Spíf ^KAP-M ELEFANTE, 0ÍpC ^ O espectro que ronda o capital ^V Massacre, rito de passagem ao genocídio ^ Utopia do capital em Robert Kurz ^ O mercado não resolve tudo ^ PT: rumo ao 11° Encontro ^V Presente e futuro da China Custo unitário desta edição: R$ 2,50 Quinzena N0 255 - 31/07/97 Trabalhadores OPINIÃO DO LEITOR Caros amigos (nenhuma alusão à nova revista c/e "esquerda" recentemente lançada no Brasil): Sou velho assinante de Quinzena e consumidor de publicações do CPV. Como já me expressei nas avaliações que já me foram solicitadas, gosto muito dos seus materiais e os utilizo nas minhas pesquisas. Já milite/;(»or longos anos (sindicatos, PT) :CL/7, associações de classe, Anistia, etc), mas na atualidade me recolhi um pouco (não por muito tempo, segundo espero) para escrever algumas coisas e empreender algumas pesquisas acerca de política, economia, etc. .Atualmente sou professor da Universidade Federal da Bahia. Estou com 60 anos de idade, quase 40 deles de militância política. Estas informações resumidas servem para me situarem* melhor, já que só me conhecem como assinante. Estou enviando para que vocês analisem este artigo que escrevi rebatendo um escrito de Robert Kurz, publicado recentemente na Folha de São Paulo, escrito que, a meu ver, não poderia passar sem uma resposta. Estou pedindo a vocês que publiquem esfe meu trabalho em QUINZENA, pois que, apesai da resposta vir mais de 1 mês depois, ela é, dado o tema, de grande atualidade. Estou enviando uma cápia para a Folha de São Paulo, mas não tenho muita certeza de que eles o publicarão. Acho que este tipo de enfoque não é muito bem visto por ali. Se vocês acharem por bem publicar o meu artigo eu posso inclusive enviar, para facilitar, o disquete. Se acharem de alguma valia o conteúdo do trabalho e que valeu, apesar de tudo, alguma coisa, eu me comprometo a enviar alguns outros que tenho em mira - acerca da economia, da política nacional e mundial, de questões teóricas, etc. Se resolverem publicar e desejarem, para facilitar, o disquete, por favor, me telefonem comunicando isto. Caso achem que o trabalho não vale muita coisa, e que, portanto, não merece ser publicado, por favor digam-me também e, até continuo, tudo permanece como está. Sem mais para o momento. Saudações. Edmilson Carvalho Salvador, 02 de agosto de 1997 (Veja o texto na íntegra na Seção Economia, página 14) Curtas Sem-cmprego Está em fase de organização um movimento denominado Sem-etnprego, organizado pelo jornalista Mirai Pereira dos Santos, que foi excluido do mercado de trabalho por causa da idade. Segundo levantamento, somente na Grande Porto Alegre, o número de desempregados com experiência com experiência alcançou 15% em 1 Q%, enquanto que os desempregados chefes de família, aumentou de 27,8% em 95, para 30,1 % em % ♦♦♦ Subnutrição A subnutrição é uma das causas principais da mortalidade infantil no Brasil Segundo dados do Ministério da Saúde, 31 % das crianças menores de cinco anos apresentam grau moderado ou grave. De cada mil crianças nascidas no Brasil, 50 morrem desnutridas, antes de completar um ano de vida A subnutrição é a doença que mais mata em nosso pais ♦♦♦ Salários Pesquisa feita pela Fundação Seade, de São Paulo, revela que o salário das mulheres é inferior ao dos homens em média 40%. O salário médio pago as trabalhadoras no ano passado era de R$ 585,00, cerca de 60% da remuneração minnna dos homens Igualmente, os rendimentos por hora são inferiores: R$ 5,00 por hora para os homens e R$ 3,50 por hora para as mulheres. EXPEDIENTE Q O boletim QUINZENA é uma publicação do: I CPV- Centro de Documentação e Pesquisa Vergueiro Rua Professor Sebastião Soares de Farias, 27, 2" andar Bela Vista - São Paulo - SP - CEP 01317-010 Caixa Postal 65107 - CEP 01390-970 Telefone (011) 285-6288 - Fax (011) 288-4823 Caso você queira divulgar algum texto no QUINZENA, basta nos enviar. Pedimos que se atenha a, no máximo, 8 laudas. Textos que ultrapassem este limite estarão sujeitos a cortes, por imposição de espaço. O objetivo do boletim é divulgar uma seleção do material informativo, analítico e opinativo, publicado na grande imprensa, imprensa partidária e alternativa e outras fontes de informações importantes existentes nos movimentos. A proposta do boletim é ampliar a circulação dessas informações, facilitando o debate sobre as questões políticas em pauta na conjuntura. O boletim QUINZENA é editado e diagramado pela Equipe do CPV. ü N Z E N A "Lavar as mãos do conflito entre os poderosos e os fracos não é ser neutro, mas sim ficar do lado dos poderosos" Quinzena N0 255 - 31/07/97 Trabalhadores Inverta - 16 a 22 de Julho - N0 117 O espectro que ronda o capital Ha um século e meio da publica ção do Manifesto do Partido Comunista, de 1847-1848, escrito por Karl Marx e Friedrich Engels, a sociedade burguesa não conseguiu se livrar do fantasma que lhe assombra todos os dias; o fantasma de uma revolução proletária; o fantasma do comunismo. E por que os senhores do capital, após todo esse período histórico, do qual, aproximadamente, dois terços se desenvolveram sob seu dominio absoluto de classe, não conseguiram destruir "este espectro", "esta lenda'"1 Eis o problema que atualmente sobressalta a nata da "intelectualidade" burguesa ou a serviço dela, sem que uma resposta precisa ser apresentada; eis um problema sobre o qual muitos admiradores e seguidores do "marxismo" se debruçam e malogram em suas explicações; eis um fato que marca todo um período histórico do desenvolvimento da humanidade e que será comemorado pelo proletariado em diversos países do mundo. Quem deu a partida foi o Partido Comunista Francês Com o Manifesto atravessado na garganta, desde o seu lançamento em fevereiro de 1848 na França, os senhores do capital empreenderam e continuam atualmente a empreender uma verdadeira santa aliança contra o comunismo. Mesmo um simples trabalhador ou trabalhadora pode verificar isto ao folhear qualquer literatura burguesa. Ali estarão páginas, artigos e mais artigos, pagos a peso de ouro, para afirmar e reafirmar que o "comunismo morreu", o "valor universal da democracia" (burguesa) e que a humanidade chegou ao "fim de sua história" no sistema capitalista, isto é, uma campanha sistemática em todos os meios de comunicação burgueses, rádios, televisões e agora no ciberespaço contra o comunismo. Na base da formação intelectual da sociedade burguesa, todo estudante ou professor se apercebe que a pedagogia volta-se para o alçapão intelectual da demagogia e regnde no tempo para praticar a pirataria e o contrabando intelectuais. Toda a "genialidade intelectual" não passa de cortina de fumaça, se reduzindo a um mero jogo de palavras, como "neoliberalismo", "globalização", etc, etc. Todo e qualquer desenvolvimento intelectual da burguesia não passa de apropriação indébita e até o robozinho que a NASA colocou em Marte somente foi possível porque, com a desintegração da URSS, a burguesia norte-americana se apropriou das conquistas espaciais soviéticas e de seus principais especialistas. Por outro lado, as bases da sociedade burguesa são tão sólidas quanto uma barra de gelo exposta ao sol do deserto do Saara ou das caatingas do nordeste brasileiro. Veja-se a recente crise financeira dos países chamados "Tigres Asiáticos", que foram vendidos ao mundo como protótipo de desenvolvimento econômico e "milagre" capitalista. Os ditos "Mercados Emergentes" entraram em bancarrota, sobrando o vento da miséria e da opressão para o mundo. No fundo, não passam de "Tigres de papel", como afirmou bem Mao Tse Tung. Eles repetem o filme já visto recentemente no México e a burguesia entrou em polvoro- sa mais uma vez para salvar o sistema da ameaça do fantasma do comunismo, sempre à espreita, sempre em alternativa, sempre resultado e não causa destas crises. E aí está a atualidade do Manifesto, pois lá está escrito por Marx e Engels, quando definem as crises decorrentes da "Lei Geral da Acumulação Capitalista"; e o que resultam estas crises9 Sempre em crises cada vez maiores e sem meio de controle". Mas o segredo essencial da longevidade do Manifesto não foi e nem é a pródiga ironia de expor de forma sintética uma teona científica do desenvolvimento histórico, da sociedade humana, sobre o capital, mas sobretudo da praticídade da aplicação de uma ciência fundada em leis objetivas, que capta as tendências de um movimento constante e permanente das formações econômicas e sociais da raça humana, entre as quais destaca-se a luta de classes. A cada tentativa da burguesia de destruir o comunismo, a sua realidade objetiva responde com uma nova crise, que estampa o desespero e a fugacidade que distinguem o seu modo de produção e sociedade de todos os outros. Assim, em vagas contínuas de insegurança, de um momento para o outro, tudo o que era ontem fatal, eterno, hoje já não é mais. O exemplo mais atual deste fato são os "Tigres Asiáticos" de ontem, que diante da cnse financeira, se transformam hoje em "Tigres de papel". E isto somente confirma o destino histórico do castelo de cartas da parafernália capitalista, cujo abismo maior são as soluções burguesas para as crises através de guerras e extermínios fascistas. Pois, se por um lado, cresce o capital, por outro, cresce o proletariado e a miséria, a condição "sine qua non" da acumulação pela apropriação privada e com ela, outras crises. Ao capital, resta a resignação e o consolo de contradizer Marx e Engels num ponto; a burguesia já não é capaz de desenvolver o seu sistema sem o véu da hipocrisia e do obscurantismo que marcou a sua aurora, pois ela, mais que ninguém, sabe que sobrevive em seu crepúsculo como vampiro a sugar das massas proletárias e populações pobres, a sua miséria de vitalidade, produtividade ejovialidade O seu manto hipócrita de opressão se faz entre "Chupa Cabras" e "Ovinis extra-terrestres", a ocultar a carnificina humana. Mas a sordidez da burguesia e seu sistema, ao contrário dos idos medievais, não afoga a opressão proletária numa bandeja de ouro ou de prata, tal qual Salomé serviu-se de João Batista, ou ainda, numa lança de Lancellofs apaixonados. Agora a tragédia se sobrepõe de muito ao dilema Shakesperiano, e o nobre Otelo já não arrebata do seu ser inconsciente o não ser. Neste momento, nem mesmo o "Inferno" de Dante ou o espectro Goetheano, do diabinho Mefistófoles, poderá exteriorizar a consciência do médico que deu lugar ao monstro. Para compreendê-lo em sua intrínseca essência, sem conhecê-lo por dentro, é impossível. E como disse Marti, somente quem o conheceu por dentro, poderá combatê-lo. Portanto, um militante prático do socialismo científico e da revolução, mais Lavar as mãos do conflito entre os poderosos e os fracos não é ser neutro, mas sim ficar do lado dos poderosos" Trabalhadores Quinzena N0 255 - 31/07/97 que comemorar os 150 anos do Manifesto, deverá praticá-lo. E isto quer dizer um combate de vida ou morte contra o capital Fora disso, comemorar o Manifesto prestar-se-á mais a um ritual de mea culpa, que transformará as comemorações num ato de resignação por tê-lo renegado mais de três vezes, antes do galo cantar. É fundamental entender que, entre o crepúsculo do capital e o abismo humano, há sempre um alvorecer de esperança e de felicidade, de uma verdadeira historia da raça humana: o Comunismo. Pois como nos diz Marx e Engels, no Manifesto: "em lugar da antiga sociedade burguesa, com suas classes e contradições de classes, ergue-se uma nova sociedade, uma livre associação, onde o livre desenvolvimento de cada um é a condição do livre desenvolvimento de todos" Se não compreendermos desta forma, poderemos cair na tentação de considerar que o Manifesto e a luta histórica e secular dos trabalhadores não passam de "devaneios", "coincidências foituitas" ou "pnmaveras, sempre incompletas", cujos resultados foram sempre "programas inconclusos, projetos apenas esboçados, logo derrotados, gerando recuos, desilusões, desistências", e finalmente que "nossas circunstâncias, neste final de século, são as de um tempo de capitalismo tnunfante, com pretaisões de modelo e pensamento únicos, a arrogân- cia típica dos sistemas que se imaginam termo final da aventura humana" - como expressa uma convocatória, assinada por respeitáveis intelectuais (e temos plena convicção de que muitos destes, se tivessem conhecimento prévio dos termos da convocatória, não concordariam em assiná-la). Portanto, é necessário mais que comemorar, praticar o "Manifesto do Partido Comunista", cuja consigna conclusiva é a seguinte. "Proletários de todos os paises, uni-vos!". E, neste momento de crepúsculo do capital, esta prática significa reafirmar, com todas as nossas forças, os princípios do socialismo científico, a solidariedade aos paises e povos, que dirigidos pelo Partido Comunista, lutam contra o imperialismo mundial e preparam um alvorecer de paz para toda a humanidade nesta virada de século. Não entender assim é fazer coro às mentirasda burguesia, que diante da desgraça de suas receitas de opressão neocolomal, os ditos "Mercados Emergentes", fazem nova investida sobre CUBA e os Socialismo, publicando e divulgando mentiras, em sua mídia fascista, sobre o líder máximo da Revolução Cubana, Fídel Castro, e patrocinando a sabotagem aos caminhos de desenvolvimento econômico da sociedade - a queda de um avião, no qual estavam dois brasileiros, amigos e militantes da causa cubana, o jornalista alagoano Freitas Neto e sua esposa, e a explosão de duas bombas, no hotel Capri e no Nacional. Neste momento em que a America Latina vive um período de grande concentração da energia revolucionária inspirada nos dois dos homens mais praticantes do Manifesto do Partido Comunista: Ernesto Che Guevara, cujos restos mortais foram recuperados e teia o merecido reconhecimento do povo cubano, no 30° ano de sua queda em combate; e Luiz Carlos Prestes, combatente heróico, cujas comemorações de seu centenário o reviverão nos corações e mentes do povo brasileiro. Estas comemorações abrasarão a alma moribunda dos lutadores, já exaustos ou esquecidos, e aquecerão a eterna chama da revolução continental e brasileira Que o Manifesto do Partido Comunista, escrito por Karl Marx e Fnednch Engels, esteja aqui, em comemorações sim, mas acima de tudo em prática revolucionaria; e que não sirva de meio para projetar os que bebem o sangue do proletariado Pois, como dizia Lénme. "Este pequeno livrinho vale por tomos inteiros: ele inspira e anima até hoje todo o proletariado organizado e combatente do mundo civilizado". E Lemne estava repleto de razão! Salve os 150 anos do Manifesto do Partido ComunistaI Viva Marx, Engels, Lemne e todos os lutadores comunistas e países socialistas! "1 Asteca informa - Ago/97 - N0 4 Existe alternativa ao desemprego e à miséria "Os grandes conglomerados já estão com lotação esgotada... Não pretendem criar mais nenhum emprego neste século - talvez no próximo e em Marte". Betinho - FSP 27/07/97 E mentira que só resta as nações do 3° mundo inserirem-se no mercado capitalista internacional - obrigatoriamente na categoria de importadores de mercadorias, e de capital de alta rotatividade para financiar o déficit da balança de pagamentos provocado pelas importações. Trata-se de um sistema montado a partir do Consenso de Washington para amenizar a crise de desemprego nos paí- ses centrais decorrente da revolução mícroeletrômca; estabilizara moeda com base na recessão para favorecer a aplicação financeira especulativa. Nós ficamos com o desemprego e a miséria e eles com a riqueza e o bem estar Acontece que esse sistema já dá claros sinais de esgotamento. A China, por exemplo, não embarcou nessa canoa furada. Ela importa apenas as mercadorias que não pode ou não interessa produzir. Por isso, há muito anos é o pais que mais cresce no mundo (7% ao ano). E o máximo que nossos "basbaques" conseguem assacar contra ela seria uma suposta falta de democra- cia Se por democracia, entende-se a livre compra e venda de romvons para reeleição, o reino encantado dos empreiteiros e anões do orçamento, o massacre rotineiro e impune de sem-terras e sem-teto, a aposentadoria precoce de parlamentares, eleições com resultados fabricados pela mídia e pelos homens da mala preta, pelas impunes e febris atividades da banda "PC & Seus Femandos", etc. etc, os chineses estão certos em não adenr... O Brasil, com seu parque industrial em adiantado estado de desenvolvimento, 8 milhões de km2 e um mercado interno de 150 milhões de pessoas, pode "Lavar as mãos do conflito entre os poderosos e os fracos não é ser neutro, mas sim ficar do lado dos poderosos" Quinzena N0 255 - 31/07/97 aspirar o outro destino além do que lhe é reservado pelo atual Governo. E a marcha dos sem-terras, sem-teto e sememprego parece querer confirmar o caminho que teremos de seguir. A concentração da terra em nosso pais e muito grande. Temos 580 milhões de hectares aproveitáveis, dos quais são explorados cerca de 82 milhões. Existiram, ainda, 250 milhões de hectares de terras devolutas. Segundo relatório do INCRA l% dos imóveis cadastrados os latifúndios - ocupam todo o território brasileiro. Inocêncio Oliveira, por exemplo, lidei do PFL possui, ainda segundo o INCRA, 6.800 ha. Enquanto isso, menos de 3% da área cultivável pertence a Q2% dos produtores rurais. O MST tem cerca de 60.000 famílias acampadas (e o Brasil 4,5 milhões de sem-terras), cujo assentamento custaria, aproximadamente, 1,2 bilhões de reais, 10% do que foi dado de "mão beijada" só ao Banco "da minha nora"; a área a elas destinadas seria cerca de 1,5 milhões de ha, menos 0,26% dos hectares aproveitáveis.. Produzindo elas gerariam uma renda mensal aproximada de 25 milhões de reais. Essa é uma pequena amostra de que resultados uma reforma agraria feita para valer, como prioridade "um" do Governo, seria capaz Redundaria num substancial incremaitoda produção de alimentos, que contribuina de maneira decisiva para baratear o custo de vida e manter estável a moeda (âncora verde). Sem recessão e, ao contrário, com desaivolvimento. De outro lado, a renda gerada por essas famílias, ativa- Trabalhadores ria a produção industrial e o comércio, reza a uma apropriação desenfreada da aumentando o número de postos de tra- riqueza por uns poucos, usar os lucros balho, e contribuindo, dessa forma, tam- para construirmos um paraíso aqui na bém para reduzir o desemprego urbano. terra. Só que para todos... Junto com a reforma agrária, a outra Um país continental, ao contrário do prioridade sena desencadear um proces- que vem sendo feito, tem que centrar seu so de construção de moradias, através transporte na ferrovia, e nas navegações de cooperativas habitacionais e regimes fluvial e marítima. Um programa de consde mutirão. Dessa forma, evitando as taição de estradas de ferro e implementagrandes empreiteiras, sena reduzindo o ção da navegação, também gera emprecusto da construção, aumentando as pos- go, diminui os custos do transporte, consibilidades de ampliar o número de uni- tnbui para a estabilidade da moeda, comdades financiadas. Ai estana outra for- bate a poluição e melhora o trânsito. E ma de empregar maciçamente trabalha- nas cidades enfatizar o transporte coletidores e promover o desenvolvimento. À vo sobre trilhos e os das "vans". construção civil, em seu estágio atual no Por fim, ao invés de priorizar o finanBrasil, ainda é o ramo que mais empre- ciamento de grandes empresas intemaga, possuindo extraordinário poder mul- aonais, deveria o Governo apoiar a microtiplicador de atividades econômicas. empresa. Além do custo ser menor e o A tecnologia empregada no Brasil, já retomo maior, de cada 10 empregos cripossibilita o estabelecimento da jornada ados no Brasil, 6 são oriundos do setor, de 32 horas em muitos ramos. No mun- ainda segundo o Betinho. Está provado do, face a informatização geral, não exis- que a produção de alimentos para o merte outra saida para o desemprego, senão cado intemo baseia-se na pequena proa progressiva redução da jornada, na priedade. Em fins da década de 60 enmedida em que avança a produtividade, quanto a construção de moradias fluiu isto porque, afigura-nos impossível pros- através de cooperativas foi um sucesso. seguir indefinidamaite com o crescimenEm sua época, Marx dizia que ao to geomético da exclusão. A chamada defender a pequena produção a peque"Qualidade Total" objetiva aumentar os na burguesia queria girar para trás a roda ganhos de produtividade apenas para os da história. Mas hoje, a informática posempresários. Ao contrário, trata-se de sibilitou o ressurgimento exitoso do pefazer com que os benefícios da nova téc- queno empreendimento. E será através nica sejam usufaiidos por todos. Substi- dele, dos multirões e cooperativas, do tui mios a obsessão pela racionalidade por chamado 3o setor que, neste momento mais culturas e mais lazer, mais verde e histórico, conseguiremos superar o atomenos poluição, praias limpas e água leiro no qual os liberais nos meteram, aimo pura. Ao invés de subordinar a própria a construção de uma sociedade mais jussobrevivência da humanidade e da natu- ta e humana! n A VENDA NO CPV wmmm'^ Éfica e cidadania Caminhos da fllosofiü ^W*****^ icUattWMMMW^i Habitação e Cidade Preço: 9,80 Ética e cidadania Preço: R$ 19,50 indústria e trabalho no