Com Luís Vicente no papel de Álvaro Cunhal Um dia os réus serão vocês: O julgamento de Álvaro Cunhal Em defesa da liberdade L uís Vicente interpreta Álvaro Cunhal no espectáculo Um dia os réus serão vocês: o julgamento de Álvaro Cunhal, uma criação da Companhia de Teatro de Almada – com dramaturgia de Rodrigo Francisco segundo uma ideia original de Joaquim Benite - baseado na defesa que o líder comunista apresentou para si próprio no tribunal que o julgou entre 2 e 9 de Maio de 1950, e que assinala o centenário do nascimento de Álvaro Cunhal (1913-2005). Preso pela PIDE a 23 de Março de 1949, o líder comunista recusou-se a prestar declarações sobre as suas actividades políticas, sendo barbaramente espancado pela polícia política. Após a condenação, esteve detido durante 11 anos, oito dos quais em regime de isolamento. Evade-se da fortaleza de Peniche em 1960, juntamente com outros oito presos políticos. Na sua defesa em tribunal, Álvaro Cunhal não poupou acusações relativas ao próprio processo de detenção, tendo ainda feito uma defesa que extravasou o seu caso particular, evocando a história inteira da resistência e das conquistas dos movimentos operários democráticos no Mundo de então. Atacando o regime em todas as suas frentes, Cunhal defendeu serem “os comunistas os verdadeiros defensores da independência nacional, combatentes infatigáveis contra a dominação estrangeira”, numa época em que se assistia à ascensão Depois de Timão de Atenas, Luís Vicente interpreta o histórico líder. da influência dos EUA na Europa e no Mundo: em 1949 Portugal torna-se membro fundador da NATO, adere ao plano Marshall e disponibiliza a Base das Lajes às forças armadas norteamericanas. O líder político alertou também para a repressão crescente aos comunistas portugueses, de formas cada vez mais violentas, constituindo matéria central nesta corajosa intervenção, na qual acusou a PIDE dos assassinatos de Militão Ribeiro, José Moreira Alfredo Lima e Carlos Pato, todos liquidados em 1950. Conhecendo como poucos a realidade em que vivia o povo português e a oposição de consciência que dedicava ao regime opressor, Cunhal reiterou a firme intenção de continuar a resistir, afirmando ser o Partido Comunista Português um partido que não seria vencido, tão pouco a sua causa. “Podem estar certos de que o dia virá em que a consideração de todos os crimes do fascismo ocorrerá num outro julgamento: haverá um dia em que os reús serão vocês” - assim terminou Álvaro Cunhal a sua defesa. Homenagem a todos, homens e mulheres, heróis anónimos que dedicaram as suas vidas à defesa da liberdade, muitos desaparecidos às mãos criminosas e jamais julgadas da PIDE, o espectáculo é um contributo para a preservação da memória da resistência anti-fascista que colaborou para a queda do regime deposto em 1974. 25, 26, 27 e 28 de abril Qui a Sáb às 21h30, Dom às 16h00 SALA PRINCIPAL M/12 O TMJB organiza transportes colectivos para grupos de mais de 20 pessoas. Contactos: João Farraia: 93 801 75 71 | Telf.: 21 273 93 60 | www.ctalmada.pt | [email protected] Morada: Av. Prof. Egas Moniz - Almada Um dia os réus serão vocês: O julgamento de Álvaro Cunhal Á lvaro Cunhal nasceu em Coimbra em 10 de Novembro de 1913. Ao longo de mais de sete décadas de luta, nos diversos períodos da sua vida, sempre agiu de forma consequente e determinada. Iniciou a sua actividade revolucionária quando estudante na Faculdade de Direito de Lisboa, participou no movimento associativo estudantil, tendo sido eleito em 1934 como o representante dos estudantes no Senado Universitário. Foi militante da Federação das Juventudes Comunistas Portuguesas (FJCP) sendo eleito seu secretário-geral em 1935. Membro do Partido Comunista Português desde 1931, a partir de 1935 passou a integrar o quadro de militantes clandestinos. É preso neste período duas vezes, em 1937 e em 1940. Participa na reorganização do PCP, em 1940/41, e é membro do Secretariado de 1942 a 1949, período durante o qual dá uma