais possíveis, e
também foram realizadas duas réplicas do ponto central.
Além de avaliar a condição nutricional e a presença de álcool, também foi
estudada o efeito da umidade no processo de biorremediação. Dessa forma, foram
estudados duas condições de umidade, uma com o solo apresentando um aspecto
úmido (aproximadamente 20% de umidade) e outra com o solo visualmente
encharcado (cerca de 40% de umidade).
O aspecto visual que o solo apresenta está intimamente ligado à sua
capacidade de retenção de água (CRA), ou seja, a CRA consiste no máximo de
água que as partículas de solo são capazes de absorver. Assim, quando um solo
apresenta a formação de filmes de água, ele se encontra saturado, tendo sido
ultrapassado o volume máximo de água que as partículas do solo foram capazes de
absorver.
O solo utilizado nesse estudo apresenta uma CRA de aproximadamente 30%,
sendo assim os valores de umidade estudados foi 10% inferior no caso do solo
úmido (67% da CRA) e 10% superior para o solo encharcado (133% da CRA). E, no
Quadro 5 e 6 podem ser observadas as condições ensaiadas em 20 e 40% de
umidade, respectivamente.
Ademais, foram realizados oito ensaios controle, sendo quatro em solo úmido e
outros quatro em solo encharcado. Portanto, considerando os ensaios do
planejamento fatorial, as réplicas do ponto central e os controles, foram realizados
um total de vinte experimentos, os quais são descritos nos Quadros 5, 6 e 7.
Os experimentos descritos nos Quadros 5, 6 e 7 foram realizados em
recipientes plásticos redondos de 6 cm de raio, nos quais foram acondicionados
300g de solo, com o pH ajustado para a faixa da neutralidade, e com diferentes
48 Ferreira, D.G.
Material e Métodos
concentrações de nutrientes, contaminante e condição de umidade. Todos os
ensaios do planejamento (Quadros 5 e 6) e, ainda, os controles CPF-I e CPF-V
(Quadro 7) sofreram bioaumento através da incorporação de 10% (m/m) inóculo
preparado em solo (item 3.4). Esses controles foram realizados com o propósito de
avaliar o comportamento do bioaumento em solo não contaminado. Por outro lado,
os controles CPF-II, CPF-III, CPF-IV, CPF-VI, CPF-VII e CPF-VIII foram conduzidos
sem bioaumento e com adição do biocida formaldeído, na concentração de 2%(v/m),
de modo a avaliar a degradação abiótica, isto é, as perdas ocorridas durante o
tratamento.
Quadro 5 – Matriz do Planejamento Fatorial 22 em Solo com 20% de umidade
Ensaio
Teor de Álcool
(%v/v)
Concentração de
fertilizante
(ppm de Fósforo)
Umidade
(%)
PF-1
0
0
20
PF-2
25
0
20
PF-3
0
50
20
PF-4
25
50
20
PF-9
12,5
25
20
PF-10
12,5
25
20
PF - Planejamento Fatorial
Quadro 6 – Matriz do Planejamento Fatorial 22 em Solo com 40% de umidade
Ensaio
Teor de Álcool
(%v/v)
Concentração de
fertilizante
(ppm de Fósforo)
Umidade
(%)
PF-5
0
0
40
PF-6
25
0
40
PF-7
0
50
40
PF-8
25
50
40
PF-11
12,5
25
40
PF-12
12,5
25
40
PF - Planejamento Fatorial
49 Ferreira, D.G.
Material e Métodos
Quadro 7 – Matriz dos Ensaios Controles Realizados
Ensaio
Descrição do Ensaio
Umidade
(%)
CPF-I
Solo + Inóculo
20
CPF-II
Solo + Gasolina*
20
CPF-III
Solo + Gasolina com 25% de álcool*
20
CPF-IV
Solo + Gasolina com 12,5% de álcool*
20
CPF-V
Solo + Inóculo
40
CPF-VI
Solo + Gasolina*
40
CPF-VII
Solo + Gasolina com 25% de álcool*
40
CPF-VIII
Solo + Gasolina com 12,5% de álcool*
40
CPF – Controle do Planejamento Fatorial
*Controles abióticos, receberam a adição de 2% de formaldeído
Uma vez que a condição nutricional do solo e a adição do inóculo (dependente
do ensaio realizado) foram feita, cada ensaio recebeu a contaminação com 10% de
gasolina (m/m) com teor de etanol variando em função da condição estudada.
Para todos os ensaios, independentemente da condição, e inclusive os
controles, foi feito o monitoramento periódico da umidade dos solos, de modo a
controlar esse parâmetro na condição definida para o estudo. E, após um período de
30 dias em ambiente arejado, com temperatura média de 28 ºC (±2ºC), amostras
foram retiradas de todos os sistemas para a determinação do teor residual de
hidrocarbonetos
totais
do
petróleo
(HTP),
e
quantificação
de
bactérias
hidrocarbonoclásticas. Também foram feitos bioensaios com anelídeos a fim de
avaliar a toxicidade do solo residual após cada um dos tratamentos ensaiados.
Devido ao número elevado de ensaios, os 20 experimentos não foram
realizados concomitantemente, sendo então escolhidos randomicamente formando
dois grupos de 10 condições. Também por essa razão, com exceção do ponto
central, não foram feitas réplicas dos ensaios, embora as análises realizadas a partir
das amostras coletadas desses ensaios foram feitas em duplicada.
50 Ferreira, D.G.
Material e Métodos
3.6.3. Ensaios de Biorremediação em Colunas
A partir dos ensaios anteriores (item 3.5.1) foram reproduzidas algumas das
condições operacionais para a biorremediação de solo contaminado com gasolina. O
tratamento foi então conduzido em uma escala maior, de modo a possibilitar a
avaliação do processo simulando as condições em campo, inclusive, em diferentes
profundidades.
Para tanto, foi especialmente construído um sistema para a condução desse
estudo que consistiu de uma coluna cilíndrica de PVC composta por três partes
superpostas, de modo a permitir avaliar a atividade microbiana e a degradação ao
longo de 60 cm de uma dada área, como ilustra a Figura 9. Cada uma das 3 células
da coluna possuía 10 cm de raio e 20 cm de altura, com 4 pontos de coleta (2 de
cada lado). Assim, como mostra a Figura 9, a coluna apresentava um total de 12
pontos de coleta localizados em 6 alturas distintas. Na parte inferior do reator foi
instalada uma válvula a fim permitir, caso fosse necessário, a coleta do material
percolado e a sua reintrodução no sistema.
Em cada ensaio foi empregada uma quantidade total de solo de cerca 21 kg
(aproximadamente 7 kg por seção), incluído o bioaumento de 10% (m/m).
Como mostra o Quadro 7, nas colunas de PVC, foram ensaiadas as condições
dos ensaios PF-1, PF-2, PF-3 e PF-4, descritos no Quadro 5, e do controle CPF-I,
apresentado no Quadro 7. Simultaneamente, foi feito um controle (CEB-II) para
avaliar o perfil de crescimento dos microrganismos pelo bioaumento do solo na
presença de fertilizante (Quadro 8).
Ao longo de 60 dias, os ensaios foram mantidos em local arejado com
temperatua média de 28ºC (±2ºC) com ajustes periódicos de umidade, através da
dispersão de água na superfície do solo, e coletas semanais de amostras de solo a
fim de monitorar a população de bactérias hidrocarbonoclásticas, o teor de
contaminante e, ainda, para as medições de pH do solo.
Conforme indicado no Quadro 8, os ensaios na coluna de PVC foram
realizados apenas com o solo úmido, ou seja, com 20% de umidade. Isso foi devido
à interferência da umidade na percolação do contaminante, já que quando no solo
51 Ferreira, D.G.
Material e Métodos
encharcado (40% de umidade) não ocorria a permeação do contaminante, como
pode ser observado nos testes realizados preliminarmente em provetas, contendo
300 g de solo, por 7 dias, como ilustrado na Figura 10.
10 cm
60 cm
Pontos
de
coleta
Coletor do
percolado
Figura 9 – Ilustração do reator usado no ensaio de biorremediação.
Quadro 8 – Matriz do Ensaio de Biorremediação em Coluna
Ensaio
Descrição do Ensaio
EB-1
Solo úmido + Inóculo + Gasolina (PF-1)
EB -2
Solo úmido + Inóculo + Gasolina com álcool (PF-2)
EB -3
Solo úmido + Inóculo + Fertilizante + Gasolina (PF-3)
EB -4
Solo úmido + Inóculo + Fertilizante + Gasolina com álcool (PF-4)
CEB -I
Solo úmido + Inóculo (CPF-I)
CEB -II
Solo úmido + Inóculo + Fertilizante
EB – Ensaio de Biorremediação
CEB – Controle Ensaio de Biorremediação
52 Ferreira, D.G.
Material e Métodos
Esses testes foram realizados com distintos teores de água: umidade natural
do solo; solo úmido (20% de umidade); e solo encharcado (40% de umidade). Como
mostra a Figura 10, quando o solo com teor de umidade natural foi contaminado com
10% (m/m) de gasolina, ocorreu absorção total do contaminante pelas partículas de
solo, sem sequer atingir o fundo da proveta.
Por outro lado, no solo com
aproximadamente 40% de umidade, a saturação causou a impermeabilidade do
solo, impedindo a penetração do contaminante. Somente na condição com
aproximadamente 20% de umidade é que foi possível estabelecer a percolação da
gasolina até a base da proveta. A mesma situação observada inicialmente em cada
proveta se manteve mesmo após 30 dias, o que descartou a possibilidade de usar o
solo encharcado ou a umidade natural do solo nessa etapa do estudo.
solo sem ajuste
de umidade
solo com 20%
de umidade
solo com 40%
de umidade
Figura 10 – Testes de percolação do contaminante feitos em coluna (Úmido: 20% de
umidade; encharcado: 40%).
53 Ferreira, D.G.
Material e Métodos
3.7. Análises Quantitativas
3.7.1. Análises Microbiológicas
A quantificação de microrganismos foi feita utilizando 5 g de solo, devidamente
homogeneizadas e diluídas em série na proporção de 1:10 em solução fisiológica
(0,85% de NaCl). A partir dessas diluições foi feita a quantificação de duas
populações bacterianas cultiváveis de interesse as heterotróficas totais (BHT)
através da técnica de plaqueamento em profundidade (Vermelho, Pereira & Coelho,
2006), e as hidrocarbonoclásticas (BHC) através da técnica do número mais
provável (NMP) (Van Hamme, Singh & Ward, 2003) em ágar nutriente e bushnell
Haas, respectivamente.
Essas análises foram realizadas em dois diferentes laboratórios, as amostras
coletadas a partir ensaios em microcosmos foram analisadas no Laboratório de
Microbiologia Industrial II (Escola de Química/CT/UFRJ), enquanto que as amostras
oriundas dos ensaios em coluna foram analisadas no Laboratório de Biocorrosão e
Biodegradação (Instituto Nacional de Tecnologia)
3.7.1.1. Quantificação das Bactérias Heterotróficas Totais Cultiváveis
As BHT foram quantificadas utilizando como meio de cultura o agar nutriente
(Merck). Após incubação das placas semeadas à 28±2ºC por 48 h. foi feita a
contagem de unidades formadoras de colônia (UFC), e os resultados foram
calculados e expressos em UFC/g de solo seco.
3.7.1.2. Quantificação das Bactérias Hidrocarbonoclásticas Cultiváveis
As BHC foram estimadas através do NMP em placas multipoços contendo 1,8
ml do meio mineral Bushnell Haas. Após inoculação com 0,2 ml de cada uma das 8
diluições (10-1 a 10-8), em cada poço foi distribuído aproximadamente 25 μl de óleo
árabe leve, como a única fonte de carbono presente. A seguir, as placas foram
incubadas em estufa bacteriológica por 7 dias a 28±2ºC. Ao fim do período de
incubação foi feita a leitura, considerando os poços com aparente degradação da
gota de óleo como positivos, e como negativos aqueles onde a camada de óleo
54 Ferreira, D.G.
Material e Métodos
permaneceu inalterada, conforme ilustrado na Figura 11. Determinados os poços
positivos e negativos foram feitos os cálculos levando em conta a diluição, e os
resultados expressos em NMP/g de solo seco.
‐2 A ‐6
‐3 ‐7
‐4 ‐8
B CO
‐5 CO
CM Figura 11 – Placa multipoço usada para a estimativa da concentração de BHC por NMP (A:
degradação positiva; B: negativa; CO: controle de óleo; CM: controle de meio).