Brasil Preço: 9,80 Lavar as mãos do conflito entre os poderosos e os fracos não é ser neutro, mas sim ficar do lado dos poderosos" Quinzena N0 255 - 31/07/97 Trabalhadores 0 Em Tempo - Julho de 1997 - N 294 A CUT em transição A preparação do 7o Congresso da CUT acirra o debate da estratégia e do programa para o movimento sindical Maria Consolação da Hnclta A CUT atravessa uma fase A primeira resposta foi a tentativa marcada pelo declínio da maio- de negociar com o governo Collor logo ria que domina sua direção nacional des- no primeiro ano O grau de legitimidade de a fundação em l Q83, mesmo sem que da Central passou a ser medido pela prese tenha ainda desenhado uma direção sença da CUT na mídia, assim como alternativa Não se trata de um proble- pelo número de cadeiras que ostentava ma meramente quantitativo, de número na sua participação em fóruns de delegados ou de vitórias em eleições institucionais A preocupação estava em sindicais, ainda que o problema se exque "os outros" (governos, empresáripresse nesse terreno. Ele é essencialos) vissem na direção da CUT um mente político, de estratégia e de pro"interlocutor" necessário grama, e encontra-se retratado no "TexEssa postura só era possível porque to base da Direção Nacional", tese da vinha acompanhada por uma redução do Articulação Sindical para o CONCUT programa político do movimento sindical Entre muitos aspectos que poderiam combativo - que refletia também a "criser discutidos, concentremo-nos em dois: se do socialismo" pós-queda do Muro de Qual estratégia? Berlim. A aplicação do programa neoliberal Tal visão não foi aplicada de forma no Brasil jogou o movimento sindical elilinear porque a conjiuitura política sofreu tista num impasse prolongado. O debate dramáticas alterações: a crise do goversobre estratégia foi aberto já na 4:' Ple- no Collor e depois a ascensão da candinária Nacional de IQQO quando a Arti- datura Lula. Ambas refletiam fragilidaculação Sindical apresentou documentos des políticas do projeto neoliberal no Brapolíticos que causaram grande polêmica sil, num momento que vários países ime foram retirados Retrospectivamente, perialistas mergulhavam na recessão. A podemos avaliar que os dois grandes ei- conjuntura estava educando a direção xos de polêmicas eram (são) qual carac- cutista no sentido de que existia espaço terização fazer das mudanças introduzi- para uma atitude mais ofensiva (que não das pelo capital e qual a postura que o veio com facilidade, haja visto a recusa movimento sindical deveria assumir. da Articulação Sindical em assumir o A Articulação Sindical acertava ao "Fora Collor" na 5:' Plenária Sindical já enfatizar as "novidades" trazidas pela no segundo semestre de IQQI!) ofensiva neoliberal e errava ao avaliar o A vitória de FHC, a consolidação do fôlego que o novo programa da burguePlano Real e o desempenho político do sia teria Considerava (erroneamente) novo governo no Congresso Nacional e que tal programa fazia parte de uma nova junto a mídia, fizeram com que os antifase de crescimento do capitalismo in- gos fantasmas da perda de legitimidade ternacional e não, o que viria a se confirassolassem as direções sindicais. Reformar, que se tratava de uma tentativa de çaram esses medos a posição de FHC resposta do capital dentro da onda longa de desfazer/enfraquecer fóruns institurecessiva (dai tal política ter seu foco no cionais constituídos sob Collor ou itamar, ataque ás conquistas dos trabalhadores). acusados de atrapalhar o funcionamenMas os maiores problemas estavam to do livre mercado. no "segundo eixo" A lição que a ArticuE nesse "novo contexto" que se dá a lação Sindical tirava de uma década de negociação da previdência em começo neoliberalismo aplicado em outros países de 1996. A experiência acaba em tragéé que tal programa levava á perda da dia: a CUT implode o campo de oposilegitimidade do movimento sindical. A ção ao governo, aparece ao lado de FHC questão era, então: como manter/ganhar enticando o PT e os partidos de oposilegitimidade na era neoliberal9 ção. Dizendo estar negociando na verda- de se colocou dentro da agenda do governo, legíti mando-a No tema rio do CONCUT ha toda uma parte dedicada ao "Balanço político" da atuação da Central. Na tese da Articulação Sindical não se poderá encontrar uma linha sequer de autocrítica, mesmo que em amplos setores de sua base sindical e de seus aliados no PT (a "Unidade na Luta") se veja esta ausência com boa dose de vergonha Ao contrario, na parte de "Estratégia" veremos que tal postura reaparece sob a dominação de "resistência propositiva" proposta como "a estratégia" da CUT Nos dois meses que finalizaram no dia 17 de abril passado o MST deu uma aula pratica de estratégia. Ao contrario do que propõe a Articulação Sindical para a CUT o MST não dilui seu perfil político-ideologico Não vê na negociação, mas na organização e mobilização, a fonte de sua legitimidade O MST ganhou a primeira pagina dos jornais por várias semanas e o apoio de largos setores, inclusive de classe média, mas isso não foi uma contradição para sua estratégia de "Ocupar, Resistir, Produzir"! Qual organização Sindical? Entre as polêmicas mais anunciadas do 6o CONCUT esta a da organização sindical cutísta (tema conhecido como "sindicato orgânico") Abordaremos aqui duas dimensões dele Em primeiro lugar, a príncipalidade concedida a discussão sobre como deve a CUT organizar-se desviou a Caitral do desafio de enfrentar a reforma neoli-beral em curso nas relações de trabalho (multas aos sindicatos em greve, precanzação dos contratos de trabalho etc ). Não e um fato menor que na votação na Câmara de Deputados do projeto de FHC-Paiva-Força Sindical que pemute o uso generalizado de contrato temporano a CUT estivesse literalmente ausente. Em segundo lugar, devemos analisar a proposta em si. A construção de uma estrutura cutísta esteve presente nos debates da Central desde sua fundação. Lavar as mãos do conflito entre os poderosos e os fracos não é ser neutro, mas sim ficar do lado dos poderosos" Quinzena N0 255 - 31/07/97 Mas sempre foi entendida como uma forma de generalizar os princípios de democracia e classismo que nos levaram a romper com o sindicalismo oficial e fundar a CUT. O debate atual, no entanto, tomou outro rumo A atuação da Articulação Sindical na "negociação da previdência" foi uma flagrante violação da democracia interna e uma tentativa de enquadraias divergências internas através de um "centralismo burocrático" Mas esse foi apenas o capitulo mais Trabalhadores impactante de uma serie de eventos, em particular eleições sindicais, em que os setores dominantes da Articulação Sindical reforçaram uma prática monolistica e excludente. Quer dizer, de negação do caráter democrático e plural da Central Assim, a proposta de "sindicato orgânico" da Articulação Sindical, ainda que reivindica o principio da liberdade sindical, nega um aspecto fundamental da concepção cutista; a democracia Ao fazê-lo, traz em germe uma proposta de fragmentação da organi- zação sindical da classe trabalhadora Ao contrário disso, a proposta de "sindicato unitáno" da Alternativa Sindical Socialista remete justamaite a desenvolver a democracia nos sindicatos filiados de base e com ela os mecanismos que capacitem aos cutistas para defender a unidade da classe trabalhadora mesmo em um ambiente de liberdade sindical (fim da ruiicidadesindical imposta em lei). 1 Maria Consolação da Rocha, é membro da Kxecutiva Nacional da CUT Folha de São Paulo - 08/08/97 A polícia e o direito de greve 1 'tccnlc l^utla da Silva .luxe l.íipez Feiiiin E preciso equilibno ao analisartoda a mobilização dos policiais civis e militares que tem ocoindo nas ultimas semanas Antes de qualquer argumento, não se deve esquecei que a cnse que está colocada na pauta do dia não se restringe as forças policiais Ela e extensiva a todos os trabalhadores do setor publico e revela a maneira como o Estado os tem tratado Não é a CUT e nem o MST ou o movimento popular o responsável pelas péssimas condições de trabalho e remunerações de forças policiais que se manifestam agora E o próprio governo, que tem apostado na configuração de um Estado mínimo, desprezando sua responsabilidade social e abdicando de um patrimônio publico material e humano imprescindível Nos últimos dias tem-se tentado estabelecer uma discussão equivocada. Argumenta-se que os policiais civis e militares não deveriam se manifestar por estarem armados, o que tomaria a população refém desses setores. E preciso, no entanto, saber separar as reivindicações legitimas desses trabalhadores de uma suposta chantagem A herança perversa dos tempos da ditadura tem dificultado o debate, gerando alguma paranóia E claro que ha distorções na conformação das forças policiais brasileiras Em nenhum lugar do mundo o Coipo de Bombeiros, por exemplo, faz paite da força policial Mas e preciso abrir bem os olhos para enxergar o obvio Nos países da Europa Ocidental, onde a policia e somente civil, os policiais organizam-se em sindicatos, possuem di- reito a negociação coletiva e de contratação. Nos paises escandinavos, cabos e soldados das Forças Armadas possuem sindicatos, negociação, contrato de trabalho e direito de greve Sajuindo o mesmo caminho, a partir das associações de profissionais das Forças Armadas, estão outros paises da União Européia Nos EUA, os policiais têm direito a sindicalização, e cada Estado tem legislação propna sobre o assunto A CUT tem sido acusada de estar dando apoio as mobilizações dos policiais de forma irresponsável A acusação, no nosso entender, faz paite de uma cultura que anuncia o caos como perspectiva Gostaríamos de frisar questões importantes para que sejam revistas essas avaliações Em primeiro lugar, é importante dizer que vem de longe a filiação do Sindicato dos Investigadores de Policia de São Paulo a CUT Portanto, eimpaisável supor que, num momaito de mobilização como o atual, nos mantivessemos omissos em relação as demandas dos companheiros. Gostariamos também de frisar que, por recomendação expressa do presidente desse sindicato, na recente manifestação em que estivemos presentes os policiais mantiveram o tom pacifico e, mais, estavam desarmados Como se vê, e importante precisar o saitido das manifestações e dissociar de uma suposta chantagem, como se anuncia, a pressão legitima de trabalhadores que utilizam anuas pela condição de seu trabalho. Em vez de pregar a cultura do caos, que insinua um suposto fechamento do regime politico, devemos lançar o correto debate sobre o direito de organização e de greve dessa parcela de trabalhadores, estabelecaido diretrizes para que a sociedade não seja refém de manifestações armadas. E, com isso, aprofundarmos o próprio caráter de nossa democracia E nesse debate que nos incluímos. Nesse saitido, nos posicionamos totalmente contra a emenda constitucional aprovada na Comissão Especial de Segurança Publica da Câmara dos Deputados no último dia 22, quetransfomia a PM em mais uma organização militar. ACUTsanpre foi favorável á desmilitarização das policias e se manifestara contra a votação da emaida no plaiano da Câmara Queremos uma policia preparada para o exercicio da cidadania, não para ser usada como instrumaito do capital em detnmaito da miséria de nosso povo trabalhador Para isso, saláno e condições de trabalho também devem ser essaiciais Não pregamos a utilização das armas, nem pelos trabalhadores que lidam com as questões de segurança, nem pelo governo para reprimir o direito de organização e manifestação dos diversos setores sociais Acreditamos, sim, que esse episódio deva estimular o debate em torno da democracia que queremos e da busca de melhores condições de vida e cidadania para todos "1 Vicente Paulo da Silva, 41, metalúrgico, e presidente da CUT e do Inspir (Instituto Inteiamericano pela Igualdade Racial) Foi presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC (1987-04). José Lopez FeijÓO, 47. metalúrgico, é presidente da CUT-SP. Lavar as mãos cfo conflito entre os poderosos e os fracos não é ser neutro, mas sim ficar do lado dos poderosos" Quinzena N0 255 - 31/07/97 Saúde 8 Jornal do DIAP-DF - Junho de 1997 - N0 127 Saúde mental do trabalhador assusta sindicatos A segunda maior causa de afãs tamento do trabalhador do emprego e em decorrência de problemas com a sua saúde mental. A expectativa e de que até o final do século aumente cada vez mais o sofrimento psíquico dos trabalhadores brasileiros, podaido se tornar a principal causa de incapacidade para o emprego, ultrapassando os casos de acidentes de trabalho. A previsão e os dados assustadores são do Laboratório de Psicologia do Trabalho da Universidade de Brasília (UnB), o único centro de estudos no pais que desenvolve trabalhos específicos na área A debilidade mental dos empregados é causada pelas precárias condições de trabalho, mas, no país, poucas categorias de trabalhadores têm estudos sistemáticos para detectar o problema e exigir soluções Segundo o coordenador do Laboratório, professor Wanderley Codo, os problemas enfrentados por categoria de trabalhadores são sempre muito diferentes, consideradas as dimensões e os níveis de emprego no pais. "As causas são as mais diversas, mesmo dentro de uma categoria de trabalhadores. Não existe um determinado problema e sim uma incidência maior numa categoria" As causas são variadas Pode acontecer por cargas mentais acima ou abaixo da capacidade intelectual do trabalhador. "E por isso que é muito específico Um determinado trabalhador pode sofrer por não ter capacidade de realizar tarefas com esforço intelectual exigido, ou pode se sentir frustrado por estar realizando uma tarefa que exija pouco esforço intelectual", considera Codo Outras causas que comprometam a saúde mental do trabalhador podem estar relacionadas com problemas com chefias, rotina no ambiente de trabalho ou até relacionamento com o produto um empregado que tem consciência dos males causados pelo cigarro e é contra o tabagismo, se vê obrigado, por motivos financeiros, a ter que trabalhar numa fábrica ou mesmo numa empresa que comercialize o produto. Ainda podem ser enumeradas a pressão exercida pelos superiores para realização das tarefas e o nível de experiàicia. O trabalhador mais novo sofre outros tipos de doenças psíquicas e comparado com outro empregado mais experiente. O principal sintoma e a dificuldade para realizar as atividades profissionais previstas. O estudo desenvolvido pela UnB tem abordagem multidiciplinar e envolve, além de profissionais de Psicologia, pessoas da área de Administração e Medicina. "Algumas vezes, os próprios sindicatos não conseguem verificar os problemas da categoria por falta de dados. Quando estão na época da negociação acabam esquecendo de uma serie de reivindicações que poderiam ter sido exigidas Ficam só nos aumentos salariais, que é o que se sabe de pronto", afirma Codo. Segundo ele, o eixo economicista nas negociações precisa buscar também as relações de trabalho A preocupação de Codo e voltada para o desgaste da representação sindical. "Na economia estável, é preciso buscar outros aspectos numa mesa de negociação e a saúde do trabalhador é evidenciada Nesse ponto, mais uma vez, os sindicatos devem se envolver e procurar saídas para o bem-estar do trabalhador na sua empresa". O Laboratório atende cinco clientes por vez e a sua atuação predominante é feita com sindicatos. Segundo garante Codo, o custo para estudo com uma determinada categoria de profissionais em todo o país cai para um terço se elaborado pela Universidade, caso comparado com consultorias privadas Desde setembro do ano passado a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) desenvolve, em conjunto com o Laboratório, projeto para o diagnóstico das relações de trabalho, organização e saúde dos trabalhadores em educação. O trabalho pretende levantar o perfil da categoria, divulgar e conscientizar os problemas dos profissionais, sugerindo medidas de prevenção e instrumentalizar os trabalhadores "Apesar de a legislação incluir o trabalho dos educadores entre aqueles considerados penosos, outras providências não são tomadas para melhorar suas condições de trabalho e acaba não existindo um enfoque preventivo do problema", observa Codo Para realizar a pesquisa, foram espalhados profissionais pelo país. visitando escolas para aplicação de questionários, fazendo entrevistas e venficando em que condições essas escolas funcionam Para Codo, o importante é que esse tipo de trabalho é feito com a presença e participação direta do cliente, no caso os sindicatos, que indicam coordenadores políticos para a pesquisa No trabalho e feito um rastreamento de informações, desde as básicas até as mais complexas. as quais os sindicatos tem acesso "Numa determinada pesquisa, um sindicato pretendia reivindicar financiamento paia casa própria dos trabalhadores Com a pesquisa, descobriu-se que mais de 90% dos empregados ja tinham casa própria" A coleta de dados e realizada por profissionais selecionados e treinados pela coordenação do projeto, recrutados nas universidades e com experiência em pesquisa na área Os sindicatos entram com pessoal encarregado de coordenai os contatos com as empresas nas regiões, viabilizando o trabalho. Laboratório <le Psicologia «Io Trabalho da UnB Coordenação: professor Wanderley Codo Telefone: (061) 348-2622 e 340-7398 eniail: traballioiWtba.com.br "Lavar as mãos do conflito entre os poderosos e os fracos não e ser neutro, mas sim ficar do lado dos poderosos" Quinzena N0 255 - 31/07/97 Terra 0 Boletim da Comissão Pastoral da Terra - CPT - Junho/97 - N 143 Massacre, rito de passagem ao genocídio Alfredo Hauner Henut de Almeida1' Considerando-se os dados do Se tor de Documentação da Comissão Pastoral da Terra (CPT), produzidos em junho de l Q%, bem como informações coligidas por diferentes entidades de trabalhadores rurais - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Movimento Sem Terra (MST) e Sindicatos de Trabalhadores Rurais (STRs) -. por instituições de apoio e pesquisadores cientificos temse um total de 36 ocorrências de chacinas na Amazônia nos últimos dez anos Designa-se. imcialmaite, como massacre ou chacina aquelas situações de conflitos agrários em.que se registram pelo menos três assassinatos numa mesma ocorrência, ou seja, num só local e numa mesma data. Diferentes ocorrências, em datas distintas, porém concer-nentes a um mesmo imóvel rural ou a uma mesma área indigaia, também podem estar refendas a uma única situação de conflito, evidaiciando aspectos de inegociabilidade, de intolerância continuada e de confrontos prolongados, e sem perspectiva imediata de resolução por parte das autoridades competentes. Nestes casos, contabilizouse uma so chacina, ainda que nas diferentes ocorrências possam ter sido registradas mais de três mortes em cada uma delas Trata-se de situações de conflitos constantes. Veja-se o caso das áreas indígenas intrusadas permanentemente por mineradoras e garimpeiros (Yanomami), por madeireiras (Tembe, Urubu-Kaapor, Guaja...), por empresas de pesca (Tikuna), por hidrelàncase por agropecuárias. Vejase o caso de áreas de dominialidade indefinida e de incidência de posseiros no sul do Para e no oeste do Maranhão, cujos antagonismos sociais perduram por mais de três décadas. Nestas situações, periodicamente são anunciados entreveros com registro de homicidios. A força bruta e a violência sugerem ser uma característica essencial da estrutura agrária, reveladora da persistência dos mecanismos coercitivos. Deprende-se desse levantamento de ocorrências de conflito que pelo maios 21 massacres foram registrados na área ofi- cialmaite designada como correspon-de ao Programa Grande Carajás - Q0 milhões de hectares abrangaido o oeste do Maranhão, sul do Pará e norte do Tocantins -, isto ê, no âmbito da região em que se localizam os municipios de Cunonópolis e Eldorado dos Carajás e, por conseguinte, a Fazaida Macaxeira, pnncipal caiáno do massacre peipretado por tropas da Polícia Militar do Pará, sob o comando do coronel Mano Pantoja, em abnl de 1996, na chamada "Curva do S" da rodovia PA-150. As chacinas registradas referem-se, sobretudo, ao periodo inicial da chamada Nova República (março de 1985 - agosto de 1986) no período de transição democrática, quando havia condições políticas para o desencadeamento de uma intensa ação de reforma agrána, embora os grandes proprietários de terras tivessem respondido com a União Democrática Ruralista (UDR) e incentivos á ação de milicias privadas e vigilantes armados. Neste período, foram registrados 12 massacres na região enfocada. Outro período de maior incidência de chacinas vai de junho de 1993 a fins de 1996, quando fatores econômicos, sobretudo o desemprego estrutural, forçam uma maior demanda social por terra - a despeito do Congresso Nacional, dispensando inclusive a existàicia militante da UDR -, e os aparatos insistem em responder às ocupações com uma dura intervaição de policiais militares em detrimento de uma reforma agrária ampla e massiva. Este periodo não se encontra encerrado, haja visto o número de homicídios dolosos registrados na região - em Eldorado, em Ourilândia - após o massacre da Macaxeira. A partir de 1993, os massacres apresentam uma tendência ascencional, verificando-se, além