Carta Comemorativa do Bicentenário do Nascimento de
São João Nepomuceno Neumann
28 de março de 2011
Michael Brehl, C.Ss.R.
Caros Confrades, Irmãs e Leigos Associados,
Saudações em nome de Jesus Cristo que nos chama a pregar o Evangelho de modo sempre novo e
envia-nos com alegria aos mais abandonados e pobres!
Escrevo esta carta para comemorar o 200º aniversário do nascimento de São João Nepomuceno
Neumann. Ele nasceu no dia 28 de março de 1811 em Prachatitz, Boêmia. Na homilia no dia da sua
beatificação, Paulo VI resumiu sua vida em poucas e significativas palavras:
Ele se fez próximo dos doentes, sentia-se à vontade com os pobres, era amigo dos pecadores, e hoje é
a glória de todos os imigrantes, e do ponto de vista das Bem-aventuranças, o símbolo do êxito cristão.
Convido cada um de vocês a lembrar e celebrar durante este ano o dom que Deus deu à Igreja e à
Congregação na vida deste notável Redentorista, a glória de todos os imigrantes, no contexto do apelo
de nosso último Capítulo Geral.
O XXIV Capítulo Geral nos desafiou a responder à realidade contemporânea do movimento de massa dos
povos e a rever as nossas prioridades apostólicas. Quando o XXIV Capítulo Geral refletiu sobre isto na
sessão plenária, o nosso Superior Geral de então, Pe. Joseph Tobin, comentou que os Redentoristas têm
em São João Neumann, que era também ele um imigrante, um patrono e modelo excelente e inspirador
para o ministério pastoral dos migrantes. Ele foi para os Estados Unidos justamente para trabalhar com e
entre os imigrantes.
João Neumann estava bem ciente da sua vocação missionária. Em suas primeiras cartas para a família
ele assinava “João Nep. Franz Neumann, Missionário”. Ele indagou e refletiu sobre a proposta de uma
Sociedade dos Missionários, que nunca chegou a nascer.
Uma vez nos Estados Unidos, sentiu-se totalmente em casa com os imigrantes pobres e abandonados que
encontrou e dedicou-se totalmente ao acompanhamento e ao serviço deles no amor. Estava consciente
das necessidades e da fome espiritual deles. Sabia por experiência própria o que era ser um imigrante
nos Estados Unidos: chegara ao porto de Nova York sem ninguém para recebê-lo no cais, sem lugar para
ficar durante a noite e quase nenhum dinheiro no bolso. Ele não tinha sequer a certeza de que seria bem
acolhido pelo bispo e aceito para a ordenação! Sua experiência refletia a experiência de inúmeros outros
imigrantes, que vão em direção ao desconhecido, chegando sem aviso prévio e sendo muitas vezes
indesejáveis em terras estrangeiras.
Ele havia deixado seu país natal em fevereiro de 1836, e só voltaria dezenove anos mais tarde. Deixou
sua família e sua casa. Algumas de suas cartas mostram um grande anseio por notícias da Boêmia, pois a
comunicação era muito difícil. Depois de quinze anos nos Estados Unidos, escreveu a seu pai em 1851
que “nenhum dia se passa sem que eu sinta o desejo de estar na casa paterna e no meio dos queridos
parentes e amigos, ainda que nunca me tenha arrependido de ter-me dedicado à Missão na América”.
A realidade da emigração e da imigração hoje é certamente diferente daquela do tempo de João
Neumann. Mas o desafio missionário é fundamentalmente o mesmo. Aprendemos várias lições muito
importantes de João Neumann, que poderão lançar luz sobre a nossa situação atual.
Uma vida de dedicação missionária é um chamado de Deus recebido através dos abandonados e dos
pobres. Este chamado será mais bem compreendido e nossa resposta será mais autêntica se estivermos
perto de quem nos chama. As sementes desta vocação podem ser semeadas enquanto ainda estamos a
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São João Nepomuceno Neumann
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certa distância. Mas a vocação propriamente dita vai crescer e amadurecer quando moramos perto
daqueles aos quais somos enviados. Nossa vocação é ao mesmo tempo evangelizar e ser evangelizados
pelos pobres. Continuamos a crescer e aprender quando caminhamos com os pobres. Uma vida de
dedicação missionária chama-nos para além de nossas zonas de conforto e abre novos horizontes,
compelindo-nos a enfrentar sacrifícios e desafios complexos.