3.7.1.3. Métodos Moleculares
A partir das dos poços das placas de NMP (Figura 11) onde foi constatada a
degradação do óleo (resultados positivos) foram tomadas alíquotas para isolamento
de bactérias potencialmente degradadoras de hidrocarbonetos. Com este fim, as
alíquotas foram inoculadas em caldo nutriente (Merck), por 24 h, de onde foram
tomadas novas alíquotas que foram plaqueadas em superfície em ágar nutriente. As
colônias obtidas foram identificadas posteriormente por seqüenciamento. Também
foi feito o isolamento das culturas presentes no solo que apresentaram capacidade
degradadora.
Essas
análises
foram
realizadas
no
Laboratório
de
Biocorrosão
e
Biodegradação (Instituto Nacional de Tecnologia), com exceção do seqüenciamento,
cujas amostras foram enviadas para a Universidade de São Paulo.
55 Ferreira, D.G.
Material e Métodos
3.7.1.3.1. Extração de DNA
As culturas isoladas a partir dos solos após biorremediação e, também,
diretamente do solo virgem tiveram o seu material genético extraído através do kit
comercial MOBio Ultra CleanTM Microbial DNA Isolation. As concentrações dos DNA
assim obtidos foram determinadas por espectrofotometria no aparelho Nanodrop
Espectrophotometer, modelo ND-1000.
3.7.1.3.2. PCR (“Polymerase Chain Reaction”)
A técnica de PCR permite a geração de um grande número de cópias de um
determinado fragmento de DNA. Os produtos dessa reação, no caso desse trabalho,
foram utilizados para a identificação das culturas isoladas, por meio de
seqüenciamento (Item 3.7.1.3.3).
Para que a reação de PCR aconteça é necessário o preparo de um mix de
reagentes contendo água, tampão, dNTPs (desoxirribonucleotideos trifosfatados),
iniciadores (“primers”) e enzima (Taq DNA polimerase). A concentração final de cada
um desses reagentes no mix de reação, bem como a sua função é apresentada no
Quadro 9.
De acordo com o tamanho do fragmento a ser amplificado são usados
diferentes pares de primers. A reação de PCR para a identificação das culturas
isoladas, que necessita de fragmentos com aproximadamente 1500 pb, foi feita com
os primers Sadir (foward: 5'-AGAGTTTGATCATGGCTCAGA-3') e S17 (reverse: 5'GTTACCTTGTTACGACTT-3’ (Altschul et al., 1990).
As reações de PCR foram feitas no termociclador PCR System 9700, da
Applied Biosystems. A Figura 12 ilustra o ciclo usado na reação de PCR para a
identificação das bactérias isoladas. Uma vez concluída a reação, o produto gerado
foi visualizado por eletroforese em gel de agarose (1%, m/v), purificado com o kit
comercial MOBio Ultra CleanTM Purification, e quantificados por espectrometria no
aparelho
Nanodrop
Espectrophotometer,
modelo
ND-1000.
Após
obter
a
concentração necessária, os produtos de PCR foram seqüenciados.
56 Ferreira, D.G.
Material e Métodos
Quadro 9 – Concentração final dos reagentes na reação de PCR
Reagente
Concentração Final
Função
Água ultra-pura
estéril
*
Completar o volume final do mix, mantendo as
concentrações finais
Tampão de PCR
10X
1X
Garantir a estabilidade do pH e das
concentrações iônicas
Mix de dNTP
0,2 mM (de cada
dNTP)
Bases nitrogenadas (Adenina, Timina, Citosina
e Guanina) para a construção das cópias do
fragmento de DNA
MgCl2
1,5 mM
Funciona como cofator da enzima DNA
polimerase
Primer Foward
0,5 μM Iniciador para a formação da fita no sentido
3’→5’
Primer Reverse
0,5 μM Iniciador para a formação da fita no sentido
5’→3’
Taq Polimerase
2,5 U
Criação do novo fragmento de DNA pela
introdução dos dNTPs complementares à fita
molde
DNA alvo
10 pg-10 μg
Material genético molde para a formação de
outras fitas
Fonte: Lodish et al., 2002
30 ciclos
°C
Tempo
94
5’
94
72
30’’
30’’
55
30’’
72
5’
4
∞
Figura 12 – Ciclo usado na reação de PCR para a identificação de culturas isoladas.
57 Ferreira, D.G.
Material e Métodos
3.7.1.3.3. Seqüenciamento das Culturas Isoladas
Os produtos de PCR das culturas isoladas foram enviados à Universidade de
São Paulo, onde foram seqüenciados, pelo método de Sanger, no equipamento ABI
PRISM® 3100 GeneticAnalyzer/HITACHI. As seqüências foram obtidas através do
tratamento dos dados recebidos com os softwares Chromas Lite e Bioedit permitindo
a sua comparação com o dados disponíveis no GeneBank e então a sua
identificação.
3.8. Análises Físico-Químicas
3.8.1. pH (potencial de Hidrogênio)
A medição do pH foi feita baseada na metodologia usada por Baptista,
Camporese & Freire (2006). Para tanto, 10 g de solo em 25 ml de água destilada
foram agitados em vórtex por cerca de 5 min. para homogeneização. A seguir, o pH
da solução de solo foi medido diretamente em potenciômetro digital.
Essas análises foram realizadas em dois diferentes laboratórios, as amostras
coletadas a partir ensaios em microcosmos foram analisadas no Laboratório de
Tecnologia Ambiental (Escola de Química/CT/UFRJ), enquanto que as amostras
oriundas dos ensaios em coluna foram analisadas no Laboratório de Biocorrosão e
Biodegradação (Instituto Nacional de Tecnologia)
3.8.2. Teor de Umidade Total
A determinação da umidade da amostra foi feita através do Analisador de
Umidade, Gehaka IV 2000. Esse sistema composto por balança, permite a secagem
da amostra por infra-vermelho, e fornece diretamente o percentual de água nela
contido.
Essas análises foram realizadas em dois diferentes laboratórios, as amostras
coletadas a partir ensaios em microcosmos foram analisadas no Laboratório de
Tecnologia Ambiental (Escola de Química/CT/UFRJ), enquanto que as amostras
58 Ferreira, D.G.
Material e Métodos
oriundas dos ensaios em coluna foram analisadas no Laboratório de Biocorrosão e
Biodegradação (Instituto Nacional de Tecnologia)
3.8.3. Teor de Hidrocarbonetos Totais do Petróleo (HTP)
A determinação do teor de HTP foi realizada por dois métodos distintos. Nos
ensaios preliminares a determinação foi feita através do espectrofotômetro de
infravermelho Horiba OCMA-350. Por esse aparelho, o HTP do solo é determinado
após a extração com o solvente comercial S-316 (EPA, 2001). No caso das
amostras oriundas dos ensaios realizados nas colunas de PVC, a análise de HTP foi
feita pela empresa Bioagri Ambiental por cromatografia gasosa seguindo a norma
EPA SW 846-8015 (EPA, 1997).
3.9. Análise de Ecotoxicidade
3.9.1. Teste de mortalidade de Minhocas
Os ensaios de ecotoxicidade foram realizados através do Teste de Mortalidade
de Minhocas (adaptação de OECD, 1984), que consiste na exposição do anelídeo
da espécie Eisenia foetida a uma amostra de solo. Os anelídeos utilizados para essa
avaliação eram mantidos em um minhocário no Laboratório de Tecnologia Ambiental
(Escola de Química/CT/UFRJ)
Para tanto, em bequeres de vidro com capacidade de 400 ml foram distribuídos
180 g de amostra de solo misturado com 20 g de esterco e, a seguir, introduzidas 10
minhocas. Os bequeres foram envoltos com papel alumínio para protegê-los da luz,
e deste modo simular as condições naturais, mesmo porque as minhocas não
toleram a luminosidade direta. Com o mesmo fim, e ainda para evitar a fuga das
minhocas, as aberturas dos becheres foram cobertas com tecido permeável ao ar.
Após um período de incubação de 7 dias a 20±1ºC,
foi feita a contagem das
minhocas sobreviventes, e estimado o percentual de mortalidade. A Figura 13 ilustra
as várias etapas de execução dos ensaios de ecotoxicidade realizados com
minhocas.
59 Ferreira, D.G.
Material e Métodos
A análise de ecotoxicidade das amostras coletadas nos ensaios em
microcosmos foi realizada no Laboratório de Tecnologia Ambiental (Escola de
Química/CT/UFRJ).
Figura 13 – Avaliação da ecotoxicidade por meio do Teste de Mortalidade das Minhocas,
utilizando O anelídeo Eisenia foetida (A); B e C – Frasco vazio envolto por papel laminado;
D – Seleção das minhocas a serem utilizadas nos ensaios; E – Solo com as minhocas
selecionadas; F – As minhocas cobertas pelo resto de solo completando 200 g; G e H –
Frasco rotulado e fechado.
3.10. Análise Estatística
A análise estatística dos dados experimentais de biorremediação obtidos pelo
planejamento fatorial foi realizada usando o software Statistica versão 6.0.
60 Ferreira, D.G.
Resultados e Discussão
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO
4.1. Caracterização do solo
Inicialmente, o solo utilizado nesse estudo foi submetido a análises
granulométrica, físico-químicas e microbiológicas, a fim de determinar o tamanho e a
proporção das suas partículas, a sua composição nutricional e, por fim, a existência
de populações microbianas com potencial degradador. Esses dados, que
influenciam na biodegradação dos hidrocarbonetos, são fundamentais para
implementar uma eficiente descontaminação do solo por biorremediação.
A distribuição granulométrica do solo revelou a predominância de partículas de
argila, conforme apresentado na Figura 14. Os teores de argila, areia e silte
determinados permitiram classificar o solo como argiloso, segundo a classificação
textural de solos do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (1993),
apresentada na Figura 2 (página 20). Esse tipo de solo é característico da maior
parte do território nacional, conforme ilustrado na Figura 3 (página 22).
Silte
6%
Areia
34%
Argila
60%
Argila
Silte
Areia
Figura 14 – Constituição granulométrica do solo argiloso utilizado.
61 Ferreira, D.G.
Resultados e Discussão
A eficácia da degradação microbiana de hidrocarbonetos no solo pode ser
limitada por diversos fatores, dentre eles, a porosidade e a umidade (Baptista, 2003).
Neste contexto, a textura do solo se destaca, pois as partículas de argila e silte têm
efeito direto na sorção de hidrocarbonetos (Millioli et al., 2008).
A fração de argila presente na maioria dos solos é constituída de minerais
muito diferentes, em composição e propriedades físicas, em relação àqueles
presentes na areia e silte. Como a maior fração da água presente no solo se
encontra como um filme aderido à superfície das partículas de argila, a quantidade
de argila presente no solo exerce importante influência na sua capacidade total de
retenção de água (Resende et al., 2002).
A umidade do solo é outro fator de grande importância na biorremediação do
solo, visto que reduções relativamente pequenas da umidade resultam em
significativas reduções da atividade microbiológica do solo (Jacques et al., 2010). E
ainda, o monitoramento da umidade do solo nos locais onde a biorremediação está
em curso tem sido negligenciado em favor de fatores químicos, como adubações
fosfatadas e nitrogenadas, com comprometimento da eficiência da biorremediação.
É fundamental manter bons níveis de umidade para favorecer a atividade
metabólica no ambiente contaminado, visto que a água é o veículo para o transporte
de nutrientes para dentro da célula, bem como para a externalização de produtos do
seu metabolismo (Cunha, 1996). No caso de contaminação por compostos químicos
de baixa solubilidade em água, como é o caso dos hidrocarbonetos do petróleo,
estes são facilmente adsorvidos pela argila ou frações de húmus no solo e passam
lentamente para a fase aquosa, tornando-se, então disponíveis para serem
metabolizados pelos microrganismos (Bardi et al., 2000). Por isso, em solos com
baixo teor de umidade a biodegradação de hidrocarbonetos do petróleo é
influenciada pela área de interface entre o óleo e a água (Huang et al., 2000).