disto, uma atuação regular de policiais militares nas situações sociais de antagonismo. Há uma intaisificação da violâicia coestaisiva às medidas de modernização. O mercado de terras na região de Carajás, ao contrário de outras regiões do país, acha-se aquecido face às demandas industriais de mineradoras (ferro, ouro, cobre), madeireiras, indústrias de papel e celulose - que registraram em fevereiro de 1997, uma greve de 21 dias de mais de 700 trabalhadores rurais da Celmar - usinas de ferro-gusa, indústrias de refinamento de óleo de dendê, de alumínio e agroindústria (soja). Conglomerados econômicos transnacionalizados passam a adquirir imensas extensões territoriais visando ampliar seus projetos numa conjuntura favorável, em que as maténas-primas (commodíties) têm preços ascendentes, enquanto acham-se depreciados os produtos da agricultura familiar (arroz, farinha, babaçu). Ritos Do meu ponto de vista, os massacres hoje se apresentam como ritos de passagem, como se fossem uma transição, uma passagem da chacina para o genocídio Consigo identificar alguns elementos de genocídio mediante uma ação continuada, uma certa freqüência e regularidade nos atos de violência e força bruta contra povos indígenas e camponeses. Em segundo lugar, não vejo indícios de que a concentração da terra esteja sendo eficazmente contida, porque o governo federal não tem vontade política para realizar um plano emergencial de Refomia Agrária ampla e massiva Além disso, em quase todas as situações atuais de conflito não se registra a presença ostaisiva de jagunços e pistoleiros. Há sim, uma presença destacada de policiais militares. São os aparatos repressivos do Estado que estão num primeiro plano, promovendo execuções e arbitrariedades. Isto é um pouco diferente dos fatos ocorridos no período inicial do Plano Nacional de Reforma Agrária da Nova República, em que a ação das Polícias Militares era complementar àquela dos pistoleiros. Portanto, hoje há uma certa inversão de papéis. O Estado está mais diretamente comprometido com os massacres. O que bem ilustra isto é que a UDR tem estado sempre acenando que vai reativar sua ação belícista Acomplementariedade tática é, pois, evidente. Em terceiro lugar, considero que mais que a quantidade de mortes para se caracterizar o genocídio, importa o tipo de violência praticada. As execuções atin- Lavar as mãos do conflito entre os poderosos e os fracos não é ser neutro, mas sim ficar do lado dos poderosos" Quinzena N0 255 - 31/07/97 gem grupos inteiros, não se restringem a uma seletividade das vítimas - lideranças, por exemplo Prevalecem execuções sumarias e uma violência generalizada mutilação de cadáveres, torturas, tiros de misericórdia. Gen ocídio Há outro componente mais de fundo: aquele da ideologia de dominação pelo controle da terra, que estigmatiza os oponentes potenciais. Consigo identificar elementos de genocídio quando constato que diferentes segmentos sociais, nos locais onde ocorrem os massacres, são incentivados a ver os trabalhadores sem-terra como "estrangeiros", como "gente de fora", como "população nômade" Ora. quando criam o estigma de "estrangeiro" as autoridades buscam legitimar seus atos e suas omissões, porque é sempre ao "estrangeiro" que se atribui toda a culpa o "de fora" e o eterno suspeito a quem se atribui toda a sorte de roubos e usurpações. Então, é como se os trabalhadores sempre tivessem sobre eles a força do estigma, sustentando a idéia de genocídio como sentença O Brasil continua sendo uma sociedade escravista, sobretudo na área rural, so que antes matavam c torturavam quando tentavam escapar das grandes propriedades, depois matavam e proferiam ameaças para expulsa-los destas mesmas fazendas e hoje. massacram quando os trabalhadores sem-terra tentam ocupar vanasiextensões improdutivas controladas pela mesma camada de latifundiários. Este tipo de extermínio, em sua dimensão gaiocida. reflete uma outra dificuldade desta transição democrática: os atos de violência são co-estensivos a formas de dominação, tal como nos penodos de arbítrio colonialistas ou ditatoriais. Não existe possibilidade de governar de outro modo. de mudar e de sair de seu estado original Os compromissos de poder passam pela coonestação daqueles mecanismos repressores Por outro lado. sugere uma ideologia "de casta" em que todos têm que ficar imobilizados na sua circunstância ou na condição que lhes teria sido designada historicamente. Quem buscar a mobilidade social pelo movimento poderá ser punido com a morte Ante o exposto, consigo identificar os elementos de genocídio a partir dessas 10 características sublinhadas E e neste sa> tido que, a despeito das disposições da ONU, de 1 ^48, de reconhecei o genocídio como um elemento de mtaicio-nalidade ou somente quando os governos proclama quem vai ser eliminado, que tento chamar a atenção para a necessidade de relatmzar tal conceito No caso brasileiro, em que se detém o Tnbunal Internacional para julgai os massacres de Corumbiara e Eldorado dos Carajás, mesmo que os governos passados e o atual não tenham se pronunciado explicitamente a favor do extermínio tem-se uma recorrência desta pratica, ha uma continuidade Não e necessário declarar quem é que vai ser eliminado Ja ha um sinal verde ideologicamente desaihado na representação dos magstrados e nas "ordens de serviço", na medida em que o comandante militar ou a autondade de repressão direta funciona como arbitro execução da tarefa ena resolução daquela situação social conflitiva Segundo esta característica é que gostaria de reforçar aqui a idéia de que hoje não estamos apenas diante de uma situação de massacre ou chacina, mas certamente diante de um conjunto de praticas repressivas e violentas, cristalizadas e adstritas ao exercício do poder, que conduz ao genocídio "Bósnios " Neste saitido. e como se eles fossem uma das facções ou etnias entre os chamados "bosmos". que são pré-julgados e condenados falaciosamente ao extermínio para que os demais possam existir Eles constituem uma etnia no sentido políticoorganizacionafecom atos simbólicos pròpnos. que esta saído piunda, dizimada No fiuido. esta-se eliminando, não apenas individual e isoladamente, os que são de forma compulsória dispostos a margem do mercado de trabalho Em certa medida, enquanto produto do desemprego estrutural, tem-se uma categoria social heterogênea em cresciniento continuado e com considerável potencial de ampliação Os seus componentes, autodefiiiem-se e são cognominados de "sem-terra" São tangidos e compelidos a viver em habitações temporárias chamadas "barracas" confeccionadas em plástico ou lona. em locais de acesso controlado que respondem pela designação de acampamento São estimados em quase 100 mil pessoas viven- Terra do em circunstâncias de imobilidade da qual eles não podem sair para afirmar uma existência coletiva E como se fossem uma sorte de "casta" vivendo imobilizada num acampamento, como refugiados em seu próprio pais Ora, tal condição pode ser aproximada de outros exemplos históricos na África do Sul havia a figura, até cinco anos atras, do "baiitustan" que era um modelo de engenharia social do século \l\. um tipo de confinamento de povos étnicos nos moldes colonialistas Na Alemanha nazista o que fizeram com ciganos e judeus0 Eram confinados em campos de concentração e compelidos a ficar neste lugar O direito de ir e vir suprimido Ho|e. no Brasil, quando os trabalhadores sem-terra saem dos acampamentos, aiquanto grupos, em marchas, caminhadas ou passeatas sempre têm ocorrido colisões inevitáveis com os aparatos da chamada "Ordem" O massacre significaria também, sob este prisma, um ato que constrange o movimento, seja a caminhada caso Eldorado dos Carajás -. seja a ocupação - Corumbiara E. para tanto, a lógica repressora sempre alude a uma infração se|a a de obstruir uma via publica, seja a de "invadir" uma propriedade privada O que serve de pretexto a justificação do extermínio Para os aparatos repressivos, trata-se de "limpar" a rodovia e a grande propriedade fundiária Esta seria a fomia concreta que aqui acaba assumindo a denominada "limpeza étnica" Também, neste saitido. os trabalhadores sem-terra podenam ser interpretados como "bosmos". para bem refletir a idéia de genocídio e o peso e a força que ela vem ganhando nas praticas sociais cotidianas dos aparatos de poder Assim, tem-se uma banalidade do massacre, inclusive em áreas urbanas De igual modo. como ultima característica, ha o elemento invanante da sociedade escravista e seus mecanismos repressores da força de trabalho O escravo e "coisa". não e "pessoa" Negam-lhe a identidade Podem dispor dele como bem quiserem Quando os escravos taitavam a fuga. havia degolas ou lhes eram inflingidas cicatrizes distintivas da punição, no Pelounnho deixavam-lhe mutilações permanentes no corpo Não podiam, pois. sair jamais dos limites das grandes plantações "1 *Anlropólogo e pesquisador de conflitos no campo e da questão negra "Lavar as mãos do conflito entre os poderosos e os fracos não é ser neutro, mas sim ficar do lado dos poderosos" Quinzena N0 255 - 31/07/97 11 Mulher 0 Boletim DIEESE - Junho de 1997 - N 195 Mulheres representam 70% dos trabalhadores em condições de pobreza As mulheres trabalham mais horas, por salários menores e em postos de trabalho piores que os homens em todos os países do mundo. Ainda que elas estejam trabalhando mais, continuam representando uma assombrosa maioria (70%) dos mais de 1 bilhão de pessoas que vivem em condições de pobreza. Além disso, as taxas de subemprego e desemprego da mulher são superiores às do homem. Essa avaliação faz parte de um informe da Organização Internacional do Trabalho (OIT), divulgado pela revista Trabajo, de setembro de 1996, que reproduzimos nesta seção. Segundo o informe da OIT, "a conclusão e que. ainda que cada vez seja maior o numero de mulheres que trabalham, estas se limitam, em sua grande maioria, a engrossar a categoria de trabalhadores menos favorecidos" Apesar de certos avanços obtidos, "as atividades econômicas das mulheres continuam concentrando-se. fundamentalmente, em formas de emprego precárias caracterizadas por uma remuneração escassa e baixa produtividade; enquanto os homens ocupam os postos mais bem remunerados, as mulheres encontram-se nos pior pagos e ganham apenas entre 50"n e S00o do que é pago aos homens", considera a analise No prólogo do informe, Michel Hansenne, diretor geral da OIT, destaca a crescente contribuição das mulheres à economia mundial: "A mão-de-obra relativamente barata que elas oferecem têm se constituído na pedra angular da industrialização orientada para a exportação e a conquista da competitividade internacional para muitos paises em desenvolvimento, e sua disposição de renunciar a um lar e uma família para se converterem em trabalhadoras migrantes tem aumentado, em grande medida, a entrada de divisas em alguns paises". Sem dúvida, assinala Hansenne, "a igualdade de oportunidades e tratamento para as mulheres no que diz respeito ao emprego continua sendo uma meta a alcançar em todo o mundo". A OIT assinala que mais de 45% da população feminina mundial (de idade entre 15 e 64 anos) é economicamente ativa atualmente. Nos paises industrializados, trabalham bem mais de 50% das mulheres, frente aos 37% e 30% que se registravam a tão-somente duas décadas, na Europa ocidental e nos Estados Unidos, respectivamente. Na Europa oriental, as taxas de participação da mulher têm sido tradicionalmente elevadas (superiores a 50%) e vêm se mantendo nesse patamar, apesar da transição econômica em curso. No sudeste asiático, a proporção de trabalhadoras passou de 4Q% a 54% e, no Caribe, de 38% para 49% No sul da Ásia, 44% das mulheres trabalham, frente aos 25% registrados a duas décadas Inclusive nas regiões em que a participação da mulher na população economicamente ativa e relativamaite baixa, os aumentos proporcionados têm sido consideráveis: na América Latina, passou de 22% a 34%. e no norte da Afnca de 8% para 21%. Do ponto de vista regional, somente os paises do Golfo continuam resistindo a tendência do aumento do emprego da mulher, ainda que o numero de trabalhadoras que emigram para esses paises cresça com regulandade. Discriminação começa cedo O informe destaca a discriminação no ensino (dois terços dos quase 1 bilhão de analfabetos adultos de todo o mundo são mulheres) como uma das causas principais da pobreza e do subemprego da mulher. Em alguns países em desenvolvimento africanos, como Benin, Burkina Fasso, Nigéria, Senegal e Nepal, mais de 90% das mulheres com 25 anos ou mais muica foram ao colégio Dos 100 milhões de menores que não têm acesso ao ensino primário, em todo o mundo, 60% são meninas. "A libertação da mulher é condição fundamental para a libertação de toda a humanidade". Karl Marx inclusive nos casos em que se pode ter acesso ao ensino e formação profissional, muitas instituições "continuam oferecendo às meninas qualificações tipicamente "femininas", como datilografia, enfermagem, costura, restauração e hotelaria, e limitando a oferta de conhecimentos científicos e técnicos. Nos países mais pobres, as meninas têm maiores probabilidades que os meninos de interromper ou abandonar sua escolaridade para se dedicar as tarefas domésticas, apesar dos benefícios evidentes que remetem a melhora de sua formação. Para a OIT, "tem-se observado que a cada ano adicional de escolaridade a entrade de mulheres cresce 15%, enquanto a dos homens é de I 1%; a taxa de fertilidade se reduz entre 5% e 10% e e evitada a morte de 43 crianças em cada mil mulheres que têm acesso a educação" De acordo com o informe, a discriminação em decorrência do sexo abrange desde o ensino ate o local de trabalho Entre as formas mais evidentes de discriminação nos mercados de trabalho figuram "a aplicação de normas distintas em matéria de contratação e promoção, a desigualdade do acesso á formação e a reconversão profissional, assim como o crédito e outros recursos produtivos, as diferenças de remuneração para um mesmo trabalho, a segregação profissional e a participação desigual no processo de tomada de decisões econômicas" O setor de confecção, que é um dos que pior pagam, absorve quase um quinto da mão-de-obra feminina dedicada á manufatura. Mas, inclusive nos setores de melhores salários, as trabalhadoras se situam no extremo inferior da escala salarial. Em geral, quase dois terços das empregadas em indústrias manufatureiras pertencem à categoria de "trabalhadores Lavar as mãos do conflito entre os poderosos e os fracos não é ser neutro, mas sim ficar do lado dos poderosos" Quinzena N0 255 - 31/07/97 manuais, operários e trabalhadores dedicados à produção; só 5% ocupam postos técnicos ou exercem profissão liberal e 2% desempenham tarefas administrativas e de gestão". No setor de serviços, no qual trabalha a maiona das mulheres, estas continuam se concentrando nos postos mais próximos à base da estrutura trabalhista e da escala salarial e ocupam unicamente 14% dos postos administrativos e de gestão e menos de 6% dos cargos de alta direção". Nos paises da Organização para a Cooperação do Desenvolvimento Econômico (OCDE), entre 65% e 90% dos trabalhadores em tempo parcial são mulheres. Mais trabalho por menos salário A segregação profissional em razão do sexo continua sendo alta em todas as regiões do mundo, independentemente do nivel de desenvolvimento. No informe citam-se dados correspondentes a cerca de quinhentas profissões não-agránas nos Estados Unidos, Reino Unido e França, os quais deixam claro que aproximadamente 45% da população ativa se organiza em tomo de atividades profissionais nas quais predominam trabalhadores de um ou de outro sexo, quer dizer, que as mulheres ou os homens constituem nelas, no mínimo, 80% da mãode-obra. No Japão, 95% das pessoas ocupadas em atividades assistenciais, de enfermaria ou outras atividades hospitalares, docência em creches e serviços domésticos são mulheres. "As mulheres e os homens não apenas se dedicam a atividades profissionais diferentes", afimia o infonne, "como também, habitualmente, os homens ocupam postos melhor remunerados e de maior prestigio social; por exemplo, a maioria dos diretores de colégio e dos médicos são homens, enquanto entre os professores e os profissionais de enfermagem predominam as mulheres". No leste e sudeste asiáticos, as mulheres constituem 80% da mão-de-obra em zonas de elaboração de produtos destinados à exportação. Na América Latina e no Canbe, 71% das trabalhadoras concentram-se no setor de serviços, mas se considera que o número de trabalhadoras não registradas é elevado nas indústrias manufatureiras. Na Ásia 12 e na África, a maioria das trabalhadoras (mais de 80% na África subsaariana) enquadra-se no setor agrário (cujos salários se situam entre os mais baixos) e mais de um terço das mulheres que desenvolvem atividades não-agránas o fazem no setor informal. Apesar do predomínio das mulheres na agricultura, estima-se que somaite são beneficiárias de 5% do crédito rural concedido pelos bancos. O trabalho do setor informal é desempenhado majoritariamentepela população feminina, já que habitualmente é o único tipo de ocupação que encontra. Na República Dominicana, por exemplo, 70% das mulheres que trabalham neste setor obtêm pagamentos abaixo do nivel de pobreza. Segundo assinala o informe, em todas as regiões do mundo as mulheres trabalham mais horas em troca de salários inferiores aos de seus companheiros homens nos mesmos postos. Nos paises desenvolvidos, as mulheres trabalham pelo menos 2 horas a mais por semana que os homens, ainda que não seja excepcional encontrar diferenças de 5 a 10 horas. Na Austrália, Canadá e Alemanha, o volume de trabalho por horas de ambos os sexos é praticamente o mesmo, mas na Itália as mulheres trabalham 28% mais que os homens, na Áustria 12% e na França 11%. No Japão, o tempo que as mulheres dedicam ao trabalho não remunerado é nove vezes superior ao dedicado pelos homens. Nos paises em desenvolvimento, as mulheres dedicam de 31 a 42 horas por semana a atividades não remuneradas, frente as 5 a 15 horas dos homens. Segundo o informe, as responsabilidades familiares recaem quase sempre mais na população feminina que na masculina, "inclusive no relativamente reduzido gaipo de mulheres cuja formação as qualifica para ocupar postos de nivel supenor". Últimas contratadas, primeiras despedidas Além de serem as últimas contratadas, as mulheres são também as primeiras demitidas. Segundo o informe, "as taxas de desemprego da mulher tendem a ser superiores às dos homens". Nas regiões desenvolvidas do mundo, as taxas de desemprego da mulher registradas oficialmente nos últimos anos são, em todos os casos, entre 50% e 100% supe- Mulher riores ás correspondentes á da população masculina, ainda que o total absoluto de homens desempregados seja maior (devido ao fato de sua participação na população ativa ser superior). Nas regiões em desenvolvimento, onde o problema mais grave é o subemprego declarado revelam que as taxas das mulheres são consideravelmente superiores ás de homens na Afnca, América Latina, Caribe e Ásia. Mesmo assim, no infonne estão documentados casos, referentes também à Europa centrai e oriental, indicativos de que "a discriminação contra mulheres tende a crescer com o aumento dos niveis de desemprego", baseando-se no argumento de que os homens necessitam um posto de trabalho mais do que as mulheres. Em conseqüência, "as mulheres", e especialmente as de idade avançada, constituem o grupo majoritário entre os desempregados de longa duração" Condições de trabalho para mulheres Na opinião da OIT, "não basta aumentar a oferta de emprego para as mulheres: devem ser desenvolvidas ações a fim de melhorar as condições desse emprego". Ao se adotar as medidas necessárias para melhorar a qualidade do emprego da mulher, deve-se ter em conta as seguintes questões, abordadas em diferentes normas internacionais do trabalho: a) Aplicação do princípio do "valor comparável, concedendo a mesma remuneração para trabalhos de igual valor" A respeito desse principio, é necessário para eliminar as diferenças salanais intrasetoriais entre homens e mulheres e reduzir a acusada disparidade existente entre os postos de trabalho "femininos" e "masculinos" em um mundo de trabalho caracterizado pelo seu alto nivel de segregação devido ao sexo. b) Melhora da saúde e da segundade das trabalhadoras, a fim de diminuir e eliminar os pengos do meio ambiente e própnos do local de trabalho e, em especial, os que afetam as mulheres grávidas e em fase de aleitamento, assim como adoção de medidas para reduzir o estresse profissional provocado, aitre outros fatores, pela "duração excessiva da jornada de trabalho, a monotonia das tarefas realizadas na linha de montagem e o assédio sexual". 