Testemunho(s) para o Futuro Casa Pia de Lisboa – Vidas com História constitui um excelente exemplo para assinalar Duzentos e Trinta Anos de História da nossa Instituição. A abordagem a este somatório de depoimentos de educandos cuja média da faixa etária ronda os trinta anos, deve ser equacionada como uma pequena amostra de um universo maior revelador do cumprimento da Missão da Casa Pia de Lisboa. Desde a sua fundação em 1780, a Casa Pia de Lisboa tem assumido um papel particularmente relevante, na sociedade portuguesa. Dar oportunidades às crianças e jovens que, por circunstâncias diversas da vida, foram confrontadas com inúmeras adversidades e que optaram pela CPL. A grandeza desta Instituição deve ser medida em razão das competências e da formação ética e moral que tem conseguido proporcionar aos seus educandos. dois Neste sentido, os testemunhos destes jovens adultos, saídos da Casa Pia de Lisboa, há relativamente pouco tempo, são reveladores de que a Instituição continua a cumprir os seus objectivos. Ao ler estas narrativas de experiências de vida, protagonizadas por jovens que assumem papéis de destaque, nas mais diferentes áreas da nossa sociedade, retirei algumas ilações que gostaria de partilhar convosco. Em primeiro lugar é bem evidente que a Casa Pia lhes proporcionou competências técnicas e científicas, pressupostos fundamentais, para ingressarem no agressivo mercado de trabalho da actualidade. Um outro denominador comum destes depoimentos assenta num vasto conjunto de actividades extra-curriculares que a Casa Pia lhes proporcionou em nome de uma visão Humanista que sempre caracterizou a nossa Instituição – a Arte, a Música e o Desporto como referências fundamentais na construção da plena cidadania, essa Inteligência emocional que está consignada na nossa cultura. A celebração da cultura do Ser. As múltiplas referências destes jovens a figuras ímpares na construção dos seus imaginários e experiências de vida, são reveladoras da importância de uma palavra sorridente no momento certo. Um gesto afectivo num momento de maior desânimo, a cumplicidade da dimensão Humana, a visão da partilha dos docentes e educadores com estes jovens na construção dos seus percursos de vida. O enorme orgulho dos docentes e educadores na construção das pequenas vitórias destes jovens é uma referência constante. O pioneirismo pedagógico e científico acompanha a nossa Casa, desde a sua fundação até aos nossos dias, revelando ao longo da sua história capacidade de regeneração, de superação de crise e de mudança numa trajectória de inovação e de visão de futuro. A História ensinou-me que o saudosismo doentio e a ausência de auto-crítica remetem-nos para uma espécie de imobilismo o que acaba por comprometer o que de melhor se fez no passado. Ao assumir a liderança desta Casa encarei este projecto com uma enorme responsabilidade. Sabia que esta Casa tem como missão fundamental dar à sociedade Cidadãos e, neste sentido a nossa Instituição, como sempre fez, teria que actualizar-se para responder aos problemas do seu tempo. A paisagem do Mundo está em constante mudança. A sociedade industrial e a visão “Taylorista” da produtividade enformada à máquina são já referências da História recente. Reinventar a Casa Pia de Lisboa e preparar o futuro foi a preocupação dominante deste Conselho Directivo em estreita colaboração com todos os colaboradores. Não tenhamos medo de uma nova Casa Pia de Lisboa. A mudança não põe em causa a nossa identidade. Bem pelo contrário ela irá reforçar a nossa singularidade no espaço da comunidade educativa e formativa. Por último, queria em nome da nossa Instituição dar os meus parabéns a estes jovens e dizer-lhes que eles são a grande inspiração de toda a comunidade educativa da Casa Pia de Lisboa. A sua missão continua a cumprir-se. Maria Joaquina Ruas Madeira Presidente do Conselho Directivo três Ana Balbi Aluna de Pina Manique de 1997 a 2005 Desde sempre ouvi o que era o orgulho de ser Casapiano, visto que o meu bisavô, Augusto Balbi, foi criado na Instituição. Mas quem me imprimiu o significado de ser um “Ganso” foi o meu vizinho Aníbal Fortio, aluno da década de 50, que me contava as aventuras e desventuras vividas naquela escola e aquilo que ela tem de realmente mágico. A primeira vez que entrei em Pina Manique foi na inauguração do então remodelado pavilhão Anastácio da Cunha, mal sonhava quatro que seria o pavilhão onde mais tarde iria ter as minhas aulas. Foi nesse dia que ouvi pela primeira vez o Hino da Casa Pia. Que momento tão marcante… Entrar para a Casa Pia era difícil. Não era qualquer aluno que conseguia, e tinham que se fazer provas para poder fazer parte de um núcleo de quase 2000 alunos, na altura, em Pina Manique. Entrei em 1997 e aquela escola parecia não ter fim, eram pátios e mais pátios, um refeitório que parecia não acabar, uma piscina fantástica, um campo de ténis, ringues de tudo e mais alguma coisa, e eu ia poder usufruir daquilo tudo… e foi isso que fiz. Nos primeiros dois anos que estive em Pina Manique fiz todas as actividades possíveis; pratiquei patinagem artística, ténis de campo, ténis de mesa, natação e andebol, aprendendo a jogar de tudo nas aulas de educação física. Só turmas de quinto ano eram seis e a minha era a famosa 5º F. Desta turma ainda hoje tenho amigos que considero de coração. Foi nesta turma que senti pela primeira vez o que era ser um grupo. Foi aqui que fiz a minha primeira melhor amiga: Patrícia Costa que ainda hoje a tenho como irmã e que por muito que o tempo passe e a vida nos leve por caminhos diferentes… o cantinho das recordações está cá, trazendo comigo momentos inesquecíveis. Estreei-me em 1997, a fazer teatro na Academia de Santo Amaro, pela mão do actor Carlos Areia numa revista à portuguesa intitulada “Prata da Casa”. Entretanto o meu sonho continuava nas tábuas dos palcos. Segui o meu caminho e ingressei no teatro profissional em 1998, na peça de teatro de — Tennessee Williams — “A Rosa Tatuada” no Teatro Politeama, encenada por Filipe Lá Féria, e daí já foi difícil sair. Em 1999, integro o elenco do Musical “Amália” de Filipe Lá Féria e até hoje vou continuando a conciliar os estudos com o Teatro, onde já fiz trabalho de contra-regra, ponto, directora de cena, reservas de bilhetes, assistente de sala, assistência de encenação, etc. Nem sempre foi fácil, tive a ajuda incansável de professores espectaculares que se preocupavam não só comigo mas com cada aluno em particular, interessavam-se pela nossa vida… pelas nossas