Os solos com elevados teores de argila e silte, em combinação com uma alta
umidade apresentam permeabilidade bastante reduzida, se constituindo em uma
barreira física para a infiltração das águas pluviais no solo e para a difusão de gases,
dificultando o processo de biodegradação (Robaina et al., 2001; Jacques et al.,
2007). A permeabilidade do solo é um fator limitante para o desenvolvimento das
62 Ferreira, D.G.
Resultados e Discussão
tecnologias de tratamento biológico in situ. Um solo de baixa permeabilidade pode
reduzir a capacidade de contato entre microrganismos e contaminante e, assim,
restringir a eficiência do processo.
Por outro lado, o excesso de água pode inviabilizar o processo de
biodegradação no solo, já que a ocupação pela água reduz a área ocupada pelos
gases, criando condições anóxicas, e, ainda, provocando alterações no pH da
solução do solo (U.S.EPA, 1990).
Dessa forma, observa-se que a biorremediação em solos com elevado
conteúdo de argila é um processo complexo e que deve considerar,
principalmente, a aeração do sistema a fim de beneficiar o metabolismo aeróbio,
pois permite a mineralização do contaminante e, em geral, apresenta maior
velocidade quando comparado ao metabolismo anaeróbio.
No Quadro 10 estão discriminados alguns componentes químicos do solo.
Dentre eles, as concentrações de ferro (Fe) e alumínio (Al) que são os principais
responsáveis pela coloração desse tipo de solo. Nesse quadro pode-se observar a
predominância de ferro em relação ao alumínio, o que explica a coloração vermelhoalaranjada do solo analisado. Assim, considerada a coloração do solo, a
granulometria e as observações de campo, pode-se classificá-lo como Latossolo
vermelho-alaranjado.
As partículas de argila presentes no Latossolo apresentam grande superfície
de contato polarizada facilitando sua interação com íons, água e, principalmente,
com as células microbianas, tornando difícil a separação das células aderidas às
partículas de argila (Moreira & Siqueira, 2006; Oliveira, 2008). Os Latossolos são
ricos em óxidos de Fe e Al, que, inclusive, favorecem a fixação de fósforo no solo
(Resende, 2002).
Qualquer que seja o tipo de solo é fundamental que ele apresente propriedades
físicas e químicas que permitam a biodegradação dos poluentes (Gaivizzo, 2001).
Os elementos químicos, relacionados no Quadro 10, são essenciais para as funções
vitais das células microbianas. Os nutrientes, independentemente de serem micro ou
macronutrientes, são indispensáveis para o bom funcionamento celular. Contudo,
cabe ressaltar que a matéria orgânica, o nitrogênio e o fósforo são os nutrientes de
63 Ferreira, D.G.
Resultados e Discussão
maior importância, por estarem envolvidos em diferentes atividades celulares, tais
como: equilíbrio osmótico da célula; cofatores para reações enzimáticas; geração de
energia; e síntese de constituintes celulares, sejam eles estruturais ou genéticos
(Brunken & Szarfare, 1999; Gomes, 2005; Moreira & Siqueira, 2006).
Quadro 10 – Características Físico-Químicas do Solo
Características físico-químicas
Micronutrientes
Macronutrientes
Características
Físico-Químicas
Valores (ppm*)
Cobre
0,1
Ferro
3
Manganês
0,1
Zinco
0,3
Alumínio
0,5
Cálcio
0,4
Fósforo
5
Matéria Orgânica
3000
Magnésio
0,1
Nitrogênio
675
Potássio
0,1
pH
5,0
Umidade
10% (v/m)
*ppm corresponde a mg/kg
Segundo a literatura científica a relação C:N:P ideal para o metabolismo
microbiano é de 100:10:1 (Riser-Roberts, 1998). Assim, o solo analisado pode ser
considerado fora das condições ideais para o desenvolvimento de microrganismos,
já que apresenta uma relação de C:N:P, aproximadamente de 100:22:0,2. Isso
impõe a suplementação do solo com fontes de fósforo de modo a estabelecer
condições nutricionais apropriadas para a atividade microbiana. Nesse caso, o
emprego de fertilizantes é recomendado pelo seu baixo custo e por conter a fonte de
fósforo para a suplementação.
Além da limitação de nutrientes, esse solo tem um caráter ácido, com um valor
de pH de 4,7. Normalmente, esse valor é favorável à atividade fúngica, mas não
64 Ferreira, D.G.
Resultados e Discussão
para o crescimento da maioria das bactérias, que necessitam de pH ideal próximo à
neutralidade (Madigan, Martinko & Parker, 2004). Portanto, considerando que a
participação das bactérias é mais efetiva no processo de biorremediação, visto a sua
maior velocidade de crescimento, foi necessário o aumento do pH do solo (RiserRoberts, 1998; Neto, Figueirêdo & Queiroz, 2005; Moreira & Siqueira, 2006).
Com relação ao percentual de água, seu teor no solo foi de aproximadamente
10%. Esse valor restringe a atividade metabólica da maioria dos microrganismos, já
que, conforme mencionado anteriormente, a água é o veículo de transporte de
nutrientes através da membrana celular e também está relacionada com a
homeostase (Madigan, Martinko & Parker, 2004). Assim, para a realização dos
ensaios houve a necessidade de aumentar a umidade do solo. Porém, devido ao
caráter argiloso do solo, foram estabelecidos dois valores de umidade (úmido- 20% e
saturado-40%) de modo a poder avaliar o desempenho dos microrganismos em
diferentes condições ambientais.
É importante ressaltar que no meio ambiente as características do solo são
variáveis, sendo que essas variações são mais acentuadas no sentido vertical, em
conseqüência das camadas formadas no processo de formação dos solos. Portanto,
é importante que o monitoramento da biodegradação seja conduzido em diferentes
profundidades.
As condições ambientais ótimas para o metabolismo celular variam de acordo
com a espécie microbiana. Em geral, a temperatura ótima de crescimento está na
faixa entre 25 e 30ºC, enquanto o pH deve estar próximo à neutralidade para as
bactérias e ligeiramente ácido para os fungos (Riser-Roberts, 1998; Madigan,
Martinko & Parker, 2004; Neto, Figueirêdo & Queiroz, 2005; Moreira & Siqueira,
2006).
Apesar das características físico-químicas e nutricionais determinadas para o
solo estudado serem limitantes para a atividade de bactérias, o solo utilizado nesse
estudo apresentou cerca de 105 UFC/g de solo de bactérias heterotróficas cultiváveis
totais (BHT) e 102 NMP/g de solo de bactérias hidrocarbonoclásticas (BHC).
A presença de bactérias hidrocarbonoclásticas nesse solo ratifica a
possibilidade de se detectar e isolar espécies de microrganismos com potencial
65 Ferreira, D.G.
Resultados e Discussão
degradador, mesmo em solos sem histórico de contaminação (Atlas, 1981; RiserRoberts, 1998). Tal fato corrobora a biodiversidade dos solos, assim como a
versatilidade das comunidades microbianas neles presentes quanto à degradação
de fontes complexas de carbono e energia.
Por outro lado, alguns autores preconizam que baixas concentrações de
espécies com potencial degradador em condições ambientais desfavoráveis
dificultam a remoção biológica de um eventual contaminante (Vidali, 2001; Singh &
Ward, 2004). Dentre as alternativas indicadas para a biorremediação de petróleo e
seus derivados têm-se o bioaumento pela incorporação no solo tanto de populações
endógenas do solo com potencial degradador, quanto de populações microbianas
exógenas específicas, essa adição de microrganismos recebe o nome de
bioenriquecimento.
No caso de já existirem espécies potencialmente degradadoras na comunidade
microbiana, é possível aumentar o seu número tão somente pelo ajuste da condição
nutricional e do pH (bioestímulo). Entretanto, a ausência ou a baixa concentração
dessas espécies induz a introdução de microrganismos exógenos juntamente com o
bioestímulo. Em ambas situações o intuito é garantir uma efetiva atividade
microbiana no local e, conseqüentemente, um tratamento mais efetivo e mais rápido.
No Brasil, onde a legislação ambiental restringe a introdução de espécies não
nativas ou modificadas geneticamente, sendo apenas possível a realização de
bioaumento pela introdução de espécies autóctones autorizadas pelo IBAMA
(CONAMA no 237, 1997; CONAMA no 314, 2002).
No caso do bioestímulo há que se monitorar as concentrações de nutrientes
durante o tratamento para que essas não fiquem abaixo dos níveis necessários para
a atividade celular ou, ao contrário,
atinjam níveis tóxicos que ultrapassem as
concentrações permitidas pela legislação (Riser-Roberts, 1998; Resolução CONAMA
nº 357/2005).
Como o solo do presente estudo possui microrganismos com potencial
degradador, foi definido realizar bioaumento e bioestímulo a fim de incrementar a
biodegradação com microrganismos autóctones.
66 Ferreira, D.G.
Resultados e Discussão
4.2. Avaliação de Parâmetros para a Biorremediação da Gasolina
Em face da caracterização microbiológica do solo empregado ter apontado
uma baixa concentração de bactérias hidrocarbonoclásticas (102 NMP/g de solo),
preliminarmente foi realizado o preparo do inóculo para o bioaumento, a fim de
aumentar o número de células metabolicamente ativas e adaptadas ao
contaminante. E, assim, tentar aumentar a eficiência da biodegradação da gasolina
no Latossolo, em um menor intervalo de tempo. Segundo vários autores, o emprego
de uma população microbiana adaptada ao contaminante é crucial nos tratamentos
de biorremediação (Vidali, 2001; Olaniram, Pillay & Pillay, 2006).
O inóculo foi preparado em fase sólida, isto é, no próprio solo. Para tanto,
houve a necessidade também de ajustar os parâmetros físico-químicos, visto que as
análises do solo mostraram condições inadequadas de concentração de nutrientes,
pH e teor de umidade para a proliferação de bactérias (Quadro 10).
O monitoramento do Latossolo, após os ajustes devidos de umidade e pH e
dos acréscimos de fertilizante comercial (cerca de 50 ppm de P) e de 5%(v/m) de
gasolina, revelou o aumento da concentração de bactérias, cujos resultados,
decorridos 21 dias, são apresentados no Quadro 11. Nesse quadro também constam
as características físico-químicas do solo após o bioestímulo.
Quadro 11 – Características Físico-Químicas e Microbiológicas do Solo Corrigido
Características
Nutrientes
Populações Microbianas
Características FísicoQuímicas
Concentração
Matéria Orgânica
26,6 g/kg
Nitrogênio
1g/kg
Fósforo
50 mg/kg
Potássio
20 mg/kg
BHT*
108 UFC/g
BHC**
105 NMP/g
pH
7,4
Umidade
30%
5
*BHT – Bactérias Heterotróficas Totais; inicial: 10 UFC/g
**BHC – Bactérias Hidrocarbonoclásticas; inicial: 102 NMP/g
67 Ferreira, D.G.
Resultados e Discussão
Com o ajuste da condição nutricional para 50 ppm de fósforo, estabelecendo
uma relação C:N:P de aproximadamente 530:20:1, houve um aumento da população
inicial de bactérias hidrocarbonoclásticas de 102 NMP/g de solo para 105 NMP/g,
demonstrando a capacidade de espécies do consórcio de microrganismos
autóctones de usar o contaminante como fonte de carbono (Pala, 2003; Pala et al.,
2004; Baptista, Camporese & Freire, 2006). Pode-se ainda evidenciar um aumento
de três ordens de grandeza para a população de bactérias heterotróficas cultiváveis
totais, o que sugere que o metabolismo das BHC gerou compostos químicos
passíveis de serem assimilados pelas BHT, resultando em um aumento.
Uma vez tendo alcançado uma concentração apropriada de microrganismos
degradadores em solo, amostras foram usadas para efetuação do bioaumento nas
diferentes condições experimentais, dando início aos ensaios de biorremediação
propriamente ditos. Através do bioaumento, verificou-se um aumento da população
de BHC de uma ordem de grandeza. Embora esse aumento possa ser considerado
baixo as células introduzidas estavam metabolicamente ativas e adaptadas ao
contaminante.
Nesta etapa, o foco principal foi avaliar a interferência de alguns parâmetros na
biorremediação da gasolina, em especial a presença de etanol, que é usado
comercialmente como aditivo no Brasil. Para isso, foram avaliadas diferentes
combinações de concentração de fósforo, teor de etanol e umidade através de um
planejamento fatorial (Quadros 5 e 6). A interferência do etanol na biorremediação
da gasolina, e as melhores condições de fertilizante e umidade para a condução do
processo foram avaliadas com base no monitoramento da população de bactérias
hidrocarbonoclásticas, do teor de hidrocarbonetos totais de petróleo (HTP) e da
toxicidade dos compostos residuais no solo para minhocas. Ressalta-se que o teor
de HTP no solo foi a principal resposta para a estimativa da eficiência do processo
de biorremediação.