contribuição decisiva na actividade e definição da orientação e identidade do Partido que faz do PCP um Partido profundamente enraizado na classe operária e nos trabalhadores, com forte influência na intelectualidade e na juventude, grande partido nacional e dirigente da luta antifascista. Preso de novo em 1949, passa toda a década de 50 nas prisões fascistas. Levado a julgamento, fez no Tribunal fascista uma contundente acusação à ditadura fascista e a defesa da política do Partido. Condenado, permaneceu 11 anos seguidos nas cadeias fascistas, dos quais cerca de 8 anos em completo isolamento. Transferido da Penitenciária de Lisboa para a prisão-fortaleza de Peniche, evadiu-se em 3 de Janeiro de 1960 com um grupo de outros destacados militantes comunistas. O período desde o início dos anos 60 até à Revolução de Abril de 1974 é extraordinariamente intenso. Integrou novamente o Secretariado do Comité Central, foi eleito Secretário-geral do PCP em Março de 1961. Interveio decididamente para a correcção do desvio de direita e para o combate ao oportunismo de direita e às tendências sectárias e esquerdistas do radicalismo pequeno-burguês. Deu uma contribuição decisiva na análise da situação nacional, no traçar da orientação, na definição das tarefas e na direcção da acção política do Partido, criando condições para a Revolução de Abril e influenciando o seu desenvolvimento. Após o derrube da ditadura fascista em 25 de Abril de 1974, pela primeira vez depois de quase quarenta anos de luta na clandestinidade ou na prisão, pôde desenvolver a acção política nas condições de liberdade que a Revolução proporcionou. Foi Ministro sem Pasta nos primeiros quatro Governos Provisórios e eleito deputado à Assembleia Constituinte em 1975 e à Assembleia da República nas eleições realizadas entre 1975 e 1987. Foi membro do Conselho de Estado de 1982 a 1992. A sua intervenção na fase do desenvolvimento do processo revolucionário, e posteriormente na defesa das conquistas da revolução atingidas pelo processo contra-revolucionário, é profundamente marcada pela avaliação e o estímulo ao papel da luta da classe operária, dos trabalhadores, das massas populares. No XIV Congresso do PCP, em 1992, no quadro de renovação e nova estrutura de direcção, deixou de ser Secretário-geral e foi eleito, pelo Comité Central, Presidente do Conselho Nacional do PCP. Em Dezembro de 1996, no XV Congresso do PCP, extinto o Conselho Nacional e o cargo de seu Presidente, manteve-se membro do Comité Central do PCP. Manteve uma intervenção activa na acção política, na actividade cultural e artística, na afirmação confiante do projecto comunista, até ao fim da sua vida. Morreu aos 92 anos em 13 de Junho de 2005 e o seu funeral no dia 15 de Junho com a participação de centenas de milhares de pessoas, uma extraordinária homenagem dos comunistas, dos democratas e patriotas, dos trabalhadores e do povo a quem Álvaro Cunhal dedicou a sua vida, constituiu uma manifestação que foi em si mesma uma afirmação de determinação, empenho e confiança na continuação da luta pela causa que abraçou. Luís Vicente Nascido em 1953 ingressa no TAS – Teatro de Animação de Setúbal e dirige o grupo de teatro do Círculo Cultural de Setúbal. Em 1978 ingressa na Companhia de Teatro de Almada, onde permanece vários anos. Passou ainda pelo Teatro Experimental de Cascais e pelo Teatro da Trindade. Foi várias vezes distinguido e premiado em Portugal (Prémio Revelação da Crítica; Primus Interpares Personalidade Cultura; Nomeação Globos de Ouro Melhor Actor – Teatro) e no estrangeiro (Bronze Advertising – Cannes; Troféu Eurobest; Medalha de Ouro Festival de Cinema de Nova York). Em 1997 integra o núcleo fundador da ACTA – A Companhia de Teatro do Algarve, da qual é director de produção e director artístico. Rodrigo Francisco Nascido em 1981, é formado em Línguas e Literaturas Modernas pela Universidade Clássica de Lisboa. Estreou-se na escrita para teatro com Quarto minguante, texto estreado em 