Uma vida de dedicação missionária não necessariamente nos coloca no centro das atenções. Chama-nos
a explorar novos caminhos e meios de proclamar o Evangelho, muitas vezes nas margens e franjas
da sociedade. O Missionário Redentorista não é apenas o pregador eficaz e dinâmico no púlpito! Os
Missionários Redentoristas também trabalham em becos e favelas, em áreas e cidades do interior, onde
quer que os abandonados e os pobres se encontrem.
Embora João Neumann tenha crescido num lar de língua alemã e tenha aprendido a língua tcheca
durante seus estudos, sabia que essas línguas não seriam suficientes para prepará-lo para uma vocação
missionária. Mesmo se ele trabalhou primeiramente com os imigrantes de língua alemã, sabia que
precisaria do inglês e acreditava que o francês lhe seria muito útil. Aprendeu também italiano, impressionado com a beleza da língua, e ciente de que poderia revelar-se útil para seu trabalho missionário.
João Neumann estava consciente de que seria útil ter uma experiência cultural mais ampla do que aquela
que seu país poderia lhe fornecer. Esta haveria de prepará-lo para a complexidade cultural dos Estados
Unidos, nação de imigrantes de diversas culturas. Ele sentiu a necessidade de um mundo maior para expandir suas perspectivas pessoais e abri-lo para uma experiência mais ampla, uma visão mais aguçada da
vida, em outras palavras, uma perspectiva contemplativa mais ampla. Agora que a Congregação se
prepara para uma maior colaboração e reestruturação que atravessa as fronteiras da Conferência e entre
as Conferências, nós mesmos vamos experimentar os desafios da linguagem e da comunicação, bem
como da dinâmica intercultural.
Os dois últimos Capítulos Gerais enfatizaram a importância da aprendizagem de línguas. Particular
destaque foi dado ao espanhol, ao inglês e ao italiano para a comunicação dentro da Congregação. A
missão chama-nos a tornar-nos fluentes nas línguas dos povos entre os quais trabalhamos. O objetivo
não é simplesmente aprender um idioma, mas ser capazes de “inculturar” a nossa dedicação missionária,
para nos ajudar a esvaziar-nos e “reestruturar” as nossas vidas profeticamente para a missão.
A formação – tanto a inicial como a contínua – deve levar a sério o desafio da vida e do trabalho interculturais. A experiência pastoral fora da nossa própria cultura, especialmente em algum momento da
formação inicial, é um elemento importante desse processo. A experiência de línguas e culturas exige
um espírito de abertura e liberdade. Essa abertura exige iniciativa e compromisso pessoais, bem como
oportunidades estruturadas dentro do programa de formação permanente ou contínua.
Ao chegar aos Estados Unidos, John Neumann abraçou com zelo e generosidade apostólicos o ministério
a ele confiado pelo Bispo de Nova York. Pouco depois da ordenação, foi enviado para os confins da
diocese e encarregado do cuidado de várias paróquias. Eram grandes as necessidades, como também
as exigências pastorais e as distâncias a serem percorridas cada semana. João Neumann começou a
considerar os benefícios de pertencer a uma comunidade missionária. Acreditava que uma comunidade
missionária poderia proporcionar maior eficácia missionária e também apoio pessoal. Em 1839
encontrou o Redentorista Pe. Prost, e começou a pensar na vocação para a Congregação. Em 1840, partiu
para o noviciado redentorista.
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João Neumann tinha um sentido apurado da relação íntima e recíproca entre a missão e a comunidade.
Sua experiência o levou a um profundo apreço do valor dos compromissos da comunidade na missão, ao
invés de projetos individuais – especialmente para a estabilidade do apostolado. Como Superior da
Missão norte-americana, reforçou essa dimensão comunitária, e tentou estabelecer boas bases sobre as
quais os confrades poderiam construir juntos.
A sua experiência de comunidade apostólica não foi isenta de lutas. Cada comunidade redentorista era
“internacional” e “intercultural” por natureza. Os confrades vinham de uma variedade de nações, línguas
e culturas européias. As primeiras vocações nos Estados Unidos provinham de diversas origens. Às vezes,
houve dificuldades pessoais, que eventualmente levaram certos confrades a regressar à Europa ou a sair
da Congregação.
Ele também experimentou algumas das lutas de crescimento, e mudanças nas administrações da Europa.
A responsabilidade pela Missão nos Estados Unidos passou da Bélgica para a Áustria antes que uma
província norte-americana fosse criada em 1850. Às vezes, isso levou a conflitos de abordagem e de
mentalidade com a “Província-Mãe”.