'Lavar as mãos do conflito entre os poderosos e os fracos não é ser neutro, mas sim ficar do lado dos poderosos" Quinzena N0 255 - 31/07/97 c) Adoção de medidas para reduzir a vulnerabilidade no mercado de trabalho, sobretudo no que se refere à melliora da segurança nas formas de trabalho informais ou atípicas. O risco consiste na freqüente precanedade dessas formas de trabalho e na falta de cobertura por parte dos regimes jurídico e de seguridade social aplicáveis ao emprego normalizado. d) Garantia de liberdade de associação e de direito à sindicalização e à negociação coletiva. Para as mulheres que trabalham no setor formal, a ação coletiva, sobretudo através dos sindicatos, é essencial e deve se prestar maior atenção aos problemas da mulher na elaboração de convenções coletivas. No caso das mulheres com emprego informal, atípico ou rural, a organização e a mobilização de grupos de base constituem uma via de habilitação importante. e) Regulamentação adequada do mercado de trabalho, que leve em conta as necessidades das mulheres em matéria de flexibilidade e compreenda medidas de apoio especiais em áreas como a proteção da maternidade e o cuidado dos filhos. A oferta de mais e melhores postos de trabalho para as mulheres requererá também um contorno macroeconômico propicio, inclusive o acesso a dados exatos e realistas, para desenvolver políticas coerentes, eficazes e sensíveis a questões relativas aos sexos. Ao elaborar essas políticas, deve-se considerar a legislação, os mecanismos de aplicação, as atitudes culturais e a sensibilização publica Emprego seguro e estável O informe assinala que as medidas adotadas para melhorar o emprego das mulheres, como os programas de ensino e formação, a legislação trabalhista relativa às condições de trabalho, os sistemas de seguridade social, a representação e a negociação coletiva, tem se baseado na idéia de que as mulheres devem ter acesso a um emprego seguro e estável, em tempo integral e no setor formal. Os sistemas fiscais e de proteção social foram construídos em função de uma imagem do homem como quem sustenta a família e a mulher como pessoa dependente ou com obrigações se- 13 cundárías nessa tarefa. "Essa imagem já não é aplicável, e devem ser revistos os procedimentos para adaptá-los à realidade atual e garantir que as modalidades de emprego novas ou atípicas não sejam deficientes no que se refere aos direitos humanos, condições de trabalho, segundade social eperspectivas profissionais". Dados e cifras sobre as mulheres na economia a) Em 1994, cerca de 45% da população feminina mundial com idade entre quinze e 64 anos era economicamente ativa. b) Nos países da OCDE, a taxa de participação da mulher na população ativa cresceu mais que o dobro que a do homem entre 1980 e 1990. Na União Européia, 7 dos 8 milhões de novos empregados nesse período eram mulheres. c) Na Europa central e oriental, as taxas de atividade do homem e da mulher caíram em comparação com os níveis registrados antes da reforma. Apesar disso, a redução das taxas de participação da mulher só foi maior que a diminuição da dos homens na República Tcheca e na Bulgária. d) No leste e sudeste asiáticos, as mulheres constituem 80% da mão-deobra nas zonas de elaboração de produtos para exportação. e) Quanto à emigração de mão-deobra em escala internacional, a proporção das mulheres em relação aos homens é de 12 para l entre os fílipinos que emigram para outros países asiáticos, de 3 para l entre os indonésios e de 3 para 2 entre os cidadãos do Srí Lanka. 0 Nos países desenvolvidos, as mulheres trabalham pelo menos duas horas a mais por semana que os homens, ainda que não seja excepcional encontrar diferenças de 5 a 10 horas. Nos países em desenvolvimento, as mulheres dedicam de 31 a 42 horas por semana a atividades não remuneradas, frente às 5 a 15 horas dos homens. g) Na América Latina e Caribe, 71 % das trabalhadoras concentram-se no setor de serviços. Nos países desenvolvidos, a cifra situa-se em tomo de 60%. A concentração da mão-de-obra feminina no setor agrário é superior a 80% na África subsaanana e atinge pelo menos 50% na Ásia. h) Em todo o mundo, as mulheres são Mulher pior remuneradas que os homens e não se percebem sinais de mudança imediata dessa tendência. A maioria das mulheres continua ganhando, em média, 3/4 dos rendimentos dos homens fora do setor agrário. i) As mulheres ocupam 14% dos postos administrativos e de gestão e menos de 6% dos cargos de alta direção de todo o mundo. j) Nos países industrializados, grande parte do aumento da participação da mulher na população ativa tem se materializado em postos de trabalho a tempo parcial. Entre 65% e 90% dos trabalhadores a tempo parcial nos países da OCDE são mulheres. k) Na África, mais de 1/3 das mulheres que não trabalham na agncultura desenvolvem suas atividades no setor informal. Essa proporção atinge 72% em Zâmbia, 62% em Gâmbia, 41% na República da Coréia, 65% na Indonésia e a mais de 80% em Lima, no Peru. I) Em 2/3 dos países situados em regiões desenvolvidas, as taxas de desemprego da mulher são supenores ás dos homens. Na Europa central e oriental, a diferença oscila, em termos gerais, entre 50% e 100%, salvo na Hungria, Lituânia e Eslovênia, onde as taxas de desemprego dos homens são supenores. m) Quase 70% dos pobres e mais de 65% dos analfabetos do mundo são mulheres. n) As mulheres só são beneficiárias de 5% dos créditos rurais concedidos pelos bancos multilaterais. O A VENDA NO CPV omÊmmmmmtmmmmmmmm /»* í ' Mv/ms ||: Mulheres e HIV/AIDS Preço: 34,00 Lavar as mãos do conflito entre os poderosos e os fracos não é ser neutro, mas sim ficar do lado dos poderosos" J Quinzena N0 255 - 31/07/97 Curtas Itamarati vende o controle da Fcrronorte O gaipo Itamarati abriu mão do controle da Ferronortepara obter os US$ 650 milhões necessários à conclusão da primeira etapa da ferrovia - cujas obras estavam praticamente paralisadas desde meados de 19%. Em uma operação coordenada pelo Bradesco, a Ferronorte emitirá R$ 280 milhões em ações ordinárias que serão subscritas pelas fundações Previ e Funcef, além da empresa Brazil Raü Partners (operadora da ferrovia) e o próprio Bradesco. Dos RS 370 milhões restantes, R$ 160 milhões serão obtidos por financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e R$ I00 milhões pela emissão de debêntures conversíveis em ações. "Os outros R$ Q0 milhões serão financiados por fornecedores ou pela Finame", afirma Antônio Maciel Neto, presidente executivo do grupo Itamarati. ♦♦ ♦ Sem dinheiro? Segundo o Tribunal de Contas da União, FHC cortou R$ 55 bilhões dos gastos com saúde, educação, saneamento, previdência e assistência social em %, comparado com Q5. O mesmo aconteceu em 95 comparado com 94. (Folha de São Paulo, 13/6/Q7). Este montante eqüivale a dez vezes o valor envolvido no escândalo dos titulos públicos, e é quase o mesmo valor que foi destinado pelo governo ao PROER (para recuperação dos banqueiros falidos). Este números, mais uma vez, denunciam o caráter deste governo: atacar as conquistas dos trabalhadores (contrato temporário de serviço, arrocho salarial, fim da previdência, fim da estabilidade para o fiuicionalismopublico, etc), perseguirás suas lideranças (como a condenação do lider do MST José Rainha, em um julgamento totalmente fradulento) para sustentar aqueles que o governo representa - os banqueiros, latifundiários e empresários. O problema das verbas no governo é uma questão politica, existe uma firme decisão de desviar o dinheiro público para a burguesia e para os setores e organização que sustentam o seu governo. Economia 14 Documento - Agosto de 1997 A utopia do capital em Robert Kurz Em artigo intitulado "Desfecho do Masoquismo Histórico - O Capitalismo Começa a Libertar o Homem do Sofrimento do Trabalho", publicado na Folha de São Paulo de 20 de julho deNw?. Robert Kurz afirma: "Na filosofia e na teoria social. Karl Marx foi quem mais se valeu do conceito de "trabalho" como base de seu pensamento. E foi o marxismo que adotou com firmeza o ponto de vista do "trabalho", a fim de legitimar o grande movimento social dos assalariados na história moderna. Em termos filosóficos, o "trabalho" é, para o marxismo, uma condição supra-histórica de existência do homem em sua relação com a natureza. Do prisma econômico, sob a lente desta doutrina, o "trabalho" como forma universal de atividade humana é degradado a um estratagema de exploração por meio do domínio da propriedade capitalista. No aspecto sociológico, é a classe operária que deve constituir-se politicamente como "partido do trabalho" para dar cabo da relação social de "exploração do homem pelo homem" e lograr a "libertação do trabalho". Hoje, tal teoria da sociedade e da história, supostamente coesa e inabalá\'el, perdeu seu conteúdo de verdade: ela se afigura, por assim dizer, arcaica e empoeirada. Entretanto, o conceito de "trabalho" manteve sua validade e seu caráter incontestável. Como se explica esta curiosa circunstância0" Antes de provar as provas, dadas por mais este critico do marxismo, da "perda da validade" da teoria marxista do trabalho (e da teoria marxista em geral), convém trazer até aqui algumas lembranças pertinentes. O trabalho não é, para o marxismo, como afirma o autor, exatamente uma condição "supra-histórica" de existência do homem em sua relação com a natureza. Esta afirmação de Kurz pode sugerir que Marx tenha pensado no tra- balho como uma realidade exterior á história, o que é falso. O trabalho e uma categoria social, portanto também histórica. O que ocorre é que por entre as várias formas historicamente determinadas do trabalho encontra-se uma base permanente do mesmo "independente de todas as formas de sociedade" (O Capital, Livro l, Cap I). que se apreende e se compreende exatamente abstramdose as características especificas das diversas formas de trabalho útil - "Abstraindo-se da determinação da atividade produtiva e, portanto, do caráter útil do trabalho, resta apenas que ele e dispéndio de força humana de trabalho" (Ibidem). Com o capitalismo, forma mais avançada de sociedade mercantil, essa dupla dimensão do trabalho finalmente se cristaliza e se universaliza e obtem-se dele a dupla configuração assim resumida: "Todo trabalho é. por um lado, dispêndio de força de trabalho do homem no sentido fisiológico, e nessa qualidade de trabalho humano igual ou trabalho humano abstrato gera o valor da mercadoria. Todo trabalho é, por outro lado, dispêndio de força de trabalho do homem sob forma especificamente adequada a um fim, e nessa qualidade de trabalho concreto útil produz valores de uso". (ibidem). E esta, em sintese. a definição precisa dada por Marx ao trabalho "supra-historico" e posto em "termos filosóficos": o trabalho não e, pois, para Marx. nem uma categoria una e indiferenciada ao longo da historia e nem algo que os criticos possam dele desfazer-se com meia dúzia de alusões adjetivadas. Por outro lado Kurz parece estranhar o processo de degradação do trabalho no "estratagema (?) - diriamos sistema - de exploração capitalista porque, naturalmente, não vê degradação em fenômenos como o fetiche que emana do processo capitalista de trabalho, os efeitos aiienantes da autonomização do trabalho intelectual, o empobrecimento e o desemprego crescentes como resultado "Lavar as mãos do conflito entre os poderosos e os fracos não é ser neutro, mas sim ficar do lado dos poderosos" Quinzena N0 255 - 31/07/97 da evolução da produção capitalista sob a ação da lei absoluta da acumulação capitalista em seu estágio atual, etc. Se nada disso constitui degradação inerente ao quadro estrutural que suporta e é reproduzido pelo processo de trabalho capitalista, de que se trata9 Numa outra passagem do mesmo artigo Robeit Kurz faz uma outra afirmação curiosa: "O marxismo tentou sempre reivindicar para si o "trabalho" como ideal positivo e afastar-se do suposto "não-trabalho" do mundo burguês e seus representantes. Nas caricaturas da imprensa socialista do século 19, os capitalistas eram pensados, de preferência, como parasitas pançudos ou como dândis e "flaneurs" que gozavam de uma vida agradável e "sem trabalho" às custas da classe trabalhadora". Para dar uma mão a Kurz, convém lembrar que não só na imprensa socialista e nem só no século XIX: essa prática de representar assim o "burguês" e a "burguesia" já pode ser vista nas descrições e nos versos de Heme e Baudelaire (aquie menos direta, mas não menos contundente), nas pinturas de Goya e nos desenhos de Daumier e, no século XX, nas caricaturas de Grosz, no teatro de Piscator e Brecht, etc Antes de supor que tais criticas sejam o produto de irrefletidas arremetidas e de uma injustificada impeitinència de artistas e ativistas desvairados, convena a Kurz, procurar entender melhor o quadro social da Europa recémcapitalista dos séculos XVill e XIX, perceber as tensões sociais de então e buscar assimilar melhor as complexas e profundas razões dos conflitos entre capitalistas, de um lado, e artistas e ativistas revolucionários de outro. Ouçamos o testemunho de um investigador mais cuidadoso e mais credenciado do que Kurz a tal respeito: "As caricaturas de Daumier, sobretudo, tornando-se os arquétipos da sátira ao burguês... o burguês bronco, leviano, concupiscente, cobiçoso, sonolento, obeso, obtuso e cruel, essa coincidentia oppositorum do que existe de mais corrompido e horroroso, uma espécie de Proteu dotado de um demonismo banal, não é concebido como um ser isolado e auto suficiente, mas como um parasita e opressor do povo... A vítima da bou- 15 JJonnerie sanglante, como Baudelaire chamará esse filme histórico no seu ensaio sobre Daumier, é, como foi dito, o povo que lutara na Revolução de Julho para a burguesia", (os grifos são nossos OEHLER, Dolf, Quadros Parisienses, II - Companhia das Letras, 1997). Mas isto não é o principal e nem foi feito por injustificada impeitinència de artistas e militantes "desajustados". O que admira é o Sr. Kurz pensar que o capitalista deixou de gozar - ou que nunca gozou - de uma vida agradável ás custas da classe trabalhadora. Mais ainda: que acumular riqueza através da valorização do valor (acumulação capitalista) deixou de ser - ou nunca foi - o élan da classe burguesa; que acumular riqueza no sistema capitalista deixou de ser - ou nunca foi - fruto da exploração do capital sobre o trabalho; que acumular nqueza deixou de proporcionar - ou nunca proporcionou - uma vida agradável aos capitalistas e o inverso disso aos trabalhadores Não muda nada nisso tudo se uma parte dos capitalistas, chamada de "executivos", ou coisa que o valha, recorrendo cada vez mais, como de fato recorre, ás academias de ginástica aeróbica, ás clinicas de massagens e de plástica e a outras tantas novidades da moderna produção capitalista, deixou de ser "pançuda" e passou a ser "esbelta", "elegante", etc Dá na mesma. Justiça deve ser feita a Marx, que nunca negou que o capitalista dá duro no seu labor, pois quem já pôde presenciar um exercicio de extração de mais-trabalho no qual o arrecadador deixasse de se empenhar de corpo e alma9 Mas este empenho, este trabalho - e é aqui que está a distinção - não só não exclui o parasitismo como não produz, ele mesmo, valor. No processo de trabalho e produção capitalista este trabalho do capitalista nem repõe valor-capital ali aplicado e transferido á mercadoria e nem, muito menos, cna valor novo que se incorpora na mesma mercadoria. É trabalho improdutivo. E trabalho que, para se reproduzir, ele e sua respectiva persona, pressupõe o outro e antitético trabalho, o trabalho produtivo, o que implica em acréscimo de valor (mais-valia) - o trabalho do trabalhador. A critica de Kurz é superficial e não passa de uma escamoteação que navega sobre a superfície Economia dos fenômenos sociais, evitando chocarse com a essência deles. Como teoria, o pensamento de Robert Kurz não vale muita coisa, pois seu pensamento apenas bordeja ao sabor de um acentuado empirismo. Sua aberração se completa nesta outra afirmação. "De fato, os ricaços industriais são esbeltos, fazem o seu "jogging" diário, dispõem de menos tempo livre que um escravo nas monoculturas e têm de gastar seus níqueis na terapia, pois se tornaram 'viciados em trabalho' ". Aqui, Kurz nivela o trabalho desenvolvido pelo capitalista ao trabalho desenvolvido pelo portador de força de trabalho: nada os separa em natureza, caráter, só existe diferença em intensidade - e, neste sentido, um capitalista apenas dispõe de menos tempo livre do que "um escravo nas monoculturas" Os dois, capitalista e trabalhador, quando têm o mesmo tempo livre encontram-se em iguais condições de desfrute dele, uma questão de duração, de "tempo de trabalho livre". Sempre tratando o "trabalho" como categoria una e indiferenciada em todas as classes sociais, Kurz continua seu ataque desta forma: "Na verdade, o "trabalho" foi desde sempre um ideal burguês e capitalista, muito antes que o socialismo descobrisse para si este conceito, etc" O socialismo não descobriu este conceito e nem, muito menos, o descobriu "para si". O que Marx fez foi revelar o verdadeiro caráter, não deste conceito mas desta categoria social que sempre existiu antes dele - e, revelando o seu caráter (O Capital, Livro I), apenas, (apenas!) explorar tendências e possibilidades concretas, inscritas no desenvolvimento das contradições do sistema capitalista, que dariam conta da natureza desta mesma categoria na sociedade do futuro e, pari passu, mostrar qual a persona social (histórica - a saber, o proletariado) que, pela sua condição, constitui a subjetividade revolucionária que negou que o trabalho tenha sido "um ideal burguês"; apenas mostrou que o ideal burguês do trabalho "desde sempre" consistiu em fazer com que o trabalho alheio, do portador de força de trabalho, constituísse o segredo da reprodução de sua agradável existência. O "ideal burguês" não foi, "desde sempre", o "trabalho" como abstração, mas Lavar as mãos do conflito entre os poderosos e os fracos não é ser neutro, mas sim ficar do lado dos poderosos" Quinzena N0 255 - 31/07/97 a exploração do trabalho abstrato da força de trabalho alheia. Trata-se efetivamente do mesmo "trabalho"9 Para Kurz, Marx só tinha olhos para o "trabalho", não havendo neste conceito abstrato de trabalho por ele atnbuído a Marx, qualquer lugar para o não-trabaIho: "Sonhar, passear, jogar xadivz ou ler romances também são atividades humanas, sem que sejam tidas normalmente como "trabalho" ". O que Kurz tem em mira é claro e, em principio, louvável; para além do "trabalho" existe algo mais importante e mais desejável do que o "trabalho" - o lazer, etc. Parece que desta vez Kurz quer negar as coisas mais sabidas e evidaites e avocar a si a descoberta de uma postura que é caitral na estratégia marxista; a liberação do tempo livre para que os seres humanos possam exatamente desenvolvei" uma potaiciada existência espiritual, humana, dedicada às artes, a cultura, etc. A única diferença e que não se trata de uma diferença qualquer, mas de uma fundamental diferaiça, capaz de colocar as duas doutnnas, a de Marx e a de Kurz, em posições antagônicas - é que, enquanto Kurz afirma que esse tempo livre, a ser empregado pelo homem para o lazer, etc, já está sendo proporcionado pelo capitalismo, em Marx o capitalismo não começa a libertar o homem do "sofmnento do trabalho". Ou seja, este tempo livre, pressuposto desta condição, so poderá acontecer numa sociedade superior. Para Marx, o "tempo livre" que o capitalismo oferece ao homem - leia-se trabalhador - não é exatamente um tempo disponível para livrarse do "sofrimento do trabalho", mas para multiplicar por milhares de vezes o sofnmento deste mesmo homem, agora dentro e fora do ambiaite e do processo de trabalho; nas unidades de produção, debaixo das pontes e marqui-ses, nas invasões insalubres, nas penitenciárias imundas e entulhadas, vale dizer, em todo lugar onde se aicontram os pobres, os desempregados, os "sem-nada". Depois de afastar a idéia marxista de degradação pelo trabalho e passando por uma estéril análise histórica da "doutrina" da "morbidez do trabalho", Kurz coloca esta secular reação do trabalho que se desdobrou nos momentos do trabalho necessário e do mais-trabalho (causa última da reação aludida) - ape- 16 nas como uma manifestação puramente subjetiva de "masoquismo social", sem nenhuma determinação concreta e completamente exterior a qualquer mecanismo de exploração. Resume, categórico; "Os homens habituaram-se a imolar suas vidas no altar do "trabalho" e a tomar como felicidade submeter-se a um "emprego" determinado por outrem". Como se vê, mero hábito indeter-minado, ou melhor, fundado num ato de volição de caráter meramente masoquista. E ai cai nesta outra aberração interpretativa; "O liberalismo e o manismo (??) herdaram do protestantismo (??) e dos regimes absolutistas (??) essa religião (77) do "trabalho" e aperfeiçoaram a sua secularização". O marxismo, aqui, não analisou a existência social, a prática igualmente social, as características e a ideologia do trabalho em concretos mecanismos de produção e reprodução social; ao contrário, correndo atrás do protestantismo e de regimes absolutistas, apenas ajudou na "secularização desta religião" Ja próximo do final do seu artigo, Kurz nos traz mais evoluções; "O escasso "tempo livre" é hoje um mero prolongamento do "trabalho" por outros meios, como dá prova a indústria cia diversão. Nesse meio tempo, a lógica do "trabalho" apoderou-se das esferas cindidas e insinuou-se na cultura, no esporte e até mesmo na intimidade. Por outro lado, o desemolvimento das forças produtivas cientificiza-das leva ao absurdo a metafísica do "trabalho" de cunho liberal ou