carências e eram eles os primeiros a estar presentes. Professores, preceptores, auxiliares (parece que, ainda hoje, consigo ouvir a D. Isabel a chamar por nós), a toda aquela gente que fazia parte do nosso dia das 8h30 às 18h todos os dias… a todos eles tenho uma palavra de agradecimento, não só por mim mas pelos meus colegas que tenho a certeza que partilham do mesmo sentimento. Os anos passam, e a saudade aperta… As recordações são tantas que custa enumerar uma que seja. Fiz até ao 9º ano na turma de unificado, e deu-se o dilema de escolher a área a seguir, ao ingressar no 10º ano. Eu não sabia o que queria, simplesmente não queria sair daquele colégio e por isso, depois de muitas andanças, fui parar ao curso técnico de design de equipamento sem saber se tinha sequer algum jeito para aquilo… e assim foi. Fiz os três anos num ápice e tirei 20 na nota da prova de aptidão profissional. Agora a escola já não era a mesma… as regras já tinham mudado, as pessoas já não sabiam o significado da palavra Ganso, e a mim custava-me a crer que o colégio estivesse debaixo de tantas polémicas mediáticas. …Como era possível que na escola onde eu aprendi a sonhar, se tenham destruído tantos sonhos? Enquanto aluna, custava-me ver aquele turbilhão de informação… vi perder-se o amor à Casa… vi esconder-se o orgulho de ter ali crescido… e vi principalmente as pessoas deixarem de acreditar numa instituição que durante séculos foi “Mãe” de milhares de crianças, que como eu ali cresceram e que, como eu, ali foram muito felizes. Qualquer um dos meus amigos, sabe o amor que tenho pela Casa Pia, nem sei bem explicar porquê… mas foi ali que vi alguém preocupar-se comigo e com os meus problemas, e foi ali que vi colegas crescerem em lares e formarem-se grandes Homens e Mulheres, sempre de Ganso ao peito! Tenho tanta coisa a agradecer aos momentos que ali vivi… e tanta coisa que pouca gente da minha geração sabe o que é sentir a Casa Pia. Quando acabei o curso, visto que poucas foram as vezes que não trabalhei em simultâneo com a escola, já estava no mercado de trabalho, nem sempre a fazer o que sonhei, mas com os olhos postos no futuro. Se há coisa que posso agradecer à escola foi a boa preparação académica que me deram, e o fazer-me acreditar que tinha valor para atingir os meus sonhos… Mas o meu sonho adiou-se… Entrei em Arquitectura, com bolsa de mérito pela Universidade Lusíada, e ainda com um apoio mensal por parte da Casa Pia para os gastos com material e livros… mas devido a um problema de saúde tive que abandonar o curso no final do primeiro ano e já não voltei… Ingressei em 2008 na Escola Superior de Teatro no curso de Teatro, no ramo de Produção, onde frequento, hoje, o segundo ano, e onde pretendo concluir a licenciatura para o ano que vem. Como actriz, ao longo dos anos fui integrando vários projectos, onde vou dando lugar ao meu sonho… A paixão pelo Teatro não me deixa abdicar deste sonho!... cinco Hoje, com 22 anos, ainda há muito para sonhar e muito por concretizar… com os olhos postos no futuro e com a força do passado… construo um presente digno. Tenho pena que o colégio tenha mudado. Tenho pena que muitos dos alunos que fazem a Casa Pia não tenham sequer ouvido o Hino da Escola… e que já haja pouca gente a saber o significado do que é “a minha escola”, mas tenho esperança que o orgulho renasça das cinzas, que o coro volte a cantar bem alto e que o nome da Casa Pia possa ser de novo entoado com respeito e dignidade por todos. Tenho a convicção que ainda há muita coisa a fazer, que há ainda muita gente a zelar pela Instituição e só por isso merecem a ovação de todos. Quem sabe se um dia poderei fazer parte das pessoas que contribuem, diariamente, para erguer mais alto o nome da Casa Pia… Agradecida penso que seja a palavra que mais se adequa à minha pessoa nesta reflexão… Agradecida pelos momentos únicos, pelas oportunidades de aprender qualquer desporto, pelo ombro amigo de quaisquer um dos professores com quem convivi, pela ajuda dos livros e cadernos que durante anos a minha mãe não pôde comprar, pelas refeições gratuitas que tive durante anos inteiros, pelas visitas de estudo que me abriram novos horizontes, pelas instalações fantásticas que proporcionaram uma aprendizagem digna de muitos colégios privados, pelos professores fantásticos, pela viagem de finalistas, tanta coisa…. É impossível poder agradecer tanta coisa que vivi nesta escola, é impossível escrever um sentimento de gratidão tão grande por amizades que, seis mesmo com o passar dos anos, se vão revelando fortes e sem perigo de ruir…. Tenho que agradecer a todos os professores que tentaram sempre perceber a minha vida e que muitas vezes me ajudaram a não deitar tudo a perder… não posso deixar de agradecer à Professora Elisa Ferreira que foi uma “amiga incrível” em anos muito complicados, e à Dr.ª Paula Pereira, que sendo assistente social do curso onde andei, fez também de “Psicóloga”, não só enquanto andei no curso, mas ainda hoje quando estamos juntas e me ajuda em qualquer problema, ou basta olhar para mim para saber se estou bem… aos colegas que são Amigos e que com a maioria ainda mantenho contacto, tanto aqueles que me acompanharam até ao 9º ano como os do Curso de Design de Equipamento, onde aprendi muitas outras lições de vida. A minha vivência na Casa Pia foi mais que uma simples passagem… foi uma aprendizagem, sinto que me ofereceram todas as ferramentas para construir o meu futuro. Mostraram-me o que é Amor… Fraternidade… Amizade… e Família! Obrigada Casa Pia! E como canta o Hino: Instruir, Educar e Amparar é o lema da nossa bandeira… muito Obrigada por se ter cumprido o cântico …. António Rocha Com a separação dos meus pais, tinha eu 8 anos, fiquei a viver com o meu pai porque a minha mãe foi viver para Espanha não me podendo levar com ela. A convivência com o meu pai não foi a mais saudável devido ao facto dele não gostar muito de mim. Foi assim que fui viver com a minha avó paterna, num bairro social no Restelo, onde quase me tornei um “marginal”, já que as companhias também não ajudavam. Andei dois anos nesta vida onde só pensava em fazer coisas que não devia. Fiz a vida negra à minha avó durante esses anos. Os serviços sociais desse bairro no Restelo, não sei como, apostaram em mim e colocaram-me na Casa Pia de Lisboa, colégio D. Nuno Álvares Pereira. O primeiro ano de adaptação não foi fácil devido à vida a que estava habituado, mas com o tempo entendi que para se ser alguém neste mundo é preciso estudar, ter objectivos na