Os teores de HTP ao final de 30 dias para os diferentes sistemas ensaiados
são apresentados na Figura 14. Em todos os ensaios (PF-1 a PF-12) foi evidenciada
redução da concentração de HTP pela ação dos microrganismos. Entretanto, em
nenhuma das condições ensaiadas, o contaminante foi totalmente removido.
68 Ferreira, D.G.
Resultados e Discussão
Provavelmente, em função do esgotamento das fontes nutricionais e/ou ao tempo de
tratamento.
Destaca-se ainda que a redução da concentração de HTP variou com a
bioestimulação. De modo que, nos ensaios realizados com a maior adição de
fertilizante (PF-3, PF-4, PF-7 e PF-8), foram detectadas as menores concentrações
residuais do contaminante. Enquanto que nos ensaios sem adição do fertilizante
(PF-1, PF-2, PF-5 e PF-6) foram detectadas as maiores concentrações finais de
HTP. Interessante notar que a variação da umidade só interferiu nos ensaios
conduzidos com a máxima quantidade de fertilizante.
10000
Concentração de HTP no solo (mg/Kg)
9000
8000
7000
6000
5000
4000
3000
2000
1000
0
Ensaios
*O desvio padrão médio de aproximadamente 6%
Figura 15 – Teores finais de HTP, expressos em valores médios, para a biorremediação de latossolo
contaminado com 10% (m/m) de gasolina em diferentes condições de etanol, fertilizante e umidade.
Teor de HTP inicial: 30.000 mg/kg. Condições do ensaio (%etanol; [P]; % de umidade): PF-1
(0%;0ppm;20%); PF-2 (25%;0ppm;20%); PF-3 (0%;50ppm;20%); PF-4 (25%;50ppm;20%); PF-5
(0%;0ppm;40%); PF-6 (25%;0ppm;40%); PF-7 (0%;50ppm;40%); PF-8 (25%;50ppm;40%); PF-9
(12,5%;25ppm;20%);
PF-10
(12,5%;25ppm;20%);
(12,5%;25ppm;40%);
CPF-I
(Solo;Inóculo;20%);
PF-11
CPF-II
(12,5%;25ppm;40%);
(Solo;Gasolina;20%);
PF-12
CPF-III
(Solo;Gasolina(25%);20%); CPF-IV (Solo;Gasolina(12,5%);20%); CPF-V (Solo;Inóculo;40%); CPF-VI
(Solo;Gasolina;40%); CPF-VII (Solo;Gasolina;40%); CPF-VIII (Solo;Gasolina(12,5%);40%).
69 Ferreira, D.G.
Resultados e Discussão
Embora o solo tenha sido contaminado com 10% (m/m) de gasolina, ou seja,
100.000 mg/kg de solo, a metodologia utilizada para monitorar a concentração de
HTP detectou em média 30.000 mg/kg de solo. Essa discrepância de valor deve-se
principalmente ao fato de a técnica utilizada avaliar o teor de contaminante adsorvido
nas partículas de solo e não todo o HTP introduzido. Assim, comparando a
concentração inicial detectada com a concentração de HTP final dos ensaios
controle mais de 75% do contaminante foi perdido através de fatores abióticos, isto
é, sem a interferência dos microrganismos. Esse percentual foi determinado com
base na comparação entre a concentração inicial e final detectada nos controles
abióticos (CPF-II, CPF-III, CPF-IV, CPF-VI, CPF-VII e CPF-VIII).
Österreicher-Cunha et al. (2004) observaram que logo nas primeiras 24 h após
a contaminação do solo com gasolina houve uma grande volatilização de
hidrocarbonetos que, em alguns casos, chegou a atingir 80% da quantidade inicial.
Com o decorrer do tratamento, a concentração de hidrocarbonetos foi decrescendo
gradativamente, não sendo mais detectada decorridos 80 dias.
A biorremediação da gasolina é um processo que já foi alvo de alguns estudos,
seja em processos aeróbicos (Corseuil et al., 1996; Barbaro & Barker, 2000; Kao &
Wang, 2000; Solano-Serena et al., 2000; Rahman et al., 2002; Landmeyer &
Bradley, 2003; Ghazali et al., 2004; Tiburtius, Peralta-Zamora & Emmel, 2005;
Baldwin, Nakatsu & Nies, 2007) ou anaeróbicos (Corseuil et al., 1996; Phelps &
Young, 1999; Yerushalmi, Manuel & Guiot, 1999; Silva & Alvarez, 2002; Nardi et al.,
2005; Dou et al., 2007). Entretanto, poucos trabalhos avaliaram o papel e os efeitos
da adição de etanol na biorremediação da gasolina.
O percentual de remoção do contaminante para cada condição ensaiada foi
calculado deduzindo as perdas abióticas, a partir dos dados dos respectivos ensaios
controle. Assim, o maior percentual de degradação do contaminante para os ensaios
realizados sem adição de fertilizante (PF-1, PF-2, PF-5 e PF-6) foi inferior a 30%.
Esses resultados foram similares aos dos ensaios realizados nas condições dos
pontos centrais do planejamento (PF-9 a PF-12), que apresentaram reduções de
contaminação de aproximadamente 35%. Nessas condições, a variação na condição
de umidade não interferiu de maneira efetiva na biodegradação dos hidrocarbonetos.
70 Ferreira, D.G.
Resultados e Discussão
Em contrapartida, nos ensaios realizados com a adição do valor máximo de
fertilizante, a biodegradação variou em função da condição de umidade. Para os
solos saturados (PF-7 e PF-8), a remoção do contaminante foi superior a 50%,
enquanto que para o menor teor de umidade (ensaios PF-3 e PF-4), a redução do
teor de contaminante foi inferior a 40%.
De um modo geral, a variação do conteúdo de etanol na gasolina não provocou
diferenças notórias na concentração final de HTP. Ao contrário das informações
disponíveis na literatura que indicam que a adição de etanol à gasolina interfere
negativamente no processo de biorremediação, e aumenta os danos ao ambiente
(Corseuil et al., 1996; Lovanh, Hunt & Alvarez, 2002; Corseuil, Kaipper & Fernandes,
2004; Österreicher-Cunha et al., 2004; Niven, 2005; Silva & Alvarez, 2004; Mackay,
et al., 2006; Gusmão et al., 2006; Österreicher-Cunha et al., 2007; ÖsterreicherCunha et al., 2009). Uma vez que, segundo a maioria desses autores, o etanol
também retarda a biodegradação dos hidrocarbonetos constituintes da gasolina.
O maior tempo de processo requerido para a degradação da gasolina quando
na presença de etanol se justifica pela menor complexidade do biocombustível
quando comparado aos hidrocarbonetos do petróleo, fazendo com que o álcool seja
assimilado preferencialmente pelos microrganismos, e dessa forma retardando o
consumo dos hidrocarbonetos (Corseuil & Moreno, 2001; Lovanh, Hunt & Alvarez,
2002; Corseuil, Kaipper & Fernandes, 2004; Malamud et al., 2005; Silva & Alvarez,
2004; Mackay, et al., 2006; Gusmão et al., 2006; Österreicher-Cunha et al., 2009).
Existe ainda a possibilidade de ocorrer oxidação do etanol à ácido acético gerando
um ambiente ácido e anaeróbico
Além de interferir no processo de degradação microbiana dos hidrocarbonetos,
a presença de etanol na gasolina provoca o aumento da concentração de
hidrocarbonetos dissolvidos em água (Banerjee & Yalkowsky, 1988). Isso ocorre
porque o álcool se dissolve facilmente em água, atuando como uma ponte para a
transferência de hidrocarbonetos hidrofóbicos para a fase aquosa, através do
fenômeno de co-solvência.
Essa
transferência
propaga
a
distribuição
dos
hidrocarbonetos
pelo
ecossistema, aumentando a extensão da área contaminada, e, por conseguinte,
71 Ferreira, D.G.
Resultados e Discussão
ampliando os efeitos da contaminação (Corseuil & Fernandes, 1999; Corseuil,
Kaipper & Fernandes, 2004). Contudo, os efeitos da co-solvência são dependentes
da concentração de etanol misturado à gasolina, uma vez que a transferência de
hidrocarbonetos para a fase aquosa ocorre apenas em teores de etanol superiores a
10% (v/v) (Banerjee & Yalkowsky, 1988; Corseuil, Kaipper & Fernandes, 2004).
Como anteriormente mencionado, os impactos negativos no processo de
biorremediação são decorrentes dos efeitos nocivos do contaminante sobre as
populações microbianas. Em geral, a contaminação reduz as populações de
bactérias, embora, após uma fase de adaptação, algumas espécies sejam capazes
de se restabelecer e, portanto, retomar o seu crescimento.
Österreicher-Cunha et al. (2004), avaliando a bioventilação no tratamento de
solo contaminado com gasolina, verificaram que logo após a contaminação houve
um decréscimo considerável da concentração celular. Entretanto, em um intervalo de
apenas 24 h, ocorreu o restabelecimento das espécies microbianas (103 UCF/g de
solo), e passados 30 dias, no solo foi detectada a concentração de 105 UCF/g.
Nas Figuras 16 e 17, podem ser observadas as contagens de bactérias
hidrocarbonoclásticas para os diferentes ensaios (PF-1 a PF-12) e controles (CPF-I
a CPF-IV), definidos segundo planejamento fatorial (Quadro 5), para solos em
condições de umidade distintas. A análise da figura mostra que a contaminação
provocou uma ligeira redução dessa população bacteriana nos ensaios que não
receberam bioestímulo, embora, diferentemente do observado por ÖsterreicherCunha et al. (2004), não tenha sido observado o seu aumento (PF-1, PF-2, PF-5 e
PF-6), nem mesmo decorridos 30 dias, independentemente do teor de umidade
(Figuras 16 e 17).
Possivelmente, as limitações nutricionais impediram que a população
bacteriana utilizasse todo o seu potencial metabólico, o que, conseqüentemente,
resultou na baixa remoção dos hidrocarbonetos do solo (Figura 15). Para os ensaios
com bioestímulo (PF-3, PF-4, PF-7 e PF-8), foi verificado aumento da concentração
de BHC, com valores máximos semelhantes independentemente da presença ou
não de etanol, e do teor de umidade (20 ou 40%).
72 BHC NMP/g (log10)
Ferreira, D.G.
Resultados e Discussão
6
5,5
5
4,5
4
3,5
3
2,5
2
1,5
1
0,5
0
PF‐1
PF‐2
PF‐3
PF‐4
PF‐9
PF‐10
CPF‐I
CPF‐II
CPF‐III
CPF‐IV
Ensaios
Inicial
30 dias após a contaminação
*O desvio padrão médio de aproximadamente 5% (inicial), e de 2% (30 dias após a contaminação)
Figura 16 – Concentrações inicial e final de bactérias hidrocarbonoclásticas (BHC) para
biorremediação de solo contaminado com gasolina nas diferentes condições ensaiadas usando solo
úmido. Condições do ensaio (%etanol; [P]; % de umidade): PF-1 (0%;0ppm;20%); PF-2
(25%;0ppm;20%); PF-3 (0%;50ppm;20%); PF-4 (25%;50ppm;20%); PF-10 (12,5%;25ppm;20%); PF11
(12,5%;25ppm;40%);
PF-12
(12,5%;25ppm;40%);
CPF-I
(Solo;Inóculo;20%);
CPF-II
(Solo;Gasolina;20%); CPF-III (Solo;Gasolina(25%);20%); CPF-IV (Solo;Gasolina(12,5%);20%);
Por outro lado, para os controles abióticos (CPF-II, CPF-III, CPFIV, CPF-VI,
CPF-VII e CPF-VIII), não foram detectados microrganismos viáveis ao 30º dia de
tratamento, como mostram as Figuras 16 e 17. Dessa forma pode-se garantir que os
microrganismos autóctones dos solos desses ensaios foram inibidos pela adição de
formaldeído, o que comprova que a redução de HTP (Figura 15) não foi através da
ação microbiana sobre o contaminante. Logo, a perdas de HTP desses controles
podem ser atribuídos apenas aos fatores abióticos.