João Neumann percebeu que as estruturas e as comunidades precisavam ser renovadas para garantir a
continuidade e um ministério eficaz. Os confrades precisavam de conversão e de renovação pelo mesmo
motivo. Em 30 de janeiro de 1850, ele escreveu numa carta a Francisco Xavier Seelos:
Nosso grande erro é que nos deixamos enganar pelo espírito de esperteza mundana, pelo desejo da
fama, e pelo amor ao conforto. Devemos lutar contra a tentação de fazer das coisas espirituais
um meio de obter vantagem temporal. Os princípios da fé desaparecem de nossos corações na
proporção em que permitimos que os princípios do mundo entrem em nós. Não colocaríamos nossa
confiança em Deus, mas em nossa própria inteligência e experiência. Essa, meu querido Padre, em
minha opinião, é a causa de toda infelicidade.
Como nos recorda a Mensagem do XXIV Capítulo Geral: “Quanto mais radical for a nossa conversão, mais
radical e profética será nossa Vita apostólica”. Esta conversão irá afastar-nos de buscar o conforto
pessoal ou comunitário para acompanharmos os abandonados e os pobres. A conversão radical amplia a
nossa perspectiva para que possamos começar a ver como Deus vê. Ver como Deus vê reflete o papel
bíblico do profeta, que então proclama a visão. Esta perspectiva contemplativa nos levará a testemunhar
e agir em prol do Reino de Deus, não apenas como indivíduos, mas, acima de tudo como uma comunidade
missionária. Desta forma, iremos encarnar mais plenamente o tema deste sexênio: pregar o Evangelho de
modo sempre novo: esperança renovada, coração renovado, estruturas renovadas para a missão.
Quando se estuda a vida de São João Neumann, é impossível não ficar impressionado com a sua disponibilidade para a missão. Mesmo durante o noviciado, ele pregou missões e foi enviado a várias comunidades em resposta a prementes necessidades pastorais. Como confrade, Neumann fez-se disponível
para os outros por amor à missão. Estava sempre pronto a aprender e usar quaisquer meios necessários
para que pudesse pregar o evangelho de modo novo.
Em sua disponibilidade para a missão, os Redentoristas encontram um modelo para viver os princípios
da reestruturação adotados pelo XXIV Capítulo Geral:
Princípio 2: “A reestruturação para a Missão deve estimular um novo despertar de nossa Vita
apostolica. Deve provocar uma nova disponibilidade para a Missão.” Essa disponibilidade para a
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Missão, tão evidente na vida de João Neumann, precisa ser cultivada e promovida em nossa Vida
Apostólica contemporânea como algo essencial para a nossa vocação profética e missionária.
Princípio 3: “A reestruturação para a Missão deve buscar e acompanhar os mais abandonados,
especialmente os pobres.” A disponibilidade missionária vai nos convidar a reexaminar nossas
prioridades apostólicas, sempre com a preocupação pastoral por aqueles que sofrem devido à
mobilidade humana e ao tráfico de pessoas.
Como Neumann, somos chamados a aprender a pregar o evangelho de modo sempre novo. O tema
para este sexênio é inspirado numa frase de São Clemente Hofbauer. É importante lembrar que a
missão e o apostolado de São João Neumann estão em continuidade com o espírito e o exemplo de
São Clemente, embora nunca se conheceram. Como eles dois, precisamos estar abertos a novos métodos
de evangelização, novas experiências e novas linguagens, se queremos interiorizar o tema do sexênio
pessoalmente e como comunidade apostólica. Acima de tudo, precisamos fazer nosso o seu espírito de
disponibilidade missionária.
Não é nenhuma surpresa que apenas um ano depois de sua chegada aos Estados Unidos, Neumann
sentiu a necessidade de evangelizar os "índios", a população nativa que muitas vezes vivia, não só na
pobreza, mas também alienada de uma sociedade norte-americana agora dominada pelos imigrantes
europeus. O movimento de massa de pessoas afetou não apenas aqueles que emigraram e os familiares
e amigos que ficaram para trás. Também teve um impacto significativo sobre as populações indígenas
ou aborígenes nos Estados Unidos, muito freqüentemente oprimindo-as e excluindo-as da nova sociedade
que se formava, invadindo seu território e empobrecendo-as. O ministério pastoral de Neumann junto
aos imigrantes abriu os olhos dele para as populações nativas que tinham sido deslocadas e muitas
vezes viviam na pobreza. Seu desejo de servir a povos de várias culturas estendeu-se para além das
diferentes culturas europeias dos imigrantes que foram seus primeiros paroquianos. Ele incluía todos
os que experimentavam o abandono, a marginalização e a pobreza. No entanto, em 1840 Neumann
chegou a acreditar que havia necessidades pastorais mais urgentes entre a população imigrante e,
portanto, optou por essa missão.