vida e perseguir os nossos sonhos. Para isso a CPL deu-me os instrumentos necessários e mostrou-me o caminho. No Colégio D. Nuno Álvares Pereira, estive em regime de internato, no curso de Técnico de Electrónica, onde desenvolvi as seguintes actividades: Monitor e Educador, durante um ano, no Colégio D. Nuno Álvares Pereira, Curso do Projecto Vida — Curso de Monitor/Animador na UPAJE — Monitor na Junta de freguesia de Belém — Professor de Viola no Belém Clube — Formador num Curso Pós-laboral na escola Marquês de Pombal (MS-DOS, Windows 95, Excel e Word), Monitor de Campos de Férias. Na CPL tive as oportunidades que não tinha tido até então, foi lá que conheci os princípios com que se rege um verdadeiro homem. A Instituição deu-me as ferramentas para que me tornasse a pessoa que sou hoje. É verdade que sem força de vontade e perseverança nada se consegue. Como sempre estive envolvido em várias actividades extra CPL, a adaptação à vida profissional foi tranquila e, para isso, contribuíram as pessoas com quem me cruzei ao longo desse percurso, as quais passaram a ser grandes amigos. Penso que o balanço da minha experiência na Casa Pia é mais que positivo. Não só pelas pessoas que conheci e com as quais travei conhecimento, mas também pelos valores e princípios que me ensinaram. Para o futuro, espero crescer profissionalmente dentro da empresa onde trabalho actualmente (Portugal Telecom – Como técnico coordenador do departamento informático “PT PRO”) o que tem vindo a acontecer de forma progressiva. sete António Silva Santos Ingressei na Casa Pia de Lisboa, colégio Nuno Álvares Pereira, em 1974. Tinha 6 anos. Regressávamos de Moçambique, de onde havíamos sido repatriados. A minha mãe tinha falecido alguns meses antes e o meu pai via-se com 5 filhos nos “braços” e na condição de ter que começar a reconstruir a sua vida, rigorosamente, do princípio. A Casa Pia era a solução ideal para os cinco irmãos. oito Estive em Nuno Álvares como aluno interno durante 16 anos. Estudei durante todo esse tempo e mais os três anos que se seguiram, para terminar o curso superior de gestão na Universidade Autónoma de Lisboa. Na altura, Nuno Álvares, só tinha condições para se tirar a antiga 4ª classe. Depois, os alunos que queriam continuar a estudar, teriam que o fazer no exterior. Entre os 15 e os 18 anos fiz parte do chamado “colégio azul”, um “espaço” que reunia um grupo de 6 alunos, os chamados pré-universitários. Entre os 18 e os 22 anos já era completamente independente. Vivia num quarto, sozinho, e tudo o que tinha para tratar fazia-o directamente com a Directora (Dra. Irene Couto). Durante todo este tempo de frequência na Casa Pia estive sempre em contacto com actividades artísticas e desportivas. Fiz ballet na Gulbenkian, joguei futebol no Belenenses, joguei basquetebol no Atlético e mais tarde no Benfica (com quem fui campeão nacional de juniores). Estive também uma temporada a frequentar o curso de inglês na Oxford School. A Casa Pia deu-me todas as condições logísticas e humanas para ter sucesso na minha vida pessoal e académica. Estou convencido que até tive mais condições que os alunos que viviam no exterior da Casa Pia, que, na maior parte dos casos tinham que tirar fotocópias dos livros que precisavam para estudar, e eu, praticamente comprava os livros todos (que ainda os tenho). Vivemos num mundo em que toda a gente fala dos papéis sociais e dos valores humanos, mas a hipocrisia é tanta que muito poucos os praticam. A Casa Pia ensinou-me a conviver, diariamente, com o significado prático desses papéis e desses valores. A nossa principal mais-valia foi termos vivido, entre nós, o verdadeiro significado de valores como a amizade, a solidariedade ou a generosidade. São os tais valores que dão significado e dignidade à nossa existência. Quando saí da Casa Pia, o meu maior choque foi ter percebido claramente que, “cá fora”, toda a gente falava nesses valores, mas na verdade muito poucos os praticavam. O meu instinto foi seguir o que tinha aprendido no colégio porque sabia que nesse modelo eu seria feliz, tal como o havia sido na juventude. Aquele era um modelo inspirado naquilo que a natureza humana tem de mais puro. Sei o que é ser pai porque brinco, dou atenção, ajudo nos trabalhos de casa, dou mimos, conto histórias, ralho, transmito valores, preocupo-me… Não basta dizer que se é pai. É preciso desempenhar o papel! A mesma coisa com a amizade ou com a profissão. Essa é a parte mais difícil e verdadeira! E é isso que faz toda a diferença. Posso dizer, sem qualquer dúvida, que a Casa Pia me ajudou a compreender esta realidade que está na origem de tanta infelicidade e mal-entendidos da nossa sociedade. A minha integração na vida profissional foi fácil e pacífica. No colégio já cantava e tocava viola. Era um autodidacta. Algo que continuou ao longo da minha vida universitária. No 2º ano do curso convidaram-me para ficar a trabalhar num bar de música ao vivo no Bairro Alto e, a partir daí, nunca mais parei. Foi como uma bola de neve. Começaram a surgir contratos atrás de contratos e tem sido assim até aos dias de hoje. Terminei o curso de gestão mas dediquei-me de corpo e alma à actividade musical. Nunca andei à procura de emprego! Hoje sou um cantor/animador respeitado no mercado. Empresto a minha voz a anúncios, desenhos animados, dvd’s de karaoke, animação de festas nos bares, discotecas, empresas, etc. Naturalmente que nesta actividade também aplico muitos dos conhecimentos de gestão que adquiri na faculdade. Penso até que sem esses conhecimentos dificilmente teria chegado onde já cheguei. O balanço que faço da minha vida na Casa Pia não podia ser mais positivo. Tudo o que tenho e sou devo-o inteiramente à Casa Pia. Adquiri no colégio todas as competências humanas e académicas que me permitiram integrar-me na sociedade e ser um elemento útil. Penso que tenho honrado cada “cêntimo” que a Casa Pia gastou na minha formação. Era a única e melhor forma de agradecer tudo o que me proporcionaram e que fizeram de mim um privilegiado, em contraste com milhares de outras crianças que, nas mesmas condições, infelizmente não tiveram a mesma sorte que eu. Saber que adquiri e tenho uma família que me acolheu e amou, quando mais precisei, que me acompanhará até ao último dia da minha existência, é algo que não posso nem consigo transmitir por palavras… nove David Maia O depoimento de David Maia foi recolhido, a pedido do mesmo, através de uma entrevista por elementos do Gabinete de Comunicação da Casa Pia de