marxista. O principio positivo do sofrimento não pode mais sustentar-se, pois o capitalismo começou a libertar o homem do "trabalho" ". O "escasso tempo livre", que éhoje mero prolongamento do "trabalho", e que pega por igual a capitalistas e trabalhadores, não deverá mais ser "mero prolongamento", mas, contrariamente, determinação ontológica, constitutiva portanto, existência fundamental da sociabilidade. O trabalho, este sim, vai ser. agora, mero prolongamento disso. O próprio capitalismo ja deu inicio a esta reviravolta dentro de sua própria existência. Se o "tempo livre" vinha sendo até hoje considerado como "um mero prolongamento do trabalho", o mecanismo de pro- Economia dução e reprodução do capital, que pressupõe a exploração de uma classe sobre a outra, absolutamente nada teve e nem tem a ver com isso, pois não só esta exploração não passa de um equivoco como se trata apenas do resultado de uma subjetiva "lógica do trabalho" que se generaliza na indústria da diversão, no esporte, na intimidade, etc. por força da metafísica do trabalho de cunho liberal ou marxista Mais ainda; esta presente libertação do homem do jugo do "trabalho" é uma dádiva do capitalismo, que assim oferece as preliminares para a reviravolta mais revolucionária e sem revolução que a historia jamais conheceu ou conhecera A partir deste final de século o capitalismo começa a libertar o homem do "trabalho", não para experimentar a mais degradante miséria na rua e no desemprego, mas para poder dedicar-se ao não-trabalho lazer, ler romances, etc. Como'1 E o que veremos logo a seguir. Final da história; "Desse modo ele (o capitalismo!) não desmente apenas a antropologia marxista, mas também sua própria antropologia. No futuro. a emancipação social não poderá mais fundar-se num conceito positivo de "trabalho". Este fim histórico do sofrimento não seria o fim da atividade humana em sua troca com a natureza, mas somente o da menoridade irrefletida. Por mais que os senos voluntários queiram incondicionalmente preservar a forma do sofrimento, esgotou-se o tempo do masoquismo histórico" O capitalismo, partindo subietivamente de dentro de si mesmo nem adianta solicitar esclarecimentos adicionais do Sr Kurz. porque ele não os possui nem para si próprio (logo ele. que disse que o marxismo ja estaria "empoeirado") -. estaria, a um so tempo, negando o marxismo como a si próprio e preparando-se para passar ao grande ato da história a partir do qual a humanidade assistiria ao inicio de uma nova era. a era da "memória refletida" O pacato Robert Kurz parece ter recuado para um tempo anterior a Feuerbach, tempo no qual se acreditava nos milagres da autoconsciência e em coisas semelhantes. Eis com que coisas promete nos franquear algo novo em folha e "superior" à "metafísica marxista". "Lavar as mãos do conflito entre os poderosos e os fracos não é ser neutro, mas sim ficar do lado dos poderosos" Quinzena N0 255 - 31/07/97 O capitalismo - e é a respeito disto o que o Sr. Kurz deveria nos esclarecer não estaria conseguindo só este milagre atras revelado pelo eminente sociólogo alemão Além desta façanha, o capitalismo vai poder reproduzir-se sem trabalho, façanha tão heróica como a primeira: sem o trabalho, sem a mais-valia e sem o espaço de realização do valor (embutido na mercadoria), isto é, alterando pela raiz e totalmente a relação de interação dialética entre os momentos básicos da produção capitalista: produção-distribuição-circulação-consumo Ainda como por milagre o capital vai passar a produzir um "fundo social de financiamento da existência da sociedade" - incluindo os "industriais" e os ex-escravos do "trabalho" - sem mais-valia e sem que o produto-valor, já livre da mais-valia como fonte de lucro (nele embutida), pudesse ser maior do que o valor meramente transferido do capital constante à mercadoria (a qual, por suposto, e a uma tal altura, ja nem seria mais mercadoria). A fonte deste fundo, que até aqui vinha sendo o lucro - a outra cara da mais-valia, que e. por sua vez, produto do exercício do "trabalho sofrido" - secou, porque o Sr Kurz resolveu, por sua própria conta, que o capitalismo vai pôr um fim no drama do "sofrimento do trabalho" Acabando este "sofrimento", acaba também o seu pressuposto, a mais-valia socialmente gerada, fonte efetiva do que e aplicado, investido e financiado no mundo do capital. Acaba também o valor valorizado; com ele, corolanamente, a acumulação. Todo e Economia 17 qualquer produto-valor produzido passará a ser exatamente igual ao capital inicialmente aplicado, e o movimento de circulação da totalidade dos capitais individuais nada mais será do que uma recorrência interminavelmente circular e empacada, já que o "fundo" necessário ao financiamento da sublime existência humana nesta época de uma revolução sem revolução não poderá ser mantido por um interminável processo de diferenciais de preços deliberada e artificialmente produzidos. Isto na melhor das hipóteses porque, na verdade, com este esquema imaginado pelo Sr Kurz, nem produção, nem circulação e, portanto, nem aplicação, financiamento ou reprodução serão possiveis. E um esquema que define sua impossibilidade já nos termos em que ê enunciado. De outra parte o capitalismo já não contara com o momento do mercado porque, com toda a população restante quase livre ou totalmente livre do "sofrimento do trabalho", só restarão no "trabalho", supostamente criando "valor" (??), os robôs e os computadores; e seus donos - os industriais, proprietários de imensos potenciais produtivos - produzirão (certamente!) para distribuição gratuita, mesmo que não se saiba de onde provirão seus fundos de investimento - ja que o mais-trabalho, causa do "sofrimento do trabalho", será um mero registro do passado (se é que chegou a existir!) Na realidade, deste emaranhado todo não resultará nenhu- ma forma de existência social, nem capitalista, nem comunista, nem nada, mas apenas uma fantasmagoria panda da cabeça confusa do sociólogo Robert Kurz. Se desta forma chegamos a um emaranhado de confusões e contradições teóricas a culpa não é nossa, mas de quem, em nome da "maioridade refletida", resolveu anular os pressupostos da produção capitalista sem superação do capitalismo e sem se lembrar de colocar coisa convincente nos lugares destes pressupostos inarredáveis numa situação de evidente permanência de um capitalismojá desembaraçado do tão propalado "sofrimento pelo trabalho". Tudo em nome da reflexão - o que exatamente falta, pelo que se viu, a quem aconselha dando cabeçadas para todos os lados. Não é decididamente um bom arquiteto o sujeito que pensa que é capaz de derrubar um edifício sem saber como construir um outro em condições de permanecer em pé no lugar do que ele supõe poder por no chão. Tem que ser capaz de produzir um projeto convincente para uma nova edificação, pois, do contrário, se tentar, o prédio vai abaixo. Pululam hoje arquitetos da categoria do Sr. Kurz na imprensa da "esquerda" brasileira e mundial. Mas, como disse o Poeta, "iion ragíoiiíam di lor. maguarda e passa" ("Mas não falemos deles; olhaos e passa"). ~l Edmilson Carvalho, professor do Universidade Federal da Bahia. Cadernos do Terceiro Mundo - Edição Especial - N0 200 - (1974 - 1997) O mercado não resolve tudo Geógrafo Milton Santos, por conta de sua ciência e das circunstâncias da vida, que o obrigaram a vagar por terras estranhas, conhece o vasto mundo, de que fala o poeta, e, como cientista, procura a solução, desprezando a rima. Está com novo livro na praça (Técnica, espaço, tempo - globalização e meio técnico-científico informacional, pela Editora Hucitec) e nele debate questões vitais de nossa época. Neste entrevista a cadernos do terceiro mundo, colabora cie forma magfiifica para a composição deste painel cie reflexões sobre o nosso tempo. Aponta com clareza os desafios que a globalização oferece aos países em desenvolvimento. Identifica, no caso especifico do Brasil, que Já alcançou desenvolvimento relativo, um movimento de retrocesso econômico e social, combinado com a ausência de um projeto nacional. Milton Santos acredita, porém, que um "discurso de baixo" Já elabora uma vacina de sobivvivéncia, a partir dos da-nos que sofre com as novas conformações dos interesses mundializados. E confia que nem todos os homens de pensamento se renderão, como tantos Já fizeram. "Lavar as mãos do conflito entre os poderosos e os fracos não é ser neutro, mas sim ficar do lado dos poderosos" Quinzena N0 255 - 31/07/97 O fenômeno conhecido por globalização caracteriza-se, como se pode depreender da leitura de seu recente livro, como o aproveitamento espacial em beneficio das forças hegemônicas internacionais, nãonacionais. E aceitável ou mesmo irrecusável admitir que projeto nacional e soberania já não têm sentido? ■ Na verdade, o processo de globalização acentua a tendência a que as forças hegemônicas da economia, da politica e da cultura escolham os lugares que consideram mais favoráveis à sua realização plena. Essas forças hegemônicas são sobretudo globais, internacionais; mas são igualmente nacionais. Isso se dá porque a grande lei da atividade econômica hegemônica é a competitividade, superlativo de concorrência, indispensável à produção do maior lucro, da maior maisvalia e instrumento de permanência das formas atuais de globalização. Se a globalização pode ser definida como movimento de dominação econômica (consequentemente política) semelhante a ondas anteriores (imperialismo, colonialismo, etc), estaria havendo apenas um aprofundamento do mecanismo de apropriação da periferia pelo centro. Assim, poises que avançaram economicamente, como o Brasil, correriam o risco de retrocessos econômico-sociais. com o desmonte de estruturas que oferecessem concorrências aos interesses hegemônicos? ■ Não se pode dizer que a globalização é semelhante ás ondas antenores, exatamente pelo fato de que as condições técnicas de sua realização mudaram radicalmente. E somente agora que a Humanidade está podendo contar com essa nova qualidade da técnica, providenciada através do que se está chamando de técnica infonnacional. Essa técnica, isto é, essas técnicas da informação (por enquanto) são apropriadas por alguns Estados e por algumas empresas, aprofundando assim os processos de criação de desigualdades. E assim que a periferia do sistema capitalista acaba sendo ainda mais periférica, seja porque não dispõe totalmente dos novos meios de produção, seja porque lhe escapa a possibilidade de controle. O caso do Brasil é ao mesmo tempo singular, em virtude de seu desenvolvimento relativo, e é típi- 18 co, já que as atuais formas de sua inserção na globalização supõem o abandono da idéia de projeto nacional e produzem um claro retrocesso econômico e social. O imperialismo tem uma história de ações militares para abrir os mercados. A globalização corre, porém, de forma discreta e racional, pelo convencimento, via cátedra e mídia. A globalização dispensa a força? ■ Não se pode dizer que a globalização tenha abolido as ações militares. Estas, inclusive, estão por trás dos processos comerciais, sendo a base da convicção final dos Estados envolvidos. A guerra se faz a partir do comércio e de suas exigências produtivas e através da informação. E neste último sentido que a pergunta procede, já que a conquista dos territórios dos Estados e dos espintos é realizada de forma racional, mas não tão discreta. O que se dá é que as formas como a força se manifesta são outras, mas o exercício da força através da cátedra e da midia não é maios violaito. A globalização vem coincidindo com um processo que parece contradizê-la: a formação dos blocos econômicos regionais. Como analisar estes dois conceitos e práticas que parecem teoricamente excludentes? ■ A formação dos blocos econômicos regionais não contradiz a globalização. Ao contrário, na realidade os blocos econômicos regionais são uma condição para que a globalização complete seu caminho. A verdade é que, afora a União Européia, os outros blocos regionais têm como meta essencial e quase única facilitar o comércio entre um grupo de empresas privilegiadas. Sua preocupação é o mercado e não a política, por isso estão despreocupados com as questões culturais e sociais. E, no caso do Mercosul e da América Latina, a idéia de cidadania é praticamente, desconhecida: tanto a idéia de cidadania ligada a cada Estado Nação, quanto a idéia de cidadania mundial. Desse modo, a forma como se desenvolvem atualmente os blocos econômicos regionais favorece a expansão e o fortalecimento do chamado mercado global e não a criação e o fortalecimento de uma comunidade humana universal. No programa Roda Viva, da TV Cul- Economia tura de São Paulo, o senhor considerou fraco o papel dos intelectuais na formulação do Brasil. Ainda são efeitos do regime militar9 ■ A fragilidade do papel dos intelectuais durante o regime militar e a atual fragilidade desses mesmos intelectuais frente ao processo brasileiro de globalização têm ambas relação com a natureza desses períodos históricos. Nos dois casos, o convite era para a adesão a um pensamento único Na primeira situação, isto se dava mediante o uso da força ou a promessa de uso da força para calar os dissidentes, enquanto agora o silêncio ou quase-silêncio resulta de uma cooptação mais ou maios voluntária Mas é agradável constatar que, ainda sob circunstâncias hostis, o Brasil atual assista a manifestações bnIhantes de intelectuais genuínos. O peso da burocracia que se abateu sobre as universidades constitui um convite ao pensamento técnico e burocratizado, desencorajando as manifestações propriamente intelectuais. E urgente reverter essa tendência, mas isso é apenas possível através de uma vontade firme de análise dos processos que estamos vivendo, antes de embarcar numa discussão puramente retórica e falsamente oposicionista, cada vez que utilizamos os mesmos parâmetros oferecidos pelo discurso da globalização A pregação da globalização ignora urgências do dia a dia, como a imensa crise social. O desemprego ê considerado fatalidade causado por despreparo do trabalhador, isto é sustentável? O social passará a ser apenas subproduto eventual das novas realidades? ■ A resposta é não. Por enquanto, no casa do Brasil, a questão do emprego não tem merecido tratamento sério Pode-se, entretanto, admitir que em pouco tempo esse problema merecera outro cuidado, saindo da sua atual situação residual para se tomar uma questão política, diante da emergência de um impasse social. O proposto Estado mínimo e o mercado poderão responder ás imensas necessidades brasileiras de desenvolvimento? ■ A resposta é não. Em seu livro, o senhor afirma a 'Lavar as mãos do conflito entre os poderosos e os fracos não é ser neutro, mas sim ficar do lado dos poderosos" Quinzena N0 255 - 31/07/97 crença e esperança cie que o local, o regional, atue como uma força capaz cie enfrentar a clesculturação cpie parece estar no cerne do movimento global e de sua agilissima informação conformada aos interesses hegemônicos. O pais em construção, cp<e é o Brasil, oferece elementos para se contrapor à onda9 ■ O lugar recria cultura, ele o faz a partir de um cotidiano vivido de modo distinto, mas coletivamente, por todos. Este cotidiano é um reflexo das condições de cada lugar e tem suas raizes fincadas no Economia 19 trabalho em todas as suas modalidades. É nesse aspecto, no entanto, que o cotidiano terntonalizado ganha um papel novo, ou seja, atribui às comunidades a possibilidade de se reverem e se redefini-rem face à globalização, além de ampliar os horizontes da sua consciência, impondo novas visões de mundo, de cada nação, de cada lugar ou região, e se transformando, dessa forma, numa força política incontomável. No caso brasileiro mais especificamente, é o território, com todos os seus lugares, mas sobretudo por suas gran- des cidades, que revela a profunda crise da nação e o mal-estar que o processo de globalização está criando em toda parte. Esta descoberta já vem sendo feita por numerosos atores da sociedade Além disso, esta mensagem está se difundindo com grande rapidez. E dessa maneira é que se está produzindo um formidável "discurso de baixo", que contraria o "discurso de cima", isto é, o famoso discurso único, produzindo-se assim a semente da força com a qual o Brasil já começa a enfrentar e recusar a atual globalização perversa. "I Jornal dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST Julho de 1997 - N0 170 O risco da ingovernabilidade Ex-ministro alerta para endividamento crescente e esfacelamento da economia nacional Celso Furtado é advogado pela antiga Universidade do Brasil, hoje UFRJ, desde 1944. Fez doutorado em Paris em economia e foi trabalhar em 1949 para a recém-criada Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), órgão da ONU sediado em Santiago do Chile. Em 1958, publicou Formação Econômica do Brasil, um clássico que provocou intensa discussão sobre o processo de desenvolvimento do Brasil. Chefiou o Grupo Misto Cepal-BNDES que elaborou um programa para o período de 1955-1962, liderou a formação do Clube dos Economistas e da Revista Econômica Brasileira, concebeu e dirigiu a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), foi ministro do Planejamento no governo de João Goulart e autor do Plano Trienal. Em 1964, começou seu longo exílio e retomou suas atividades de ensino no Sorbonne, Universidade Francesa. Furtado é uma espécie de símbolo da esperança desenvolvimentista brasileira sendo considerado um dos principais pensadores do Terceiro Mundo. Ele não esconde suas preocupações com os destinos do país e não hesita em apontar o MST como "a única força social nova" capaz de apontar um caminho que mereceria "séria reflexão" por parte do governo. O JST publica um resumo da entrevista concedida a César Benjamin, Luis Antônio e Luis Carlos Prado. Como o Sr. vê a situação do Brasil? Furtado: Crescemos durante muito tempo com uma taxa de investimento relativamente alta, usando fundamentalmente recursos internos. Hoje, as taxas de crescimento são baixas, o investimento mantém-se deprimido e estamos imersos num processo de endividamento externo considerável O quadro de desajuste macroeconômico é evidente. Pelos dados do IBGE, nosso déficit anual na conta corrente da balança de pagamentos esta em tomo de US$ 32 bilhões enquanto o valor das nossas importações é de LS$ 62 bilhões. Pagamos a metade das nossas importações com endividamento para atingir uma taxa de crescimento per capita de 2%. E inaceitável. Boa parte desse endividamento está financiando o consumo e, para acalmar os especuladores, temos que manter grandes reservas em moeda estrangeira. Nossa poupança se esvai para sustentar isso. O pais não está se movendo a partir de seu própno esforço, mas em função de facilidades criadas pelo processo de endividamento de onde vem grande parte da nossa disponibilidade atual de moedas estrangeiras. Se a economia não retoma o dinamismo, esse processo, além de caro, não tem sentido nenhum. Daqui a algum tempo, governar o Brasil, se tornará muito difícil. Seremos tão dependentes de recursos externos que qual- quer mudança na conjuntura internacional, qualquer modificação nos fluxos financeiros, qualquer parada brusca nesse financiamento de fora, trará conseqüências serissimas A instabilidade macroeconômica aponta para a possibilidade de uma crescente ingovernabilidade E o processo de globalização? Furtado: Não podemos ignorar que estamos num mundo que se globaliza. A tecnologia moderna aponta nessa direção Mas a globalização tem conseqüências negativas muito marcantes, das quais destaco a tendência à crescente instabilidade macroeconômica e, principalmente, á exclusão social Nos Estados Unidos, a exclusão se manifesta como concentração de renda e as disparidades que já tenderam a diminuir, aumentam de novo: os salários mais baixos estão caindo e os mais altos aumentando. A Europa convive com enorme desemprego. O grande desafio é saber como viver na era da globalização evitando esses efeitos negativos. A globalização implica em adotar políticas iguais? Furtado: Não, ela se manifesta de forma diferente, de acordo com o estágio de cada economia, cada região, cada continente. Não se pode exigir politicas iguais para economias plenamente desenvolvidas e para economias em formação que têm grandes disparidades internas e problemas de atrasos regionais. "Lavar as mãos do conflito entre os poderosos e os fracos não é ser neutro, mas sim ficar do lado dos poderosos" Quinzena N0 255 - 31/07/97 O processo de construção da economia brasileira foi interrompido, aparentemente, porque se considerou que a globalização exigia a interrupção deste processo próprio. O pais deixou de acreditar em si. A tendência à exclusão social poderia ser revertida? Furtado: Toda a discussão atual na Europa tem como eixo exatamente a tentativa de evitar que a globalização agrave a exclusão social. Os resultados das eleições mais recentes, na Inglaterra e França, indicam que as populações estão atentas para essa preocupação. No Brasil, isso deveria ser mais evidente. Nosso problema número um é social, com duas faces principais: a geração de empregos e o combate a fome. Qualquer governo responsável devena pensar, antes de mais nada, em