Conforme ilustrado na Figura 18, as maiores reduções de HTP ocorreram para
os ensaios onde o crescimento de BHC foi maior. Portanto, pode-se aferir que a
concentração de bactérias hidrocarbonoclásticas metabolicamente ativas e o teor de
HTP são parâmetros interligados.
73 BHC NMP/g (log10)
Ferreira, D.G.
Resultados e Discussão
6
5,5
5
4,5
4
3,5
3
2,5
2
1,5
1
0,5
0
PF‐5
PF‐6
PF‐7
PF‐8
PF‐11
PF‐12
CPF‐V
CPF‐VI CPF‐VII CPF‐VIII
Ensaios
Incial
30 dias após a contaminação
*O desvio padrão médio de aproximadamente 2% (inicial), e de 1% (30 dias após a contaminação)
Figura 17 – Concentrações inicial e final de bactérias hidrocarbonoclásticas (BHC) para
biorremediação de solo contaminado com gasolina nas diferentes condições ensaiadas usando solo
saturado. Condições do ensaio (%etanol; [P]; % de umidade): PF-5 (0%;0ppm;40%); PF-6
(25%;0ppm;40%); PF-7 (0%;50ppm;40%); PF-8 (25%;50ppm;40%); PF-11 (12,5%;25ppm;40%); PF12
(12,5%;25ppm;40%); CPF-V (Solo;Inóculo;40%); CPF-VI (Solo;Gasolina;40%); CPF-VII
(Solo;Gasolina;40%); CPF-VIII (Solo;Gasolina(12,5%);40%).
A redução de parte da população de BHC não impediu que as espécies
remanescentes promovessem o consumo dos hidrocarbonetos da gasolina (ensaios
PF-1, PF-2, PF-5 e PF-6). Fato também observado por Bento e colaboradores
(2005). Segundo esses autores, a contaminação, dependendo das condições
ensaiadas pode reduzir o número de bactérias viáveis, embora possa haver aumento
da
atividade
metabólica.
Logo,
as
células
remanescentes
continuam
metabolicamente ativas e atuando na remoção do contaminante. Isso se deve,
principalmente, ao fato de a contaminação provocar uma seleção natural das
espécies com potencial para tolerar e degradar o composto xenobiótico introduzido
no ecossistema.
Por outro lado, como mostra a Figura 18, a bioestimulação, principalmente nos
ensaios PF-3, PF-4, PF-7 e PF-8, promoveu o aumento da população de bactérias
74 Ferreira, D.G.
Resultados e Discussão
degradadoras, que culminou na remoção das maiores concentrações de
contaminante. Esses resultados diferem do estudo de Bento e colaboradores (2005),
onde a remoção do contaminante foi igual ou pior quando a bioestimulação foi
comparada à bioatenuação.
Os resultados da população de bactérias hidrocarbonoclásticas e do teor de
HTP apresentaram diferenças notórias em relação à condição de umidade e à
concentração de nutrientes. Porém, o percentual de etanol adicionado à gasolina
não pareceu ter efeito na sua biodegradação.
Os melhores resultados para a remoção da gasolina foram obtidos com a
adição de 50 ppm de fósforo, sendo que os ensaios que aplicaram solo saturado
(aproximadamente 40% de umidade) apresentaram concentrações residuais de HTP
menores que às detectadas nos ensaios com solo úmido (aproximadamente 20% de
umidade). Possivelmente, a solubilização dos hidrocarbonetos em água aumentou a
sua biodisponibilidade favorecendo o seu consumo pelos microrganismos.
Em ambas as condições de umidade, o sucesso na remoção da gasolina do
solo foi dependente da concentração de fósforo a ele adicionada. Os ensaios
bioestimulados, seja com 25 ou 50 ppm de fósforo, apresentaram concentrações
próximas ou inferiores à 5000 ppm de HTP.
A legislação ambiental brasileira não detém valores de referência e de
intervenção sobre a concentração de contaminantes no solo. Por isso, em geral, são
adotados parâmetros de legislações estrangeiras, principalmente, as da Holanda e
da Alemanha (CETESB, 1999; CETESB, 2001; Environmental Statement, 2005;
Ministério do Meio Ambiente, 2007). Obviamente, a adoção de legislações
estrangeiras pode ser utilizada somente como um indicativo da qualidade dos
ecossistemas já que as condições ambientais desses paises são diferentes das
encontradas no território nacional.
75 Ferreira, D.G.
8.00E+04
100
90
7.00E+04
80
6.00E+04
2.00E+04
Percentual de Remoção
1.00E+04
70
0.00E+00
60
50
40
‐1.00E+04
30
20
10
0
CPF‐VII
CPF‐VIII
CPF‐V
CPF‐VI
CPF‐III
CPF‐I
CPF‐II
PF‐12
Variação da população de BHC
PF‐11
PF‐10
PF‐9
Ensaios
PF‐8
PF‐1
0
CPF‐IV
10
PF‐7
20
PF‐6
30
3.00E+04
PF‐5
40
Variação da população de BHC
4.00E+04
PF‐4
50
5.00E+04
PF‐3
60
PF‐2
70
Variação da população de BHC (NMP/g)
Percentual de Remoção do Contaminante (%)
Resultados e Discussão
Percentual de Remoção
*O desvio padrão dos resultados desse gráfico são os mesmos mostrados nas Figuras 15, 15 e 16
Figura 18 – Comparação entre o percentual de remoção de HTP e a variação da
concentração de BHC nos ensaios do planejamento fatorial (Quadros 5 e 6). Condições do
ensaio (%etanol; [P]; % de umidade):: PF-1 (0%;0ppm;20%); PF-2 (25%;0ppm;20%); PF-3
(0%;50ppm;20%); PF-4 (25%;50ppm;20%); PF-5 (0%;0ppm;40%); PF-6 (25%;0ppm;40%); PF-7
(0%;50ppm;40%); PF-8 (25%;50ppm;40%); PF-9 (12,5%;25ppm;20%); PF-10 (12,5%;25ppm;20%);
PF-11 (12,5%;25ppm;40%); PF-12
(12,5%;25ppm;40%); CPF-I (Solo;Inóculo;20%); CPF-II
(Solo;Gasolina;20%); CPF-III (Solo;Gasolina(25%);20%); CPF-IV (Solo;Gasolina(12,5%);20%); CPF-V
(Solo;Inóculo;40%);
CPF-VI
(Solo;Gasolina;40%);
CPF-VII
(Solo;Gasolina;40%);
CPF-VIII
(Solo;Gasolina(12,5%);40%).
No caso de contaminações por petróleo e seus derivados, são utilizados como
base os padrões holandeses, o qual determina que um solo pode ser dado como
não contaminado quando o teor de HTP é inferior à 50 ppm. Ainda com base na
legislação holandesa, a intervenção de uma área, ou seja, a sua remediação é feita
76 Ferreira, D.G.
Resultados e Discussão
quando são detectadas concentrações iguais ou superiores a 5000 ppm de HTP no
solo (CETESB, 1999; CETESB, 2001).
Com base no valor limítrofe da legislação holandesa, tem-se que os ensaios
PF-1 e PF-2 necessitariam ainda de intervenção. Já os pontos centrais (ensaios PF5, PF-6, PF-11 e PF-12), que apresentaram concentrações próximas ao valor
limítrofe, possivelmente, só dependeriam de um tempo maior de tratamento. Mas, os
ensaios PF-3, PF-4, PF-7 e PF-8, para os quais as concentrações de HTP foram
bem inferiores à concentração limite, os tratamentos poderiam ser considerados
como concluídos. No caso de contaminação por gasolina além dosagem de HTP,
também deve ser avaliado a concentração de BTEX no solo antes da conclusão do
tratamento, contudo nesse trabalho não foi utilizada nenhuma metodologia para a
dosagem desses hidrocarbonetos.
Dessa forma, pode-se aferir que o processo de biorremediação foi mais eficaz
quando
aplicada
a
bioestimulação,
dentro
dos
parâmetro
monitorados,
independentemente do solo estar úmido ou saturado, uma vez que, mesmo a adição
mínima de fósforo (25 ppm), permitiu que os microrganismos promovessem a
degradação do contaminante até um valor igual ou inferior ao de intervenção,
segundo a legislação holandesa.
A detecção de valores inferiores a 5000 ppm deve apenas servir como
parâmetro para sinalização de finalização do tratamento, já que os compostos
residuais podem ser tão, ou até mesmo mais tóxicos que os compostos originais
(Yerushalmi & Guiot, 1998). Por isso, é importante analisar os hidrocarbonetos
residuais quanto a sua toxicidade antes de dar o tratamento por encerrado tentando
restabelecer as condições naturais do ecossistema (Riser-Roberts, 1998; Phillips et
al., 2000; Niven, 2005).
Dentre as diferentes metodologias empregadas para avaliação da toxicidade de
compostos residuais no ambiente, destaca-se o teste de mortalidade de minhocas,
que são anelídeos altamente sensíveis. De fato, esse teste se destaca por ser cerca
de 80% mais sensível do que aqueles realizados com sementes de vegetais e algas
(Dorn et al., 1998).
77 Ferreira, D.G.
Resultados e Discussão
Os anelídeos nutrem-se através da ingestão dos constituintes presentes em
solos, e a respiração ocorre através de trocas gasosas pela superfície cutânea. Por
isso, mesmo que os compostos tóxicos estejam presentes em baixas concentrações
no solo, essas substâncias podem ser letais ou vir a causar lesões a esses
invertebrados (Contreras-Ramos, Alvarez-Bernal & Dendooven, 2009).
Logo, as minhocas podem ser usadas para avaliar os efeitos tóxicos letais ou
subletais de contaminantes num curto período de tempo. Os efeitos subletais podem
interferir em seu crescimento, comportamento, reprodução ou, ainda, nos processos
fisiológicos. A duração do teste de toxicidade aguda varia de 7 a 14 dias e o teste de
reprodução em torno de 9 semanas (Kapanen & Itavaara, 2001; Harmon & Wyatt,
2008; Contreras-Ramos, Alvarez-Bernal & Dendooven, 2009).
Como mostra a Figura 19, no presente estudo, os percentuais de mortalidade
variaram de acordo com as condições dos ensaios. Nos controles abióticos (CPF-II,
CPF-III, CPFIV, CPF-VI, CPF-VII e CPF-VIII), mesmo ao final do tratamento, houve
morte da totalidade das minhocas, indicando a toxicidade do solo. Em contrapartida,
nos controles bióticos (CPF-I e CPF-V) não foi evidenciada morte dos anelídeos, o
que representa que os compostos residuais, carreados do bioaumento, eram
atóxicos ou se encontravam em concentrações não tóxicas.
De
um
modo
geral,
os
ensaios
realizados
com
solo
saturado
(aproximadamente 40% de umidade) apresentaram menor mortalidade das
minhocas
em
comparação
com
aqueles
conduzidos
com
solos
úmidos
(aproximadamente 20% de umidade). Nesse caso, destacam-se os ensaios PF-7 e
PF-8, para os quais não observada toxicidade para a espécie Eisenia fetida. Por
outro lado, nos ensaios com o solo úmido (20% de umidade), não houve nenhuma
condição que resultasse em solo completamente atóxico para as minhocas, sendo o
percentual de mortalidade mais baixo de 50% correspondente ao ensaio PF-3.
Considerando que os resultados referentes às concentrações de BHC e aos
teores de HTP no solo foram similares para ambos os percentuais de umidade
testados, embora a toxicidade dos solos após tratamento tenha variado em função
do teor de água no solo pode-se presumir que, nos solos com 20 e 40% de umidade,
a degradação dos hidrocarbonetos ocorreu através de rotas metabólicas distintas,
78 Ferreira, D.G.
Resultados e Discussão
com geração de produtos qualitativa ou quantitativamente diversos, o que resultou
em diferentes níveis de toxicidade.
A Figura 18 mostra que a maior concentração de microrganismos culmina na
maior remoção do contaminante, e que por sua vez resulta em menor toxicidade do
solo. Contudo, é importante ressaltar que a toxicidade observada em alguns ensaios,
possivelmente, está relacionada mais com a geração de produtos intermediários
tóxicos do que com altas concentrações de HTP.
100
Mortalidade de Minhocas (%)
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
Ensaios
Percentual de mortalidade de minhocas após 30 dias de tratamento
Figura 19 – Percentual de mortalidade de minhocas nos ensaios do planejamento fatorial.