Lisboa. Os pontos altos da conversa são reproduzidos no texto que se segue. O que trouxe David Maia para a Casa Pia de Lisboa, como em inúmeros casos semelhantes, foram as dificuldades do seu núcleo dez familiar mais próximo, a avó, em ter ao seu cuidado três crianças, David e as suas duas irmãs. As dificuldades impuseram que a irmã gémea fosse viver com a madrinha e, para evitar a separação, vieram os dois para a Casa Pia, Secção de D. Maria Pia, hoje Centro de Educação e Desenvolvimento D. Maria Pia. Tinha 7 anos quando entrou para a Casa Pia em regime de semi-internato e, como “aluno da Casa Pia que se preza”, era rebelde. Foi essa mesma rebeldia que o fez ter, inicialmente, alguns problemas com colegas que rapidamente evoluíram para as grandes amizades que ainda hoje cultiva. Do Colégio D. Maria Pia recorda o horário sempre preenchido com aulas e actividades extra curriculares, algo que ainda hoje tenta transmitir aos seus alunos — a boa gestão do tempo. “O que me moldou mais o carácter, foi a formação, deu-me uma família (eu tinha a minha avó e irmãs). Deu-me a vontade de lutar por aquilo que gostava, ensinou-me a batalhar por aquilo que queremos e deu-me a ferramenta para ganhar coragem para atingir os meus objectivos.” De todas as actividades em que estava envolvido, o grupo de música era dos preferidos. Era o mais jovem membro e, por iniciativa do Professor Rascão, integrou o grupo musical “Os Gansos” como trompetista. O grupo, de “camisa branca e laçarote”, ia muitas vezes representar a CPL em actuações no exterior até que, uma aparição no programa televisivo “Jornalinho”, fez disparar as solicitações para actuações e impor ainda mais actividade a um currículo já preenchido. Como curiosidade desses tempos, lembra que no seu colégio não havia formação em viola, apesar de existirem três, penduradas na sala de música. Aí a vontade de experimentar fez o resto: “Eu e o João Pedro Pais, pegámos naquilo e começámos a tocar. A 1.ª actuação que fizemos foi no “Amoreiras”. A partir daí começaram a haver violas no grupo.” Seguiu para o curso de Artes Gráficas. Escolheu-o sem especial vocação, mas acima de tudo para manter unido o grupo coeso de amigos que tinha feito na Casa Pia, “Fui para o curso para continuar com o grupo que tinha na escola, porque era como uma família e também da música — para dar continuidade à música”Acabou o curso de nível-3 com 15 anos e, em paralelo, o desporto (luta) começou a ter cada vez mais importância na sua vida. Foi uma proposta da Federação Portuguesa de Lutas Amadoras que o fez enveredar, definitivamente, pelo desporto e representar a selecção nacional em provas nacionais e internacionais. Resume assim a escolha que fez e de que não se arrepende, “Na Luta deram-me mais oportunidades.” Em 1992 volta a Maria Pia como monitor de Educação Física em função da experiência como atleta de alta competição e do palmarés acumulado. Foi uma experiência nova que, para um jovem de 18 anos, implicou uma mudança de atitude. Os seus alunos tinham praticamente a sua idade. Foi necessário trabalho, disciplina e uma personalidade forte para conseguir conquistar o seu respeito e obter resultados. Intensifica, em paralelo com a actividade de treinador, a preparação como atleta que, em 1996, culmina na participação nos Jogos Olímpicos. Prosseguiu a actividade como atleta e treinador até ao ano 2000 em que assumiu que a sua motivação como treinador superava a de atleta. O aparecimento de Hugo Passos como atleta de uma nova geração, treinado por si, contribuiu, decisivamente para a sua decisão. Hoje, David Maia, em jeito de balanço confessa que, apesar do muito trabalho feito, as condições para a prática desportiva na CPL podem melhorar mas é difícil captar novos talentos para os treinos pós-aulas e valorizar de algum modo os educandos que se aplicam e obtêm resultados. Defende que o desporto na Casa Pia deve ser ainda mais valorizado, quer em termos curriculares em conjunto com os professores de Educação Física, quer em termos de condições físicas ou facilidades para praticar, como gosta de salientar: “Tenho 10 anos como treinador na CPL, transformei uma oficina numa sala de Luta porque fui eu e outros colaboradores que nos esforçámos. Pintámos, etc., e a Associação de Trabalhadores também ajudou com as máquinas. O meu sonho era ter a minha sala como deve ser na Instituição. Quanto ao futuro, David Maia gostaria de ver o espírito casapiano vivo entre as novas gerações de educandos da mesma forma que o continua a viver, “Eles não sabem que a CPL está ali para os ajudar. Eu era muito novo mas consegui perceber o que era a CPL. A CPL continua a cumprir aquilo que tem que fazer - ajudar as crianças.” Sonhos para o futuro próximo confidencia-nos que são “ir aos jogos olímpicos como treinador, não fui porque a Federação assim não o entendeu” e, na sua actividade como treinador na CPL, ter uma sala com melhores condições. Como gosta de repetir “A CPL tem potencial e matéria para ser uma das melhores da Europa.” onze Isilda Almeida Harvey Uma educação de qualidade foi sempre um dos valores mais preciosos na nossa vida familiar, portanto a escolha do estabelecimento de ensino foi sempre central. Após completar o ensino primário colocou-se a questão de qual era a melhor opção dentro das possibilidades financeiras que tínhamos. A Casa Pia de Lisboa teve desde sempre uma boa reputação em termos de nível de exigência e isso era evidente através dos nomes de diversas individualidades que tinham frequentado a Casa Pia e cujas vidas tinham constituído histórias de grande sucesso. Havia também conhecimento, na família, de ex-alunos que falavam com imenso doze orgulho do que tinham aprendido durante a sua frequência da Casa Pia e do sentido muito forte de pertença a uma comunidade ou melhor irmandade. O Colégio de Nossa Senhora da Conceição era a escola mais próxima. A frequência era exclusivamente do sexo feminino, o que, para uma família muito conservadora era ideal. Tinha também a reputação de ser exigente e oferecer actividades extra-curriculares. Lembro-me que nessa altura pagávamos cerca de 300 escudos por mês, se não me engano. Após Nossa Senhora da Conceição eu queria continuar a frequentar a Casa Pia de Lisboa e portanto fiz a transição para o décimo ano no Colégio de Pina Manique. A minha frequência na Casa Pia foi sempre semi-interna e iniciou-se no ano lectivo de 1983/84 para frequentar o primeiro ano do segundo ciclo, como disse anteriormente, no Colégio de Nossa Senhora da Conceicao onde