melhorar as condições de vida da população. O que se vê não é isso, todos os programas deste governo criam desemprego. A parte do Brasil que tem representação sindical está perdendo terreno e a maioria do povo está indo para o setor informal. E uma maneira de reduzir os salários. Há um movimento indiscriminado no sentido de aumentar a produtividade microeconômica, ignorando os efeitos macroeconômicos dessas políticas. Isso é um absurdo. As conseqüências sociais da formulação atual precisam ser explicitadas. Como conciliar geração de emprego e produção de bens básicos com competitividade internacional? Furtado: O Brasil sempre foi e será competitivo em certas áreas. Tivemos muito êxito na constaição de uma economia competitiva e a prova é quetransfomiamos profundamente nossa pauta de exportações. Instalamos um dos maiores parques industriais do planeta que nos deu uma vantagem considerável no Terceiro Mundo porque permitia trabalhar com maiores escalas de produção. Eu conheci um Brasil que era apenas exportador de matérias-primas e acompanhei a trajetória que nos conduziu á condição de exportadores de manufaturas mas colocar a competitividade internacional como objetivo único ou principal e aceitar cegamente os sinais do mercado mundial é uma besteira. O Brasil não teria se industrializado - e toda a nossa história contemporânea teria sido diferen- 20 te - se tivéssemos seguido os sinais das necessidades do comércio internacional. Por que a internacionalização não tem produzido maior homogeneização ? Furtado: A distribuição de renda é um tema essencialmente político. Se o mundo tivesse se desenvolvido dentro das leis puras do capitalismo, tudo seria muito mais concentrado mas, a partir do século XIX, as forças sociais contestadoras foram extremamente aguerridas na Europa e produziram transformações importantes. Esses movimentos alteraram os rumos da economia e mostram que o desenvolvimento das sociedades modernas não se resume ao aspecto tecnológico. E um processo mais amplo. Graças à pressão das forças sociais organizadas, os salários subiram, construíram-se sistemas de previdência, definiram-se políticas de atendimento a regiões menos desenvolvidas. Ao modificarem o perfil de distribuição de renda, essas pressões fizeram com que o sistema mudasse de fisionomia e, paradoxalmente, adquirisse novo dinamismo. Se a renda tivesse continuado a se concentrar haveria insuficiência de mercado. As crises cíclicas foram abrandadas porque o capitalismo mudou sob pressão de baixo. Os próprios Estados Unidos deram grande importância á intervenção do Estado para corrigir desequilíbrios com políticas de desenvolvimento regional. O que diferencia os processos de desenvolvimento do Brasil e dos Estados Unidos? Furtado: Os Estados Unidos construíram, desde cedo, uma matnz social muito mais apta à modernização. O modelo de colonização e de ocupação do território preparou a sociedade americana para a modernização. A economia cresceu em uma matriz social baseada na divisão da terra. No começo do desenvolvimento brasileiro, ainda no século XIX, tivemos uma profunda concentração patrimonial, a começar pela própria terra, e crescemos sem alterar essa marca de origem, criou entre nossas elites um preconceito arraigado contra os trabalhadores. Essa é uma diferença fundamental: os americanos partiram de uma matriz social que permitia a difusão dos frutos do progresso técnico e induzia alto investimento na população, nós Economia partimos de uma matriz que concentrava os benefícios do progresso técnico e induzia baixo investimaito na população. Essas velhas características da nossa sociedade se agravam no modelo atual. Que comparação é possível com os países da Ásia? Furtado: Os países asiáticos que se desenvolveram foram os que fizeram transformações sociais antes da fase de crescimento econômico acelerado Nós não fizemos isso. Tivemos um crescimento considerável mas investimos pouco na população. Nosso maior gargalo é social. Como se pode conceber um país que teve taxas de crescimento tão altas como as nossas, por tanto tempo, e que não deu à sua população o essencial9 Que significa investir na população? Furtado: O grande investimento no povo é a educação básica. Darcy Ribeiro definiu nossas metas no Plano Trienal nos anos 60. Pelo plano do Darcy, o problema da educação básica teria sido resolvido naquela geração. Pois em uma geração, ou seja, em vinte ou trinta anos, você educa completamente um país Com o golpe de l%4, isso foi posto de lado e o resultado é que o Brasil tem hoje o mesmo número de analfabetos que tinha naquela época e os que não são considerados analfabetos têm um nível de preparo insuficiente para se inserir no mundo moderno. Há algo novo na área social no Brasil? Furtado: Há um fenômeno espantoso e possivelmente único no mundo: parte da população urbana quer voltar para o campo. Nunca vi isso. Todo o processo de desenvolvimento moderno é no sentido da população que deixa o campo não volta mais por ser seduzida pelas luzes da cidade como dizia Charles Chaplin. O progresso, a modernidade, a civilização tem relação com cidade, vida urbana. Os movimentos da população sempre foram do campo para cidade mas estamos vendo o oposto. O governo deveria refletir profundamente sobre isso pois em toda parte está colocada a discussão de como criar empregos. Na Europa, estão tentando alterar a matriz de ocupação. Nós temos uma situação única no mundo pois nossa população precisa de muito mais alimentos, temos Lavar as mãos do conflito entre os poderosos e os fracos não é ser neutro, mas sim ficar do lado dos poderosos" Quinzena N0 255 - 31/07/97 terras disponiveis e gente disposta a trabalhar a terra. Não é preciso dizer o que fazer. Só não resolvemos o problema por falta de vergonha. A agricultura seria um dos caminhos possíveis? Furtado: A única força social nova que mantém capacidade de mobilização é o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra que pressiona por coisas muito importantes como a distribuição do patrimônio, questionando a velha divisão patrimonial que atrasou o Brasil; e por investimento em pequenas propriedades, condição para formar uma sociedade civil mais estruturada. Fazaido um plaiejamento sério, é perfeitamente viável colocar grande parte dos 4 milhões de semterra em propriedades com condições de produzir Seria uma transformação profunda E chocante que os economistas não vejam o pontecial disso. Só falam em tecnologia de ponta, exportação... Recentemente, numa conferência no BNDES, um representante do governo se referiu à agricultura familiar com termos depreciativos: "Essa agricultura vagabunda, que produz batatinhas tronchas, de terceira classe... "Ora, nosso povo esta passando fomel E importante ter batata, seja de que classe for! Qual é o papel do Estado? Furtado: O Estado brasileiro teve um papel essencial na formação do próprio pais O Brasil, na verdade, é uma criação do Estado português. Nossa unidade territorial também é uma criação do Estado Diante do desafio da industrialização, o Estado coordenou o esforço para toma-lo viável. Quandojá havíamos instalado os elementos básicos da nova matriz produtiva, criaram-se condições mais favoráveis para completar a construção nacional no plano social. Nesse momento, o Estado começou a ser dilapidado num processo iniciado durante a ditadura militar. O Estado é uma instituição muito especial e, se não estiver submetido á vigilância permanente da sociedade civil, tende a se degradar. Aqueles que estão dentro da máquina estatal têm muita facilidade para tirar proveito da posição que ocupam. A interrupção do processo democrático iniciou um mecanismo de seleção negativa. Estive exilado em países em que também houve golpes de Estado mas os mi- 21 Economia litares simplesmente fechavam o Con- potencial, dar maior flexibilidade á ecogresso e mandavam os políticos para casa nomia e facilitar o acesso à tecnologia e o governo ficava nas mãos do grupo moderna. Mas é o creme de chantilly. A que havia tomado o poder. Aqui, manti- massa do bolo é o desenvolvimento do vemos um Congresso fictício que conde- mercado interno. Ele é que pode sustennou os políticos a um processo de tar o pais a longo prazo. Mesmo hoje com degenerescéncia já que os indivíduos de todas as dificuldades, o mercado interno melhor qualidade eram cassados e o ba- movimenta 90% da nossa economia. O gaço ia ficando. Acumulamos essa imen- que estou dizendo nada tem a ver com isolamento. Durante o período em que o sa quantidade de bagaço político que aí está. Depois, para perpetuar o regime, os Brasil teve políticas bem definidas para militares fizeram uma reforma constituci- prestigiar seu mercado, potencialmente onal que aumentou a representação dos muito grande, as grandes empresas do antigos territórios, as regiões mais atrasa- mundo quiseram vir para cá. Hoje, com das, que sequer tinham autonomia finan- a economia nacional sendo desconstruíceira para se manter. Um brasileiro que da, o esforço para traze-las passa por nasce no Acre tem muito mais peso polí- caminhos muito perversos. Oferecemos tico que um de São Paulo. Tudo isso difi- favores incríveis, absurdos, para criar culta que o nosso Estado possa tomar-se indústrias de automóveis para exportao grande instrumento de desaivolvimen- ção. Os estados dão dinheiro para instalar essas empresas mas não têm dinheito social de que o Brasil necessita. Como financiar uma ampla ação ro para cnar emprego e investir em gendo Estado que resolva nosso atraso te. Essas políticas me deixam perplexo. Há algo errado em um país que subsidia social? Furtado: Antigamente, o setor pú- a instalação de tantas montadoras de blico investia pelo menos 5% do PIB e automóveis. Na Europa, dificilmente financiava boa parte desse esforço com existem mais de duas no mesmo país. Aqui, querem atrair dez na base do fainflação. Esse mecanismo de financiavor que podem estimular que amanhã mento era muito barato mais hoje há consenso de que não devemos depender dele essas empresas sejam abandonadas com e precisamos fazer uma reforma fiscal facilidade pelas suas matrizes pois elas são muito baratas. Se sua implantação pois só a mudança na base tributária poderá substituir o papel da inflação e viabi- não custa nada, abandoná-las também lizar a retomada do crescimento com não custará nada. Usar o dinheiro públirelativa estabilidade no sistema de pre- co para fazer isso não é capitalismo, é D ços. Ou muda completamente o perfil de banditismo. distribuição de renda ou usa meios fiscais. Hoje, não temos nem uma coisa A VENDA NO CPV nem outra. Nos recusamos a fazer uma reforma fiscal pois as classes médias e altas estão doutrinadas a não pagar impostos mesmo quando nossas classes ricas pagam os menores impostos do munEDUCÂÇÂÍ do. Além de modesta, a carga fiscal no Brasil é muito mal distribuída e concentrada sobre certos setores. Como pensar a continuidade de um processo de construção nacional? Furtado: Toda a nossa política econômica deveria olhar para o crescimento do mercado interno que é a forma de pensar na população. Pensar em mercado interno é pensar nos salários, por Neolíberalísmo, exemplo. Nosso desenvolvimento tem Qualidade Total e que privilegiar as necessidades do país. Educação A inserção internacional é importante por Preço: 17,00 muitos motivos e pode completar nosso MKfM 'Lavar as mãos do conflito entre os poderosos e os fracos não é ser neutro, mas sim ficar do lado dos poderosos" Quinzena N0 255 - 31/07/97 22 Economia SINDASPP - Curitiba, Julho/97 - N" 54 A dívida externa na América Latina Brasil é líder absoluto O nosso país continua na lideran ça com a maior divida externa em dólar na América Latina, informou recentemente o Instituto de Finanças Internacionais (FIF), que representa 250 bancos privados internacionais. Isto faz com que a América Latina como um todo, continue também sendo a região mais endividada do mundo, embora a carga do serviço da divida tenha dinunuido graças ao aumento das exportações. A relação da divida externa/exportações latina, que era de 300% em IWO, baixou para 217% no final de 1Q%. Os paises com o fardo mais pesado além do Brasil (330%) é o Peru (405%) e a Argentina (334%). O México vem logo atrás do Brasil, ocupando o segundo lugar de pais mais endividado, mas o recente aumento de suas exportações fez baixar sua relação da divida/exportações para 152% contra os 330% do Brasil. A divida externa total das 29 maiores economias em desenvolvimento - entre elas nove da América Latina - aumentou de 1,63 trilhão de dólares em 1QQ5 para 1,72 trilhão em 19%, segundo informações do setor bancário internacional. Para o conjunto desses 29 paises a relação divida extema/exportações baixou de 140% em IQQSa 137% em 1QQ6. Uma década atrás, antes de a maioria se beneficiar das reduções permitidas pelo Plano Brady, a relação era de quase 280%. O total da divida externa da Ásia subiu em 1°)% para 671 bilhões e a relação divida/exportações foi para 104%. A índia é o único pais asiático que repete os índices "latino-americanos" pois com 100 bilhões de divida sua relação dívida/ exportações é de 217%. So para lembrar; esta relação divida/exportação no Brasil é de 330°o. Não é atoa que somos conhecidos por Bilindia - mistura de Bélgica com a Índia. Ou país dos que não comem e dos que não dormem "1 A VENDA NO CPV s...Míic. \LLSMO F. F< >Ü TH ■;A > mi** mm i^mr Itom üCOtnfi Rorírkjun * MPffP Preço: 23,OO Preço: 9,80 Preço: 7,50 'Lavar as mãos do conflito entre os poderosos e os fracos não é ser neutro, mas sim ficar do lado dos poderosos" Quinzena N0 255-31/07/97 Curtas Referendo para a reeleição 0 senador Pedro Snnon (PMDB-RS) esta convicto de que o referendo é a única maneira de "descontaminar o processo de votação que aprovou a emenda da reeleição" Num discurso que lotou as galerias e o plenário do Senado em 4 de junho, o senador gancho, que foi lider do governo do ex-presidente itamar Franco, disse que "diante das denuncias sobre a compra de votos de alguns deputados em favor da emenda, o referendo legitimaria o desejo do presidente Fernando Henrique de se reeleger" Simon se ausentou da votação em favor da emenda, apesar da promessa feita por lideres govemistas no Senado de que o presidente da Republica mandaria uma carta propondo o referendo A emenda já esta em vigor e FHC negou ter a intenção de propor o referendo, porque seria "inconstitucional", afirmando ainda que esta proposta deveria sair do próprio Congresso, ♦♦♦ Itamar o dilema da candidatura O presidente Fernando Henrique não foi a Nova Iorque apenas para falar sobre meio ambiente na ONU \a verdade, o seu objetivo principal era convencer Itamar Franco a desistir de concorrer a presidência da Republica e oferecer apoio a candidatura de itamar ao governo de Minas Gerais, tirando do pareô o atual governador Itamar deu respostas contraditórias: fica honrado em ser candidato em Minas, mas disse que não desistiu da "eventual candidatura" a presidência Os amigos mais próximos de Itamar acham que ele quer mesmo e a candidatura a presidência Na verdade, esse dilema so será resolvido com a próxima vinda do ex-presidente ao Brasil ♦♦♦ Cultura de extermínio Três mendigos foram queimados nas ruas do Rio de Janeiro desde março O numero de casos no pais sobe a pelo menos 20. Nacional 23 Revés do Avesso - Junho de 1997 - N0 6 Os movimentos sociais e o fracasso neo liberal Contra a rigidez do modelo político-econômico neoliberaly despontam em todos os cantos da terra movimentos sociais que anunciam uma nova aurora. iiJfliiid /■ Oliveira Vivemos um momento histórico complexo, caracterizado por mudanças polêmicas e perturbadoras ocorridas no quadro político econômico mundial com a implantação de maneira totalitária e globalizante do modelo politico-econòmico neoliberal Tais mudanças são polêmicas porquanto realizadas de maneira não consensual. Daí ocorrem analises ate certo ponto maniqueistas. onde todo esforço de reflexão parece estar aprisionado na inflexível alternativa apresentada de forma dicotômica entre pnvatizar ou estatizar. mercado ou Estado O caminho de um outro modo de organização social fugindo aos extremos parece estar, ao menos por enquanto, fora de cogitação Por outro lado. tais mudanças são perturbadoras devido ao crescente aumento dos bolsões de pobreza e miséria nos países onde tal modelo político-econômico ja vigora ou se encontra em franco processo de implantação, como e o caso do Brasil Na década de IQ80, com Ronald Reagan a frente da Presidência dos Estados Unidos e a Dama de Ferro, Margareth Thatcher, como prímena-mimstra britânica, o neoliberalismoconquistou oficialmente o poder político A política neoliberal adquiriu força ideológica e difusão mundial com as teses do Consenso de Washington, que consistem na elaboração, pelo Governo americano, o FMI e o Banco Mundial, de toda uma estratégia de uniformização e estabilização das economias dos países considerados periféricos, tendo como objetivos fundamentais a pravalência e livre atuação das forças de mercado em detrimento do Estado intervencionista de bemestar social; a privatização das empresas estatais, incluindo as empresas con- sideradas estategicas: telecomunicações, petrolíferas, mineradoras. energéticas etc : o fim das barreiras alfandegárias. visando à abertura da economia interna de um pais e sua integração mais intensa no mercado mundial; o desmantelamento das organizações sindicais e de todos os organismos e instituições capazes de enfrentar a pretensa autoregulação do mercado. O modo de produção capitalista em sua face neoliberal tem sido proclamado por alguns ideólogos como o sistema político-econômico por excelência Esta pretensão de hegemonia e globahsmo mundial do capitalismo de mercado e traduzida, em todo seu tnunfalismo. na tese do ideólogo Franz Fukuyama, que anuncia o fim da Historia com o capitalismo neoliberal Com o desmoronamento do socialismo real da União Soviética e dos países que compunham o mundo socialista no leste europeu, o capitalismo neoliberal apresenta-se insuperável como modelo político-econômico Parece, realmente, para muitos intelectuais, organizações populares, lideranças políticas, que o neoliberalismo impôs a rendição, o fim das resistências, a morte das utopias, por fim o desespero e o desencanto frente a uma transformação social radical Excetuando-se a pequena ilha cubana, que sob a liderança do guerrilheiro e revolucionário Fidel Castro, persevera, contra todo o poderio de embargos econômicos impostos pela Metrcpoteneolberaleas^/ geneiis China "comunista", com sua dinâmica e crescaite economia (para citar apenas os dois países de maior repercussão mundial), a liberdade centrada em um mundo de perpetuo consumo idolatrada e apregoada pela globalização neolíberal mostra-se imbatível As relações sociais, em um "Lavar as mãos do conflito entre os poderosos e os fracos não é ser neutro, mas sim ficar do lado dos poderosos" Quinzena N0 255 - 31/07/97 mundo que cultua a mercadoria e vive da constante produção do supérfluo, apresentam-se extremamente fetichizadas. A pseudo-liberdade de consumo é algo que fascina. Há, porém, um dado que depõe contra a preeminència do modelo políticoeconômico neoliberal: o crescente número de miseráveis e excluídos das benesses proporcionadas pela detenção dos bens de produção e consumo. A liberdade alardeada pelo neoliberalismo revela sua face mais perversa e iníqua: o mercado, mesmo com grande opulência, só comporta uma minoria, e as pessoas sem expressão de consumo são consideradas descartáveis, como um produto que não da lucro. Com a mesma velocidade que o capitalismo de mercado produz riquezas e bens de consumo, ele produz também miséria e exclusão em larga escala No Brasil, são 32 milhões (dados de IQQS) os que se defrontam, diariamente, com o problema da fome; todos os dias morrem 800 crianças no país. Porém, este quadro lastimável não está restrito somente às economias de países periféricos como Brasil. No Reino Unido (l P8Q), 400 mil pessoas foram classificadas como sem teto e em Nova York (IQQS), 23 mil homens e mulheres dormiam na rua Além disso, o desemprego estrutural é alarmante em todo o mundo. Se realmente expiraram as alternativas, mesmo as utópicas, e chegamos ao fim da história com o capitalismo neoliberal, então os pobres foram definitivamente vencidos e só lhes resta deixarem-se conduzir ao bel-prazer do mercado até perecerem totalmente... No entanto, contrariando as certezas dos ideólogos do neoliberalismo, a história é dinâmica, todos os acontecimentos (até mesmo o homem, seu coipor e pensamentos) são construídos historicamente. Nada escapa á história. A critica que Karl Marx faz aos economistas clássicos pode ser dirigida perfeitamente ao ideólogo Franz Fukuyama e a todos os que, como ele, defendem que chegamos ao fim da história. Marx coloca que "Os economistas têm uma singular maneira de proceder. Não existem para eles, senão dois tipos de instituições, as da arte e as da natureza. As instituições do feudalismo são instituições artificiais, as da burguesia são instituições naturais. Nis- 24 so parecem-se com os teólogos, que também estabelecem dois tipos de religião. Qualquer religião que não seja a sua é uma invenção dos homens, enquanto a sua própria religião é