Condições do ensaio (%etanol; [P]; % de umidade): PF-1 (0%;0ppm;20%); PF-2 (25%;0ppm;20%);
PF-3 (0%;50ppm;20%); PF-4 (25%;50ppm;20%); PF-5 (0%;0ppm;40%); PF-6 (25%;0ppm;40%); PF-7
(0%;50ppm;40%); PF-8 (25%;50ppm;40%); PF-9 (12,5%;25ppm;20%); PF-10 (12,5%;25ppm;20%);
PF-11 (12,5%;25ppm;40%); PF-12
(12,5%;25ppm;40%); CPF-I (Solo;Inóculo;20%); CPF-II
(Solo;Gasolina;20%); CPF-III (Solo;Gasolina(25%);20%); CPF-IV (Solo;Gasolina(12,5%);20%); CPF-V
(Solo;Inóculo;40%);
CPF-VI
(Solo;Gasolina;40%);
CPF-VII
(Solo;Gasolina;40%);
CPF-VIII
(Solo;Gasolina(12,5%);40%).
79 Ferreira, D.G.
Resultados e Discussão
Diferentemente da condição nutricional e da condição de umidade, o conteúdo
de etanol na gasolina novamente não teve qualquer efeito na toxicidade do solo
após seu tratamento, o que sugere que o biocombustível não interfere na toxicidade
do metabolismo de degradação da gasolina. Porém apenas uma análise estatística
pode revelar a significância desse parâmetro e seu efeito a partir das possíveis
interações.
4.2.1. Análise Estatística do Planejamento Fatorial
Em tratamentos de biorremediação, diversos fatores podem interferir, tanto
positiva quanto negativamente, na degradação dos contaminantes. O presente
trabalho se restringiu a avaliar apenas a condição de umidade, o percentual de
etanol adicionado à gasolina e a concentração de fósforo no solo através de três
variáveis de resposta que foram: teor residual de HTP no solo, a concentração das
bactérias com potencial degradador; e toxicidade do solo à minhoca vermelha
Eisenia fetida.
Os resultados obtidos para as variáveis foram tratados estatisticamente com o
software Statistica 6.0, que permite a determinação da significância dos fatores
estudados, bem como os seus efeitos e possíveis interações. E ainda, em alguns
casos, torna possível a construção de um modelo matemático para a estimação de
resultados dentro da faixa estudada (Calado & Montgomery, 2003). Mas, em geral, a
construção de modelos matemáticos para estimar parâmetros em processos
biológicos pode não ser representativa, pois esses processos são sensíveis a
variações sutis nas condições ambientais, o que reduz a representatividade da
estimação de resultados a partir de uma base matemática (Calado & Montgomery,
2003; Rodrigues & Iemma, 2005). Portanto, embora o software possa fornecer um
grande volume de informação, a análise estatística desse estudo será restrita às
informações inerentes a significância e aos efeitos dos fatores. A significância dos
fatores está diretamente atrelada ao intervalo de confiança usado. Nesse caso foi
escolhido um intervalo de confiança de 95%, que corresponde ao menor nível em
que os dados são significativos em um teste de hipótese utilizando o teste t de
Student.
80 Ferreira, D.G.
Resultados e Discussão
A disposição dos dados estatísticos pode ser feita de inúmeras formas, sendo o
diagrama de Pareto uma das representações gráficas mais completas, pois permite
a visualização da significância dos fatores e suas interações, bem como os efeitos
desses fatores sobre as variáveis de resposta. Já a análise das interações entre os
fatores pode ser melhor analisada através do gráfico das médias, que permite
identificar o ponto em que a interação ocorre ou tende a ocorrer.
O diagrama de Pareto mostrando os efeitos da umidade, do percentual de
etanol adicionado à gasolina e da concentração de fósforo no solo, para a
biodegradação do contaminante em função das variáveis de resposta teor de HTP,
concentração de BHC e toxicidade às minhocas pode ser observada nas Figuras 20,
21 e 22, respectivamente.
Nos gráficos, uma linha pontilhada baseada no intervalo de confiança prédeterminado, indica o valor limite para a aceitação ou rejeição da hipótese nula, isto
é, separa os fatores de acordo com a sua significância estatística. O valor positivo ou
negativo indica a significância e o efeito do parâmetro na variável analisada, ou seja,
interfere no aumento ou na redução, respectivamente.
Nota-se, na Figura 20, que a variável que mais influenciou na remoção de HTP
foi a concentração de fósforo, seguida pela umidade. Ambos os fatores atuaram
reduzindo a concentração de HTP no solo e por isso, o valor atribuído a esses
fatores é apresentado no gráfico com o sinal negativo.
Em relação à concentração das bactérias hidrocarbonoclásticas, como mostra a
Figura 21, apenas a concentração de fósforo no solo foi considerada significativa, e
inclusive o valor positivo atribuído a esse fator preconiza que a adição de nutrientes
estimula a atividade microbiana.
Diferentemente da análise para o teor de HTP e para a população de BHC, a
Figura 22 apresenta que para o teste de toxicidade com minhocas, além da umidade
e da concentração de fósforo, a interação desses dois fatores também foi
significativa. O sinal negativo das variáveis, como anteriormente mencionado,
significa que para maiores valores dessas variáveis há menor formação de
compostos tóxicos a partir da degradação da gasolina.
81 Ferreira, D.G.
Resultados e Discussão
Figura 20 – Diagrama de Pareto mostrando a contribuição das variáveis estudadas na remoção de HTP.
Figura 21 – Diagrama de Pareto mostrando a contribuição das variáveis estudadas para o crescimento das
bactérias hidrocarbonoclásticas.
82 Ferreira, D.G.
Resultados e Discussão
Figura 22 – Diagrama de Pareto mostrando a contribuição das variáveis estudadas na mortalidade de
minhocas (Eisenia fetida).
O fator de interação entre a concentração de fósforo e a condição de umidade
pode ser melhor analisado na Figura 23, que apresenta o gráfico das médias. Esse
tipo de gráfico dispõe os dados combinando os resultados dos pontos mínimos e
máximos de cada fator e traça uma reta interligando os pontos. A tendência das
duas retas formadas permite estabelecer a existência ou não de interação entre os
fatores. Assim, se as retas estão dispostas em paralelo é indicativo que não haverá
um ponto de congruência, isto é, não há interação entre os fatores. Por outro lado,
se as retas tendem a interseccionar em algum ponto, esse ponto determina uma
interação entre os fatores. Cabe ainda ressaltar que esse tipo de gráfico indica a
tendência a uma interação, porém a sua significância é determinada com base no
teste de hipótese do teste t de Student representado no diagrama de Pareto.
83 Ferreira, D.G.
Resultados e Discussão
Figura 23 – Gráfico das Médias relacionando a mortalidade de minhocas e a concentração
de fósforo, com base na umidade (úmido-20%; saturado-40%).
Conforme ilustrado na Figura 23, as retas que representam os fatores tendem a
se encontrar no valor mínimo da concentração de fósforo. Isso indica que a interação
entre esses fatores interfere de modo significativo na redução do percentual de
mortalidade de minhocas nos ensaios onde o solo não sofreu bioestimulação.
Como previsto, o etanol não foi relevante do ponto de vista estatístico para
nenhuma das variáveis de resposta, assim como a sua interação com os demais
fatores. Além disso, a bioestimulação foi considerada a variável mais significante
para o processo de biorremediação. Já a significância da umidade foi dependente da
resposta utilizada.
O
tratamento
estatístico
dos
resultados
obtidos
corrobora
e
valida
matematicamente os efeitos dos parâmetros estudados sobre as variáveis de
resposta no processo de biorremediação.
84 Ferreira, D.G.
Resultados e Discussão
4.3. Ensaio de Biorremediação em Colunas
Em geral, os estudos realizados apenas em laboratório permitem avaliar a
viabilidade técnica de um determinado tratamento biológico. Nessa fase são
determinados, ajustados e controlados os parâmetros significativos de modo a definir
as condições ideais de processo (Lima et al., 2002). Contudo, ao ser aplicado em
campo, nem sempre é possível alcançar os mesmos resultados visto que é difícil
reproduzir as condições reais no laboratório.
Por isso, algumas das condições definidas no item anterior (umidade e
concentração de fósforo) com base na análise estatística, para a biorremediação de
Latossolo contaminado com gasolina, foram ensaiadas em condições mais próximas
as de campo. Nesses ensaios também foi testada a presença de etanol, embora não
tenha sido comprovado qualquer efeito do etanol no consumo microbiano dos
hidrocarbonetos da gasolina, uma vez que esse composto químico já foi descrito
pela sua atuação como facilitador na solubilização de hidrocarbonetos em água, o
que pode vir a agravar a contaminação do ambiente (Corseuil & Moreno, 2001;
Lovanh, Hunt & Alvarez, 2002; Corseuil, Kaipper & Fernandes, 2004; Malamud et al.,
2005; Silva & Alvarez, 2004; Mackay, et al., 2006; Gusmão et al., 2006).
Para a condução dos experimentos, o solo foi umedecido com 20% de água,
embora a análise estatística tenha indicado que a biodegradação da gasolina é mais
eficiente em solo saturado. Tal procedimento é justificado pela baixa permeabilidade
do solo quando na coluna, conforme ilustrado na Figura 9. Portanto, nos ensaios
conduzidos em colunas de 60 cm de altura foram reproduzidas as condições
descritas no Quadro 7.
Nesses ensaios, a contaminação foi feia na mesma concentração usada nos
ensaios de biorremediação em microcosmos (10% m/m). E, assim como nos ensaios
anteriores, a perda abiótica do combustível foi determinada pela análise da
concentração de HTP no início e ao final de 60 dias nos ensaios controle. Nessa
etapa dos ensaios a perda abiótica foi menor que nos ensaios anteriores
(aproximadamente 50%), provavelmente por volatilização. Esse percentual foi
inferior ao determinado nos ensaios preliminares, tal fato provavelmente está
85 Ferreira, D.G.
Resultados e Discussão
relacionado à percolação e ao acúmulo do contaminante ao no fundo do sistema o
que reduziu a volatilização dos hidrocarbonetos da gasolina.
As Figuras 24 a 27 apresentam o perfil de distribuição do contaminante ao
longo do tempo e da célula de ensaio em 4 diferentes profundidades para os ensaios
EB-1, EB-2, EB-3 e EB-4.
Analisando a Figura 24, nota-se que nos primeiros 7 dias do ensaio EB-1 a
maior concentração de HTP se encontrava na superfície. Mas, com o decorrer do
tempo, houve migração dos hidrocarbonetos, resultando no seu acumulo na parte
mais inferior da coluna. A análise da concentração total de HTP ao longo do tempo
indica que a remoção biológica do contaminante foi muito pequena.
De modo distinto, o ensaio EB-2 apresentou outro perfil de distribuição (Figura
25), que sugere que o contaminante tenha percolado mais rapidamente, já que com
7 dias foi detectada a maior concentração de HTP na profundidade de 35 cm. Mas,
analogamente ao ensaio EB-1, nessa condição a taxa de biodegradação foi baixa.
Note-se que embora as concentrações residuais de HTP nos solos desses dois
ensaios (EB-1 e EB-2) tenham sido inferiores a 50.000 mg/kg, a concentração final
detectada no ensaio EB-2 superou em mais de 4.000 mg/kg a verificada no ensaio
EB-1. As altas concentrações de HTP detectadas nesse ensaio podem estar
relacionadas à limitação nutricional do solo, dificultando a biodegradação.
Os ensaios EB-3 e EB-4 apresentaram o mesmo perfil de degradação do
contaminante, havendo acúmulo de hidrocarbonetos na parte mais profunda da
coluna desde os primeiros 7 dias (Figuras 26 e 27). Além disso, nessas condições
houve um consumo de mais de 30.000 mg/kg de HTP, o que sugere que, nesses
ensaios (EB-3 e EB-4) o consumo do contaminante pelos microrganismos tenha sido
mais rápido, quando comparado aos ensaios EB-1 e EB-2.
Diferentemente dos ensaios EB-1 e EB-2, os ensaios EB-3 e EB-4 foram
bioestimulados, e possivelmente essa foi a causa do maior consumo de HTP, já que
nos ensaios EB-3 e EB-4 detectou-se, ao final, cerca de 15.000 mg/kg, contra uma
média de 46.000 mg/kg nos ensaios EB-1 e EB-2.
