INAPLICABILIDADE DA SÚMULA VINCULANTE N. 5
NOS PROCESSOS DISCIPLINARES NO ÂMBITO DA
POLÍCIA MILITAR DA BAHIA
Fabiano Samartin Fernandes*
O art. 103-A, da Constituição Federal, introduzido pela Emenda Constitucional n. 45/2004,
dispõe que o Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, aprovar súmula que terá
efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública.
A Lei n. 11.417/2006, regulamentando o art. 103-A da CF, estabeleceu que o enunciado da
súmula terá por objeto a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das
quais haja, entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública, controvérsia atual que
acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre idêntica questão.
Assim, a partir da entrada em vigor dessa lei, o ordenamento jurídico pátrio passou a ter a
possibilidade de súmula editada pelo Supremo Tribunal Federal que vincule o Poder Judiciário e a
administração pública.
No presente trabalho não se pretenderá discutir o tema súmula vinculante e o seu objeto, mas
o enunciado da súmula vinculante n. 5, aprovada em sessão plenária de 07 de maio de 2008, e as
conseqüências nos processos disciplinares em apuração no âmbito da Polícia Militar do Estado da
Bahia.
O enunciado da súmula vinculante n. 5 do STF dispõe que a falta de defesa técnica por
advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição.
Inicialmente, da simples leitura da súmula, percebe-se que os feitos disciplinares poderão ser
conduzidos por Comissão processante sem a presença de advogado e de defesa técnica. Perspectiva
errada, pois inquestionável a imprescindibilidade de defesa técnica, o que significa que a defesa
deverá ser elaborada por profissional com conhecimento jurídico suficiente para produzir provas e
contraprovas, utilizando todos os meios e recursos inerentes ao contraditório e a ampla defesa.
A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, inciso LV, quando trata dos princípios do
contraditório e da ampla defesa, de fato, não determina a obrigatoriedade de advogado em processos
judiciais e/ou administrativos, restringe-se, tão-somente, a assegurar aos acusados em geral o direito
de defender-se. Registre-se que, para a postulação em processos judiciais, o Estatuto da Advocacia
(Lei n. 8.906/1994) prevê a advocacia como atividade privativa, o que não acontece nos processos
administrativos.
* Advogado, Coordenador Jurídico da AGEPOL/CENAJUR, pós graduando em Ciências Criminais pela
JusPodivm/Unyahna e sócio do IBCCRIM
Dessa maneira, não pretendeu a Suprema Corte validar processos disciplinares sem defesa,
mas que a defesa técnica nesses processos não é exclusividade de advogado, podendo ser feita por
qualquer pessoa com conhecimento técnico, inclusive o próprio acusado.
A edição da súmula vinculante n. 5, precipuamente, visou conferir validade a lei que trata dos
processos administrativos disciplinares no âmbito da administração pública federal, a qual não obriga
a defesa técnica por advogado.
Assim, a Lei n. 8.112/1990, que dispõe sobre o servidor público federal, faculta ao acusado o
direito de acompanhar o processo pessoalmente ou por intermédio de procurador, e nos casos de revelia,
a autoridade instauradora designará um servidor como defensor dativo, que deverá ser ocupante de cargo
efetivo superior ou de mesmo nível, ou ter nível de escolaridade igual ou superior ao do acusado, o que
significa que a defesa deverá ser feita por quem tenha capacidade técnica para elaborá-la.
A Constituição do Estado da Bahia, em seu art. 4º, inciso VIII, aduz que toda pessoa tem
direito a advogado para defender-se em processo judicial ou administrativo, cabendo ao Estado
propiciar assistência gratuita aos necessitados, na forma da lei. Por esta norma, o acusado tem
direito a acompanhamento de advogado na sua defesa em processo administrativo.
Nos processos disciplinares apurados no âmbito da Polícia Militar do Estado da Bahia, o acusado
por infração administrativa, necessariamente, deverá ter defesa técnica por advogado, conforme se
verifica no art. 74, da Lei Estadual n. 7.990/2001 (Estatuto dos Policiais Militares da Bahia), que
dispõe que a defesa do acusado será promovida por advogado por ele constituído ou por
defensor público ou dativo. Trata-se, portanto, de norma específica, de plena validade e eficácia e
de aplicabilidade imediata, integral e direta, devendo ser respeitada por todos.
É cediço que súmula não revoga lei, mas as interpreta. Assim, os mais desavisados podem vir
a entender que a referida súmula revogou a lei estadual (Constituição do Estado da Bahia e Estatuto
dos Policiais Militares da Bahia), desobrigando a Comissão processante, ou até mesmo o encarregado
em processo disciplinar sumário, de instruir o feito investigatório com a presença de advogado,
entendimento este equivocado e ilegal.
Portanto, a súmula vinculante n. 5 do STF não se aplica nos processos disciplinares no âmbito
da Polícia Militar da Bahia, pois a Constituição do Estado da Bahia e o Estatuto dos Policiais Militares
da Bahia tornam obrigatória a presença de advogado na elaboração de defesa do acusado em processo
administrativo.
Ademais, por imposição legal, o presidente ou encarregado de processo disciplinar deve observar
preceitos éticos e cumprir e fazer cumprir as leis, os regulamentos, as instruções e as ordens das
autoridades competentes, nos termos do art. 39, inciso IV, da Lei Estadual n. 7.990/2001 (Estatuto
dos Policiais Militares), sob pena de ser responsabilizado civil, penal e administrativamente.
Por fim, o advogado é indispensável à administração da justiça, constituindo sua atividade em
serviço público com relevante função social. Sobre o exercício da advocacia, o ministro Álvaro
Moutinho Ribeiro da Costa, presidente do Supremo Tribunal Federal no período de 1963 a 1966,
escreveu em histórico acórdão, só uma luz nesta sombra, nesta treva, brilha intensa no seio dos
autos. É sua voz da defesa, a palavra candente do advogado, a sua lógica, a sua dedicação, o
seu cabedal de estudo, de análise e de dialética. Onde for ausente a sua palavra, não haverá
justiça, nem lei, nem liberdade, nem honra, nem vida.
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inaplicabilidade da súmula vinculante n. 5 nos processos