uma emanação de Deus. Ao dizer que as relações atuais as relações de produção burguesa - são naturais, os economistas dão a entender que é nessas relações que se cria a riqueza e se desenvolvem as forças produtivas de acordo com as leis da natureza. Portanto, essas relações são, elas próprias, leis naturais independentes da influência do tempo. São leis eternas que devem reger sempre a sociedade. Assim, houve história, mas já não há Houve história porque existiram instituições feudais e porque nessas instituições feudais se encontram relações de produção completamente diferentes das da sociedade burguesa que os economistas querem fazer passar por naturais e; eternas" E em meio a situações extremas que; os gritos de libertação se elevam comi maior contundência. Quando as contradições sociais se apresentam de maneira mais nítida, a ostentação e opulência pisoteando a miséria e a exclusão de maneira vergonhosa, ínsaisata e insuportável, acirram-se os anseios dos degradados e expropríados por profundas transformações sociais. Em tempos de política econômica neoliberal, embora o aparato coercitivo ideológico busque caracterizar a miséria e a exclusão como aspectos naturais presentes em toda estrutura social, emergem movimentos sociais que questionam tal naturalidade e colocam em xeque a ordem estabelecida Esta insurgência derruba, de maneira concreta, a tese que proclama o fim da história e a morte das resistências utópicas A partir destes movimentos é possível acreditar, contra toda desesperança, no porvir No mundo todo, e em especial nos países latino-americanos, despontam inumeráveis movimentos sem medo, dispostos até ao martírio. Seus membros, espoliados, não têm mais nada a perder e nutrem a esperança de conquistar a dignidade de viver como seres humanos. Eles ousam se organizar e se levantar contra o "status quo" social. No Brasil, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) é o Nacional que mais vem causando temor e tremor nas classes detentoras do poder político e econômico. Este movimento tem alcançado repercussão internacional ocupando latifúndios improdutivos, acendaido o debate acerca da estrutura fundiária do país. A ação do MST tem despertado especial atenção, pois, composto em sua maioria por camponeses que foram obrigados a deixar suas terras o movimento carrega o germe de uma proposta profundamente revol ucí oná ri a Diante do quadro histórico e das expectativas e anseios que giram em tomo da prática deste movimento, surgem questões e reflexões que parecem fundamentais. E necessário analisarmos com clareza quais são as motivações últimas do MST; se é um movimento de cunho reivindicatóno e reformista ou se é um movimento dedicado e comprometido com transformações profundas da estrutura agrária. Seu alcance revolucionário romperia de forma radical com toda estrutura vivente, sem acomodar-se com pequenas mudanças e reformas:1 A sua organização não se inspira ainda nos moldes estruturais profundamente hierarquizados das organizações e instituições que historicamente estiveram a serviço das classes dominantes0 Os meios coercitivos e ideológicos consagrados pela estrutura capitalista não servem para um organismo revolucionário que esteja empenhado na construção de uma nova concepção de sociedade, pois são instrumentos viciados e estruturalmente proporcionam a corrupção E importante destacar que o MST não é o único movimento atuante no pais: há o Movimento Negro, o Movimento indígena, o Movimento Feminista, o Movimento dos Sem-Teto etc. Estes diversos movimentos sociais, avessos a reformas paliativas, servem á mesma causa revolucionária Na verdade, revelam facetas de uma mesma luta, que só terminará com a derrocada e a superação do modelo neoliberal. Despontando em todos os cantos da terra, esses movimentos anunciam uma nova aurora. Talvez, parafraseando a frase final do "Manifesto", é-nos permitido dizer: "Movimentos sociais do inundo todo: uni-vos"! "1 "Lavar as mãos do conflito entre os poderosos e os fracos não é ser neutro, mas sim ficar do lado dos poderosos" Quinzena N0 255 - 31/07/97 25 Nacional 0 Em Tempo - Julho 1997 - N 294 Rumo ao 11° Encontro O PTprecisa de democracia, renovando a maneira defuncionar, e de coesão para se travar a disputa política Joaquim Soriano Após a realização dos encontros de base do PT, neste ano de renovação das direções partidárias em todos os níveis, o partido sofreu uni dos maiores ataques por parte da midia de sua história. Agora o partido se encaminha para os encontros estaduais e finalmente o nacional Até a campanha presidencial de 1989 o PT viveu num ciclo ascendente de lutas sociais e políticas que lhe dava energia e o configurava como o partido capaz de, junto com os movimentos sociais, apresentar uma perspectiva de futuro para o pais. O núcleo dirigente central do PT dispunha de uma enorme legitimidade histórica. Em 1903. no 8o Encontro Nacional, expressou-se uma alteração na correlação de forças tradicional no PT - uma tradição de 13 anos, mas vivida muito intensamente. Uma parte da corrente majoritária se desloca e compõe com as correntes minoritárias uma nova maioria. Lula continua como presidente Mudou a maioria porque perdeu aàpolnica. Queria uma composição com a centro-esquerda para a disputa presidencial de i 994 O centro era o PSDB que segundo a resolução do 8o Encontro ainda estava em ilispula. O 9o Encontro (1994) foi uma grande festa, muito unitária, para aprovar um programa de governo e muitos imaginavam um tapete vermelho que ligava aquele ato ao Palácio do Planalto, embalados que estávamos pelo impeachmenl de Collor e pelos altos Índices de intenção de voto que as pesquisas demonstravam a favor de Lula. Em 1995, no 10o Encontro, já depois da vitoria de FHC, José Dirceu foi eleito Presidente Nacional do PT. A antiga maioria voltou a ser maioria. Uma parte do deslocamento de 1993 se aglutinou novamente. A maioria formada no 8o Encontro perdeu por pouco Mas perdeu porque tinha sofrido uma derrota política anterior. A derrota de 1994. Não so porque Lula não é o Presidente da Republica, mas porque a campanha presidencial não foi conduzida pelo conjunto de idéias que conformaram a maioria do 8o Encontro A maioria de então não organizou força suficiente para dirigir a campanha de 1994 e foi ai derrotada. A preparação do 11° Encontro A maioria formada no 10o Encontro se organizou em torno de algumas idéias e a principal delas, era dar governabilidade ao PT. Minimizar as disputas internas, reformar os estatutos do partido, aplicar uma política de alianças amplas para vencer as eleições de 1996, valorizar o "Modo Petista de Governar", apareceram como eixos centrais de sua plataforma. Além disso esta direção conviveria, pela primeira vez, com as experiências de governo no Espirito Santo e no Distrito Federal. Um primeiro olhar retrospectivo demonstra que a direção eleita no 10o Encontro foi derrotada em seus principais objetivos. Em São Paulo onde o campo majoritário dirige a mais tempo e de forma mais abrangente o partido, se colheu o resultado eleitoral mais desastroso: PT perdeu todas as prefeituras que governava. A tristemente famosa campanha do "PT que diz sim" foi de Luiza Erundina que era da Executiva Nacional. O vice, Mercadante, também do campo majoritário se opôs ao dito "sim". No 2o turno FHC apareceu no horário gratuito do PT. Outro desastre. Que governabilidade'1 De quem cobrar responsabilidade'7 Só do coordenador de propaganda da campanha, Pedro Dalari, que deixou o partido? A relação do governador do Espirito Santo com o partido é critica A bancada estadual do PT considera que o governador encaminha uma política contrária ao programa que o elegeu. O Diretório Nacional apela para que o governador se alinhe com o programa partidário, com a base social democrática e popular e que rompa com o governo FHC Que governabilidade e que "Modo Petista de Governar'"7 As disputas internas nunca foram tão acentuadas. Além da campanha do "Sim", vale registrar o conflito aberto pela maioria contra a campanha do PT no Rio de Janeiro e a favor de Miro Teixeira e a pressão pela coligação com o PSB em Recife, contando com a renúncia do candidato vitorioso nas prévias internas. Resultado; Chico Alencar no Rio e João Paulo em Recife fizeram quatro vezes mais votos que Miro Teixeira do PDT e Roberto Freire do PPS (apoiado pelo governador Arraes). Durante um ano e meio a Executiva Nacional só representou o campo majoritário. Esta maioria desaprendeu a conviver com a pluralidade. Fortaleceu a idéia de que.vfonhapode tudo. Isto é muito ruim para a democracia partidária. Aliados da maioria da Direção Nacional, porém minoria em seus estados, ousam atitudes fracionais nunca antes vistas no PT. "O PT amplo" do RS convoca entrevista coletiva de imprensa e ganha uma página da Zero Hora. "O PT de cara nova" em Recife convoca pela TV, com várias inserções diárias, inclusive durante o Jornal Nacional da Globo, para votar na sua chapa nos encontros zonais. E a regulamentação do direito de tendência? E o abuso do poder econômico na disputa interna? Filiações em massa e despolitizadas às vésperas dos encontros de base, urna aberta o dia inteiro para votar, nenhum debate interno, alguns pagando para muitos. Este foi o método consagrado em Diadema nos últimos anos. O Regulamento que a maioria aprovou para os Encontros de 1997 estimula a generalização do modelo. É um desastre! Uma nova direção A atual maioria pensa em prosseguir na contra-reforma organizativa do partido Velhas teses que surgiram á época do 1° Congresso, como a "eleição direta" para as direções do partido, restrições ao direito de tendências e questionamento á proporcionalidade circulam num documento assinado pela "Unidade na Luta" e "Democracia Radical". Ao contrário do que anuncia a Articulação, o PT precisa de uma profunda reafirmação democrática, renovando a maneira de funcionar intenianiente e a maneira de se colocar na disputa política da sociedade. liiternamente isto significa o respeito à diversidade que nos caracteriza, tanto do ponto de vista vertical, com a proporcionalidade e o direito de tendências, como horizontal, garantindo a organização de base, efetivamente enraizada nos setores sociais explorados e oprimidos, que animem suas lutas e façam valer sua voz e voto nas instâncias dirigentes do partido Na atuação na sociedade, o PT precisa retomar a coesão programática, sintetizada na boa fórmula da "compreensão comum dos acontecimentos e das tarefas", realizada ao valorizar a sua identidade como partido singular pela base social que busca representar e pelo projeto de transformação radical que quer implementar. 100% à esquerda! □ Joaquim Soriano, é secretário Geral do PT "Lavar as mãos do conflito entre os poderosos e os fracos não é ser neutro, mas sim ficar do lado dos poderosos" Quinzena N0 255 - 31/07/97 26 Nacional O Estado de São Paulo - 04/08/97 "Não somos contra a globalização" Lula assegura que o PT critica o fato de ela servir mais ao capital do que ao trabalho Poito Alegre - O PT não é contra a globalização, apenas acha aque precisa resolver também os problemas sociais. Esta é a opinião do presidente de honra do partido, Luiz Inácio Lula da Silva.. o nome mais cotado hoje na esquerda para enfrentar o presidente Fernando Henri-que Cardoso nas próximas eleições. "Cabe a nós apresentar propostas para que a globalização se preocupe com o social", afirma Lula Embora assuma a candidatura, o lider petista se recusa a apontar outro nome e fala como candidato Diz que não vai reverter as privatizações, sugere a criação de políticas para gerar empregos e promete cobrar imposto dos mais ricos Antes disso, porém. Lula quer convencer o PT da necessidade de uma ampla aliança para 1008 "Temos de ter sensibilidade para criar um bloco capaz de enfrentar o bloco hegemônico do Fernando Henrique", propõe Estado -Aqui sefalou sobre os males da globalização da economia, mas ela está ai. Como a esquerda irá conviver ou tirar proveito do fenômeno? Lula - Não somos contra a globaliza- ção Não concordamos e com o fato dela estar servindo apenas aos interesses do capital e a uma maior concentração de rendas É preciso pensar a globalização também do ponto de vista social, numa divisão mais justa da riqueza A globaliza-ção resolve o problema do capital mas não o do trabalho Cabe a nós apresentar propostas para que a globalização se preocupe com o social Estado - O que sugere? Lula - A criação de um Estado nacional, com uma política industrial, agrícola, de reforma agrária. Uma política que satisfaça a maioria da população e não apenas aqueles que participam da divisão da riqueza. E preciso também definir bem o caráter desse Estado Estaüü - Um governo de esquerda reverteria as privatizações e reestatizaria o que Já foi privatizado? Lula - Ninguém com senso de responsabilidade assumiria um compromisso desse, ate porque não haveria dinheiro e há outras prioridades O que poderia se feito é impedir que o setor privado tenha o controle absoluto de empresas estratégicas. Estado - Como presidente, que política adotaria para gerar novos empregos? Lula - Criaria uma política especial para a pequena e média empresa do setor da agro- indústria Criaria centros de desenvolvimento regionais nesse setor, aceleraria a reforma agraria e investiria em saneamento básico, habitação, saiide pública e educação São todos setores que geram empregos rapidamente Criaria uma política industrial, com juros mais baixos para pequenos investimentos. E fortaleceria a industria de bens de consumo popular. Estado - Mas como conseguiria dinheiro se o Estado não tem recursos? Lula - Ouvimos a toda hora essa cantilena O dinheiro sempre aparece quando c para sustentar o sistema financeiro, manter de pe bancos quebrados e financiar instalação de industrias automobilísticas, que criarão poucos empregos Além do mais. poderia conseguir recursos fazendo com que os ricos paguem impostos Estado -/l esquerda estaria procurando meios de melhor gerenciar o capitalismo? Lula - E ate possível que. no primeiro momento, seja isso mesmo Transformar o capitalismo numa coisa menos maquiavélica O rotulo que irão colocar não importa. O importante e garantir melhor qualidade de vida para o povo Estado - O ex-prefeito do Rio Saturnino Braga disse que a esquerda deveria também adotar o slogan "inflação nunca mais" e procurar políticas alternativas de desenvolvimento. O que você acha disso? Lula - Concordo Temos de resolver é como fazer a economia voltar a crescer para gerar riqueza. Não temos de ficar agarrados ao passado, como faz Fernando Henrique com o Real Ok. a inflação esta domada. E agora'' O que fazer para mantê-la baixa e gerar os empregos necessários'1 Estado - Mas o governo tem um projeto de desenvolvimento baseado em investimentos estrangeiros porque não há no Brasil o dinheiro necessário? Lula - Investimentos externos e dependência do capital estrangeiro não produziram desenvolv imento na Argentina, no México, e nem estão produzindo no Brasil, pelo contrario. Estado - E correto estarmos discutindo as eleições de 199S. quando há tantos e tão sérios problemas para serem resolvidos? Lula - E errado Nós só estamos com as eleições antecipadas por causa do presidente. Não gostaria de estar discutindo eleição e sim a reforma agrána, a reforma tributaria. Mas o presidente, que tem mais vocação para im- perador do que chefe de Estado, antecipou o processo Estado - Você fala numa ampliação do leque da esquerda para disputar as eleições. Como se daria essa aliança? Lula - Tenho defendido que o PT garanta a aliança com todos os partidos irmãos, de esquerda Que estendamos a mão para os setores de centro-esquerda do PMDB c PSDB que não concordam com a política neoliberal Temos figuras políticas importantes, como o i senador Roberto) Requiào, que poderiam participar Aprendi muito com um representante do Partido Comunista Francês, que me contou como foi feita a aliança com o Partido Socialista E nos podemos fazer o mesmo Temos de ter sensibilidade, no mínimo, para criar um bloco capaz de enfrentar o bloco hegemônico do Fernando Henrique Cardoso Estado - Essa é uma proposta do PT? Lula- Não. e uma proposta mmha \o PT nem tudo e um mar de rosas, ha problemas. mas estou trabalhando a idéia para apresenta-la no encontro nacional (entre 11 de agosto e 2 de setembro) Estado - Eo PT abriria mão de candidatos em Estados importantes como Rio de Janeiro e São Paulo? Lula - A aliança não pressupõe a hegemonia do PT e a imposição da sua política Se quisermos concessões dos outros partidos também teremos que fazer concessões Estado - Um membro da Executiva do Partido Socialista Brasileiro (PSB) disse aqui que esta è uma aliança desejável, mas que o PTfaz com que ela seja difícil. E assim mesmo? Lula- No PT temos dificuldade de fazer alianças E uma cultura política e uma conseqüência da nossa mililáncia Mas e preciso uma mudança, para que possamos formar uni bloco que poderia nos levar ao poder Estado - E você será mesmo o candidato do PT? Lula - Eu não gostaria de ser Ja fui candidato duas vezes e o que eu queria mesmo e sair pelo Brasil conversando e esclarecendo o povo sobre nossas propostas Mas querem que eu seja e acho que vou ter de tomar logo uma decisão Estado - Você teria um candidato preferido, para substituí-lo? Lula - Não! 1 (J.C.S.) "Lavar as mãos do conflito entre os poderosos e os fracos não é ser neutro, mas sim ficar do lado dos poderosos" Quinzena N0 255 - 31/07/97 Curtas Extermínio à americana O Estado norte-americano do Texas esta superando o Irã, o Iraque e a Arábia Saudita em numero mensal de execuções. Em abri! seis condenados foram mortos, em maio sete e em junho eram previstas 11 execuções. Só a China supera estes números, com 3.500 executados em I9Q6. ♦♦♦ Ditador eleito presidente na Bolívia O ex-ditador Hugo Banzer foi eleito pelo congresso do pais presidente da Bolívia. Na eleição direta no primeiro turno Banzer, da Ação Democrática Nacionalista teve 22,3% dos votos, contra 17,7% dados a Juan Carlos Duran, do Movimento Nacionalista Revolucionário. Ele teve o apoio do Movimento de Esquerda Revolucionária, do ex-presidente Jaime Paz Zamora. ♦♦♦ Novo golpe Constitucional O Congresso peruano demitiu três dos sete juizes do Tribunal Constitucional do Peru que consideraram que Fujimori não poderia se candidatar novamente á presidència O presidente do Tribunal renunciou. ♦♦♦ Cresce desigualdade no Chile O Instituto Nacional de Estatísticas do Chile (INE) divulgou uma pesquisa realizada no pais durante o último trimestre do ano passado que comprovou o aumento das desigualdades sociais Segundo o INE, nesse período, a população rica, que corresponde a 10% da população, fica com 40% da renda nacional. Isso demonstra o fracasso do atual modelo econômico implementado pelo governo chileno. ♦♦♦ Grupo de Tortura da ONU A revista italiana Panorama publicou fotos de soldados italianos das "forças de paz" da ONU que agiu na Somália em 1993 torturando um jovem Somali. 