completei o 9º ano, em 1988. Durante esse período as minhas actividades extra-curriculares foram o coro e aulas de culinária. Continuei a minha frequência no Colégio de Pina Manique onde estudei Humanidades, na área de Jornalismo durante dois anos (10º e 11º anos). Estes foram os anos mais felizes da minha vida! Continuei a fazer parte do coro, frequentei a banda e fui vocalista do Grupo Musical com o Professor Lage! Continuei algumas destas actividades até ao primeiro ano da Universidade. A Casa Pia, sobretudo o Colégio de Pina Manique, é uma instituição que promove o esforço, a dedicação e extrai dos jovens o melhor que eles e elas têm para dar. O facto dos professores e os membros da direcção conhecerem as crianças pelo nome e mostrarem-se genuinamente interessados em ver-nos brilhar, em ajudar-nos a ultrapassar obstáculos é absolutamente fantástico! Sobretudo o facto que esse grande sentido de responsabilidade pelo nosso futuro não acabava quando saimos da Instituição. A minha frequência na Casa Pia moldou a pessoa e sobretudo a profissional que sou hoje. Permitiu-me explorar habilidades menos académicas mas de grande valia para o meu desenvolvimento pessoal e social. Proporcionou-me experiências que, possivelmente, jamais teria tido. Encorajou-me a ser ambiciosa e determinada, assim como exigente e dedicada porque os exemplos que recebi na escola através dos professores e educadores reforçaram os valores e aprendizagem feita no seio da vida familiar. Os laços com a Casa Pia permitiram-me beneficiar do apoio, através de Bolsas de Estudo, para frequentar o curso de Licenciatura e o Mestrado em Universidades de excelente reputação. (A transição mais difícil não foi a saída da Universidade para o mercado de trabalho mas o período do 11º ano para o 12º ano que frequentei na Escola Secundária da Cidade Universitária porque eu senti que a estrutura de apoio e os canais de comunicação eram significativamente diferentes. Os professores não conheciam os alunos e não havia tempo para interacção após as aulas.) Após terminar o estágio de curso na Fundação Calouste Gulbenkian continuei a trabalhar no Departamento de Comunicação e, desde aí até agora, o meu percurso profissional só foi interrompido entre 2001 e 2002 para frequentar o Mestrado em Museologia na Universidade de Leicester no Reino Unido. A minha experiência da Casa Pia foi absolutamente fantástica! Foram, como disse, os meus anos de ouro e só posso dizer que gostaria que os meus filhos frequentassem um estabelecimento de ensino cuja prática e excelência inspira e apoia a formação de indivíduos com vista ao sucesso, independentemente do seu contexto, e que continua essa ligação através das suas vidas, como uma família! Desde que me encontro no Reino Unido que tenho testemunhado e trabalhado paralelamente em iniciativas que traduzem os esforços governamentais para alcançar um modelo de ensino publico que na prática faz o que a Casa Pia tem feito ao longo de 230 anos: dar asas. Se a Casa Pia continuar na sua forma única de inspirar, então não tenho dúvida: o futuro é brilhante. treze João Pedro da Silva Pereira Decorria o ano de 1993/94, quando chegou a altura de frequentar o 5º ano de escolaridade, consequentemente uma nova fase da minha vida, pois teria que mudar de escola. Como cresci num bairro que na altura era dos mais problemáticos de Lisboa (Casal Ventoso), os meus pais quiseram que eu passasse o maior tempo possível fora desse ambiente, mesmo contra a minha vontade, pois adorava o local onde vivia, mas no catorze fim a vontade deles prevaleceu. Com esta decisão ingressei na CPL Pina Manique, e aqui começa o meu percurso neste colégio, o qual durou 8 anos. Durante estes anos o meu percurso escolar foi exemplar chegando nos primeiros anos a entrar nos quadros de honra do colégio. Tive a oportunidade de participar em várias actividades e desportos extra-curriculares “voleibol, patinagem, corta-mato e futebol”. Nunca tive uma nota negativa e felizmente sempre alcancei os objectivos com boas notas, apesar de conciliar a escola com o futebol. Os meus primeiros anos na CPL não foram fáceis, deparei-me com uma realidade diferente da minha anterior escola. A CPL é uma complexidade de culturas enorme, desde Portugueses passando por Cabo-Verdianos, Moçambicanos, Guineenses e acabando em Brasileiros, tudo isto era algo novo para mim. Como já referi, anteriormente, o meu percurso iniciou-se no 5º ano de escolaridade, logo de seguida o 6º e no 7º ano tive a minha primeira dúvida que foi optar por um curso técnico-profissional ou o curso unificado, pois os cursos profissionais tinham bastante saída mas como nenhum deles me proporcionava o que eu idealizava no futuro, por isso optei pelo curso unificado onde iria ter disciplinas mais importantes que me serviriam de suporte para o curso que eu idealizava, e que mais tarde acabaria por realizar. Este curso (Técnico Profissional de Desporto) foi a minha opção quando cheguei ao 10º ano e tinha tudo a ver comigo. Neste curso tive a oportunidade de praticar e conhecer um lote vasto de desportos quer colectivos quer individuais e ao mesmo tempo ter disciplinas teóricas desde a Matemática e a Físico-Química, passando por teoria de treino e planeamento de treino. No meu último ano de curso realizei um estágio que tinha como base o hóquei em patins que foi a minha opção depois de ter estado em dúvida entre este e o ténis. Este estágio foi muito importante no meu crescimento escolar, pessoal e, acima de tudo, do meu lado humano, pois tive que dar aulas a alunos do 5º e 6º anos o que, na altura, foi um grande desafio, porque estava a preparar o meu futuro, sendo ainda um aluno e fazendo ao mesmo tempo de professor. Esta experiência fez-me ver o lado complicado dos professores que têm que lidar com 20 ou 30 alunos, todos eles com feitios e opiniões diferentes. Com isto consegui crescer e tornar-me uma pessoa mais paciente e compreensível. Depois destes oito anos tive a sorte de poder realizar o meu grande sonho, tornando-me jogador profissional de futebol. Nesta minha profissão não é tão importante as aulas de matemática e de biologia, mas é muito importante o que aprendi nas dificuldades, alegrias, conquistas, amizades, desafios e principalmente no convívio com os colegas, professores, directores e todas as pessoas que nos rodeiam no ambiente escolar. Com isto não pretendo dizer que as aulas não são importantes, porque sinto-me completamente preparado para, se um dia necessitar, voltar aos estudos nomeadamente