86 Ferreira, D.G.
Resultados e Discussão
As Figuras 24, 25, 26 e 27 apresentam diferenças grandes entre as ordens de
grandeza dos valores reais obtidos nas análises, por isso seus resultados foram
plotados na forma de logaritmo de base 10. Entretanto, a fim de facilitar a análise, os
valores reais, respectivamente, estão expressos em mg/kg em cada barra presente
nos gráficos.
Figura 24 – Teor de HTP no ensaio EB-1 em diferentes profundidades ao longo de 60 dias.
Condições do ensaio (%etanol; [P]; % de umidade): 0%;0ppm;20%.
Figura 25 – Teor de HTP no ensaio EB-2 em diferentes profundidades ao longo de 60 dias.
Condições do ensaio (%etanol; [P]; % de umidade): 25%;0ppm;20%.
87 Ferreira, D.G.
Resultados e Discussão
Figura 26 – Teor de HTP no ensaio EB-3 diferentes profundidades ao longo de 60 dias.
Condições do ensaio (%etanol; [P]; % de umidade): 0%;50ppm;20%
Figura 27 – Teor de HTP no ensaio EB-4 em diferentes profundidades ao longo de 60 dias.
Condições do ensaio (%etanol; [P]; % de umidade): 25%;50ppm;20%
88 Ferreira, D.G.
Resultados e Discussão
Aparentemente, a presença de etanol no contaminante (ensaios EB-2 e EB-4)
não interferiu na degradação de hidrocarbonetos da gasolina, mas acelerou sua
percolação através da coluna de solo. Ao passo que, a variação da concentração de
HTP, evidenciada ao longo da coluna, pode estar relacionada tanto à percolação do
contaminante, quanto à sua degradação pelos microrganismos.
As Figuras 28 a 33 apresentam os perfis de distribuição das bactérias
hidrocarbonoclásticas pra os controles CEB-I e CEB-II, e ensaios EB-1, EB-2, EB-3 e
EB-4, respectivamente. Nos diferentes ensaios, inicialmente, foi detectado um valor
médio inicial de 104 NMP/g de solo, porém ao longo do ensaio a concentração
celular variou em função tanto da condição e quanto do ponto de amostragem,
inclusive podendo atingir concentrações iguais ou superiores a 1012 NMP/g de solo.
É importante ressaltar que a técnica do NMP é um método estatístico, baseado
em cálculos de probabilidade, que estima a população de bactérias cultiváveis
dentro do um intervalo de confiança (ISSC, 2008). Sendo assim são feitas no
máximo 10 diluições, podendo expressar o resultado em até 1012 NMP/g, os valores
superiores a esse limite são expressos como >1012 NMP/g, evitando a extrapolação
dos resultados o que pode resultar no fornecimento de resultados errôneos (ISSC,
2008).
Na Figura 28 pode-se observar que a população de BHC, em solo livre de
contaminação e sem a adição de nutrientes, aumentou ao longo do tempo, com
variações em função da profundidade, atingindo valores superiores a 1012NMP/g de
solo a partir do 21º dia. Esse aumento pode ser atribuído ao consumo da matéria
orgânica advinda do bioaumento e aos ajustes de pH e umidade.
Nesse ensaio a atividade dessa população microbiana foi similar na faixa de
profundidade entre 15 e 45 cm durante os 28 primeiros dias. No entanto, nos sete
dias subseqüentes, as populações das zonas mais superficiais foram mais ativas, e
atingiram a concentração máxima detectada.
89 Ferreira, D.G.
Resultados e Discussão
Figura 28 – Variação da população de bactérias hidrocarbonoclásticas no controle CEB-I em
diferentes profundidades de solo ao longo do tempo. Condições de ensaio: solo+ inóculo.
No caso do controle CEB-II (Figura 29), a população de BHC rapidamente
atinge seu valor máximo, que permanece inalterada até o fim do período de ensaio.
Logo, a adição de fertilizante incentivou o metabolismo microbiano intensificando o
crescimento dos microrganismos. Tal evidencia consolida a importância da adição
de nutrientes nesse caso.
A evolução da população de BHC para os ensaios EB-1 e EB-2 variou de
acordo com a profundidade e o contaminante, isto é, gasolina sem e com adição de
25% de etanol, respectivamente (Figuras 30 e 31). A análise comparativa das figuras
mostra que a adição de etanol à gasolina resultou em alterações na atividade das
bactérias hidrocarbonoclásticas.
90 Ferreira, D.G.
Resultados e Discussão
Figura 29 – Variação da população de bactérias hidrocarbonoclásticas no controle CEB-II em diferentes
profundidades de solo ao longo do tempo. Condições de ensaio: solo + inóculo + fertilizante
Figura 30 – Variação da população de bactérias hidrocarbonoclásticas no ensaio EB-1 em diferentes
profundidades de solo ao longo do tempo. Condições de ensaio: solo + inóculo + gasolina.
91 Ferreira, D.G.
Resultados e Discussão
No caso do ensaio EB-1 (Figura 30), o contaminante interferiu de modo
diferenciado ao longo da coluna. É possível que esse efeito seja devido ao acúmulo
de hidrocarbonetos voláteis em diferentes regiões, provocando a redução da
população de bactérias hidrocarbonoclásticas. A atividade de BHC foi mais intensa
na superfície e em 25 e 35 cm de profundidade, onde atingiu o limite de detecção
aos 42, 49 e 56 dias, respectivamente. Todavia, para 15, 45 e 55 cm de
profundidade, não foi excedido o limite de detecção em nenhum momento. Pelo
contrário, as populações nessas zonas após aumentar de 3 a 4 ordens de grandeza,
mantiveram-se nesse patamar durante todo o tempo.
Quando o solo foi contaminado com a gasolina adicionada de 25% de etanol
(ensaio EB-2), conforme ilustrado na Figura 31 foi observado um perfil bem diferente
ao do EB-1.
Figura 31 – Variação da população de bactérias hidrocarbonoclásticas no ensaio EB-2 em
diferentes profundidades de solo ao longo do tempo. Condições de ensaio: solo + inóculo +
gasolina (25% de etanol).
92 Ferreira, D.G.
Resultados e Discussão
Na primeira metade do tempo, se evidencia claramente dois grupos distintos.
Nas zonas mais superficiais, até 25 cm, as BHC sofreram mais efeitos tóxicos que
nos pontos de maior profundidade. Esse comportamento, possivelmente, se deve ao
aumento da solubilidade dos hidrocarbonetos em água, cuja degradação criou uma
atmosfera com mais hidrocarbonetos voláteis que atuaram negativamente sobre a
população bacteriana (Corseuil et al., 1996; Corseuil & Fernades, 1999). Por outro
lado, a presença do etanol permitiu que nos pontos de coleta mais profundos a
população
de
BHC
se
desenvolvesse
mais,
provavelmente
pela
maior
disponibilidade de fontes de carbono.
A partir do 28º dia, não foi mais possível distinguir variação no comportamento
das BHC nas diferentes regiões da coluna. Inclusive, há um aumento das
populações de BHC nos pontos de coleta que no período anterior foram mais
afetadas, atingindo o limite de detecção a partir do 49º dia de ensaio.
Já para os pontos de profundidade de 15 cm em diante, a exceção da zona de
maior profundidade, houve uma queda da concentração de BHC. No caso da
amostragem feita em 35 cm, o decaimento foi de aproximadamente 3 ordens de
grandeza e, posteriormente, a população se manteve nesse patamar.
Em relação ao ensaio EB-3, a Figura 32 mostra que a atividade microbiana no
solo contaminado, quando aplicado o bioestímulo, provocou uma ligeira queda da
população de BHC nos períodos iniciais. Esse efeito indica que, diferentemente dos
ensaios não bioestimulados, a fase de adaptação dos microrganismos ao
contaminante foi mais extensa, perdurando por cerca de 20 dias. Nesse ponto, o
crescimento da população de BHC é retomado, ultrapassando o limite de detecção a
partir do 42º dia, em função do local de amostragem.
Exceto na zona superficial do solo, a evolução do crescimento das BHC foi
semelhante nas várias profundidades quando feito o bioestímulo. Na superfície, a
população de BHC atingiu o seu máximo mais rapidamente, embora logo após tenha
se seguido uma queda. Essa variação pode estar relacionada à maior
disponibilidade de um determinado composto que, uma vez consumido, permite que
a população volte ao equilíbrio.
93 Ferreira, D.G.
Resultados e Discussão
Figura 32 – Variação da população de bactérias hidrocarbonoclásticas no ensaio EB-3 em
diferentes profundidades de solo ao longo do tempo. Condições de ensaio: solo + inóculo +
gasolina + fertilizante.
Pela análise da Figura 33, pode-se observar que o perfil da variação
populacional referente ao ensaio EB-4 foi semelhante ao do ensaio EB-3 (Figura 32).
No entanto, a presença de etanol acentuou a queda populacional que ocorre nos
primeiros 15 dias. E, dessa vez, a atividade na superfície não foi diferenciada.
Ademais, o etanol também retardou a biodegradação da gasolina nos pontos de
maior profundidade.
A análise comparativa dos resultados de concentração de HTP sugere que a
biorremediação foi mais efetiva nos ensaios bioestimulados, uma vez que esses
apresentaram as menores concentrações de HTP residual. Por outro lado, o etanol
teve efeitos diferenciados, dependendo do caso. Sem o bioestímulo, a adição de
etanol à gasolina incentivou o crescimento das BHC que atingiu o valor máximo em
94 Ferreira, D.G.
Resultados e Discussão
um menor intervalo de tempo (ensaio EB-2), enquanto em associação ao
bioestímulo acentuou a redução populacional na fase de adaptação (ensaio EB-4).
Figura 33 – Variação da população de bactérias hidrocarbonoclásticas no ensaio EB-4 em
diferentes profundidades de solo ao longo do tempo. Condições de ensaio: solo + inóculo +
gasolina (25% etanol) + fertilizante.
A presença do etanol na gasolina não afetou a biodegradação da gasolina,
uma vez que os valores de HTP residuais foram muito semelhantes entre os ensaios
EB-1/EB-2 e EB-3/EB-4. Entretanto, o etanol intensificou a difusão do contaminante
verticalmente no solo.
Outros trabalhos na literatura verificaram que a gasolina adicionada de álcool
tem uma maior velocidade de difusão, criando uma maior pluma de contaminação
(Corseuil & Fernandes, 1999; Corseuil, Kaipper & Fernandes, 2004; Mackay, et al.,
2006).
95 Ferreira, D.G.
Resultados e Discussão
Na presença de etanol, não houve variação da concentração de BHC em
função da profundidade, desde a superfície até 60 cm abaixo. Em geral, ao final de
60 dias, foram atingidos os valores máximos de detecção pela técnica NMP nos
diferentes níveis. Ao contrário, Fierrer e colaboradores (2003) verificaram uma
redução superior a 50% na concentração de bactérias em níveis de mais de 50 cm
de profundidade em solo natural. Essa discordância pode ser explicada pela
homogeneidade do solo nas colunas, diferentemente do que ocorre em solos
naturais.
Destaca-se a distinção para a remoção do contaminante entre o processo de
biorremediação realizado nos ensaios preliminares daqueles conduzido em colunas.
Já os efeitos do etanol e do bioestímulo foram os mesmos, apesar da interferência
negativa do álcool no crescimento inicial das bactérias hidrocarbonoclásticas no
ensaio bioestimulado.
Österreicher-Cunha e colaboradores (2004) corroboram que a contaminação
do solo com gasolina aditivada tem efeito inibitório, reduzindo a população de
bactérias em duas ordens de grandeza, enquanto que pela contaminação apenas
com gasolina, a população se mantém inalterada.
Embora nos ensaios tenha ocorrido a redução da concentração de HTP,
principalmente nos ensaios EB-3 e EB-4, em nenhum deles essa concentração
atingiu níveis inferiores a 5000 ppm. Logo, não pode-se considerar o tratamento
concluído, com base na legislação holandesa (CETESB, 1999; CETESB, 2001), o
que implicaria em prolongamento do tempo de tratamento ou a adoção de outras
medidas a serem estudadas. Deve ainda ser considerado os valores de BTEX não
determinados nesse estudo.