27 Internacional Inverta - 23 a 29/07/97 - N' 118 Entrevista com Oliverio Medina Membro da Comissão Internacional da FARC-EP (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia Exército do Povo) I - Como a FARC - EP vêem a luta revolucionária no mundo? OM - As FARC acreditam que hoje, mais do que nunca, a palavra de ordem "Proletários de todos os países, univos!" tem uma vigência muito preponderante e cada povo deve fazer sua própria experiência de luta política. A Revolução não é uma palavra morta. A Revolução é a parteira da dignidade, da independência, da auto-determinação e da soberania. I - Frente à queda do Leste Europeu, o que as FARC avaliam daquele processo? OM - Nós fizemos um estudo profundo do acontecido na ex-URSS e fizemos uma análise das posições revolucionárias, para ficarmos sendo mais revolucionários. Acreditamos que o Socialismo é uma realidade feita de esperança para a humanidade A experiência socialista, surgida em 1917, é só um farol, uma luz no processo da humanidade, não acabado. Porque a vida mesmo é Revolução E contra a vida, o imperialismo cria a fome Contra a vida, o imperialismo cria a miséria Contra a vida dos povos, o imperialismo cria exploração e essas coisas matam a vida. O Socialismo é um instrumento político, um meio político para fazer a vida sem exploração, com emprego, dignidade e esperança. Ou seja, o imperialismo só garante a morte. O Socialismo é a garantia de justiça social e econômica. E é em face da luta dos povos, em suas diversas manifestações, seu meio para a libertação. Os direitos não se mendigam, não se pedem, não se imploram ao imperialismo. Os direitos se conquistam na luta antümperíalista. Os povos pobres da Amênca Latina não precisam de amo, precisam de Revolução. O amo é o imperialismo norte-amencano. I - Como você vê a organização do movimento revolucionário em todo o mundo? OM - Hoje estão acontecendo coisas não previstas por ninguém e só o Marxismo tem a explicação correta, ninguém mais. Nem a religião, nem as seitas evangélicas, nem a teoria neoliberal, só o Marxismo. O Marxismo está sendo estudado nos círculos acadêmicos mais importantes do mundo, inclusive os círculos acadêmicos dos Estados Unidos se encontram estudando o Marxismo, que se converteu em teoria universal. Os mais importantes economistas do mundo tem o Marxismo em sua cabeceira. A expenência prática do Socialismo caiu por erros e pela agressão impenalista. Mas o Marxismo cresce cada vez mais Por isso, todo revolucionáno que se respeita deve obngatoriamaite ser marxista Marxista como Che, como Fidel, como Farabundo, como Lênin, como Ho Chi Min. O Marxismo é o baluarte do Socialismo. Não são os homens individuais que fazem a história, mas os povos que em seus momaitos de gênesis geram o nome de seus libertadores. Os povos os produzem. Naihum povo reclama o imperialismo O imperialismo é um barco afundado e a humanidade não chora o fim do capitalismo e sim, festeja. I - Existe uma tendência à radicalização da luta política a nível internacional, como é o caso dos Zapatistas e o EPR no México, o Tupac Amaru e o Sendero no Peru, o resultado das eleições na Europa, em especial, na Inglaterra e na França. Como absorver as experiências atuais e interligá-las no processo de luta? OM - A FARC-EP pensa que é preciso fazer blocos regionais, incluindo as contradições e lutas do povo norte-americano. Acreditamos que esta luta é internacional e só pode ser articulada criando-se organismos internacionais que acreditem na articulação das lutas dos diversos povos. Nós estamos vivendo o momento de se fazer a nova ONU, não a ONU dos governos oligárquicos, mas 'Lavar as mãos do conflito entre os poderosos e os fracos não é ser neutro, mas sim ficar do lado dos poderosos" Quinzena N0 255-31/07/97 a dos povos do mundo que acreditem em uma nova ordem internacional. Cuba é o centro neste momento que espalha esta política. O exemplo é o Encontro dos Trabalhadores Latinoamericanos contra o Neoliberalismo. Há uma palavra de ordem para todos os esforços que estão sendo feitos nesta direção que é a unidade. Sem unidade não há vitória. \ - E a retomada da Internacional Comunista? OM - Sim. Mas devemos entaider que somos um novo e pequeno gênero humano, que tem que fazer sua independência, sua liberdade e seu desenvolvimento. Não o que querem os Estados Unidos Existem em nosso continente povos que vivem realidades muito especificas, como é o caso dos povos indígenas, que precisam ser respeitados em sua cultura e em seus direitos. Bolívar falou: os Estados Unidos parecem destinados pela providência a espalhar a miséria na América Latina. I - Qual é o papel da esquerda para a luta antiimperialista na América Latina? OM - E fazer a Revolução. Não há o que fazer. A esquerda precisa fazer Internacional 28 um trabalho mais consistente, mais concreto. Os sindicatos são nada diante da miséria. A luta sindical está perdendo os rumos da história. Então a luta deve ser a dos sem-terra, a dos sem-teto, dos sememprego, por isso a luta sindical precisa ganhar as mas. I - Como está o processo revolucionário na Colômbia? OM - As FARC-EP é o movimento guerrilheiro mais antigo da América Latina. Nossa luta é pelo poder político. Nossa luta encarna a busca, a procura do poder político, para com as armas nas mãos criar e fazer o novo Estado, as novas instituições socialistas. As FARC-EP é a unidade de todos os segmentos populares da sociedade civil da Colômbia. Não vamos negociar nossas armas Preferimos morrer no confronto. A dignidade de um povo não se negocia e nem se entrega à burguesia. Preferimos lutar cem anos que entregar a luta do nosso povo I - Neste ano em que se relembra em todo o mundo o brutal assassinato de Ernesto Che Guevara na Bolívia por grupos da reação e são prestadas as mais profundas homenagens ao guerrilheiro, que legado podemos extrair de sua experiência revolucionária? OM - O fuzil de Che está agora na Colômbia. O fuzil de Che não silenciou com a sua morte e vencerá. As pessoas lembram da figura de Che, mas esquecem seu fuzil. Che está conosco La Higuera foi para a Colômbia. I - Que mensagem as FARC gostariam de deixar aos brasileiros? OM - Encontrei muita receptividade do povo brasileiro, da intelectualidade e de personalidades Há desconhecimento da realidade da luta na Colômbia por paitedos brasileiros Aqui encontrei uma juventude muito simpática e receptiva. Nós somos permanentes estudiosos da realidade latino-americana e reconhecemos a importância e a peculiaridade do Brasil. Os revolucionários não pensam só em seu país. Todos dos povos estão fazendo a sua experiência, por isso ha que aprender, estudar e se informar Hoje os processos sociais estão muito mais dinâmicos e avançados O Terceiro Mundo se universalizou, esta na Europa e nos Estados Unidos Não existe nem primeiro nem segundo mundo, o que existe é o imperialismo e os povos que lutam contra tudo isto. "I Nação Brasil - Junho de 1997 - N0 100 Presente efuturo da China Ofalecimento do líder Deng-Xsiao-Ping e a reincorporação de Hong-Kong trazem à luz indagações e dúvidas sobre seu futuro Eduardo Serra1 Com seu 1 bilhão e 200 milhões de habitantes dos quais, segundo dados oficiais, 80 são pobres e taxas de crescimento da economia superiores a 9% anuais há mais de 15 anos: A economia continuará crescendo tão rapidamente? O que será das zonas econômicas especiais? A China seguirá sendo Socialista? O PCC se manterá no poder? Sob a liderança de Deng-XsiaoPing iniciou-se, em 1978, a política de desenvolvimento que vem sendo implantada desde então, e que tem por base a abertura econômica para o exterior, a criação das zonas econômicas especiais e a passagem do sistema de planejamento econômico centralizado para o "socialismo de mercado", com a introdução de nova legislação para regular as relações de propriedade e de trabalho, e redefinir as funçõs do Estado. O socialismo de mercado Segundo as autoridades chinesas, o país é e continuará sendo socialista, pois os meios de produção são, majoritariamente, de propriedade coletiva, a política social prevê as garantias básicas para os trabalhadores - saúde, educação, aposentadoria, investimentos em habitação, cultura e geração de empregos - e o controle político é exercido pela maioria da população, nas instâncias do poder popular. Os números referentes às proprie- dade industrial, por exemplo, em termos de valor da produção, em 1^95, apontavam para 14% referentes ao setor privado e individual, contra 38% provenientes de empresas coletivas e 48% do setor público. O desenvolvimento contínua sendo planejado, agora deforma indicativa (ou indireta, com incentivos e medidas indutivas) e com controle macroeconômico, mantendo o governo, no entanto, ação direta sobre áreas-chave da economia, como energia, transportes e dinâmica populacional, e também nas áreas sociais. A meta, para meados do próximo século, é de se atingir uma renda per capita de 4.000 dólares anuais. O país atravessa um rápido processo 'Lavar as mãos do conflito entre os poderosos e os fracos não é ser neutro, mas sim ficar do lado dos poderosos" Quinzena N0 255 - 31/07/97 29 Internacional de transformação, mas continua tendo a estabilidade de seu regime político (que locam para a China estão a crescente interessa a todos os atores internos, "polarização" - a coexistência de ricos uma forte base agrária No campo, a como o novo empresanado), conforme (com seus celulares e carros importaorganização social seda primordialmente por comunas, com poder popular elei- alegam os dirigentes do país, é certo que, dos) e pobres (um claro subproduto da por outro lado, as grandes potências não presaiça de estruturas capitalistas no to diretamente e propriedade coletiva vêem com bons olhos o surgimento de país), e "contaminação" de valores como sobre terras - com contratos familiares o consumismo, o individualismo, a busuma nova grande potência socialista. e empresas industriais, em sua jurisdição, No âmbito interno, as Conferèicias Con- ca do lucro e a alienação, hoje também convivendo com formas privadas de prosultivas - que reúnem o PCC e outras presentes, e em escala crescente, na priedade nos dois setores e nos serviços. agremiações do campo socialista e demo- vida chinesa. Modernização da economia No plano cultural, o confronto com A transformação das condições de crático -, são o grande fóaim de negociaos hábitos e valores ocidentais está ções para a constaição dos consaisos invida dos camponeses talvez dê o tom das espelhado, nas grandes cidades, em toda dispaisáveis para o desaivol vimaito do país. mudanças no campo: da casa de sapé a parte, seja na moda, na programação O PCC de antes da Revolução para a de alveda televisão ou nos outcloors, de propaO PCC, um partido forjado na luta naria simples dos anos 60, e dai para as ganda espalhados por toda a parte. contra o Imperialismo e a agressão armoradias de dois pavimentos de hoje, Crescimento de 6% ao ano com todo o conforto básico presente hoje mada do Japão, se esforça para manter Tudo indica que a China manterá sua base política no campo e se transem grande parte do território chinês. esse curso, nos próximos anos, mantenforma, taitando incorporar trabalhadores O crescimaito das cidades é acompado um ritmo de crescimento econômico urbanos e intelectuais e buscando novas nhado por um rápido processo de modernide cerca de 6% ao ano - ou seja: visanzação (ou "ocidentalização"), seja nos hábi- formas de atuação. do atingir, no ano 2.000, um PIB 4 veO estilo fechado e duro de governar, tos de vicia, seja no padrão de consumo. zes maior que o de 1QQI Com todas as a corrupção interna no partido e no goNas 52 zonas especiais (localizadas no críticas que possam ser feitas, com tolitoral que, por razões históncas, dispõe verno, alvo, hoje, de fortes campanhas de moralização, ações de expurgo e até dos os erros e desvios que possamos de mais infra-estrutura) é oferecida uma serie de vantagens para atrair investimen- de fuzilamentos -e a falta de renovação apontar, é certo que a experiência chitos pnvados de origem nacional e estran- de quadros operários e da juventude são nesa deve ser levada em conta numa geira Essas áreas respondem por grande alguns dos principais enfrentamentos do ótica socialista. Poisa China derrotou a agressão externa e a burguesia, consePCC nesse plano. parte do salto econômico chinês dos últiguiu alimentar seus I bilhão e 200 miA abertura econômica e cultural em mos 20 anos, e nelas é mantida uma taxacurso aponta, certamaite, para o suigiinai- lhões de habitantes, desenvolve-se rapição especifica da renda gerada, voltada damente e - em meio a sérios problemas to de novas formas de organização social para as provincias do interior, para a proe riscos - dá respostas concretas para e de participação política, o que se constimoção do desenvolvimaito igualitário entui, também, num grande e novo desafio suas necessidades, apontando para um tre as diferaites regiões do pais. futuro de progresso e bem-estar. "1 No terreno da política externa, a Chi- para o PCC e suas lideranças políticas. Os riscos de polarização na - após a reincorporação de HongEduardo Serra, é professor da UFRJ Entre os grandes desafios que se coKong prepara a de Macau -, estreita os laços culturais e econômicos com outros A História paises vizinhos e defende a reunificação 1962: Crise com a URSS - Após o rom1948: a Revolução - A construção do com Taywan (Formosa), no regime de pimento político com a URSS, no inicio dos Socialismo na China passou por distintas fa"dois sistemas, um só pais", conforme as anos 60 , alternaram-se períodos de predoses. Começou pela "Democracia Popular", inipalavras de Deng-Xsiao-Ping. mínio da chamada visão "técnica" ou ciada logo após a Revolução, onde as prioriA corrida aos mercados economi-cista e da vertente "vermelha" ou dades eram: a reconstnição do pais, destruído O governo chinês vem mantendo pela guerra contra o Japão, e a construção de esquerdista, como descrevem os documenuma posição de independência nas retos oficiais chineses. uma nova estrutura de poder de massas. 1964: Revolução cultural: Ofechamenlações internacionais, como demonsLogo após, e já com a declaração de seu to das relações políticas e econômicas com tram seus votos na ONU. Mas éno pla- caráter socialista, a China passaria a seguir, nos o exterior, a adoção de trajes únicos para a no comercial que, a China disputa com anos 50, o modelo de desenvolvimento econôpopulação (com três opções de cor), a mico da União Soviética, centrado na industriaagressivi-dade, mercados para seus proimplementação de uma campanha naciolização de base e de bens de capital, coletivização dutos e mantém constantes tensões conal de alfabetização com a mobilização de do campo e planejamento centralizado, mantenmerciais com os EUA, como na questodos os estudantes da escola secundária e do, no entanto, características próprias, como a tão das patentes da Universidade são exemplos das ações autonomia regional, o predomínio do poder poSe a ausência da possibilidade de um lítico popular sobre o comando "técnico" e a deste período, que, ao mesmo tempo que conflito armado em escala mundial e o manutenção de estruturas de propriedade pri- inspiraria romanticamente diversos moviquadro de multipolaridade nas relações vada dos meios de produção no campo e nas mentos revolucionários pelo mundo, criaria politicas internacionais são uma garantia cidades, em áreas como o pequeno comércio, grandes tensões e desequilíbrios sociais e políticos no plano interno. serviços e produção artesanal. para a abertura econômica chinesa e para 'Lavar as mãos do conflito entre os poderosos e os fracos não é ser neutro, mas sim ficar do lado dos poderosos" Quinzena N0 255 - 31/07/97 30 Internacional 0 Opinião Socialista - 18/07/97 a 30/07/1997 - N 38 Era uma vez um tigre chamado Tailândia José Marlins, economista e membro do Instituto de Bstudos Socialistas Existe trabalho-escravo na Tailândia9 Talvez um pouco mais que no Brasil, talvez um pouco menos. Mas são outras semelhanças entre essas duas economias que têm preocupado o governo e os economistas brasileiros Até alguns meses atrás, aquele "tigre asiático" de última geração estava entre as economias com as maiores taxas de crescimento do mundo. Foi justamente essa jóia da modernidade globalizada que acabou de explodir. Aconteceu no dia 2 dejulho, com sua moeda nacional voando em pedaços. Mas vejam o que dizia o Relatório do Banco Mundial de 1Q%: "A Tailândia experimentou três décadas de impressionante desenvolvimento econômico. A pobreza foi reduzida de 57%, no fim dos anos 60 para menos de 20% atualmente. Outros indicadores sociais, como a segurança alimentar, educação, mortalidade infantil e expectativa de vida, foram sensn-elmente melhorados. Adotando uma estratégia de abertura econômica fa\'orá\>el ao investimento externo e uma consistente administração macroeconômica e fiscal, a Tailândia evoluiu de uma economia agrária para uma economia industrializada de exportação intensiva, com diversificada ath'idade econômica e de emprego, uma das economias com o mais rápido crescimento econômico do mundo. A estrutura da economia tailandesa mudou considera\'elmente nos últimos quinze anos. Em 1979, a agricultura empregcn^a mais de dois terços da força-de-trabalho e participava com mais de 25% do Produto Interno Bruto (PIB), frente a 20% das manufaturas. Atualmente, a agricultura contabiliza menos de 10% do PIB, encpianto a participação da indústria passa dos 30% (...). O programa de estabilização foi um sucesso e a economia floresceu. O setor industrial - cujas exportações cresceram de 35%) para 80% do total das mercadorias exportadas - é agora o maior dentro da ASEAN. As exportações de bens manufaturados evoluíram de 25%) do PIB, em I9S0, para mais de 40% em 1994". {Relatório do Banco Mundial de 1996). A Tailândia se localiza no coração da conturbada Indochina, a nordeste da índia e ao sul da China. Com uma população de 60 milhões de habitantes e área de 513 mil quilômetros quadrados, representa uma economia de came e osso. Mas o que levou a essa crise tailandesa? Não se trata de uma simples crise econômica nacional. Muito menos de meros desiquilíbrios macro-econômicos Trata-se da mesma crise de super-produção de capital que durante todo o último ciclo econômico (IQQI-Q?) vem emperrando a retomada do crescimento do Japão e da Coréia do Sul, as duas principais economias asiáticas Os sintomas desta crise se manifestam, por aiquanto, apaias na base do crescimento econômico das últimas décadas naquela área, nas exportações de mercadonas: "Os 13 países mais desenvolvidos da região presenciam a taxa de crescimento de suas exportações mergulhar de 20% em 1994 e 1995 para 4,8%) no ano passado", relata o Banco Asiático de Desenvolvimaito. A Tailândia foi a primeira a acusar esse golpe depressivo no comércio exterior. Desde maio de IQQS, suas exportações desabaram: de um crescimento anual de 24,3% a uma baixa de 0,1 % no ano passado Para financiar um crescente déficit em transações correntes, elevou-se a entrada de moeda externa naquela economia. Sua divida externa passou de US$ 65 bilhões, em 1Q95, para US$ 98 bilhões, no inicio deste ano. O problema é que essa dívida foi contraída principalmente pelas empresas privadas, que ficaram expostas a uma depreciação da moeda nacional, o que acabou se consumando no último dia 2. No dia 8 já chegava a noticia de que a Alphatec Electronics, fabricante de computadores, não conseguiu pagar a US$ 45 milhões devidos aos detentores de seus eurobônus, que venceram no dia 7 Se essa corrosão cambial não for imediatamente estancada, e todo o sistema industrial da Tailândia que entrara em falência Um mês antes da eclosão da crise tailandesa, o correspondente em Bangkok do jornal francês de negócios Les Echos já descrevia o que iria acontecer: "Os especuladores estão convencidos de cpie a moeda está supenalorizada e as autoridades financeiras dos países da região se inquietam com as fragilidades estruturais da economia. O modelo de desenvolvimento tailandês - caracterizado pela exploração de uma mão-de-obra barata e com fortes investimentos estrangeiros - teria atingido seus limites. Agora, a Tailândia é um dos primeiros países da região obrigados a rever sua cópia. Após os anos de euforia, o país ficou preso em um circulo vicioso. Na verdade, a Tailândia ainda não deu o salto para uma economia de valor agregado. Para 100 bilhões de baths de produtos elétricos exportados, 70 bilhões de componentes são importados. Paralelamente, as indústrias tradicionais, como a têxtil e a de calçados, muito lentas na modernização, não são mais capazes de resistir a concorrência da China ou do lietnã, cpie oferecem salários 6 a 7 vezes mais baratos" (Les Echos, 2/6/97). Em resumo: o modelo tailandês não tem diferenças estruturais com nenhum outro pais dominado, no atual quadro de globalização do capital A base da sua ilusória estabilidade é a dolarização; a da sua competitividade externa é a pobreza da sua população. Como no México e agora na Tailândia, a crise chegou primeiro para quem apostou com a moeda dos outros eccm amÍFFrHdaaapcp-i]ação. "Lavar as mãos do conflito entre os poderosos e os fracos não é ser neutro, mas sim ficar do lado dos poderosos" "1 Quinzena N0 255 - 31/07/97 31 Divulgação raça uma assinatura tíc €lJÊNZ£N/k e sanhe um livre. O SISTEMA SOVIÉTICO: Relato de Uma Polêmica Fernando Haddad, Editora Scntta O boletim QUINZENA tem como objetivo divulgar uma seleção do material informativo, analítico e opinativo, publicados na grande imprensa, imprensa partidária e alternativa e outras fontes de informação importantes existentes nos movimentos. Agora, fazendo uma assinatura você ganha um dos livros ao lado. 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As despesas de envio conem por Caderno na n0 4, PEDEX conta do CPV X »siis»«::.fs:í MINA DE MORRO VELHO: A Extração do Homem 1 Yvone de Souza Grossi, '~u ■ CPV SOBRE EDUCAÇÃO, POLÍTICA E SINDICALISMO Mauricio Tragtemberg, Editora Autores Associados/Cortez | ^^ : ADMINISTRAÇÃO, PODER E IDEOLOGIA Mauncio Tragtemberg, Editora Cortez O NEOLIBERALISMO: Ou O Mecanismo Para Fabricar Mais Pobres Entre Os Mais Pobres Cadernos Dívida Externa n0 3, PEDEX Ficha de Assinatura ( ) Anual R$ 50,00 ( ) Semestral R$ 25,00 ( ) Exterior - Anual US$ 120,00 ( ) Exterior - Semestral US$ 60,00 ( ) Trimestral R$ 15,00 Assinatura de Apoio: ( ) Semestral R$ 35,00 ( ) Anual R$ 70,00 Nome completo Endereço Bairro Cidade Estado Profissão/Categoria TRABALHO QUE FAZ NO MOVIMENTO: Assinatura: N0 C. Postal bloco Fone ( ).. Cep Apto. 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ACORDAI SEM MEDO DO SONO DA RAZÃO Vladimir Fernandes MEMÓRIA 107 anos da morte do revolucionário peruano José Carlos Mariátegui José Carlos Mariátegui nasceu em Moqueguá, Peru, em 1894, morreu em 16 de abril de 1930, data em que ficará para sempre como marco da vida de um escritor revolucionário que lutava não só contra as injustiças no Peru, mas em toda a América Latina e no mundo, de um verdadeiro revolucionário marxista que unia sua ação às palavras, que nenhum obstáculo desanimava ou fazia sair de seu rumo por um mundo melhor. Portanto nesta data dizemos bem alto: "Viva José Carlos Mariátegui, marxista revolucionário peruano e latino-americano". Honra à sua memória de lutador incansável contra o imperialismo e o neocolonialismo! "Lavar as mãos do conflito entre os poderosos e os fracos não é ser neutro, mas sim ficar do lado dos poderosos" Paulo Freire