2007, que conheceria uma versão televisiva em 2009 e duas traduções - pela revista espanhola Primer acto e pela editora francesa Éditions l’Oeil du Prince. É também autor de Tuning, peça encenada por Joaquim Benite que estreou em 2010, ano em que foi nomeado pela SPA para o Prémio de Melhor Texto de Teatro Português. Actualmente director artístico do TMJB, Rodrigo Francisco fez a sua formação teatral com Joaquim Benite, de quem foi assistente de encenação nos últimos seis anos. Ficha Artística Direcção Rodrigo Francisco intérpretes Luís Vicente | João Farraia | Manuel Mendonça | Joaquim do Carmo Vídeo Catarina Neves Luz e cenografia Guilherme Frazão S e fores preso, camarada, cairá sobre ti uma grande responsabilidade. Terás de continuar defendendo o teu Partido, os teus camaradas, o teu ideal, mas em condições muito diferentes, pois que te encontrarás isolado nas mãos do inimigo, sujeito aos seus insultos e às suas violências. Se fores preso, camarada, encontrar-te-ás em circunstâncias tão duras como nunca talvez tenhas atravessado. Precisamente por isso, terás ocasião de provar, perante o teu Partido, perante os teus camaradas, perante aqueles que em ti confiam, e perante ti próprio, que és na verdade um comunista, capaz de te manteres firme e fiel aos teus ideais nas mais difíceis situações. Se nunca foste preso faltar-te-á, porém, a experiência dessa nova frente de luta que é a prisão; e a falta de experiência sujeita-te a surpresas e a erros. É certo que se és honrado e firme saberás comportar-te dignamente perante o inimigo; mas se conheceres a experiência daqueles que já estiveram presos, ela ajudar-te-á enormemente a manteres um moral elevado, a defenderes-te dos truques da polícia, a defrontares os processos que ela utiliza e, assim, a melhor defenderes o nosso Partido. Álvaro Cunhal, Se fores preso, camarada Q uinhentas celas, quinhentos presos, prisão maior celular. Para muitos, na gíria prisional, até saírem agasalhados num sobretudo de tábuas. Cinco, dez, quinze, vinte e mais anos a maior parte do tempo fechados numa cela. Um rectângulo de dois metros por quatro, iluminado por uma pequena janela gradeada junto ao tecto, para que o preso não veja o exterior. O chão de cimento. Uma estreita cama de ferro. A mesa, um tampo de setenta por quarenta centímetros forrado de zinco e suspenso da parede. Um banco com assento minúsculo. Um balde para as necessidades. Verdadeiro luxo, uma bacia metálica com torneira de água corrente aberta durante os primeiros minutos da manhã para enxaguar o rosto e alguns minutos depois das refeições para limpeza das marmitas. Não é esse mundo que podem imaginar os passantes na rua fronteira, olhando a fachada acastelada e nobre com torreões em pedra branca a sugerir, para lá dos muros encimados por vistosas ameias, a frescura de parques e jardins. Manuel Tiago, A estrela de seis pontas N ão somos os representantes de um Partido vencido ou de uma causa vencida. Somos os representantes de um grande Partido nacional, dos operários, dos camponeses, de todos os explorados oprimidos no nosso País, somos os representantes da força de vanguarda na luta pela Democracia, a Independência e a Paz, somos os representantes de uma causa já hoje historicamente triunfante. Vamos ser julgados e certamente condenados. Para nossa alegria basta saber que o povo pensa que se alguém deve ser julgado e condenado por agir contra os interesses do povo e do País, por utilizar meios inconstitucionais e ilegais, por empregar o terrorismo, esse alguém não somos nós, comunistas. O nosso povo pensa que, se alguém deve ser julgado por tais crimes, então que se sentem os fascistas no banco dos réus, então que se sentem no banco dos réus os actuais governantes da nação e o seu chefe, Salazar. Podem estar certos de que o dia virá em que a consideração de todos os crimes do fascismo ocorrerá num outro julgamento: haverá um dia em que os réus serão vocês. Intervenção de Álvaro Cunhal no seu julgamento, em 1950