4.4. Isolamento e Identificação de Microrganismos
A presença de microrganismos em solos, como discutido anteriormente, é
ampla e diversa. Todavia, o isolamento de microrganismos provenientes dessas
amostras nem sempre pode ser realizado. Um dos maiores desafios no isolamento
microbiano é o cultivo das espécies in vitro, quer pela incompatibilidade metabólica,
96 Ferreira, D.G.
Resultados e Discussão
quer pela diferença entre as condições ambientais do cultivo em laboratório e as do
ecossistema natural, que envolvem várias interações entre os microrganismos (Hill
et al., 2000; Okamoto, Izawa & Yanase, 2003).
Adicionalmente,
a
contaminação
no
ambiente
provoca
alterações na
microbiota, inativando ou inibindo algumas espécies, ou estimulando mutações ou o
crescimento de outras. Logo, atua na biodiversidade microbiana do ecossistema,
restrito apenas as espécies tolerantes ao contaminante (Thompson et al., 1998).
Nesse estudo foram isoladas cinco espécies das quais três a partir de amostras
do solo in natura e duas a partir dos ensaios de biorremediação em coluna,
independente da condição estudada. Ao longo do período de ensaios foram feitas
diversas tentativas de isolar mais espécies, no entanto, com o meio de cultura
utilizado só foi possível o isolamento dessas cinco culturas microbianas.
Cabe ressaltar que apesar de só ter sido possível cultivar e isolar três culturas
microbianas a partir do solo in natura não significa que essas sejam as únicas
espécies presentes. Uma alternativa para o conhecimento dos microrganismos
desse ecossistema seria a aplicação de métodos moleculares de estudo da
diversidade (Hill et al., 2000; Kirk et al., 2004; Leckie, 2005; Liu et al., 2006).
As três diferentes espécies isoladas a partir de várias amostragens do solo
argiloso, cujas morfologias macroscópicas são mostradas no Quadro 12, foram:
Staphylococcus saprophyticus, Bacillus megaterium, e Arthrobacter sp., o qual só foi
possível classificar até o nível de gênero. Normalmente, as espécies do gênero
Arthrobacter são de difícil identificação, devido à semelhança genética e à
versatilidade seja metabólica seja estrutural. Portanto, a sua identificação por
sequenciamento envolve procedimentos mais específicos, os quais não foram
possíveis de realizar nesse trabalho (Comi, Cantoni & Cocolin, 2004; Hanbo et al.,
2004).
As três espécies isoladas do solo utilizado nesse estudo são comumente
encontradas em amostras de solo e, inclusive já foram descritas pelo seu potencial
para a degradação de compostos xenobióticos (Ilhan et al., 2004; Getenga et al.,
2009; Lian et al., 2010; Oyeyola, 2010).
97 Ferreira, D.G.
Resultados e Discussão
Quadro 12 – Bactérias isoladas do solo in natura e de amostras dos ensaios de
biorremediação
Origem
Solo
Solo
Ilustração da Colônia
Identificação
Arthrobacter sp.
(99% de similaridade) Staphylococcus saprophyticus
(99% de similaridade)
Solo
Bacillus megaterium
(99% de similaridade)
Ensaio
Pseudomonas aeruginosa
(99% de similaridade)
Ensaio
Pseudomonas putida
(99% de similaridade)
98 Ferreira, D.G.
Resultados e Discussão
O gênero Arthrobacter engloba grande parte das espécies bacterianas
cultiváveis obtidas do solo. Essas bactérias caracterizam-se pela capacidade de
modificar sua composição e estrutura celular em resposta aos estímulos ambientais.
Como já mencionado, as espécies desse gênero possuem grande versatilidade
metabólica, atuando na decomposição de fontes de carbono complexas, inclusive
compostos xenobióticos como, por exemplo, os pesticidas p-nitrofenol (PNP) e
antrazina. Além da degradação de compostos recalcitrantes, algumas espécies
desse gênero são capazes de reduzir os íons de cromo até formas menos tóxicas
(Labana et al., 2005; Getenga et al., 2009).
Assim como as espécies do gênero Arthrobacter, a espécie Bacillus
megaterium também apresenta uma série de genes importantes para a
biorremediação (Vary et al., 2007). Dentre as habilidades dessa espécie estão a
degradação de hidrocarbonetos poliaromáticos (HPA), redução de íons cromo até
formas menos tóxicas e resistência a metais pesados (Huang et al., 1999; McGrath
& Singleton, 2000; Carmichael & Wong, 2001; Cheung & Gu, 2005; Cheung, Lai &
Gu, 2006). No entanto, o maior destaque atribuído a essa espécie está relacionado
ao seu potencial como promotor de crescimento vegetal. Nesse caso, o estímulo se
dá pela simbiose com outras espécies microbianas, através da solubilização de íons,
e no controle biológico (Pereira et al., 2008; Oyeyola, 2010).
A espécie Staphylococcus saprophyticus também é uma integrante típica da
microbiota do solo e possui potencial para a degradação de contaminantes químicos
(Ilhan et al., 2004; Carvalho et al., 2009; Oyeyola, 2010). Essa espécie bacteriana já
foi descrita pela sua capacidade de degradação de derivados do petróleo, com
redução considerável da concentração de óleo diesel no solo, bem como pela
redução do efeito tóxico do contaminante no solo (Carvalho et al., 2009). Além disso,
Carvalho (2006) descreve a ação de S. saprophyticus, associado à quitosana, como
uma excelente combinação para a remoção de metais traço e petróleo a partir de
efluentes.
Embora essas espécies apresentem potencial para a biorremediação de solos
contaminados com hidrocarbonetos de petróleo, nenhuma delas foi isolada dos solos
dos ensaios submetidos às diferentes condições de tratamento. Possivelmente isso
se deve a uma alteração na dinâmica da comunidade microbiana provocada pela
99 Ferreira, D.G.
Resultados e Discussão
contaminação, o que favoreceu o desenvolvimento de outras espécies mais
adaptadas e mais tolerantes ao contaminante.
As modificações na comunidade microbiana são comuns sempre que há
alguma alteração nas condições ambientais (Kozdrój & Elsas, 2001-A; Moreira &
Siqueira, 2006). Nesse caso, as duas espécies cultiváveis, isoladas das amostras
coletadas dos ensaios, pertenciam ao gênero Pseudomonas.
Esse gênero é amplamente descrito no que concerne a degradação de petróleo
e seus derivados (Raghavan & Vivekanandan, 1999; Iwamoto & Nasu, 2001;
Rahman et al., 2002; Ron & Rosenberg, 2002; Chaerun et al., 2004; Das &
Mukherjee, 2007; Cameotra & Singh, 2008; Miguel et al., 2009; Karamalidis et al.,
2010; Singh & Fulekar, 2010). Sendo as espécies P. aeruginosa e a P. putida,
isoladas a partir dos ensaios, as mais descritas para essa finalidade.
A habilidade dessas espécies em degradar esses compostos está relacionada,
principalmente, à versatilidade metabólica para o uso de diferentes fontes de
carbono. Embora a produção de moléculas biossurfatantes e bioemulsificantes
também induza a degradação química desses hidrocarbonetos (Mattick, Whitchunch
& Alm, 1996; Loh & Cao, 2008). As características de catabolismo e anabolismo que
permitem a degradação desses compostos xenobióticos, permitem que essas
espécies degradem até mesmo os hidrocarbonetos voláteis (BTEX), que são
considerados os mais tóxicos tanto para espécies microbianas quanto para animais
(Shim & Yang, 1999; Lin, Cheng & Tsai, 2007).
As espécies de Pseudomonas também são comuns em solos não
contaminados, no entanto, nesse estudo, elas só foram detectadas depois de
ocorrida a contaminação. A introdução da gasolina, provavelmente reduziu as
demais populações, e dada as suas habilidades, essas espécies puderam se
desenvolver até se tornarem predominantes e serem as únicas espécies cultiváveis
a serem detectadas.
O isolamento de apenas duas espécies não significa que apenas elas tenham
sido as responsáveis pela degradação. Outras bactérias com capacidade de
degradar hidrocarbonetos da gasolina sejam elas cultiváveis ou não também deviam
estar presentes, contudo em função da sua concentração no momento da
amostragem não foi possível a sua detecção.
100 Ferreira, D.G.
Conclusões
5. CONCLUSÕES
ƒ Neste estudo foi demonstrada a presença de microrganismos reconhecidamente
degradadores de hidrocarbonetos de petróleo (HTP) em solo sem histórico de
contaminação. Contudo, a remoção da gasolina só foi efetiva quando realizado o
bioaumento com microrganismos, oriundos do próprio solo, metabolicamente
ativos e previamente adaptados ao contaminante;
ƒ O melhoramento das condições nutricionais do solo, pela bioestimulação com
fonte de fósforo, foi fundamental para a obtenção de maiores índices de remoção
do contaminante;
ƒ As concentrações de bactérias heterotróficas totais cultiváveis e bactérias
hidrocarbonoclásticas, bem como a concentração residual de hidrocarbonetos no
solo variou de acordo com o teor de umidade (20 e 40%) e com a condição
nutricional do solo (sem e com fertilizante), independentemente do teor de etanol
(0 a 25%);
ƒ A análise estatística do processo de biorremediação indica que a concentração de
nutrientes é um fator significativo pra a realização do processo, enquanto que o
etanol não pode ser considerado como um fator significativo, embora possa afetar
a degradação microbiana dos hidrocarbonetos da gasolina;
ƒ A análise ecotóxica do solo tratado, através de ensaios com anelídeos da espécie
Eisenia fetida, foi importante para estabelecer a toxicidade dos compostos
residuais no solo, mesmo quando a concentração de hidrocarbonetos totais de
petróleo (HTP) estava abaixo do limite aceitável pela legislação;
ƒ A análise comparativa da biorremediação da gasolina em solo em diferentes
escalas demonstrou a importância de se avaliar o processo simulando as
condições mais próximas das de campo;
101 Ferreira, D.G.
Conclusões
ƒ Independente da escala, o bioaumento foi fundamental para obter a redução da
concentração de gasolina no solo. Em maior escala, mesmo na presença
qualitativa e quantitativa de microrganismos degradadores, a redução do teor de
hidrocarbonetos do petróleo até níveis aceitáveis depende de um maior período de
tratamento;
ƒ A umidade é um fator que influencia na percolação da gasolina pelo solo; sem
ajuste de umidade, o Latossolo absorve superficialmente todo o contaminante
impedindo a sua percolação;
ƒ O Latossolo saturado (40% de umidade) tem a sua permeabilidade reduzida,
impedindo que o contaminante penetre através do solo;
ƒ O solo com cerca de 20% de umidade permite a percolação da gasolina por 60
cm, o que, possivelmente, no meio ambiente, resultaria em uma contaminação
mais profunda podendo atingir as águas subterrâneas;
ƒ O etanol interfere na distribuição vertical da gasolina no solo, uma vez que permite
que o contaminante aditivado atinja maiores profundidades em um intervalo de
tempo menor comparativamente a gasolina não aditivada;
ƒ A avaliação da biorremediação em diferentes profundidades mostrou que a
bioestimulação
promove
um
crescimento
constante
das
bactérias
hidrocarbonoclásticas ao longo do tempo, com um perfil bem delineado. Enquanto
que na condição nutricional natural do solo a concentração celular varia de acordo
com a profundidade e com o tempo;
ƒ Independente da escala em que a biorremediação foi estudada, os melhores
resultados foram obtidos quando o solo foi bioestimulado com 50 mg/kg de
fertilizante N:P:K (4:14:8), independente da concentração de etanol (0 a 25%)
presente na gasolina;
ƒ O processo de biorremediação pode ser utilizado como uma alternativa para o
tratamento de áreas contaminadas com gasolina. No entanto, o tempo necessário
102 Ferreira, D.G.
Conclusões
para reduzir a concentração do contaminante até níveis aceitáveis é determinado
pela proporção da contaminação no ecossistema e das condições ambientais do
mesmo;
ƒ O solo sem histórico de contaminação por combustíveis fósseis e derivados
podem apresentar bactérias com potencial de degradação de hidrocarbonetos de
petróleo, como Arthrobacter sp., Staphylococcus saprophyticus e Bacillus
megaterium;
ƒ A introdução, artificial, do contaminante reduz a concentração de microrganismos
no solo e seleciona as populações com mecanismos de sobrevivência eficientes e
com potencial de degradação do contaminante;
ƒ Os microrganismos, após a contaminação, se adaptam a nova condição e iniciam
a fase desenvolvimento tendendo a aumentar o tamanho da população de
bactérias potencialmente degradadoras;
103 Ferreira, D.G.
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Biorremediação de Solo Argiloso Contaminado com - TPQB