concorrer a uma faculdade. Para concluir só posso dar os parabéns e agradecer, incondicionalmente, tudo o que a CPL fez por mim e que acredito que continue a fazê-lo por muitos jovens que frequentam esta Instituição. Um bem haja a CPL. quinze João Santos Foi por intermédio da Cruz Vermelha que (junto com os meus quatro irmãos) fui parar à Casa Pia. O pós-25 de Abril de 1974 mudou as nossas vidas. A instabilidade política e a luta de libertação em Moçambique, onde vivíamos com o meu pai, levou-nos a Portugal. A Casa Pia foi a solução encontrada para cinco irmãos órfãos de mãe e com pai desempregado. Fui aluno interno do Colégio Nuno Álvares Pereira durante uma década. Fiz lá a quarta classe e depois passei a frequentar o dezasseis ensino no exterior. Fiz o 2º Ciclo na Escola Básica Paula Vicente, o 3º Ciclo na Escola Secundária Marquês de Pombal e o ensino secundário na Escola Secundária Passos Manuel. No meu percurso, enquanto jovem, a mais-valia que a Casa Pia me proporcionou foi a formação. A “Casa” era a mãe de todos nós. Mais de 200 alunos quando entrei. Havia 10 camaratas para 20-22 alunos cada e o Lar das raparigas tinha umas 40 alunas. Isto em 1974. Era assim que a víamos, a “Mãe” de que fala o hino, cujo lema é instruir, educar e amparar. Garantia-nos o essencial para viver dignamente. É certo que na segunda metade da minha estadia, vivemos períodos conturbados, com sucessivas mudanças de direcção e muita instabilidade. Problemas de liderança e acompanhamento dos alunos, etc. Vivemos uma fase difícil, em que se pretendeu esvaziar a casa de alunos, para haver uma reestruturação. Quando saí, éramos já umas poucas dezenas de alunos, na maioria estudantes. Aqueles que vacilavam na escola eram encaminhados para quartos no exterior e empregos. Tiveram de se fazer à vida sozinhos e muitos acabaram mal. Eu fui um privilegiado. Comecei a jogar Basquetebol no Belenenses com 13 anos de idade e formei-me lá como jogador durante 6 anos. A minha equipa foi campeã de Lisboa 4 vezes e campeã nacional 3 vezes. Aos 18 anos, depois de ser internacional Júnior, decidi aceitar um convite para jogar como atleta amador, remunerado, numa equipa da 1ª Divisão. Mudei-me para o Norte (S. João da Madeira) e tornei-me independente e auto-suficiente pela via do desporto. Tinha concluído o ensino secundário e candidatei-me à Faculdade das Ciências do Desporto e da Educação Física no Porto para prosseguir os estudos. Entrei lá em 1986 mas fui chamado para a tropa no ano seguinte e tive de interromper. Joguei em sete clubes diferentes, incluindo o Benfica e o Sporting e, durante 7 anos, não consegui conciliar o desporto com os estudos, porque joguei longe da faculdade. Na parte final da minha carreira desportiva, transferi-me para a Universidade Lusófona e concluí a licenciatura em Educação Física e Desporto. Comecei a leccionar e deixei a prática do basquetebol dois anos depois, já com 33 anos de idade. Nesse mesmo ano, em 1999, fui convidado para dar aulas de Planeamento e Avaliação em Educação Física na Universidade Lusófona, como professor assistente estagiário. Estive lá em regime de acumulação durante quatro anos e fiz também um mestrado em Ciências da Educação. Depois disso trabalhei na escola, na formação de professores. Fui professor/orientador de estágio durante dois anos. Hoje, sou professor efectivo de Educação Física na Escola Básica 2/3 de Telheiras e professor assistente de Basquetebol na Faculdade de Educação Física e Desporto da Universidade Lusófona, onde regressei em 2007 e me mantenho até hoje em regime de acumulação. O balanço que faço da minha frequência no Colégio é muito positivo. A “Casa” foi uma Instituição que me acolheu quando eu mais precisava e me proporcionou as condições que me ajudaram a formar-me como homem e como cidadão. dezassete Luísa Ferreira Vim para a Casa Pia de Lisboa pela mão do meu irmão Mário que se inscreveu no curso de nível II de Administração e Comércio no Colégio de Pina Manique. Relembrar o meu percurso na Casa Pia de Lisboa é sempre um momento comovente para mim… são lembranças de amizades feitas para a vida, são episódios que me marcaram e dos quais tenho orgulho e que fazem parte daquilo que hoje sou. dezoito Fiz o ensino secundário “regular”, sem a componente técnico-profissional, na variante de Jornalismo - Turismo. Foram anos de escola recheados de dias diferentes, que relembro com tonalidades muito coloridas e que guardo com carinho e de forma emotiva. Foi um percurso em que fiz amizades que ficaram até aos dias de hoje e em que ganhei o espírito de pertença ao “mundo casapiano”. Alguns dos professores são referências fundamentais para mim ainda hoje, como exemplo de pessoas de carácter e “um poço fundo de amizade e de compreensão” como é o caso da professora de Filosofia, Vanda Sousa, do professor de Português, João Louro, das professoras de História, Maria João Ulrich e Fátima Marvão, da professora de Inglês, Filomena Santos, do professor de Educação Física, António Fiúza. A Ana Raquel Alentejo é, ainda hoje, a minha amiga, dos tempos de escola, mais querida, com quem partilhei muitas das minhas aventuras e descobertas… não me esqueço da Expo92 em que balançou tanto a cabine do teleférico para tirar a fotografia naquele “ângulo”… A assistente social Maria do Rosário, “Zaínha” também teve um papel muito importante após e no meu percurso na Casa Pia de Lisboa, em particular durante o período em que fiz a licenciatura. Todos os dias da escola eram dias de exploração e de divertimento e sempre tivemos a possibilidade de frequentar todas as actividades extra-escolares a que nos propuséssemos… foram os programas de rádio (Rádio Gossip) emitidos nos intervalos “grandes” da manhã, com o apoio incondicional do professor de Música, Luís Lage, e do professor de Jornalismo-Turismo João Louro, que aliás foi nosso companheiro nas mais diversas aventuras. Não me posso esquecer da agitação que foi fazermos o filme «Coisas da Vida», que nos valeu um, 18 valores, e em que conseguimos reunir o melhor que a criatividade arrojada da adolescência nos permite ter… Foi um tempo de experimentação em que quis “ser” as mais variadas profissões, em que me senti ser capaz de ser tudo, em que o amor pela prosa poética e a veia “jornalística” foram experimentados ao máximo no jornal da Escola e nas aulas de Português e em concursos do Cancioneiro Infanto-Juvenil… Só me ocorre dizer que a Casa Pia de Lisboa não é uma escola qualquer, que não é uma escola igual às outras, que sou quem