João Neumann admirava muitos dos princípios sobre os quais a jovem democracia dos Estados Unidos
estava fundada. Ele também apreciava as oportunidades abertas aos imigrantes pobres, muitos dos
quais estavam fugindo da opressão e da pobreza em sua pátria. No entanto, percebeu que havia outros
elementos em ação naquela sociedade com os quais não podia concordar. Travou uma série de batalhas
com leigos ricos quanto a paróquias, escolas e propriedades. Ele também enfrentou preconceitos de
cidadãos que fizeram parte da colonização anterior e que agora queriam negar aos novos imigrantes
– especialmente aos católicos – os direitos e liberdades de que gozaram seus antepassados quando
chegaram à América do Norte.
O XXIV Capítulo Geral nos lembrou que a conversão missionária vai nos convidar a aprofundar nossa
reflexão sobre a cultura. “Somos missionários que viemos de várias culturas e nos reunimos para formar
comunidades baseadas na fé em Jesus Cristo. Esta fé chama os Redentoristas atuais para estimar e
abraçar as culturas dos outros, embora ao mesmo tempo reconheçam as limitações culturais e dêem um
testemunho contracultural onde for apropriado” (Decisões, 1,4).
Independentemente da idade ou origem, no mundo de hoje precisamos de entrar em diálogo com povos,
culturas e tradições muito diferentes das nossas. Isso nos desafia, como desafiou João Neumann, a
sairmos de nosso provincialismo e bairrismo, mesmo quando não temos certeza sobre para onde ele
vai levar.
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Eu gostaria de sugerir algumas conclusões práticas para honrar a memória de São João Neumann,
incorporando as dimensões de seu espírito em decisões práticas para a Congregação hoje.
No espírito da dedicação missionária de São João Neumann, exorto cada Conferência e cada Unidade
a considerar pelo menos um projeto pastoral concreto para responder às necessidades das pessoas
atingidas pelo movimento de massas dos povos. Tal projeto pastoral poderia muito bem ser uma
situação ideal para uma comunidade internacional. Informações sobre tais decisões e planos nas
Conferências e nas Unidades sejam enviadas para o Governo Geral.
Os Secretariados de Formação das Conferências e das Províncias examinem seus programas de formação
inicial e contínua para garantir que eles incluem a experiência de diferentes culturas, assim como
a formação em questões de cultura e interculturalidade, aprendizagem de línguas, especialmente
espanhol, inglês e italiano, mas também de outros idiomas úteis e necessários para a missão; o estudo e a
integração da obediência e dedicação missionária, como elementos essenciais de nossa identidade
redentorista, tal como proposto pelo Pe. Tobin em Uma Carta aos Irmãos (8 de setembro de 2009, em
Analecta C.Ss.R. 2008-2009, pp 170-200 em inglês e pp. 201-233 em espanhol).
Alguns têm dito que João Neumann era um homem muito normal que fez pastoral ordinária muito
bem. Isso pode perfeitamente ser verdade. Ele não chamava a atenção para si e muitas vezes atuou
em segundo plano. Sua grande simplicidade significa que ele é um confrade com quem a maioria de nós
pode facilmente se relacionar. No entanto, João Neumann fez as coisas ordinárias com amor e dedicação
extraordinários. Acho que é isso que faz toda a diferença. Naquele tempo como agora.
Em conclusão, gostaria de recordar as palavras de uma carta do Pe. Joseph Tobin, escrita para o vigésimo
quinto aniversário da canonização de João Neumann (11 de abril de 2002):
Numa época em que a espiritualidade é por vezes proposta como um itinerário estritamente
introspectivo dentro de si mesmo, João Neumann nos lembra que o serviço aos pobres e esquecidos
é um caminho claro para Deus. E, em face de um etos que nos incita a consumir e possuir, o Santo
nos aconselha a viajar mais leves, sugerindo que a simplicidade torna mais alegre a peregrinação
da vida.
Ao celebrarmos o 200º aniversário do seu nascimento em 2011, que o exemplo de sua vida inspire e
encoraje a todos nós. Acima de tudo, que o seu espírito continue a encontrar eco no nosso espírito e
a renovar a nossa esperança, nossos corações e nossas estruturas para que possamos continuar a pregar
o Evangelho de modo sempre novo!
Seu confrade no Cristo Redentor,
Michael Brehl, C.Ss.R.
Superior Geral
Roma – 28 de março de 2011
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This year marks several extraordinary anniversaries in the life of St