sou também devido ao percurso que fiz cá dentro enquanto jovem. Todas as oportunidades que tive, todo o apoio incondicional e amizade dos professores e dos colegas ensinaram-me a respeitar a Casa e a compreender a dimensão humana que existe em todos nós. Tenho desenvolvido a minha actividade profissional, nos últimos 11 anos, nesta Instituição, quer na área da Formação dos colaboradores da Casa Pia de Lisboa, quer mais recentemente, na Unidade de Planeamento e Gestão Estratégica, unidade afecta à Direcção de Apoio à Coordenação. São áreas de trabalho particularmente aliciantes porque me permitem aplicar os conhecimentos que adquiri no meu percurso escolar (na área da Sociologia e da Gestão de Recursos Humanos e, mais recentemente na área de Ciências de Educação – Formação de Adultos) e que correspondem às minhas áreas de preferência, designadamente o trabalho com programas comunitários e com projectos que promovem a criação e a aplicação de instrumentos para a auscultação efectiva dos colaboradores face às suas necessidades e expectativas. Esta é, quanto a mim, uma questão muito sensível no sentido em que reconheço que, a Casa Pia de Lisboa, foi fundamental no meu percurso escolar mas também na formação da pessoa que hoje sou. A Casa Pia de Lisboa não é apenas uma escola, é um local comum de aprendizagens, de troca de experiências, de apoio incondicional para todos os projectos e para todos os sonhos. Espero que os actuais alunos da Casa Pia de Lisboa consigam reconhecer a importância e o privilégio de ser um Casapiano e, que consigam perceber também, que o seu percurso cá dentro não é apenas um percurso escolar. É um percurso de aprendizagens diferentes que nos faz distintos dos outros mas, que ao mesmo tempo, nos permite uma integração em pé de igualdade, em contextos que se querem cada vez mais inclusivos e partilhados. É importante que se reconheça a qualidade dos profissionais e das estruturas que existem cá dentro, do carácter experimental e inovador das práticas pedagógicas e, em particular, que reconheçam que pessoas que aqui trabalham têm um amor profundo aos valores da Instituição e ao que ela representa do ponto de vista da sua missão. dezanove Ricardo Saldanha O principal motivo que me levou até a Casa Pia de Lisboa foi a instabilidade do apoio familiar devido ao falecimento do meu Pai. Tinha 3 anos quando isso aconteceu e, por consequência, deu-se a possibilidade de iniciar o meu processo de acompanhamento, conforto e educação nas instalações da Casa Pia de Lisboa, onde rapidamente me identifiquei como membro de uma família. O meu percurso na Casa Pia iniciou-se aos 3 anos de idade. O primeiro colégio que frequentei foi o “Instituto Jacob Rodrigues Pereira” onde conclui a Pré-Primária, de seguida fui para o Colégio D. Nuno Álvares Pereira, onde completei a primária e o vinte primeiro ciclo, correspondente ao 5º e 6º anos. Foi neste colégio que me foi proporcionada a possibilidade de ser aluno interno e com todo o conforto de um ambiente familiar onde sempre tive a oportunidade de prosseguir com os estudos. Fiz o 2º ciclo no Colégio de Santa Clara onde conclui o Curso Técnico de Artes Visuais. No seguimento de um contexto artístico, para concluir o nível 3 correspondente ao 12º ano, fui para o Colégio de Pina Manique onde integrei o Curso Técnico Profissional de Design e Equipamento, que conclui com algum sucesso, sendo o melhor aluno do curso. Ganhei uma bolsa de estudo atribuída pela Casa Pia, o que me permitiu dar continuidade e ingressar no Curso Superior na Universidade de Arquitectura. Entretanto, em paralelo a todo este percurso académico e escolar, tive também um percurso Desportivo no Casa Pia Atlético Clube, fazendo parte das camadas jovens de futebol 11 até ao 2º ano de juvenis. Entretanto, ingressei noutras actividades em representação do Casa Pia, tais como: ginástica artística com alguns títulos Regionais e Distritais, e no halterofilismo onde fui Campeão Nacional. Nesse mesmo período exerci funções de Monitor de alguns Lares do colégio Pina Manique, nomeadamente os Lares Gil Teixeira Lopes, Maldonado Gonelha e Martins Correia, onde numa fase final exercia as competências de Assistente de Apoio Residencial, até ao ano de 2008. Quando terminei a Universidade, ingressei no mercado de trabalho na área para a qual estudei, formei-me em Arquitectura e estou actualmente a exercer actividade profissional em África (Angola). Considero que a minha mais-valia consiste nas bases educacionais as quais me foram proporcionadas por intermédio do meu percurso na Casa Pia de Lisboa. Estudei e tive boas bases de Educação o que me permitiu ingressar no mundo de trabalho com facilidade de adaptação a qualquer exigência, um sentido profundo do conceito familiar e respeito pelo próximo, todas essas competências foram desenvolvidas nas diversas actividades e convivências de colégio e de Lar na Casa Pia. A minha transição para a vida profissional deu-se logo que terminei o Curso Superior de Arquitectura. Tive uma colocação imediata no mercado de trabalho e estou actualmente, em Angola, a exercer a minha actividade profissional. Considero estar a ter algum sucesso visto que já subi na carreira no meu primeiro ano de trabalho, sendo uma transição imediata, mas confortável, pela confiança nas bases adquiridas no meu percurso de vida. O balanço do meu percurso na CPL é muito positivo, a minha frequência na Instituição permitiu desenvolver uma personalidade competente na adaptação a diversos ambientes, nomeadamente num contexto de disciplina, interacção nas dinâmicas de grupos e convivências. Estas noções derivam do facto de ter crescido em ambientes de Lar com cerca de 16 a 20 colegas, de idades diversas, e um conjunto de educadores, professores e outros técnicos de educação do qual mais tarde também tive a oportunidade de fazer parte. Todo este conjunto de experiências revelou-me ensinamentos de perspectiva. Tenho uma saudável ambição profissional que pretendo continuar a desenvolver da mesma forma, e perseguindo perspectivas pessoais na constituição de uma família, onde certamente irei utilizar as noções de educação que me foram transmitidas no meu percurso na Casa Pia de Lisboa. vinte e um Sofia Anastácio Tenho um irmão mais velho que entrou na Casa Pia de Lisboa, Colégio Pina Manique, para frequenatr o Curso de Electricidade. Os meus pais trabalhavam até tarde e sempre se preocuparam em que passasse o mais tempo possível na escola onde estaria ocupada e onde pudesse aprender algo mais do que o normal, que aprendesse um ofício para mais tarde, quando acabasse o 9º ano, pudesse integrar-me no mercado de trabalho com mais confiança. Surgiu o Colégio Pina Manique porque o meu irmão já o frequentava e então os meus pais acharam por bem que eu também frequentasse a mesma escola. A escolha do curso não foi vinte e dois difícil naquele tempo, em 1988/1989 éramos poucas raparigas e não havia muita escolha. Relojoaria surgiu, após alguns testes psicotécnicos que, tínhamos de fazer, para sabermos que curso devíamos frequentar, aquele em que, possivelmente, teríamos mais aptidão. Só soube para que curso tinha entrado quando saiu a listagem das turmas e suas colocações. Entrei para a Casa Pia de Lisboa, Colégio Pina Manique, em 1988/1989 para o curso de relojoaria que seria de 4 anos e teria equivalência ao 9º ano, em regime de semi-interna e tinha um horário em que entrava às 8h30 e saía às 18h todos os dias. Tínhamos sempre 4 horas por dia de oficinas que incluía práticas oficinais, desenho técnico, electrónica e tecnologia. O primeiro ano foi dos mais importantes na minha vida. Tínhamos regras e, quando as quebrávamos, tínhamos sempre algum mestre para nos chamar à atenção. Era impensável chegar atrasado. Sempre fui uma aluna que adorava desporto, principalmente futebol. Foi criada uma equipa feminina de “Futebol de cinco”, de que fiz parte ao longo de todo o meu curso. Mesmo quando acabei a escola fiquei federada no Casa Pia Atlético Clube durante 3 anos. Mais tarde tive de desistir, pois a minha vida familiar, já casada e na altura com um filho e a minha vida profissional não o permitiam. Tive que abandonar, mas ainda hoje, quando posso, faço questão de matar saudades. Uma das situações mais marcantes que passei no meu primeiro ano do curso, era que no último dia da semana em que tivéssemos práticas oficinais, reservavam sempre as duas últimas horas para fazermos a limpeza à oficina. Foi muito importante porque era um momento em que aprendíamos a fazer tudo o que numa casa se deve fazer, para se manter limpa e arrumada, e a respeitar todas as profissões. A relojoaria tinha magia. Tínhamos uma oficina pequena que ficava situada junto da oficina de manutenção automóvel. Os mestres eram muito importantes, preocupavam-se sempre connosco e se estávamos tristes, se tínhamos negativas, se faltávamos às aulas, havia sempre um mestre que vinha falar connosco e ajudava-nos, pois tinha sempre uma palavra para nos fazer ver as coisas. Nos intervalos, muitas das vezes, em frente à relojoaria era onde os alunos mais velhos jogavam à bola com os mestres. O convívio entre alunos e mestres era muito frequente e muito importante ao longo de todo o curso. Tive vários mestres, mestre Américo Henriques, José Lourenço, mestre Paulo Anastácio, o mestre Vítor Lopes e o mestre César, todos eles diferentes mas que se complementavam, todos eles marcaram muito a minha infância e tudo aquilo que sou hoje devo-o àquela escola que foi como uma segunda casa e, às vezes a primeira, pois ao longo de todos os anos em que a frequentei e todas as alterações que o curso foi tendo tivemos momentos bons, muito bons e alguns menos bons, e foi num momento menos bom, no meu 9º ano, que tive o mestre Vítor César, que passava horas a falar comigo para que eu não fizesse nada que mais tarde me pudesse vir a arrepender. Durante todo o meu percurso escolar houve também uma professora, que ainda hoje lecciona no colégio e que se chama Prof. Isabel Sá, que não só para mim, mas também para a maioria dos meus colegas, teve um papel muito importante pois fazia o papel dos mestres mas na vertente sócio-cultural. Ainda hoje mantemos contacto e se não o fazemos mais, é porque a vida não nos permite. Ficarão sempre comigo todas as repreensões que me dava pois foram sempre correctas e agradeço tudo o que fez por mim. A Casa Pia não é só um colégio nem uma escola é algo que se sente e quando digo que sou casapiana é um orgulho, um carinho, é algo tão forte que não consigo explicar. Todos os convívios por que passei na colónia da Areia Branca, na quinta do Arrife e tantos outros, fizeram com que sentisse que tinha duas famílias. A de casa e a outra de igual importância que me fez crescer, respeitar e dar-me ao respeito de ser alguém, a família casapiana, amigos, professores, mestres, preceptores e todos os funcionários que nela trabalhavam. Quando acabei o curso, comecei logo a trabalhar numa ourivesaria no Centro Comercial das Amoreiras durante 6 meses a atender ao balcão, quando houve oportunidade de realmente fazer aquilo que eu queria, que era trabalhar numa assistência técnica, foi o que aconteceu. Estive 3 anos a trabalhar na “Analógico”, assistência Técnica da marca” Ómega”, onde aprendi imenso com todas as pessoas que lá trabalhavam, tanto profissional como pessoalmente. A seguir trabalhei oito anos no grupo “Richemont”, assistência técnica da “Cartier” e saí dois anos antes da mesma encerrar em Portugal. Estive 1 ano na “Boutique dos Relógios” onde tive uma experiência fantástica e aprendi a ajudar o cliente a comprar o produto que procurava. E por fim abri uma empresa com uma amiga que trabalhava na Boutique dos Relógios. Houve a oportunidade de ficar a explorar o espaço relojoeiro do “El Corte Inglês” de Lisboa. As duas formámos uma empresa, a “Watchtech” onde damos assistência a todos os relógios dos mais recentes aos mais antigos. Celebrámos um protocolo com a Casa Pia de Lisboa onde temos alunos em formação no contexto de trabalho. Actualmente, sou casada com um casapiano e tenho 3 filhos, sou sócia-gerente de uma empresa no ramo da relojoaria, onde tento aplicar todos os valores que me foram transmitindo ao longo da minha formação no Colégio Pina Manique. O que espero, no futuro, é continuar com a empresa que construí com a minha sócia e amiga e com tudo o que a Casa Pia me ensinou; consiga crescer e melhorar em tudo aquilo que fizer, sem nunca esquecer os grandes valores de uma casapiana; ser amiga do seu amigo, respeitar e ser respeitada e ajudar sempre a grande casa que é a Casa Pia de Lisboa. vinte e três Ficha Técnica Titulo: Vidas com História Autor: Ana Balbi António Rocha António Silva Santos David Maia Isilda Almeida Harvey João Pedro da Silva Pereira João Santos Luísa Ferreira Ricardo Saldanha Sofia Anastácio Editor: Casa Pia de Lisboa, I.P. - 2010 Revisão Técnica: Gabinete de Comunicação da Casa Pia de Lisboa Design: Backstage Impressão: Litojesus - Artes Gráficas Lda. Tiragem: 1000 exemplares ISBN: 978-989-8288-05-9